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BOLORES

Aveiro num bater de asa

Um dia, centenas de anos recuado, o Atlântico deixou-se apaixonar por um extenso naco do nosso litoral. Dos rios do norte, corriam para o mar aluviões que, lavados pelas ondas, foram construindo comprido cordão de brancas areias que, ternamente, foram abraçando as suas salsas águas. Foi deste namoro de séculos que surgiu a Ria, com as suas ilhas, os seus esteiros, as suas calas. O homem da borda de água foi moldando a natureza, construindo as marinhas de sal com muros de torrão feito de lamas e junco argamassados e secos nas eiras. E foi inventando barcos conforme as suas necessidades: o moliceiro para rapar dos fundos da ria o moliço fertilizante das areias lentamente transformadas em ricos campos de cultivo; o mercantel para o transporte de mercadorias e do sal que, entretanto, aprendeu a produzir; as bateiras para o exercício da pesca nas águas da laguna; as caçadeiras, mais maneirinhas, para navegar pelos estreitos caminhos da ria, com utilidades de toda a ordem; o barco de meia lua para o exercício da pesca da xávega na nossa costa; e  até caravelas, mais altaneiras, para permitir navegar mar fora em busca de novas terras, novos e mais ricos pesqueiros.

Alavário surge como nome de Aveiro em testamento da vimaranense Dona Muma, dispondo, em testamento de 959, terras e salinas de que era proprietária no nosso termo. Alavário foi cadinho de pescadores e marnotos que sabiam conjugar a sua vida marinheira com a actividade da lavoura, da construção naval, da indústria do barro de que a terra firme era úbere, e do comércio. Cedo aprenderam a navegar ao largo chegando ao mar dos bacalhaus muito antes da descoberta oficial da Terra Nova.

Foi nesta terra de água que, também um dia, a princesa Joana, filha de Afonso V, quis viver, chamando-lhe “sua Lisboa, a pequena”. Aqui procurou a santidade. Hoje, é a padroeira da cidade.

As imagens mais antigas de Aveiro correspondem a uma leitura setentrional da vila.

Isto é: uma leitura tomada sempre pela perspectiva da Vila Nova ou do lado da nossa Beira-Mar.


São as gravuras que nos mostram uma vila de Aveiro toda ela dentro das muralhas mandadas construir por El-Rei D. João I e que o Infante D. Pedro tornou realidade.


Falar da sorte de Aveiro é falar da sorte da nossa Ria e da nossa Barra.


Nos séculos XV e XVI a população da região de Aveiro, favorecida pelas condições do porto marítimo, tinha elevado a um alto grau as suas aptidões agrícolas, marítimas, industriais e mercantis, e gozava os benefícios de uma riqueza criada pelo esforço de muitas gerações. A população da vila regulava por 14.000 habitantes, entre eles muitos estrangeiros.


A descoberta da Terra Nova em 1501 criou um novo campo de acção para as aptidões marítimas da vila. Eram cinquenta as caravelas empenhadas nesta pescaria do bacalhau.


A passagem do canal da Barra para o sul do extremo norte das dunas da Gafanha, em 1575, consequência da acção permanente dos elementos activos da formação lagunar, produziu fenómenos que acabaram por arruinar, nos séculos XVII e XVIII, a economia regional. Em 1611 já a praça de Aveiro não tinha um único navio.

No fim do século XVIII Aveiro tinha 900 fogos e 1.400 casas e pardieiros em ruínas, desabitados ou abandonados; a desvalorização da propriedade urbana atingira o seu limite máximo.


Era a crise, a mais profunda. E é neste quadro que a vila de Aveiro é promovida a cidade por disposição do rei D. José, em 1759. A saída da crise passava pela reabertura da nossa Barra.


As muralhas que abraçavam a parte mais significativa do que era a Vila Velha são quase totalmente demolidas para a construção dos molhes que viriam a viabilizar a Barra Nova que ficou aberta em Abril de 1808. Então Aveiro recomeçou a nascer com a reabertura da barra…

 

Hoje, com o seu activo porto de mar, com a sua excelente universidade, com o seu povo laborioso sempre em busca de uma vida económica saudável, Aveiro procura resistir à crise que avassala o nosso Portugal.

 

Nascida terra de água, esperemos que sobrenade neste mar cheio de escolhos.

Gaspar Albino
19 de Julho de 2014

 

21-06-2014