Vítor Fernando Pedrosa de Carvalho Paiva, Francisco Manuel Homem Cristo, In: Aveirenses Ilustres. Retratos à minuta, Edição do X Encontro de Professores de História da Zona Centro, Aveiro, 1992, pp. 11-13.


Francisco Manuel Homem Cristo
(1860-1943)

Francisco Manuel Homem Cristo (1860­1943) foi uma personalidade rica e, em simultâneo, complexa. O estudo da sua obra e vasta actividade levar-nos-ia a redigir imenso número de páginas e, até, a plagiar autores que deste ilustre Aveirense se ocuparam. Preferimos, assim, uma breve apresentação do jornalista, panfletário notável e político que foi Homem Cristo, à qual se seguirá um esboço biográfico realizado por um autor que bem estudou o fundador do semanário "O Povo de Aveiro".

Muito novo se entregou ao jornalismo e com trinta e um anos era tenente do exército Português. Nessa altura rebentou o movimento do 31 de Janeiro de 1891, altura em que pertencia ao Directório do Partido Republicano. Opôs-se a este movimento revolucionário, pois via nas questões Inglesa e Financeira condições suficientes para o fracasso dos revolucionários. Como militar revelou-se brioso, digno, dedicando-se à instrução e preparação dos soldados para acesso aos diversos postos.

Em 1894 é promovido a capitão e, mais tarde, vê-se eleito, sem "o desejar, sem o esperar, sem ser consultado"(1), deputado pelo círculo eleitoral de Timor, tomando-se bem conhecido no meio Parlamentar pelo seu discurso vigoroso, claro, incisivo e crítico.

Os inúmeros artigos que publicou revelam, e é bem a opinião de todos quantos o estudaram, a actividade em que mais se distinguiu: o jornalismo. Distinguiu-se pela variedade e diversidade dos conhecimentos e por uma clareza inegável de estilo. Como jornalista, caracterizou-se pela franqueza e capacidade crítica, que lhe permitiram auferir um lugar de destaque na imprensa portuguesa.

A dada altura a política assume rumos que o desencantam, levando Homem Cristo a regressar a Aveiro, onde pugnou pelo desenvolvimento comercial/industrial da cidade, tendo nisso conseguido óptimos resultados.

Mas, para quê continuar — perguntamos — quando Eduardo Cerqueira tão bem retratou este Aveirense de "olhar agudo e perscrutador" (2) numa publicação dada à estampa em 1969 e que, respeitosamente, passamos a apresentar:

«...Homem Cristo (Francisco Manuel). Notável jornalista e panfletário, político, oficial do Exército, professor universitário, nasceu em Aveiro em 8 de Março de 1860, e faleceu na sua terra natal a 25 de Fevereiro de 1943. Iniciou a sua famosa carreira na imprensa, aos 17 anos, em "O Trinta" e, ainda jovem alferes, fundou o semanário "Povo de Aveiro", de que foi, praticamente, durante mais de meio século, o único redactor. O jornal de que foi director, em vez de seguir a feição de um órgão de propaganda regional, tomou o carácter de um contundente panfleto, e como tal atingiu extraordinária difusão e popularidade.

Desassombrado nas suas opiniões, Homem Cristo fazia da sua pena um látego com que intransigentemente zurzia quem quer que fosse e sem temer as animosidades e as consequências. Criou, assim, a par de fervorosos admiradores e de fiéis amizades, muitas inimizades e profundos ressentimentos, que contra ele se voltaram tenazmente.

Fez parte do Directório do Partido Republicano, ainda na vigência da Monarquia, conjuntamente com Teófilo Braga, Manuel de Arriaga, Jacinto Nunes, Azevedo e Silva e outros marcantes vultos da propaganda republicana.

Estabeleceu doutrina, não só no seu jornal, mas noutros órgãos da Imprensa, como os "Debates", e em "O Século", fundado e então dirigido por Sebastião de Magalhães Lima.

Quando se engendrou a revolta do Porto, de 31 de Janeiro de 1891, Homem Cristo manifestou-se contrário ao movimento, alegando que, sem a preparação necessária, esta estaria condenada ao malogro e a derramar sangue inutilmente. Preso e julgado, como se provasse a sua inocência, veio a ser absolvido. Sempre arrebatado e rude, ora atacava os monárquicos ora combatia os republicanos, com o ímpeto indomável de um franco-atirador.

Apóstolo convicto e entusiasta da democracia e da instrução popular, realizou obra muito valiosa contra o analfabetismo, especialmente, em quartéis, enquanto oficial.

Quando da implantação da República, viu-se forçado ao homísio, havendo suspendido a publicação do seu semanário, editou, em Paris, o Povo de Aveiro no Exílio.

Ficaram memoráveis muitas das suas polémicas. Aos seus ataques respondeu Guerra Junqueiro com o seu desforço A Execução de uma Quadrilha. Ao desafio de Afonso Costa, o temível panfletário aveirense, respondeu, negando-se a duelos, mas afirmando-se pronto a desafrontar-se onde quer que o encontrasse. Como resultado dessa pendência veio a deixar o Exército em 1909.

Deflagrada a Primeira Grande Guerra, intervencionista convicto e acérrimo, regressou ao País, e voltou a publicar em Aveiro o seu jornal, então, sob o título de "O de Aveiro".

Foi nomeado, em homenagem aos seus méritos e cultura, pouco após o termo da conflagração, professor catedrático da recém-criada Faculdade de Letras da Universidade do Porto, lugar que desempenhou, com alguns anos de interrupção da docência, por motivo de incompatibilização com outros professores, até atingir o limite de idade.

Em Aveiro, além de outras actividades e serviços de menor repercussão, foi presidente da Associação Comercial e Industrial e da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, onde teve acção notabilíssima a favor do ressurgimento portuário e económico da região.

Publicou: Os acontecimentos de 31 de Janeiro e a minha prisão; Pró-Pátria; Banditismo político; Cartas de longe: I - "A instrução secundária em Portugal e em França", II - "Em defesa da instrução do povo"; Monárquicos e Republicanos; O bolchevismo na Rússia; e Notas da minha vida e do meu tempo, 7 vols.. Foi colaborador da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e de numerosas outras publicações, como o Guia de Portugal, de Raul Proença, o "Diário de Notícias", a Ideia Nacional, dirigida por seu filho primogénito, etc...»

A figura de Homem Cristo é conhecida dos actuais habitantes de Aveiro. Os mais jovens estão familiarizados com o nome do ilustre Aveirense, quanto muito, pelo facto de ele ser patrono de uma Escola Secundária da cidade. Esta homenagem a Homem Cristo é bem a contrapartida do valor que a educação/instrução sempre desempenharam para ele e pelas quais sempre se esforçou, quer no seio do exército, quer na Universidade do Porto (onde leccionou) e também uma expressa saudade que Aveiro tem do grande Homem que foi Francisco Homem Cristo.

Vítor Fernando Pedrosa de Carvalho Paiva
Professor de História
Secundária Jaime de Magalhães Lima
Aveiro

______________________

NOTAS:

(1) - Como ele mesmo afirmou em O de Aveiro, n° 202, 20/03/1921.

(2) - Carolina Homem Christo, citada por Eduardo Cerqueira, em Aveiro e o seu Distrito. n° 8, 1969, pp. 35-49.


BIBLIOGRAFIA

- Aveiro e o seu Distrito, n° 8, 1969, pp. 35-49.
- Aveiro e o seu Distrito, n° 21,1976, pp. 57-58
- Encyclopedia Portugueza Illustrada
- Diccionário Universal, publicado sob direcção de Maximiano Lemos, s/data, Lemos & Cª, Successor, Porto.
- Enciclopédia Universal Ilustrada Europeo-Americana, 1925, Espasa-Calpe S.A., Editores, Madrid, Barcelona.

 
Material interactivo relacionado com Homem Cristo no espaço «Aveiro e Cultura»:

 - A figura de -  In: "Folha 9"
 - Homem Cristo e o Liceu de Aveiro
 -
Um aveirense a recordar - In: "Folha 9"
 -
Imagem evocativa em Memórias de Aveiro
 - Monárquicos e republicanos (índice da obra)


    Página anterior Menu inicial Página seguinte