Do ponto de
vista linguístico e semiótico, a imagem coloca desde logo um problema
fundamental: o de saber se uma imagem, uma fotografia, uma /
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pintura, uma
representação qualquer, constitui uma forma do seu autor comunicar com
outras pessoas, ou seja, se a imagem pode ser considerada como uma forma
de comunicação, à semelhança da linguagem verbal. É este o problema
que colocou, por exemplo, Georges Mounin, de acordo com a referência que
nos é feita por Louis Porcher[1],
extraída dos "Cadernos pedagógicos da Rádio-Televisão Escolar,
ano de 1966-67 - Emissões de filosofia: a linguagem (página 35).":
«Uma
semiologiasemiologiasemiologiasemiologia
resolveria a questão de saber se a pintura é uma linguagem, isto é, se
a pintura permite que alguém comunique com outra pessoa e como; e, de
modo especial, se se tem o direito de falar aqui de uma linguagem, ou
seja, se a estrutura das unidades e as regras de utilização destas
unidades são isomorfas, isto é, do mesmo tipo que as unidades e as
regras da sua utilização na língua natural. Da mesma maneira para a
escultura, o cinema ou ainda as regras da educação.»
Segundo
Ferdinand de
Saussure, a
semiologia (ou
semiótica
) é entendida como a descrição rigorosa de um conteúdo manifestado,
quer com a ajuda de outras linguagens para além das linguagens naturais,
quer com a ajuda dos significantes que constituem os objectos e os próprios
comportamentos humanos. Deste modo, a semiologia engloba a própria linguística,
a semiologia apresenta-se como uma ciência que procura estudar todos
sistemas de comunicação, abrangendo a própria linguística, que será
uma ciência mais restrita, tendo por objecto apenas a linguagem verbal.
Este carácter abrangente da semiótica leva ao problema da distinção de
dois tipos de semiótica, as semióticas linguísticas e as semióticas não
linguísticas. Tal como constatou Christian Metz, uma semiologia pode ser
trans-verbal, englobando todas as formas narrativas que se servem das
palavras, tais como contos, mitos, narrativas orais ou escritas, e pode
também ser não verbal, englobando todas as espécies de imagens
existentes.
Mas, se a semiótica
se caracteriza pela sua grande amplitude, na medida em que os seus
objectivos visam o estudo de todas as formas possíveis de comunicação,
das quais a linguagem verbal é uma, acontece que nenhum estudo semiótico
pode ser efectuado sem o recurso à linguagem verbal. Para o estudo, por
exemplo, das imagens como forma de comunicação, é imprescindível a
utilização da linguagem verbal. Estas nossas reflexões seriam impossíveis
de realizar sem o apoio das palavras que agora estamos a ler.
Consequentemente, um estudo semiológico nunca poderá prescindir do apoio
da linguística, o que levou alguns linguistas a considerar que a semiótica
não é mais do que um ramo da linguística. Aliás, toda a actividade
humana está condicionada pela palavra, seja ela oral, seja escrita, razão
que levou
Roland Barthes,
Christian Metz
e outros a afirmar que o homem, mais do que nunca, vive numa civilização
da escrita e que, por muito que a imagem seja actualmente utilizada, ainda
não vivemos no reino das imagens. Christian METZ, por exemplo, chama
mesmo a atenção para a necessidade já tradicional de distinguir, no
interior do vasto problema das relações entre imagem /
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e pedagogia, dois
aspectos diferentes: o ensino da imagem (um curso de iniciação ao
cinema, ao vídeo, etc.) e o ensino pela imagem (recurso a filmes pedagógicos
ou outros meios modernos que utilizam a imagem):
«Quaisquer que sejam as
linguagens da imagem (cinema, televisão, etc.), todas têm em comum o
facto de se apoiarem largamente, numa fase inicial, na percepção visual:
esta (...) não dá conta da intelecção de todos os dados visuais (...)
mas assegura, pelo menos, uma primeira camada de inteligibilidade que não
tem nenhum equivalente nas línguas e que, numa larga medida, não pode
ser ensinada (...)[2].»
E acrescenta
que, se se quiser ensinar a imagem, se torna necessário regredir, isto é,
avançar «tão profundamente quanto
possível no sentido de mecanismos perceptivos», uma vez que a percepção
sensorial é também um facto cultural e social variável de uma cultura
para outra, o que significa que, «cedo
ou tarde, chegará um momento em que o ensino da própria imagem encontrará
os seus limites». Por exemplo, quando se constata que uma criança
que reconhece um automóvel na rua também o identifica numa fotografia de
boa qualidade técnica e que outra não o consegue identificar na imagem e
nem mesmo o reconhece na rua, tal deve-se a razões puramente de ordem
cultural.
Christian Metz
alerta-nos aqui para um problema que distingue a imagem da linguagem
verbal, ou seja, uma língua pode ser ensinada tendo em conta problemas de
ordem normativa e regras bem definidas, que permitem que possa ser
ensinada a qualquer sujeito falante, independentemente de valores de
natureza civilizacional. Em contrapartida, a leitura da imagem está
dependente de valores de ordem civilizacional, de ordem cultural, que
poderão tornar a sua descodificação difícil, só facilitada pela junção
de outras linguagens, que lhe forneçam elementos complementares.
Toda a
publicidade moderna, com que os modernos meios de comunicação social
bombardeiam o vulgar cidadão, por muito poderosas, comunicativas,
sugestivas e cativantes que sejam as imagens apresentadas, não subsiste
sem o apoio e complemento das palavras. Por muito rigorosas que sejam as
reportagens cinematográficas (ou em vídeo) apresentadas nos noticiários
televisivos, com documentos filmados no próprio momento dos
acontecimentos, muitas vezes com o risco da própria vida, nunca
conseguiriam alcançar o seu pleno estatuto de notícia se não fossem
acompanhadas pelas palavras do locutor, fornecendo elementos precisos
acerca das cenas registadas. Sem as palavras definindo rigorosamente os
referentes situacionais - localização espácio-temporal, identificação
dos intervenientes, etc. - a mensagem visual perderia parte do seu rigor
como notícia. Uma cena de um episódio de uma guerra, desprovida da
linguagem verbal, perde grande parte da sua significação. Embora as
imagens só por si sejam passíveis de leitura (o tipo de armamento poderá
ajudar a situar mais ou menos no tempo, dependendo da cultura do
espectador e a cena seria facilmente identificada como uma situação de
«guerra» e
/
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como tal rotulada com este vocábulo ou outros afins), muitos
elementos ficariam perdidos. Mas isto não invalida que não se possa
comunicar pela imagem desprovida de palavras. Podemos ter sequências
narrativas de imagens sem qualquer palavra susceptíveis de uma leitura e
interpretação mais ou menos correcta, desde que entre essas imagens se
estabeleçam conexões lógico-semânticas. É que os elementos que
constituem as imagens são, tal como as palavras, unidades significativas
susceptíveis de serem descodificadas. E tal como dentro de um texto as
palavras estabelecem diversas relações de natureza sintáctica,
constituindo unidades significativas mais amplas e rigorosas, também os
elementos constituintes das imagens se organizam em grupos mais amplos
carregados de significação.
No entanto, uma
vez mais Christian Metz nos alerta para um problema importante, que é o
da rede de significações subjacentes a uma imagem e para o facto desta,
relativamente ao ensino, dever evitar ser brutalmente normativa: «O
ensino da imagem deverá evitar tornar-se brutalmente normativo»,
pois enquanto a linguagem verbal obedece a regras precisas de carácter
morfossintáctico, uma imagem é sempre passível de diferentes interpretações,
em função da cultura e também da subjectividade de cada um. «Porque o ensino apenas transmite
a cultura e porque a imagem desempenha um grande papel na nossa cultura,
um ensino da imagem parece desejável, sob condição de não se tornar a
ocasião de uma sequência de fanatismo "audiovisual"[3].»
Todos os
objectos, tudo quanto existe no mundo percepcionado pelo homem é constituído
por uma multiplicidade de redes de significação. Qualquer objecto, mesmo
se a sua existência ocorre fora de qualquer intencionalidade de
comunicar, acaba sempre por adquirir, perante o sujeito que o observa, uma
determinada carga significativa, dependente de diversos factores e ainda
que variável de sujeito para sujeito. Tudo quanto existe no universo e é
passível de ser percepcionado pelo homem acaba sempre por adquirir uma
determinada carga significativa. Esta característica, inerente a tudo
quanto existe, dependente ou independentemente da acção do homem, foi já
suficientemente demonstrada por diversos autores. Por exemplo, a moda
constitui, conforme o provou Roland Barthes[4],
ao construir um «sistema da moda», uma forma de comunicação. Se bem
que o vestuário tenha como função primordial a protecção do corpo
contra as agressões climáticas, a maneira como cada um se veste acaba
sempre por adquirir uma determinada carga significativa e por ser
apreciada favorável ou desfavoravelmente pelos diferentes observadores.
Se uma pessoa se apresenta de chapéu de palha, óculos escuros, calções
e toalha, todos os que a observam atribuem imediatamente uma significação,
podendo mesmo adivinhar quais as intenções do portador de tal indumentária.
Do mesmo modo, se a uma dada /
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hora da noite, essa mesma pessoa se apresenta
impecavelmente vestida, com fato a rigor, laço ao pescoço e colarinhos
engomados, segurando numa mão um par de luvas, a significação atribuída
será totalmente diversa. A observação do conjunto, a imagem visual que
chega ao cérebro do observador, é portadora de elementos susceptíveis
de permitir determinadas descodificações, entrando na interpretação da
imagem não só os elementos referentes ao trajo, como, inclusive, os
referentes situacionais, ou seja, as características envolventes, tais
como o local e a hora, que permitem alcançar significações mais
precisas.
Se qualquer
objecto, bem como tudo quanto é criado pelo homem, é susceptível de ser
portador de uma determinada carga significativa, logo, qualquer imagem,
produzida manual ou mecanicamente, terá de ser também necessariamente
portadora de significação, podendo por isso funcionar como uma forma de
comunicação. Todavia, segundo os linguistas, somente a linguagem verbal
é o único sistema verdadeira e completamente significante, pelo que,
segundo Barthes, «objectos,
imagens, comportamentos podem significar, e fazem-no abundantemente, mas
nunca de maneira autónoma; todo o sistema semiológico se completa com a
linguagem»[5],
os objectos significantes não linguísticos são apoiados por
significantes de natureza linguística.
Se, como atrás
foi referido, todos os objectos, naturais ou artificiais, acabam por ficar
impregnados, em maior ou menor grau, de uma carga significativa, então
será lógico concluir que qualquer imagem, seja de que tipo for e
qualquer que seja o meio como foi obtida, terá obrigatoriamente de ser
portadora de significação, poderá encerrar, também ela, uma
determinada mensagem, podendo adquirir um papel idêntico ao das palavras,
entidades duplas, simultaneamente significantes e significadoras, isto
é, objectos físicos[6]
e entidades portadoras de significação, susceptíveis de evocarem na
mente dos sujeitos falantes determinadas imagens mentais. Como tal, à
semelhança das palavras, susceptíveis de serem organizadas segundo
determinadas estruturas lógico-semânticas, permitindo codificar e
transmitir mensagens, também as imagens materiais, independentemente da
maneira como foram obtidas ou criadas, poderão ser portadoras de sentido
e desempenhar diversas funções.
As imagens, de
acordo com o seu grau de complexidade e com a maneira como estão
organizados os seus elementos constituintes, poderão ser comparadas a
textos mais ou menos complexos, susceptíveis de serem lidos e
interpretados pelos receptores.
/
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Os mesmos princípios
e a mesma terminologia utilizada na linguística e teorias da comunicação
poderão ser aplicados ao estudo da imagem, enquanto forma de comunicação.
Tal como a linguagem verbal e outros sistemas de comunicação que lhe
andam frequentemente associados, a imagem constituirá uma forma de
comunicação. No entanto, constitui uma forma de comunicação específica
e uma das formas mais antigas utilizadas pelo homem e, frequentemente,
associada, desde há longa data, à linguagem verbal. Embora numa fase
inicial a imagem tenha sido utilizada (e ainda hoje continue a ser em
muitas situações) de maneira autónoma, independentemente da linguagem
verbal, a partir do momento em que o homem conseguiu criar símbolos
visuais (como a própria imagem!) capazes de tornar mais duradoura a
linguagem verbal, imagens e palavras passaram a constituir duas formas de
comunicação que frequentemente se completam, sendo, na vida moderna,
tecnologicamente cada vez mais avançada, duas formas de comunicação
muitas vezes indissociáveis.
Embora
fisicamente imagens e palavras apresentem grandes diferenças, há muitas
semelhanças entre imagem e texto
, enquanto formas de comunicação. Além de ambos constituírem
registos fixos, não voláteis, susceptíveis de uma comunicação
diferida sem necessidade da presença física dos interlocutores, capazes
de vencerem a barreira do tempo e da sua recepção se efectuar através
da visão, a imagem pode ser comparada, em muitos aspectos, ao texto
escrito. As mensagens transmitidas por estes dois tipos de
"texto", por vezes coexistentes, têm de ser descodificadas
mediante leitura dos «semas» neles presentes. No texto linguístico, é
necessário efectuar a leitura e descodificação das palavras; na "imagem-texto",
é necessário analisar os diferentes elementos que a compõem. No texto
linguístico, os diferentes vocábulos constituem unidades significativas
mais extensas, as frases, cuja leitura permite efectuar a ligação lógico-semântica
e alcançar o sentido global da mensagem textual; num quadro, a análise
dos diferentes objectos ou grupos de objectos, situados nos diferentes
planos e entre os quais se estabelecem relações, relações de forma e
de cor, constitui a leitura que permite chegar à descoberta da mensagem
global. Do mesmo modo que os textos linguísticos podem desempenhar
diversas funções, de acordo com os objectivos do sujeito emissor, que
codifica e, mediante um acto de fala, transmite a mensagem, de igual modo
uma imagem pode desempenhar uma multiplicidade de funções, de
acordo com os objectivos do seu autor.
De
tudo quanto foi anteriormente exposto, pode-se concluir que a imagem, do
ponto de vista semiótico, constitui uma forma específica de comunicação,
muitas vezes associada à linguagem verbal, com características próprias
e susceptível de ser estudada. Estamos, no entanto, muito longe de ter
dado uma noção completa do conceito de imagem, tendo em conta as várias
áreas do conhecimento em que ele nos surge. No nosso caso concreto,
interessa-nos /
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essencialmente considerar a imagem enquanto objecto
material, enquanto sistema de representação sensorial materializado num
documento. E, concomitantemente, interessam-nos também não só os
sistemas utilizados para a obtenção ou captura destes objectos
materiais, a que damos o nome de imagens, como efectuar uma breve análise
diacrónica dos meios utilizados para a sua apresentação. Enquanto
objecto material, podemos afirmar que uma imagem é uma reprodução de
uma determinada realidade, obtida por diferentes processos, que vão desde
a produção manual, feita a partir de uma observação (caso de um
desenho, da pintura ou da escultura), até à produção mecânica através
da objectiva de uma câmara, podendo mesmo passar por uma técnica mista,
recorrendo à reprodução manual de uma imagem obtida sobre uma superfície
plana através de um sistema óptico, como ocorreu num período da vida do
homem anteriormente à invenção de suportes foto-sensíveis (caso da
moderna película fotográfica), em que o desenhador recorria a um
aparelho baseado no mesmo princípio da câmara escura. Com a invenção
da película, da máquina fotográfica e dos modernos sistema de registo,
o vocábulo imagem passou a ser também aplicado à reprodução mecânica
feita através da objectiva de uma câmara (fotográfica, de cinema ou de
vídeo) e fixada sobre um determinado suporte físico (película, papel,
fita magnética), quando empregamos, por exemplo, as expressões «
imagem
fotográfica
»,
«
imagem
fílmica
»,
«
imagem
digital
».
[1]
- Vd. Louis PORCHER, Introduction à une sémiotique des images. Sur quelques exemples
d'images publicitaires, 1ª ed., Paris, Edições Didier, 1987,
cap. II, p. 10.
[2]
- Christian METZ, Images et pédagogie, in: "Communications", nº 15, Paris,
Ed. Seuil, 1970, pp. 162-168.
[3]
- Christian Metz, op. cit., pp. 167-168
[4]
- Roland BARTHES, Système de la mode, Paris, Ed. Seuil, 1967.
[5]
- Roland BARTHES, "Eléments de sémiologie", in: Le
degré zéro de l'écriture, col. Médiation, Paris, Ed. Gonthier,
1953, p. 80.
[6]
- Recorde-se que todo o sinal linguístico é uma entidade dupla,
como o demonstrou Saussure, constituída simultaneamente por um
significante, isto é, um objecto físico formado por uma cadeia
sonora, e um significado, na medida em que esse objecto acústico
evoca no sujeito falante uma imagem mental, correspondente ao arquétipo
do objecto representado pela palavra.
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