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N.º 17

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1974 

Demografia Vareira

Pelo Dr. Lamy Laranjeira

Aí, por volta do séc. XII, as vareiras não eram em grande número. Não deviam exceder uma mancheia, se bem que muita atestada. Mas, apesar de reduzidas em quantitativo, as mulheres, de ventre fecundo, botavam filhos cá para fora que era um não mais acabar, apesar das agruras da vida.

Passaram muitas invernos e não obstante todas as dificuldades do dia a dia, a miudagem medrava segunda os altos desígnios de Deus.

Em 1572, o «Piedoso» Senhor D. João III mandou proceder ao arrolamento de toda a população do reino, tendo-se obtido para a vila de Ovar 640 habitantes a que corresponderam 153 fogos.

Porém, em 1623, e segundo o catálogo dos Bispos do Porto, o número de habitantes era de 1368, pertencendo 1091 a fregueses de comunhão e 277 a catraiada menor.

Segundo as constituições sinodais do bispado do Porto, publicadas em 1690, a população de Ovar atingia 4792 habitantes e Válega 2074 habitantes.

Depois temos notícia da nossa população e referente ao já distante ano de 1758, conforme memórias paroquiais. Nesse ano, muito próximo do célebre terramoto, a nossa gente não excedia 7500 habitantes, o que correspondia a 2393 fogos.

Os casais continuavam a cumprir o preceito bíblico de «crescei e multiplicai-vos» e daí o grande número de nascimentos que os nossos avoengos acusavam. Bem verdade que, nos primeiros meses, a criançada morria em grande número, indo engrossar, lá na céu, as legiões dos anjinhos.

Não havia cuidados com a alimentação, nas primeiras idades. As mães desconheciam toda a dietética racional, e se o filho gritava, só havia um única cuidado: era alimentá-lo até à saciedade.

Chegava a época das uvas ou dos figos, e a filharada bem ou mal alimentada, como Deus era servido, sofria forte desinteria. Os miúdos começavam a ficar chupadinhos e mais chupados, e não havia nada, mesma nada, que conseguisse parar semelhante retaliação.

As mulheres de virtude procuradas para pôr cobro ao mal presente, metiam benzedura e tudo o mais necessário. Mas o mal muitas das vezes era de morte, e nada havia a fazer. Aguardava-se o dia de S. Cristóvão para dar ao doente um pouco de rosca doce e virar a doença. E se o santo nada conseguia, a criançada dos vizinhas, de ranho limpo e um pouco mais esmerada que o costume, acompanhava o inocentezinho na sua viagem sem regresso, até à igreja do Sr. Abade.

Se o cachopo se mostrava fortemente esfomeado e a não largar o seio túrgido da mãe senão em alto grito, como quem o quer matar, então devia ter chegado a ocasião do desquite. A mãe preparava pão com vinho, adoçado com um pouco de açúcar, e algumas das vezes, para o filho ficar forte como um homem alentado, acrescentava um trago de aguardente. Para entreter, amarrava-lhe a mão a um bocado de pão rijo, para o filho ir esmoendo vagarosamente, enquanto preso a um xaile traçado nas costas, ia tratando da vidinha de todos os dias.

Se o catraio atingia o ano de idade, podíamos quase afirmar que então tínhamos homem. Estava passado o cabo das Tormentas. Fazia-se a selecção natural, venciam os mais robustos e ficavam pelo caminho os enfezadinhos. E não havia para aí doutor, por mais fino que aparentasse ser, que fosse capaz de lhe descobrir qualquer doença no arco do peito. Bem podia o facultativo virá-lo do avesso, que não encontrava qualquer mal.

Então o catraio passava ao rebanho dos irmãos, que o levavam de porta em porta, a mendigar alguma côdea ou algum vintém.

E assim crescia o rapazio até à idade adulta. / 29 /

Uma camada espessa de sujidade, desde os pés à cabeça, acompanha-o durante largos anos. Serve-lhe de camada protectora e nem mesmo a chuva persistente dos invernos consegue imprimir-lhe alguma higiene.

As mães não têm tempo para luxos. Os filhos são legião e, apesar do poço, no fundo do quintal, não há tempo para tratar da limpeza da numerosa prole.

E, quando o Verão aparece, era vê-los como o Senhor os pôs no mundo, com larga e desenfastiada publicidade das coisas mais secretas, de barriga bem empinada, como mulher grávida de uns poucos de meses, a bater às portas da vila a mendigar algum conduto para o bandulho.

O cabelo é eriçado e, por vezes, infestado de forte representação duma fauna de animalescos a correr-lhe pela cabeça, em todos os sentidos. No lábio superior, com cisco fossilizado, há por vezes pequenas feridas que os mais pequenos mordiscam enquanto não chega a esmola tardia.

E assim, ou quase assim, medraram os nossos vareiros.

Em 1864, o censo realizado acusa 10374 vareiros, para 2796 fogos. O censo refere-se, também, a Arada com 1530 habitantes e 403 fogos, Pereira Jusã com 1243 pessoas e 259 fogos e Válega com um total de 4020 pessoas e 1113 fogos.

Em 1878, procedeu-se a novo recenseamento da população, obtendo-se os números seguintes:

Ovar com 10447 varões e fêmeas, Arada com 1701 habitantes e 419 fogos, S. Vicente com 1175 pessoas a que corresponderam 303 fogos e Válega com 4182 habitantes e 1137 fogos.

Representa o censo, então feito, 17505 pessoas e 4543 fogos, na totalidade do concelho.

A república, em 1911, procedeu a um arrolamento da população, obtendo-se para o concelho de Ovar 27069 habitantes e 6259 fogos. Era então Ovar, já nessa data, constituída pelas freguesias de Arada, Cortegaça, Esmoriz, Maceda, S. Vicente, Válega e Ovar S. Cristóvão.

A esta última o censo regista uma população de 11 416 pessoas e 2694 fogos.

Sucedem-se os censos decenais, cujo primeiro foi realizado em 1920. E de 10 em 10 anos, lá temos em casa um papelote a preencher com todo o cuidado. Há que responder com todo o esmero, pois perguntas há que podem bem servir para aumentar a colecta dos impostos. Nada confiar em facilidades. É preciso estar de pé atrás, não vá o demo tecer voltas e mais voltas, e quando uma pessoa se dá conta, está enredada de tal modo que nem uma dúzia de responsos ao S. António será capaz de o livrar da aflição.

De 1920 a 1940, a população do concelho distribuía-se pela forma seguinte:

 
  1920 1930 1940
habits. fogos habits. fogos habits. fogos

Arada

2 170

466

2 200

508

2 277

565

Cortegaça

1 945

434

2 011

486

2 194

677

Esmoriz

3 456

767

3 796

900

4 240

1 012

Maceda

2 105

490

2 346

504

2 067

533

Ovar (S. Cristóvão)

10 482

2 551

12 729

2 963

12 799

4 090

S. Vicente

1 560

318

1 501

325

1 761

402

Válega

4 707

1 053

4 733

1 143

5 319

1 295

Totais

26 425

6 079

29 317

6 829

30 657

8 574

 

Relativamente à freguesia de Ovar, de 1920 a 1940 registou-se um aumento populacional de cerca de 2250 habitantes. Este incremento, embora pouco significativo, foi em grande parte contrabalançado pelo índice de mortalidade e de emigração.

Nos vinte anos, a população do concelho usufruiu de um aumento superior a 4200 pessoas, o que não deixa de ser importante.

Tomando agora para análise os anos de 1950/1970, a evolução da população processa-se de acordo com os elementos do quadro seguinte:

 
  1950 1960 1970
habits. habits. habits. fogos

Arada

2 356

2 572

2 635

646

Cortegaça

2 577

2 655

3 125

700

Esmoriz

5 341

5 955

7 945

1 581

Maceda

2 515

2 854

2 800

656

Ovar (S. Cristóvão)

13 333

14 128

16 145

3 954

S. Vicente

 1 883

2 024

2 255

468

Válega

5 343

5 132

5 060

1 286

Totais

33 348

35 320

39 965

9 291

 

Ovar (S. Cristóvão) mostra um incremento na sua população que passa de 13333 pessoas para 16145, em 1970.

Este aumento, embora atenuado pelo fenómeno emigratório, deve-se em grande parte ao incremento operado na industrialização e expansão da vila.

O número de fogos fixou-se em 3954, número inferior ao registado em 1940. A estatística denomina fogo, / 30 / como «todo o local apropriado à habitação de uma só pessoa ou convivência».

Na entanto, a população do concelho passou de 33348 habitantes, em 1940, para 39966, em 1970.

Verifica-se que, apesar da emigração, o número de habitantes tem aumentado se bem que em número pouco significativo, fazendo excepção à regra Maceda e Válega, freguesias predominantemente rurais, que acusam diminuição da sua população, no último censo.

Relativamente a Cortegaça, a evolução da população tem-se feito no sentido ascendente. Esta freguesia deixou de pertencer ao concelho da Feira, em conformidade com o decreto de 21-6-1879. Da mesma forma, e pelo mesmo decreto, a freguesia de Esmoriz passou do concelho da Feira para o de Ovar. Mais tarde foi incorporada no concelho de Espinho, mas o decreto n.º 15395, de 14-4-1928, novamente incorpora esta freguesia no nosso concelho. Em 29-3-1955, esta povoação foi elevada à categoria de vila. De 1960 a 1970, a vila de Esmoriz regista um aumento populacional de cerca de 2000 habitantes.

Maceda acusa, no último censo de 1970, uma diminuição nos seus habitantes, cujo último número é de 2800 indivíduos, contra 2854, em 1960.

Também pelo mesmo decreto de 21-6-1879, a freguesia deixa de pertencer ao concelho da Feira, para se integrar no concelho de Ovar, a que tem pertencido até à presente data.

É curioso notar que S. Vicente Pereira, ainda no censo de 1864, figura com a denominação de Pereira Jusã.

E são estas as pequenas considerações sobre a demografia vareira, desde o primeiro censo da população até 1970.

Em artigo próprio será estudado em pormenor a evolução da nossa população: causas da emigração, natalidade, mortalidade e mais factores relacionados. Mas tudo isto será matéria basta, que dependerá das nossas forças e pachorra para levarmos em frente semelhante empreitada.

 

páginas 28 a 30

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