Henrique J. C. de Oliveira, Os Meios Audiovisuais na Escola Portuguesa, 1996. |
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valor da imagem como forma importante de sensibilizar os sentidos e de despertar
o interesse pelo conhecimento não passou despercebido aos intelectuais e
pedagogos, tendo sempre sido considerado como a etapa primeira no longo caminho
em busca da verdade. Até mesmo durante o século das luzes e da razão, período
em que Descartes chamou a atenção para o perigo das imagens poderem constituir
fonte de erro, elas continuaram a ser consideradas como forma importante de
acesso ao conhecimento. Ao contrário do que poderia pensar-se, não parece
correcto afirmar que, por influência de Descartes, a imagem foi totalmente
banida e apenas reabilitada a partir do século XX. Descartes chama a atenção,
isso sim, para o facto de as imagens poderem constituir, frequentemente, uma
fonte de erro e para o papel essencial do método e da razão, pois é pela análise
metódica daquilo que se observa que o homem tem hipóteses de chegar ao
verdadeiro conhecimento. De facto, as imagens que chegam ao nosso cérebro
produzem por vezes interpretações erradas da realidade – é o caso das ilusões
de óptica –, pelo que a dúvida metódica, a que Descartes alude no seu Discurso
do método[1],
será uma forma de reduzir as
probabilidades de erro, levando a uma análise e reflexão profunda daquilo que
se observa e ao verdadeiro conhecimento. Não é por acaso que, alguns anos mais
tarde, os autores de uma das primeiras enciclopédias, que recorrem em larga
escala à imagem como forma de acesso ao conhecimento, tiveram o cuidado de
representar os objectos e os esquemas das máquinas de uma maneira «distinta
aos olhos», decompondo frequentemente os objectos complexos nos seus «pormenores
pela importância do seu uso e pela quantidade dos /
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seus componentes»,
passando por vezes «do simples ao
composto[2]»,
para que os olhos os possam distintamente ver sem qualquer hipótese de erro. Desde
muito cedo, em diferentes países europeus, entre os quais Portugal, muitos
foram aqueles que viram no recurso à imagem uma forma de facilitar a
aprendizagem, mandando não só ilustrar obras de iniciação da leitura, como
aconselhando que os conhecimentos fossem ministrados às crianças, quer pelo
contacto directo com a realidade, quer pela apresentação e explicação de
imagens coloridas e atraentes dos diferentes seres do mundo animal, vegetal e
mineral, recorrendo a imagens impressas ou a outros recursos tecnológicos
susceptíveis de as mostrar, sempre que a observação directa da realidade não
estivesse ao alcance de todos os implicados no processo da aprendizagem. Por limitação de tempo e, sobretudo, de espaço de escrita, restringir-nos-emos a alguns dos nomes mais importantes, apresentando inicialmente alguns casos relativos a diferentes países e, finalmente, alguns nomes importantes no panorama do ensino em Portugal. O facto de apenas nos centrarmos no papel da imagem como recurso educativo levar-nos-á necessariamente à omissão de nomes importantes na área da tecnologia educativa e das teorias do conhecimento. Começaremos por referir o primeiro tratado sistemático de pedagogia, didáctica e sociologia, publicado em 1657 por Coménio, obra que continua perfeitamente actual em muitos aspectos e cuja influência foi notória nos séculos seguintes. Veremos depois o contributo e impacto dos principais pedagogos do século XIX (Lancaster, Froebel, Pestalozzi e Herbart) e da primeira metade do século XX (Thorndike, Dewey e Séguin). Faremos depois uma referência aos métodos de Montessori e Decroly e terminaremos com duas opiniões críticas relativamente aos métodos audiovisuais, respectivamente de Gourevitch e de Piaget.
[1]
- Segundo Descartes, «a primeira [das regras] era de nunca aceitar nenhuma
coisa por verdadeira sem que fosse conhecida evidentemente como tal, isto é,
evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e nada mais
compreender nos meus julgamentos do que aquilo que se apresente tão
claramente e tão distintamente no meu espírito que não tenha nenhuma
ocasião de o pôr em dúvida. (...) a terceira, de conduzir por ordem os
meus pensamentos, começando pelos objectos mais simples e mais fáceis de
conhecer, para subir a pouco e pouco (...) até ao conhecimento dos mais
compostos (...).» Tradução
livre de um excerto de Le Discours de
la Méthode, In: A. LAGARDE e L. MICHARD, XVIIe Siècle. Col. Textes et Littérature, Paris,
Bordas, 1963, p. 84. |
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