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N.º 20

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1975 

O Vale de Cambra

COMÉRCIO, INDÚSTRIA, ARTES E OFÍCIOS

Por António Martins Ferreira

Nos princípios deste século, a sede do concelho era na freguesia de Macieira de Cambra. Porém a Gandra (hoje sede do concelho de Vale de Cambra) era o centro de maior valia comercial e industrial. – Ayres Martins, na sua obra «Virgem de Codal», diz que a povoação de Gandra, no século X, era o local onde os mercadores da época se reuniam para fazerem suas transacções. Com a mudança dos paços do concelho (1926), os seus habitantes, entusiasmados com o sucesso da mudança, começaram por criar novas actividades industriais, e o comércio também acelerou o desenvolvimento. Com a guerra de 1939 a 1945, a marcha das realizações afrouxou um pouco; mas quando a guerra findou, não só na nova sede do concelho como nas freguesias vizinhas, o progresso em todos os ramos de actividade ultrapassou o previsto. No ramo comercial, criaram-se estabelecimentos de toda a espécie de negócio, na indústria, a começar pelos lacticínios, a evolução foi espantoso.

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Pormenor da talha dourada

da Igreja de Codal

Em 1942, a indústria de lacticínios já estava regulamentada pela Pecuária e subordinada a duas empresas, instaladas em edifícios modestos e com máquinas que lhes permitiam apenas extrair do leite manteiga e queijo. Actualmente, as suas instalações ocupam grandes edifícios e têm em laboração maquinaria que lhes proporciona aproveitar do leite todos os produtos que a sua génes oferece.

No campo da mecânica, o incremento também foi extraordinário. Montaram-se fábricas e oficinas do mais variado labor. Principalmente no fabrico de equipamentos em aço inoxidável, embalagens em folha de flandres, serração de madeiras e caixotaria; portas, janelas e contraplacados; cunhos cortantes para ferro e aço; mesas e peças lapidadas para máquinas de costura, louças em alumínio, cromagem e niquelagem; tecidos, malhas, camisaria, tipografia e encadernação, etc., etc., são laborações que se mantêm em constante actividade e que, pelo quantidade e qualidade dos seus produtos, testemunham em todo o país o valor industrial do novo concelho de Vale de Cambra. As artes e ofícios, outrora pouco acentuados, também alcançaram posição de destaque. As carpintarias, de simples banco de carpinteiro, serra de mão, enxó, plaina e pouco mais, passaram a mecanizadas e a fazer os mais artísticos móveis.

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Indústrias do Vale de Castelões – Fábrica de Queijo

/ 12 / Criaram-se oficinas mecanizadas para reparações de automóveis e outros veículos de tracção mecânica.

A panificação, que andava espalhada pelo concelho em pequenas padarias, na maioria fez fusão, centralizou-se na vila em prédio que mandou construir, adaptou material moderno e actualmente são apenas três unidades que abastecem a população do concelho em pão de trigo e de milho; se bem que uma grande parte do povo, principalmente a classe dos lavradores, ainda coza a broa em casa.

Tão grande desenvolvimento fabril e comercial proporcionou trabalho a muitos milhares de pessoas que, concomitantemente, melhoraram o nível de vida familiar, transformando a vida do concelho, que era à base da agricultura, num grande centro industrial do distrito de Aveiro.

 

MANUFACTURAS CASEIRAS

Em alguns lugares do concelho, desde tempos antigos, existem artes caseiras que, pelo pessoal que empregam e valor dos produtos manufacturados, representam valia industrial.

Na freguesia de Roge, por exemplo no lugar de Sandiães, a arte de fabricar foguetes é muito velha. Ali, poucas são as pessoas que não conhecem de pirotecnia, e os mestres, pelo fogo de artifício que fornecem para festas, dão provas de exímios fabricantes. Os fundadores da grande fábrica de fogos de artifício «ADRIANINOS», no Brasil, eram naturais de Sandiães.

Na freguesia de Castelões, há também, desde remotos tempos, um elevado número de pessoas que trabalham no fabrico e conserto de canastras. No artesanato laboram oficinas de alfaiate, sapateiro, tamanqueiro, funileiro, etc., etc.

No lugar do Barbeito, talvez há 40 anos, ainda existia o fabrico de louça de barro preto; porém, com a morte do seu principal fabricante, («ti» Luís Pucareiro) natural da freguesia de asseia, a laboração pouco tempo se conservou na mão dos seus herdeiros. Mais tarde, por volta de 1950, no lugar da Relva, freguesia de Vila Chã, foi montada uma nova fábrica de louça de barro mas, apesar da instalação ser moderna, poucos anos teve de vida e, o tempo que durou, fabricou louça artística. Depois, o técnico da louça, que era pessoa de fora, ainda tentou na vila o fabrico de imagens e bonecos de barro, mas, também, a laboração pouco tempo se manteve.

Na freguesia de Codal, desde tempos antigos até fins do século passado, existiu a indústria de chapelaria, e, no dizer do povo, foi transferida para S. João da Madeira quando começou a transitar o comboio entre o Porto e Lisboa, por ficar mais perto da grande via de comunicação. Há poucos anos ainda havia restos da casa onde laborou a indústria.

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Em anos que ainda não vão longe, havia em diversos pontos do concelho uns maquinismos conhecidos / 13 / por engenhos do linho. Trabalhavam cerca de dois meses por ano, accionados a água na margem dos rios e destinavam-se a desarestar a fibra do linho. Com o abandono da cultura do lináceo também desapareceram.

Uma laboração que ainda se mantém em pequena escala são os velhos teares caseiros. Em outros tempos raro era o lugar onde não havia um ou dois teares para tecer as afamadas teias de linho. Havia mulheres que passavam o ano a tecer por conta própria ou para os vizinhos. Os lavradores mais abastados tinham teares em casa para tecer teias, mantas de lã, liteiros, serguilha e burel. Presentemente, algum tear que existe é de mulher pobre que faz do tecer profissão para angariar o pão de cada dia. O aparecimento dos modernos tecidos tiraram o valor das teias.

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As teias de linho eram o orgulho das boas donas de casa, por vezes destinadas às filhas que tinham para casar ou mesmo para ser vendidas a fim de pagar uma dívida. Nesses tempos havia negociantes de feira em feira, de porta em porta, na compra de teias de linho, o que garantia à possuidora da teia mobilizar dinheiro com facilidade. O que por vezes contrariava a dona da casa era a teia não ter as varas que ela desejava. Tudo isto acabou em Vale de Cambra.

Nos princípios deste século, em Vale de Cambra, o burel e a serguilha ainda eram bastante usados no vestuário dos trabalhadores do campo. O burel mais próprio do homem, a serguilha da mulher.

Actualmente raríssimo é ver-se pessoa com tal indumentária.
 

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A moderníssima unidade de abate da «Uniagri» e parte do seu complexo industrial.

Ramalhe - Macieira de Cambra.

 

páginas 11 a 13

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