Carta de mãe alentejana para filho na Bósnia

 

De:  Eduardo Figueiredo
Data: 04/11/2006 18:40
Assunto: Carta de mãe alentejana...

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Mê qrido filho.

Escrêvo-te algumas linhas apenas pra saberes que estou viva. Estou-te a escrever devagar, pois ê sei que nã sabes ler depressa. Nã vais reconhecer a nossa casa quando voltares. Tê pai leu no jornal que os acidentes acontecem a vinte quilómetros de casa. Por isso agente mudou-se. Não te posso mandar a morada, porque a última família caqui viveu levou os números com ela pra não terem de alterar a morada. Temos uma máquina de lavar rôpa mas nã trabalha munto bêm, a semana passada pus lá 14 camisas, puxei a correnti e nunca mais as vi. Acerca do tê pai, ele arranjou um bom emprego, tem 1500 homens debaixo dele, pois agora está cortando a relva no cemitério. A magana da tua irmã Maria teve bébé esta semana, mas sabes, ê nã consegui saber sé menino ó menina, portanto nã sei sés tio ó tia. O tê Ti Patrício afogô-se a semana passada num depósito de binho lá nàdega cuprativa. Alguns cumpádris tentaram salvá-lo, porra! Mas sabes, ele lutou bravamente contra eles. O corpo foi cremado mas levou 3 dias pra apagar o incêndio. Na 5ª fêra fui ao médico e o tê pai foi comigo. O médico pôs-me um pequeno tubo na boca e disse-me pra nã falari durante 10 minutos. Atão nã sabes que o tê pai ofereceu-se logo pra comprar o tubo ao médico. Esta semana só choveu duas vezes, na primeira vez choveu durante 3 dias, na segunda durante 4 dias. Nã segunda-fêra teve tanto vento que uma das galinhas pôs o mesmo ovo 4 vezes. Recebemos uma carta do cangalhêro, que informava que so último pagamento do enterro da tua avó nã for fêto no prazo de 7 dias, devolvem-na. Olha, mê filho, cuida-ti. Nã te esqueças de beber o lête todas as nôtes, antes de enterrares os cornos na fronha.


Um bêjo
Jaquina do Chaparro

 

PS: Era pra te mandar cinco contos, mas como já tinha fechado o invelope, nã tos mandei. Olha, fica prá próxima. Porra!

Data de inserção
11-Novembro-2006

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Colaboração
Eduardo Figueiredo