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ENERGIAS
Reflexões avulsas e inacabadas

 

Isabel Carvalho

Pode a humanidade pensar a sua vida na Terra sem energia eléctrica e/ou sem combustíveis?

Em apenas uma linha, diria: muito dificilmente.

No que diz respeito, particularmente, à energia eléctrica sabe-se que milhões de pessoas vivem privadas dela, embora as sociedades actuais assentem o seu modelo de desenvolvimento precisamente no consumo de energia. E, todavia, há que dizê-lo, se toda a humanidade consumisse energia de igual modo, o planeta não sobreviveria, pois sejam quais forem as fontes energéticas usadas, todas, provocam problemas e danos ambientais.

Nos dias que correm, entre as mais utilizadas, encontram-se, por exemplo, o carvão, o petróleo e o gás natural. E, destas, as duas primeiras são muito agressivas para o meio ambiente, a começar logo na mineração e na refinação, terminando depois na utilização de que resultam resíduos sólidos e gases poluentes.

Já o gás natural, considerado menos poluente, também não está isento de impactos, pois da sua combustão emanam gases que contribuem para a destruição da camada de ozono e, consequentemente, para o aumento do efeito de estufa.

Neste quadro, a energia hidroeléctrica é então aquela que aparece referida como "limpa". E, isso, porque não gera poluentes, contudo, a construção de barragens tem impactos ambientais consideráveis.

Aliás, que cidadão português não guarda ainda na memória o processo de construção, nomeadamente, das barragens da Aguieira (inaugurada em 1981) e de Alqueva (inaugurada em 2002), em que, respectivamente, foram submergidas as aldeias de Breda, no concelho de Mortágua e a de Foz do Dão, no concelho de Santa Comba Dão e ainda a Aldeia da Luz, no concelho de Mourão, cuja população teve de ser transferida, além do Castelo da Lousa e de muitas milhares de azinheiras e outra vegetação diversa que ficaram por lá, sob milhares de milhões de metros cúbicos de água.

Ora, acresce a esta lista o facto de a "taxa de evaporação nas barragens", como afirmam alguns entendidos na matéria, "ser maior que nos rios, o que por si dá azo a impactos climáticos locais".

Há depois a considerar as fontes renováveis de energia, as quais encerram igualmente um vasto número de questões a ponderar.

Na verdade não é pelo facto de se denominarem renováveis que não têm impactos no ambiente. Senão veja-se a onda crítica gerada pelos parques eólicos em Espanha, alegadamente por poluírem visualmente a paisagem e serem barulhentos.

Desta feita, é inevitável e impõe-se que nos perguntemos sobre o rumo a tomar, pois à partida, os benefícios para o meio ambiente e, consequentemente, para a / 29 / nossa sobrevivência apontam, ou melhor, exigem, que todos economizemos energia ao invés de produzirmos mais.

 

A ENERGIA DE TODA A POLÉMICA

As vozes que se têm pronunciado sobre esta matéria em termos nacionais e mundiais ressoam plenas de controvérsia. E, poucas são, aliás, as que defendem uma acção economizadora.

Em nome do "bem-estar", do desenvolvimento e de outras tantas ponderadas, – que não são aqui chamadas, mas existem e são determinantes, – pululam os argumentos que pressupõem o aumento da produção de energia.

Assim é um facto incontornável que a questão energética esteja na ordem do dia e quase sempre envolvida por polémica, sobretudo quando muitos julgam encontrar a solução na energia nuclear, como complemento de todas as outras, incluindo as renováveis (energia solar, eólica, bioenergética, etc.).

Ora, no que toca a Portugal, o problema do nuclear parecia estar encerrado, mas não. Está de volta. E, por via disso, tenho por certo, que virá a merecer o equivalente debate público, sendo claro para mim que existem hoje indícios de uma maior aceitação desta forma de produzir energia.

A nível mundial, as notícias que dão conta da proliferação de instalações nucleares suplantam em muito as que informam sobre o seu abandono. E, no entanto, os custos e os riscos continuam altíssimos.

Os primeiros derivam directamente da implantação, manutenção e da alta tecnologia envolvida. Os segundos ligam-se à sua regular laboração, na qual se utiliza o urânio enriquecido.

Explicar com rigor o funcionamento de uma destas unidades é tarefa complexa que pressupõe muito papel e tinta. Mas, grosso modo, pode dizer-se que do funcionamento de uma central nuclear resulta radioactividade, que é libertada para o ar, solo e água, sendo responsável por diversas doenças, incluindo as cancerígenas.

Outro problema grave associado às centrais nucleares é o dos potenciais acidentes nucleares, como o ocorrido a 26 de Abril de 1986, no reactor número quatro da Central de Chernobyl, na Ucrânia, o maior alguma vez conhecido e o mais amplamente divulgado.

No actual contexto, pode-se pensar que os avanços tecnológicos vieram mitigar estes riscos, porém, mesmo os mais modernos equipamentos não estão livres de erros humanos ou de falhas técnicas.

Inolvidáveis são e, pelos vistos serão num futuro muito longínquo, os resíduos resultantes da fissão nuclear, os quais têm forçosamente que ser protegidos, armazenados e isolados de qualquer contacto com o meio ambiente, durante centenas ou milhares de anos. E, neste caso concreto, a mais crua das verdades, reside no facto de ainda não se conhecer um único método que elimine de forma segura estes resíduos radioactivos, altamente perigosos.

Considerando então que a indústria nuclear labora há 50 anos; considerando que tão cedo não se vai abandonar o uso de centrais nucleares; considerando que até hoje e no futuro, os países mais ricos vão continuar a encontrar espaço para armazenar os seus resíduos radioactivos nos subsolos dos países mais pobres; / 30 / considerando que o problema vai subsistir; é de extrair como conclusão a existência de um problema histórico e universal.

 

A REALIDADE PORTUGUESA

Aberta que volta a estar a discussão em torno do nuclear na minha cabeça arrastam-se perguntas, que ainda não vi debatidas, rebatidas ou simplesmente respondidas. É óbvio que nem todas serão pertinentes, porém, mesmo as totalmente impertinentes, são "filhas" de preocupações.

Por exemplo, que experiência tem Portugal ao nível do nuclear? Seja esta em termos de construção ou da manutenção de uma dessas unidades?

Como desconheço, penso, que neste quadro, a importação da tecnologia e do saber são inevitáveis. E, por via disso, as mais valias económicas irão direitinhas para outros países. Depois, embora de forma ténue, a União Europeia (UE) parece querer desinvestir na produção de energia através do nuclear. Logo, sendo Portugal membro da UE, lá vai andar a contra-ciclo.

A seguir, pergunto-me por quanto tempo usufruirá Portugal desse considerável investimento, para não dizer brutal, se aqui e ali, sobretudo, em notícias internacionais se vai dizendo à boca pequena que "as reservas de urânio não duram mais do que algumas décadas".

Pior. Muito pior e mais preocupantes são, todavia, os resíduos e a sua longevidade. Este, um problema que ultrapassa em muito Portugal e qualquer país, na medida em que diz respeito a toda a humanidade, à presente e à futura.

A mantermos o nuclear como solução para todos os nossos problemas energéticos estamos a hipotecar o futuro, e por milhares de anos.

Voltando a Portugal, uma outra questão se impõe. Onde irá o País depositar os seus resíduos? Internamente? No estrangeiro? E, o transporte de tais matérias é seguro e isento de riscos?

Por outro lado, quem já fez as contas; quem já estudou e contabilizou as consequências em termos ambientais, sociais e económicos, primeiramente da implantação de uma central nuclear em Portugal, e secundariamente, de um potencial desastre nuclear no continente português, entalado entre Espanha e o Mar, cuja área total se resume a 92 391 quilómetros quadrados?

Por último, tendo em consideração as condições específicas para a implantação de uma central nuclear, a que está associada a imperiosa existência de uma fonte de água abundante, além de factores de segurança, que deixo para outras reflexões, onde iremos nós colocá-la? E, quem, entre todos os portugueses, está disposto a ter um tal vizinho?

Mais uma vez e à laia de nota de rodapé, afirmo que o segredo está na economia. É mais salutar para a humanidade e para o meio ambiente economizar energia do que produzir mais e mais.

Na verdade, tudo o que conhecemos e projectamos faz parte do comensurável. A vida é finita, o petróleo é limitado, o urânio está contado… o crescimento, o bem-estar e a longevidade humana para já têm um horizonte, só os lixos que produzimos correm o risco de transcenderem a nossa existência.

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