Síntese - Costa e Melo
recorda Salazar, figura que motivou contraditórias reações e
emoções, dividindo a sociedade portuguesa: para alguns foi um
Deus, para outros o Diabo. Esta memória surge após a leitura de dois
"livrinhos", da jornalista Maria de Lourdes Brandão, também
colaboradora de "O Comércio do Porto", sendo um deles uma entrevista
que esta efetuou, quando no início da sua carreira, a Salazar,
já estava doente e na ilusão de que ainda governava o país.
O livro editado pela própria
intitula-se "O adeus de Salazar aos portugueses" e tem como
subtítulo "Última entrevista". Para além de uma
entrevista, trata-se de um testemunho dos últimos tempos de vida do
antigo ditador, onde nos deparamos com um homem vítima do próprio
sistema político que criou, permanentemente controlado e
vigiado pela PIDE, sem liberdade para escolher quem queria receber
em sua casa, nem dizer o que pretendia.
A autora deste pequeno
livro relata-nos os subterfúgios a que teve que recorrer para aceder
a Salazar, beneficiando da ajuda de Nogueira da Silva, amigo íntimo
deste, e da cumplicidade da sua companheira de vida - Maria de
Jesus Caetano Freire - para o fazer. A jornalista conta as
dificuldades que teve para aceder ao diálogo com Salazar, por duas
vezes (11 de fevereiro e 21 de março de 1970), sendo previamente
revistada por dois elementos da PIDE que guardavam a sua "casa-prisão".
Após a morte de Salazar (27 de julho de 1970), revela a jornalista
que a entrevista pôde ser publicada, mas apenas no Brasil e em
França, sem, contudo poder "...dizer toda a verdade, para não
comprometer as pessoas que me permitiram chegar até ele, dentro dos
muros dessa casa-prisão, onde Salazar, depois da queda, vivia
semiparalisado, mas lúcido."
As entrevistas ocorreram
debaixo de grande medo e tensão, pois a jornalista teve que ocultar
a sua condição profissional aos elementos da PIDE, referindo residir
no Brasil e que trazia uma encomenda do irmão de D. Maria de Jesus,
que habitava a cidade de S. Paulo. Foi durante o segundo
encontro que a autora conseguiu gravar a entrevista, tendo sido
disponibilizado o gravador pela governanta de Salazar, tudo às
escondidas dos elementos da PIDE. Também esta conseguiu a
presença de um fotógrafo profissional, mas que acabou intercetado
pelos dois elementos da polícia, terminando, assim, de forma
abrupta, a entrevista:
"Mas Salazar não
chegou a dizer-me mais nada. Porque neste momento, ruídos e vozes,
como se pessoas estivessem a discutir, chegaram até nós. Calámo-nos.
As vozes
continuaram a ouvir-se, mais altas. E uma criada veio a correr
dizer-me que "a senhora pedia para sair imediatamente, porque o
fotógrafo tinha sido interceptado". Tirei a "cassete" do gravador,
peguei o meu casaco, beijei Salazar e disse-lhe: Obrigada...Se
puder, volto...
Ele acenou com a
cabeça, silencioso, e eu segui a criada por um corredor, muito
assustada. Andámos imenso, descemos escadas interiores e cheguei a
uma portinha lateral. Saí.
...
No dia
seguinte, fui informada que era melhor deixar o hotel onde me
hospedava, em Lisboa, pois a PIDE tinha descoberto que eu era
jornalista e que queria divulgar notícias sobre Salazar. O fotógrafo
que nos tirou as fotos fora apanhado e estava preso. A máquina tinha
desaparecido. E eu resolvi fazer o mesmo, por uns tempos..."
A autora lança as
seguintes questões, para as quais reconhece não ter respostas:
"Quem impedia que
Salazar fosse visto, na realidade da sua velhice, lúcido ainda, mas
semiparalisado?"
Porque amigos
fiéis de Salazar desejavam que alguém chegasse perto do Presidente e
pudesse transmitir, sem partidarismos, o que se passava à sua
volta?"
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