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O CRESCIMENTO ECONÓMICO
DO ALTO ALENTEJO, SEGUNDO
UM RELATÓRIO ESPANHOL
DE 1769

 

Rui Rosado Vieira


I – INTRODUÇÃO


 

Fruto da necessidade de conhecer com rigor o estado das relações económicas com Portugal, o governo de Madrid solicitou, em 1768, a um seu funcionário superior – o economista Fernando Costas Castillo – a elaboração de um estudo sobre aquela questão.

 / 12 / A solicitada análise económica vai incidir sobre um dos principais espaços geográficos dos contactos comerciais entre os dois países – a região raiana servida pelo posto aduaneiro denominado de Fronteira do Caia.

Os dados contidos naquele documento inédito, redigido em Badajoz, além de constituírem uma informação não despicienda sobre a situação económica do Portugal da época do Marquês de Pombal, apresentam um conjunto significativo de notícias sobre as actividades económicas do Alto Alentejo que importa conhecer.

Num tempo em que continuam a adiar-se as decisões de fundo que conduzam a um verdadeiro desenvolvimento económico e social do Alentejo, e quando nos querem fazer crer que o atraso da vasta região transtagana tem raízes nas características ancestrais do seu povo, parece-nos importante divulgar os conteúdos deste interessante relatório, datado de 1769, da autoria de um insuspeito especialista do país limítrofe.

 


II – O RELATÓRIO ECONÓMICO


No seu estudo económico, aquele alto funcionário do Estado vizinho, começa por demonstrar como a balança comercial era, ao tempo, na Estremadura espanhola, altamente desfavorável para a sua pátria.

A prová-lo refere que no ano de 1767 as transacções efectuadas na região através das vias legais registavam vinte milhões de maravedis de mercadorias importadas de Portugal, contra quatro milhões exportadas para o nosso país. Isto é, uma superioridade favorável a Portugal na proporção de cinco para um.

Depois de mostrar que a balança comercial não sofria qualquer alteração com as práticas de contrabando de então, o economista espanhol procura detectar as causas de tão desastroso intercâmbio comercial para o seu país.

Entre os diversos factores que considera responsáveis pela citada situação, destaca a errada política alfandegária praticada pelas autoridades espanholas. Salienta, em particular, as dificuldades criadas à entrada de numerário português,
/ 13 / cunhado em ouro, levado por portugueses que visitam Espanha, bem como a grande cópia de metais preciosos que, em forma de moeda espanhola, saía do seu país em direcção a Portugal para pagamento do défice das transacções comerciais então existentes.

Como exemplo da desacertada política aduaneira espanhola, o autor do relatório cita o acontecido naquele tempo com o coronel do exército português, Cristóvão Manuel de Vilhena, genro do Marquês de Pombal, que ao entrar em Badajoz, vindo de Campo Maior, se vê obrigado a exibir todas as moedas em ouro que trazia, bem como, ao regressar, a prestar contas das que gastou durante a sua permanência em Badajoz.

Contudo, é no grande progresso económico existente então em Portugal, e na região actualmente designada por Alto Alentejo, que Costas Castillo considera residirem as causas de tão desastrosos resultados comerciais para o seu país.

O autor do estudo que vimos seguindo menciona então o conjunto de mercadorias importadas de Portugal que mais contribuíam para que a balança comercial fosse desfavorável a Espanha.

Começa por referir as pedras preciosas que entram em Espanha pela fronteira alentejana: "topázios e ametistas trabalhados em Lisboa, com igual perfeição que em Paris ou Londres (...)"

Outra mercadoria com peso significativo é, em sua opinião, o açúcar.

Informa-nos que, em resultado de uma política comercial concertada entre os negociantes de Elvas e Campo Maior, a exportação de açúcar para vastas regiões de Espanha era, naquele tempo, monopólio dos comerciantes sediados naquelas duas povoações.

Praticando preços baixos e concedendo aos compradores do país vizinho, prazos de pagamento prolongados, aqueles comerciantes conseguiram afastar das províncias espanholas da Extremadura e Castela-a-Velha a concorrência dos açúcares que vindos de Havana eram desembarcados em Cádiz.

O economista espanhol menciona também as grandes quantidades de tabaco que, legalmente ou por contrabando, vinha de Portugal e que, na maioria dos casos, era transaccionado
/ 14 / pelos comerciantes portugueses das povoações da raia. "Todos os meses, quando é lua cheia, passa por estas cercanias uma e outra régua de machos manchegos carregados de tabaco", escreve o autor.

Tintas, produtos farmacêuticos, artigos de cobre, lenços, curtumes e tapetes, os quais "são tão bons e mais baratos que os que vem de Inglaterra por Bilbau".

Estas mercadorias entravam então em Espanha, pela região raiana de Elvas e Campo Maior, em quantidades importantes, invadindo não só as povoações fronteiriças, "como vão até trinta léguas dentro de Castela.

À excepção dos curtumes e tapetes, que nos diz serem fabricados em Arraiolos, nada refere o autor sobre a proveniência dos restantes artigos, alguns dos quais não eram, certamente, originários das indústrias alentejanas.

Sabemos, porém, através de outras fontes, que em Portalegre, já em 1704, existia uma fábrica de panos que ocupava mais de cem operários, e que em 1772 o Marquês de Pombal pôs em laboração naquela cidade a segunda maior unidade da industria têxtil nacional daquele tempo – a Real Fábrica de Lanifícios – cujo edifício ainda hoje impressiona pelas suas enormes dimensões.

Também em Portalegre se fabricava então o melhor sabão de Portugal, sendo que Elvas, Évora e Portalegre no seu conjunto, venderam em 1769 mais de trinta por cento dos cerca de quinhentos mil arráteis de sabão mole transaccionado no nosso país.

Castelo de Vide, além de centro exportador de enchidos, destacava-se, naquele tempo e desde o séc. XVII, pela importância da indústria de panos para exportação, quer pela quantidade, quer pela qualidade dos seus tecidos.

Elvas, sede de uma indústria artesã diversificada, da qual sobressaíam os doces, vê nascer, em 1771, uma fábrica de chapéus finos, mandada fundar pelo conhecido industrial Jácome Rattom, cuja direcção foi entregue a um francês de nome J. Batista Alexis.

Os numerosos rebanhos de ovinos, particularmente, em concelhos como Campo Maior, Olivença, Elvas, Vila Viçosa, Estremoz, Redondo, Évora, Arraiolos e
/ 15 / Montemor-o-Novo, vão permitir, em meados do séc. XVIII, o florescimento naquelas localidades de actividades industriais ligadas às matérias primas fornecidas por aqueles animais, nomeadamente, a tecelagem de panos e respectiva tintagem e a produção de curtumes e sabões.

Mas não é só à superioridade industrial de Portugal em relação a Espanha que o economista Costas Castillo atribui as causas do défice da balança comercial do seu país.

Em sua opinião, o sector agrícola também contribuía para agravar o saldo negativo das transacções comerciais de Espanha com Portugal. A comprová-lo regista a decadência em que se encontra o comércio do trigo na nação vizinha, imputando as origens do mal ao aumento da área de cultivo daquele cereal no Alentejo.

Revela, por exemplo, que em 1768, "só um lavrador de Elvas semeou em dez herdades que tem na raia e se veem das muralhas de Badajoz, 500 moios portugueses de cereais o que equivalem a 70.500 fanegas castelhanas".

E, continuando, afirma: "já todo o Portugal pode dizer-se que é uma continuada povoação através das muitas casas de campo, que são magníficas e herdades que fizeram nas imediações das povoações; e no restante, donde permite o terreno, montes que se sucedem de quarto em quarto de légua, todos habitados por colonos permanentes".

Cita depois a produção de seda que, até há pouco tempo era excedentária no seu país e, por isso, exportada para Portugal. Acrescentando, contudo, que dado o incremento da plantação de amoreiras em solo português, a situação encontrava-se em vias de se inverter.

A confirmar a sua asserção regista que só em Estremoz, no ano de 1768, foram plantadas 120 amoreiras.

O autor que vimos seguindo refere ainda, a caça, a pesca, as laranjas, os limões e outros frutos, os legumes, os ovos, o mel, a manteiga, as grandes quantidades de toucinho e os doces, géneros alimentícios que provenientes da região alto alentejana eram vendidas nas povoações do outro lado da fronteira.

O azeite que, "não há seis anos necessitavam do nosso. Todo o
/ 16 / Alentejo estava povoado de zambujos que hoje são oliveiras (de que resultou terem) colheita para si e para vender-nos."

"Esteiras de palma e todo o género de cestos (...), varas para varejar (...), vasos e púcaros de todas as espécies (...) potes", oriundos da região alentejana eram comercializados profusamente em Espanha.

"Até 23 léguas dentro da província provêem de vinho as tabernas públicas de algumas povoações e casas particulares, e nos abastecem de ovelhas bodes e gado vacum".

"Não temos quem saiba pôr vidros numa janela, nem remendar uma cadeira senão vem fazê-lo os portugueses.

Temo-los hortelãos, latoeiros, barbeiros, espadeiros, sapateiros, lagareiros, canteiros, que vêm às temporadas e se vão".

Existiam então, segundo diz o economista do país vizinho, ao longo das 145 léguas de fronteira numerosas armadilhas que "como passarinhos incautos (os portugueses) nos armaram desde a desembocadura do Minho no mar Atlântico até ao Guadiana no Golfo de Cádiz".

As armadilhas referidas eram as numerosas feiras que anualmente tinham lugar em Portugal.

Nelas transaccionavam os portugueses "os produtos do seu país e da sua indústria e as de outros reinos", fazendo o que o autor chama de entreposto. Isto é, mercadorias adquiridas por Portugal noutros países eram depois vendidas aos espanhóis.

Sobre as feiras portuguesas e as burlas nelas praticadas, Costa Castillo compara-as "no modo e na substância às bugigangas e contas de vidro com que em outros tempos famosos estremenhos burlaram a incauta credulidade dos índios (...). O certo é que fomos os primeiros a praticar este engano e não faltará muito que sejamos os últimos com quem se pratica", comenta com ironia.

Entre os artigos vendidos naquelas feiras destaca pela sua importância, o papel e diversas espécies de tecidos importados por Portugal de Inglaterra.

Numa lista que nos apresenta no final do seu estudo, o economista espanhol regista, com indicação de locais e datas da sua realização, a existência de cento e oitenta e seis
/ 17 / feiras anuais em Portugal. Dessas, sessenta e duas, "se celebravam sobre a fronteira".

De destacar que, de entre estas últimas, trinta e quatro tinham lugar no espaço actualmente designado por Alto Alentejo.

A feira de S. Mateus, em Elvas, é apresentada como exemplo característico de actividade contrária aos interesses da economia espanhola.

"Nos três dias que dura a feira (...) é uma procissão contínua de gentes que vai e vem e se despovoa Badajoz e os lugares das imediações". Gentes que deixavam em cada ano, nas mãos dos comerciantes de Elvas, cerca de "quinhentos ou seiscentos mil reais". Ou seja, em preços praticados na época na região, o equivalente a mil e quinhentos vitelos, ou quatro mil porcos, ou de cerca de cento e quarenta moios de trigo.

 

 

III – CONCLUSÃO


Através do documento que aqui se divulga, podemos inferir que o Alentejo e as suas gentes participaram activamente no processo de alterações positivas registadas na vida económica do Portugal da segunda metade do séc. XVIII.

Ao longo do relatório de Costas Castillo, é também notório que o dinamismo económico vivido naquele tempo não se reporta, como seria presumível, tendo em conta o espaço geográfico em apreço, exclusivamente ao sector agrícola.

Pelo contrário, o texto em análise dá-nos noticias de avanços, igualmente significativos, no sector industrial em várias terras do norte alentejano, bem como nas actividades artesanais e nos serviços, por parte de profissionais oriundos das povoações portuguesas mais próximas de Badajoz, em especial Olivença, Elvas e Campo Maior, bem como de outros centros urbanos do Alto Alentejo.

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