Sorte madrasta dos meninos filhos de mãe

Quem usa os transportes públicos com regularidade acaba por conhecer bem aquilo a que designam de “país real”, de “estado da nação”, na sua forma mais espontânea e verdadeira.

Pequenos-grandes dramas humanos, muitas tragédias, algumas comédias.

Outras cenas, inomináveis, exercitam a capacidade de espanto e de indignação.

Um destes dias, chegava a uma determinada paragem dos STUA*, uma jovem mãe arrastando consigo um garoto dos seus 3-4 anos de idade, que berrava e repetia a plenos pulmões a palavra COLO! Como o miúdo não se calasse, as muitas pessoas que esperavam o autocarro começaram a inquietar-se, a entreolhar-se, a suspirar, a cabeça a gesticular “nãos” difíceis de classificar, até que uma senhora agarrou para si a coragem de toda aquela gente e despachou-se para a jovem mãe:

– Ó ‘miga, dê lá colo ó menino!...

Algo contrafeita, a moça lá pegou no miúdo, que ainda soluçava.

– Ao fim do dia, sabe bem a toda a gente um bocadinho de colinho! Quem me dera a mim!... – concordavam algumas mulheres, mães, avós, para desanuviar o ambiente:

– O rapazito deve ser mauzito!... A mãe está cansada, sabes, nino!... Temos de ter paciência, ‘miga, que é que a gente pode fazer, temos que os aturar, olhe,… é assim!...

– Como é que te chamas? Queres vir comigo? Se queres, eu pego-te um bocado, anda cá!... – dizia uma bonacheirona senhora.

O rapazito, porém, deitava-lhes a língua de fora e respondia com manguitos, de cotovelo erguido ao carinho oferecido. Nada. Só queria o colo da mãe.

– És mau! – constatava-se – Já não gosto de ti!... És maroto!...

O fedelho atirava-lhes com um pretenso pontapé, evidenciando uma falta de educação precocemente adquirida.

Já no autocarro, sentado ao lado da mãe, rebelava-se contra as solícitas senhoras que entravam e lhe passavam a mão pelo cabelo.

Por fim, pelo menos duas filas de passageiros compreenderam finalmente a sorte madrasta do tal miúdo mau, quando aquela jovem mãe, de cabelo amadeixado, vociferou entre dentes sem nunca olhar para o filho e fazendo uso do mesmíssimo gesto do cotovelo erguido que o garoto manifestara 5mn antes: — Cala-te, meu (…)! Quando chegares a casa já comes! (…), (…)!

Uma surdina indignada percorreu aquela ala do autocarro, tomando o partido daquele garoto, agora tornado apenas menino, criança:

— Ele pode ser mau, mas aquilo não está certo, coitadinho!!...

 

Não vale a pena tirar ilações nem “morais da história”, até porque ninguém aprende por ser ensinado. E daí…

É óbvio que nem todos os(as) progenitores(as) são instintivamente capacitados para serem pais e mães, pelo menos na sua acepção mais genuína; por isso talvez faça sentido construir uma espécie de “Escola de Pais”, em que aqueles que por acidente de percurso ou por vontade consciente acabam por ter filhos, biologicamente falando, aprendam também a tê-los, do Coração.

(*Serviço de Transportes Urbanos de Aveiro)

 Teresa Castro - Janeiro 2004

 

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