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N.º 20

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1975 

Aveiro na temática de dois grandes poetas brasileiros

MURILO MENDES e RIBEIRO COUTO

Na antologia sobre Aveiro que importa organizar, ou, talvez, melhor, publicar, figurarão, indubitavelmente, poemas de Murilo Mendes e Ribeiro Couto, nomes que avultam, de resto, na lírica do Brasil. Que constam, inclusivamente, das próprias antologias do país de expressão portuguesa de Além-Atlântico.

Ribeiro Couto (1898-1963) terá passado por Aveiro em 1944 – pelo menos é essa a data do seu poema –, onde se deixou cativar pela graça quase alada dos barcos moliceiros. Caso Curioso, na mesma época estabeleceria relações de Índole literária com Mário Sacramento.

Murilo Mendes (1901-1975) haverá escrito os seus versos, denominados «Aveiro», em 1966. Casado com Maria da Saudade Cortesão, filha de Jaime Cortesão – outro nome a ilustrar uma antologia aveirense –, é de crer que o Poeta visitasse a cidade das «salinas palmeiras» vindo de S. João do Campo, nos aros de Coimbra. A reger em Roma a cadeira de estudos brasileiros, não se torna despropositado supor que, num período de férias em Portugal, demandasse uma urbe tão próxima do ninho familiar.

Tudo isto não passará de inconsistente pó levantado, de meras conjecturas. Autêntica, mas autêntica mesmo, a beleza tersa dos dois poemas.

RIA DE AVEIRO

Na ria de Aveiro

Quero um pequenino

Barco moliceiro.

Também sou menino.

Na ria de Aveiro

Podeis vir comigo,

Barco moliceiro

Nunca tem perigo.

Nunca se naufraga

Na ria inocente:

Da crista da vaga

Vêm braços à gente.

 

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Pôr do sol na Ria. Barco moliceiro na faina.

Quer vão ao moliço,

Quer soltem as redes,

O mar é submisso

Aos barcos que vedes.

 

Brancas, amarelas,

Na ria de Aveiro

Se espalham as velas:

Brinquedo ligeiro.

 

Também sou menino,

Ó moças de Aveiro!

Dai-me um pequenino

Barco moliceiro.

RIBEIRO COUTO

1944

/ 46 /

AVEIRO

Eis os longos lençóis brancos das salinas mais o inesperado jardim de palmeiras desta sem cartazes Aveiro, exótica no contexto da geografia portuguesa. Salinas e palmeiras! A bordo dum barco minúsculo, giramos a delícia de descobrir, na claridade gratuita, pequena franja de Oriente inserido num plano de paisagem da Holanda. O barqueiro seguro em camisa da Nazaré manobra servindo-se de mínimos calculados gestos.

*

Quase salta ao nível da rua o peixe azul ou vermelho.

As não-inquietantes aveirenses riem recíprocas, quem sabe saberão a sal.

*

Nada electrónico, nada «arrabbiato», esconjurando eventualmente o mal do século nuclear, na distante Aveiro, sem haveres, em outra dimensão política, eu viveria saboreando ovos moles, atento aos longos e longes lençóis brancos de sol cómodo e suas salinas.

Roma, 1966

MURILO MENDES

 

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Barco saleiro num canal debruado de palmeiras.

 

páginas 45 e 46

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