Rangel de Quadros, Aveirenses Notáveis. Aveiro, 1ª edição, Aveiro, Câmara Municipal de Aveiro, 2000, (Revisão de J. Gonçalves Gaspar), pp. 118-119.


Maria Ferreira
(????-1696)

Se Antónia Rodrigues foi uma heroína, sulcando as ondas, encobrindo o sexo e alcançando nome em guerreiros combates, Maria Ferreira tornou-se notável, sem nun­ca ter saído de Aveiro e sempre vivendo humildemente. Diz o Padre António Carvalho da Costa, na sua Chorographia Portugueza, que "Maria Ferreira foi uma honrada viú­va, que morreu de cento e dois anos completos, sempre muito virtuosa, sem nunca ter doença alguma, conservando sempre a memória, com agilidade no corpo e pureza na vista."

Segundo contavam pessoas antigas, que o tinham ouvido dizer a seus antepassa­dos, já Maria Ferreira havia concluído cem anos quando, em dia de festa, entrando para a igreja do Espírito Santo, foi escarnecida por dois mancebos, que lhe chamaram velha. Ela sem alterar a sua seriedade, tal murro deu em cada um, que logo os prostrou por terra; eles, envergonhados, ergueram-se e trataram de retirar-se, para não ouvirem os chascos dos que estavam à porta do templo, que igualmente aplaudiam a valentia de / pág. 119 / Maria Ferreira. Esta entrou serenamente na igreja, assistiu à festa e, depois, foi às casas dos mancebos, aos quais ofereceu os seus serviços, se porventura estivessem doentes em resultado do justo castigo que receberam, por não serem bem-educados.

Pelas combinações das datas e dos nomes, creio que Maria Ferreira era viúva de Manuel Nunes, esteireiro, de alcunha o Baeta, da rua dos Tavares,(1) onde ela faleceu, em 14 de Fevereiro de 1696. Morreu tão pobre que, ainda que quisesse fazer testamento, não tinha que testar.

O mesmo autor da Chorographia Portugueza, falando de Maria Ferreira e de Antónia Rodrigues, diz: — Se tal é em Aveiro o valor das mulheres, o que se pode esperar da valentia dos homens?

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(1) – Rua que existiu, junto do palácio dos Tavares, no sítio da actual escadaria que, da rua dos Galitos, dá acesso à Praça da República.


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