Rangel de Quadros, Aveirenses Notáveis. Aveiro, 1ª edição, Aveiro, Câmara Municipal de Aveiro, 2000, (Revisão de J. Gonçalves Gaspar), pp. 85-87.


João Afonso de Aveiro marinheiro
(c. 1443-149?)

Não tem faltado quem suponha que João Afonso de Aveiro, o poeta, seja o mes­mo indivíduo que figurou nos primeiros descobrimentos marítimos, feitos pelos portu­gueses. A identidade dos nomes concorreu, por certo, para esse engano e para ele não deixaria de concorrer o terem sido coevos esses indivíduos homónimos. Creio, porém, que não será erro afirmar que são indivíduos diversos e sem o mínimo parentesco. E também não falta quem siga esta opinião.

Diogo Barbosa Machado, na sua Biblioteca Lusitana, fala do poeta João Afonso de Aveiro, sem indicar que ele houvesse seguido a vida marítima. Também o não diz o Cancioneiro, de Garcia de Resende. E os escritores, que falam do piloto João Afonso de Aveiro, também não atribuem a este o dom da poesia. Era mesmo natural que o piloto se desse melhor com os perigos e aventuras marítimas, do que com auxílio das musas.

Nesta conformidade, suponho que João Afonso, o piloto, era filho de Afonso Anes Primor, arrais, e que nascera cerca do ano de 1443. Seu pai já figurava nos traba­lhos marítimos, como antes dele haviam figurado alguns aveirenses, e como figuraram outros até depois de 1500.

Os feitos de João Afonso muito concorreram para animarem D. João II à desco­berta da Índia, um dos sonhos dourados do Príncipe Perfeito. Mas essa empresa só pôde realizar-se no tempo de D. Manuel I.

/ pág. 86 / Em 1481, empreendeu Diogo de Azambuja uma expedição à Costa da Mina, aonde se fez acompanhar por diversos capitães marítimos; entre os nomes deles, figura o de João Afonso de Aveiro. Em 1484 também este aveirense acompanhou Diogo Cão às costas ocidentais de África; nesta expedição fez-se o descobrimento do Rio Zaire e do Reino de Congo. E João Afonso portou-se tão intrepidamente e Diogo Cão deu a res­peito dele tão boas informações a D. João lI, que o monarca, logo no ano imediato, o encarregou de dirigir uma expedição para o descobrimento do Rio Formoso.

Efectivamente, em 1485 partiu João Afonso novamente para aquelas paragens e, por um feliz acaso, pôde, em 1486, descobrir a ilha e as terras de Bení ou Benim. E, por muito tempo, tanto aquela ilha como esses vastos territórios da África Ocidental foram conhecidos pelo nome de Terras de João Afonso, ou Terras de Afonso de Aveiro, e não poucos mapas geográficos com esse nome ainda os indicam.

Tendo voltado a Portugal, pouco depois de haver praticado tão notável feito, fez­ -se acompanhar de um embaixador do rei de Benim, que desejava estabelecer algumas relações de comércio e de amizade com o monarca português e de tomar conhecimen­to dos nossos costumes e das terras da Europa. Esse embaixador era preto, de boa esta­tura e dotado de conhecimentos. Por isso, foi aqui muito bem recebido e lhe foram mostradas muitas coisas dignas de se verem. Assim o afirma Rui de Pina, na Cronnica de D. João lI.

A estes factos fazem referência outros escritores antigos, tais como João de Bar­ros, nas suas Décadas; Garcia de Resende, na Cronnica daquele monarca; Pedro Mariz, nos Dialogos de Varia Historia; e o Pedro António Carvalho da Costa, na sua Chorogra­phia Portugueza.

E, assim como nenhum destes escritores dá a João Afonso, o marinheiro, a quali­dade de poeta, também o não aponta como criado de D. Diogo, duque de Beja. O mesmo fazem os escritores modernos, que mais ou menos se referem aos feitos deste aveirense. Tais são: Luciano Cordeiro, o cardeal Saraiva, Alexandre Magno de Castilho e outros.

Aquele embaixador deu a D. João II largas informações a respeito do império do Preste João, o que aumentou muito as esperanças da possibilidade do descobrimento da Índia. A existência de um monarca poderoso, chamado Preste João, era uma convicção que alimentavam muitos povos da Europa. E o descobrimento daquele império era outro sonho dourado, cuja glória não poucos desejavam conseguir.

O embaixador foi brindado com muitos e muito valiosos presentes e voltou para a terra, que era Ugató, um dos portos de mar daquelas paragens.

João Afonso de Aveiro havia, de Benim, trazido a Portugal a primeira pimenta, que foi tida como notável, enquanto a mesma especiaria não veio de outras paragens.

Depois de pouca demora, e por ordem de D. João lI, voltou a Benim, onde esta­beleceu feitorias e onde mandou construir uma fortaleza.

/ pág. 87 / Frei Luís de Sousa, no capítulo VI, do sexto livro da segunda parte da História de S. Domingos, faz uma referência a este aveirense e aos seus feitos, dizendo que essas terras de Benim ficam entre o Reino do Congo e as terras que vizinham com o Castelo de S. Jorge da Mina. Nesses territórios, resta apenas a Portugal o forte de S. João Baptista de Ajudá.

João Afonso de Aveiro faleceu nas terras que descobrira, talvez vítima da sua dedicação à pátria e dos desejos de deixar um bom nome à posteridade. Não se sabe em que ano, nem se deixou descendência.

Creio que não descendia de família que tivesse títulos nobiliárquicos. Ganhou­-os com seus serviços. Por isso, D. João II lhe deu título de nobreza e um brasão, que constava do seguinte: - Uma águia, insígnia dos Afonsos, entre duas estrelas e duas meias luas. Esse brasão era muito semelhante às armas de Aveiro e, por isso, não faltou quem afirmasse que, sendo elas as da pátria de João Afonso, como tais as havia adoptado.

Pode Aveiro ter a justa ufania de que, antes dos feitos marítimos de Vasco da Gama, já tinham nome os de João Afonso e que estes feitos foram a origem daqueles. E também pode afirmar que João Afonso nem teve de D. João II tantos meios nem tantas protecções, como Vasco da Gama tivera do monarca venturoso.

A glória de João Afonso foi quase toda alcançada unicamente pelo valor do seu braço, pela sua coragem, intrepidez e muitas mais qualidades, e pela dedicação à pátria.


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