A Recuperação da fragata "D. Fernando II e Glória", in: "Revista da Armada", n.º 305 e 306, Jan. e Fev. 1998.


Reprodução do quadro de Roger Chapelet (Colecção particular).

1. RESENHA HISTÓRICA DO NAVIO
in: REVISTA DA ARMADA”, n.º 305, Jan. 1998, págs. 17 a 20
e n.º 306, Fev. 1998, págs. 17 a 21.


A Fragata "D. FERNANDO II E GLÓRIA", o último navio de guerra exclusivamente à vela da Marinha Portuguesa e também a última "Nau" a fazer a chamada "carreira da índia", verdadeira linha militar regular que, desde o século XVI e durante mais de 3 séculos, fez a ligação entre Portugal e aquela antiga colónia — foi o último navio que os estaleiros do antigo Arsenal Real de Marinha de Damão construíram para a nossa Marinha.



A fragata fundeada em Ponta Delgada, nos Açores, em Agosto de 1878, no decurso da sua última viagem levando a bordo aspirantes da Escola Naval.

Sob a supervisão do Guarda-Marinha construtor Naval Gil José da Conceição, foi encarregado da sua construção o mouro Yadó Semogi e nela participaram operários portugueses e indianos. O casco foi construído com madeira de teca proveniente de Nagar-Aveli e, após o lançamento à água, em 22 de Outubro de 1843, foi rebocado para Goa, onde aparelhou a galera. A sua construção importou em 100.630 mil réis.

A Fragata recebeu o nome de "D. FERNANDO II E GLÓRIA", não só em homenagem a D. Fernando Saxe Coburgo Gota, marido da Rainha D. Maria II, mas também por ter sido entregue à protecção de Nossa Senhora da Glória, de especial devoção entre os goeses.

O navio foi preparado para receber 50 bocas de fogo, sendo 28 na bateria (coberta) e 22 no convés.

 

Características principais do navio

Comprimento fora a fora

86,75 m

Boca no convés

12,80 m

Pontal na tolda

9,27 m

Imersão a vante

5,79 m

Imersão a ré

6,40 m

Altura do centro vélico acima da flutuação

19,42 m

Superfície do velame

2052,2 m2

Superfície da secção mestra mergulhada

51,7 m2

Tonelagem

1849,16 Ton

Fundo forrado a cobre

 

 

A lotação do navio variava consoante a missão a desempenhar, indo do mínimo de 145 homens na viagem inaugural ao máximo de 379 numa viagem de representação.

As suas qualidades náuticas e de habitabilidade foram objecto de acalorada polémica nos meios navais portugueses da época. No entanto, a maioria dos especialistas que sobre elas se pronunciaram com objectividade, evidenciaram as boas qualidades marinheiras, a facilidade de manobra e o desafogo das instalações, aspecto este de importância numa época em que ainda se faziam viagens, sem escala, de 3 meses, com 650 pessoas a bordo, incluindo passageiros.

De entre esses especialistas, destacam-se o Almirante Joaquim Celestino Soares e o Comandante António Marques Esparteiro, ilustres historiadores navais; o primeiro, ainda no século XIX, provou que o navio não era inferior aos do seu tempo sob qualquer aspecto, tendo afirmado que "não há outro de vela mais formoso nem de melhores qualidades náuticas"; corroborando esta afirmação, aquele ilustre oficial de Marinha referiu o facto de a construção da "D. FERNANDO" ter seguido os planos da airosa e bela fragata "Duquesa de Bragança", navio que os ingleses copiaram quando esteve em doca seca, e por ela construíram muitos; mais recentemente, o segundo, Comandante Marques Esparteiro, deu razão às apreciações que sobre o mesmo navio foram feitas por Celestino Soares.

     
  Câmara do Comandante.   Aspecto da bateria.  

A viagem inaugural, de Goa para Lisboa, teve lugar em 1845 com largada em 2 de Fevereiro e chegada ao Quadro dos Navios de Guerra, no Tejo, em 4 de Julho. Desde então, foi utilizado em missões de vários tipos até Setembro de 1865, data em que substituiu a Nau Vasco da Gama, como Escola de Artilharia, tendo ainda, em 1878, efectuado uma viagem de instrução de Guarda-Marinhas aos Açores, que foi a sua última missão no mar, onde teve a oportunidade de salvar a tripulação da barca americana "LAURENCE BOSTON" que se incendiara.

Durante os 33 anos em que navegou, percorrendo cerca de 100 mil milhas, correspondentes a quase 5 voltas ao mundo, a "D. FERNANDO", como era conhecida, provou ser um navio resistente e de grande qualidade, tendo efectuado numerosas viagens à Índia, a Moçambique e a Angola para levar àqueles antigos territórios portugueses unidades militares do Exército e da Marinha e, até, colonos e degredados, estes últimos normalmente acompanhados de familiares. Chegou até a levar emigrantes políticos espanhóis para os Açores.

A fragata depois da transformação para servir como Escola de Artilharia Naval.

De entre as missões que lhe foram confiadas, destacam-se a participação como navio-chefe de uma força naval na ocupação de Ambriz, em Angola, que em 1855 se revoltara por instigação da Inglaterra, e, ainda, a colaboração na colonização de Huíla em que, como navio de guerra, teve a insólita e curiosa missão de transportar ovelhas, cavalos e éguas do Cabo da Boa Esperança para Moçâmedes (Angola). Colaborou, ainda, com o grande sertanejo António Silva Porto, transportando, em 1855, os seus 13 pombeiros da ilha de Moçambique para Benguela, depois destes terem completado a travessia de África, de Benguela à Costa de Moçambique. Numa das viagens que fez da índia para Lisboa, escreveu uma página de epopeia, ao sobreviver a um temporal, em que andou desarvorada, no Oceano Índico. Diversas personalidades da época navegaram na "D. FERNANDO": a Imperatriz do Brasil, Duquesa de Bragança, a segunda mulher de D. Pedro IV e sua filha, Princesa Maria Amélia, enteada daquele e noiva do / pág. 18 / Imperador Maximiliano do México, que seguiram de Lisboa para o Funchal na infrutífera esperança de esta última recuperar a saúde muito abalada. Augusto de Castilho, brilhante oficial de Marinha, alto funcionário ultramarino e diplomata, que tomara parte na ocupação de Ambriz e, em 1861, seguiu na "D. FERNANDO" de Lisboa para Goa; e ainda diversos Governadores-Gerais de Angola e Moçambique, que no navio seguiram para aqueles territórios a fim de assumirem os seus altos cargos. Também a bordo deste navio foi julgado, em 1926, em conselho de guerra, o Coronel João de Almeida, herói dos Dembos, acusado de rebelião. Em 1889 sofreu profundas alterações para melhor servir como Escola de Artilharia Naval, substituindo-se a antiga e airosa mastreação por três deselegantes mastros inteiriços, com vergas de sinais e construindo-se dois redutos a cada bordo para colocação de peças de artilharia modernas, para instrução. Esta utilização cessou em 1938, data em que passou a servir de Navio-Chefe das Forças Navais do Continente, baseadas no Tejo.

A fragata depois da transformação para servir como Escola de Artilharia Naval.

Em 1940, depois de ter sido considerado que já não se encontrava em condições de ser utilizado pela Marinha, iniciou uma nova fase da sua vida, passando a servir como sede da "Obra Social da Fragata D. Fernando", criada para recolher rapazes oriundos de famílias de fracos recursos económicos, que ali recebiam instrução escolar e treino de marinharia, facilitando, assim, o seu ingresso nas marinhas de guerra, do comércio e de pesca.

Foi nesta função que, em 1963, um violento incêndio a destruiu em grande parte. Neste último período, no ano de 1957, recebeu a bordo a visita do Príncipe Filipe de Edimburgo, por ocasião da vinda a Portugal da Rainha de Inglaterra, Isabel II.
A fragata encalhada, alquebrada e abandonada após o incêndio em 1963. (imagem a cores)


 

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