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N.º 17

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1974 

Sever do Vouga

Um pouco da sua história

Por Fernando Soares Ramos

I

«Se nada mais souberdes, conhecei ao menos a história do vossa terra...», escreveu Victor Hugo, esse monstro sagrado do pensamento francês, cuja obra, através da beleza ímpar da sua poesia e do estilo vigoroso e inconfundível dos seus romances, continuará a projectar-se ao longo dos séculos, subtraindo-o à implacável lei da morte.

Na verdade, conhecer um pouco da história do cantinho onde se nasceu; estudar a linhagem altissonante das gentes de antanho que nos precederam e pisaram, em épocas mais ou menos recuadas, o mesmo solo; descobrir pacientemente através de velhos pergaminhos os fastos memoráveis de todos quantos, de qualquer modo, se empenharam em talhar e engrandecer este rincão de beleza; olhar extasiados o património artístico que os nossos antepassados nos legaram, pese embora a sua pequenez, é algo que nos consola o espírito, nos transporta a um passado distante que também nos pertence, sem contudo o termos vivido.

Entretanto, como é difícil transpor essa selva densa, em busca de seguras veredas que nos conduzam ao seu inteiro conhecimento; quantas vezes nos quedámos, impávidos, perdidos na longínqua obscuridade do tempo ante o silêncio, melhor, a míngua de documentos que nos priva da réstia de luz esclarecedora, ocultando a nudez do facto em toda a sua extensão.

A imperdoável incúria dos homens fez desaparecer grande parte da documentação que hoje seria um rico manancial de informações para um completo estudo sobre a história deste concelho.

O presente trabalho, modesto e despretensioso, sem dúvida, vem a lume apenas com o fim de prestar uma insignificante contribuição para um conhecimento parcial dessa história, que remonta, quase exclusivamente, aos primórdios da nacionalidade. Limita-se, por isso, ao ordenamento de alguns fados segundo uma ordem mais ou menos cronológica, recolhidos de várias publicações, incluindo até algumas informações que a tradição popular conservou, naturalmente dúbias ou desgastadas pela corrosão do tempo.

Dentro deste contexto, o autor do presente escrito, tendo em mente a publicação de um estudo de maior amplitude numa possível oportunidade, não considera, apesar de tudo, esgotadas todas as fontes de informação, a seu tempo cuidadosamente consultadas para atingir o fim que se propõe, contribuindo de algum modo para uma maior divulgação da terra que adoptou.

Ditas estas primeiras palavras, à guisa de prefácio, vamos procurar enquadrar dentro das actuais freguesias que compõem a circunscrição municipal, as referências que nos pareceram dignas de registo.

 

II

O território das oito freguesias que constituem esta circunscrição municipal, com uma superfície de 131,52 Km2, é limitado pelos concelhos de Vale de Cambra, Oliveira de Frades, Águeda, Albergaria-a-Velha e Oliveira de Azeméis, respectivamente a norte, nascente, sul e poente. Sete das freguesias pertencem à comarca de Albergaria-a-Velha e a oitava, Talhadas, à de Águeda, sendo um dos dezanove concelhos do Distrito de Aveiro enquadrado na Província da Beira Litoral. Dista 35 Km de Aveiro, 65 de Viseu e 63 do Porto, tendo ligações com estas cidades através de boas estradas nacionais. Administrativamente é um concelho rural de 3.ª ordem e pertence à Relação de Coimbra.

O movimento demográfico da população concelhia, até ao último recenseamento, pode esquematizar-se no seguinte quadro: / 8 /

1755 –   3521 habitantes

1890 –   8443 habitantes

1900 –   9042 habitantes

1911 –   9807 habitantes

1920 – 10328 habitantes

1930 – 11640 habitantes

1940 – 12629 habitantes

1960 – 14111 habitantes

1970 – 12577 habitantes

Sem receio de desmentido podemos afirmar que o concelho foi habitado há milénios por povos pré-históricos que aqui deixaram sinais indeléveis da sua passagem. A pedra insculturada denominada Forno dos Moiros, descoberta pelo eminente arqueólogo Dr. Alberto Souto, de saudosa memória, integrada na chamada «arte rupestre» do noroeste peninsular, existente na aba ocidental e a meio da encosta da serra do Arestal; o «dólmen» da Cerqueira, plantado na vertente oriental da mesma serra; outros «dólmenes» incompletos, na margem esquerda do Vouga (Santo Adrião e Chão Redondo), bem como o aparecimento de «mármores» em vários locais, são monumentos que assinalam a permanência desses povos antiquíssimos, que no silencioso desfiar dos séculos se foram sucedendo uns aos outros, conforme a força dominadora do invasor. Comprovam e justificam ainda tal opinião alguns objectos encontrados aqui e além, tais como machados, pedaços de mós, instrumentos de sílex e fragmentos de cerâmica, outras provas irrefutáveis da estada dessas gentes que pertenceram às idades primitivas.

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SEVER DO VOUGA – Vista parcial

Como a Lusitânia se estendia aproximadamente até às regiões do Vouga, também os Lusitanos por aqui calcorrearam montes e vales, numa luta constante pela sua sobrevivência. Resquícios de castrejos espalhados pelo concelho denunciam a presença deste povo. Mais tarde, já sob o domínio de Roma, estes monumentos foram melhorados e aproveitados, servindo de abrigo às povoações que à sua volta se acolhiam.

Não há dúvida de que as riquezas minerais atraíram a cobiça dos romanos e foram o móbil da conquista da Península Ibérica. Estrabão referiu-se às riquezas minerais que existiam em quantidade na Lusitânia.

Também aqui, em Sever, mais propriamente nas imediações do Braçal, se recolheram provas evidentes da permanência dos romanos nestas paragens. Nos meados do século XIX, descobriram-se as minas da Malhada e do Coval da Mó (de chumbo argentífero), em cujos trabalhos de limpeza se encontraram, entre outros objectos, uma trança de chicote de coiro, que provavelmente terá servido para castigar escravos que ali trabalharam, um utensílio semelhante a um balde destinado, certamente, à extracção de minério, um pedaço / 9 / de candeia de barro, bem como madeiramentos quase metamorfoseados em lenhite.

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Estes notáveis achados foram devidamente assinalados no Relatório elaborado por Carlos Ribeiro em 1853, a propósito dessas minas. Mas a prova mais cabal e indiscutível foi encontrada em 1943 – quase um século depois – ao fazer-se o reconhecimento de uma nova galeria na já referida mina da Malhada. Duas lucernas romanas, uma delas intacta, regressaram de uma prolongada noite de séculos à luz do dia, desfazendo dúvidas, se porventura existiam nos espíritos mais cépticos. Tais objectos foram classificados como sendo do século I ou II da nossa era.

Sabe-se, assim, que a avançada civilização romana pairou também nestas redondezas.

Forno dos Moiros (Arestal)

E os séculos foram rolando, outros povos se estabeleceram, e no dealbar do século VI os visigodos, comandados por Teodorico II, venceram e aniquilaram os suevos. Então um seu irmão, notável e destemido guerreiro que em tais lutas tomara parte, o Conde Sevéri, aqui teria talhado para seu domínio uma larga faixa, por volta do ano 510, segundo determinado estudioso da genealogia de tão ilustre prócer.

Por largos anos e à maneira de dinastia aqui se conservou a sua descendência, usando sempre o mesmo título que viria a dar o nome ao que hoje se chama Sever.

Em 711, porém, os árabes avançaram do norte de África, invadiram este território e os naturais tiveram que bater em retirada, deixando os seus domínios na posse dos intrusos, bem adestrados no manejo das armas. Contudo, supõe-se que vieram a conceder-lhes de novo a posse dos seus avultados bens, mediante o pagamento de um tributo ao emir de Córdoba. Era então Conde Sevéri D. Gonçalo Martim Gondesindo.

Entretanto esta região ora estava sob o domínio árabe, ora sob o domínio cristão. As crónicas dizem-nos que em 879 o Conde Hermenegildo, mordomo de Afonso III, rei de Leão, conquistou Coimbra aos árabes e povoou-a de cristãos. Todavia, em 987, Coimbra cai de novo em poder dos árabes, sob o comando de Almançor e, nos dez anos imediatos, o domínio mourisco estendia-se até ao Douro, provocando a fuga da maior parte dos ricos senhores para além deste rio, entre os quais se conta Egas Erotis, abastado proprietário. Um documento de Sever, datado de 1019, presta-nos, sobre o assunto, a seguinte informação: «...e naquele tempo levantaram-se os esmaelitas, filhos da perdição, e apoderaram-se da terra em que estava o mosteiro (neste caso o de Sever) e de tudo desde o Douro até Córdoba». Bem elucidativo, sem dúvida, este documento que nos dá conta das devastações ocasionadas durante as incursões desse chefe árabe.

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Dólmen da Cerqueira

Mas a reconquista cristã foi renascendo desses escombros e à medida que as terras foram retomadas (Coimbra foi conquistada definitivamente pelo rei Fernando Magno, em 1064) formaram-se zonas a que se convencionou chamar territórios. Entre o Douro e o Mondego surgem dois: o de Santa Maria e o de Coimbra, divididos em parte pelo rio Vouga, citados discriminadamente em documentos da época, especialmente dos séculos XI e XII. É assim que nos aparece Sever mencionado no primeiro e a constituir o seu termo.

Como atrás se disse, esta terra permaneceu, à maneira de dinastia, na posse das sucessivas gerações dos Condes Sevéri, não obstante as vicissitudes por que passaram. E na arrancada vitoriosa que teve o seu início no Castelo da Feira e permitiu a Afonso Henriques, em S. Mamede, tomar um pequeno condado num país livre e independente, encontrava-se a seu lado, como dos principais obreiros da grande façanha, D. Ermígio Muniz de Figueiredo, 1.º Conde das Terras de Santa Maria e XXII Conde Sevéri.

Não resta pois dúvida alguma sobre a alta antiguidade de Sever do Vouga, cujo nome deriva de / 10 / Sevéri, pela queda do i e junção do vocábulo Vouga, em virtude deste rio aqui passar.

Um documento datado de 897 dá-nos conta da existência de um ilustre varão de nome D. Soeiro Gondesindes, de alta linhagem, pelo qual faz importante doação de terras ao mosteiro de S. Salvador da Lavra, nela se compreendendo Rigas (que ninguém sabe localizar), Esmoriz, Várzea de Carvoeiro e Sever em Riba Vouga.

Descendia directamente do «dux» D. Mem Guterres, possuidor de grossos haveres nesta região, o qual teve uma filha, D. Enderquina Mendes «Pala», de cognome), herdeira das terras de Sever, que veio a casar com o Conde Gondesindo Eres. Pois foi precisamente deste casamento que nasceu D. Soeiro Gondesindes, o cavaleiro de origem goda que a tradição lançou até aos nossos dias, de estirpe tão poderosa que basta lembrar a sua ligação à família real leonesa, pois a esposa desse «dux» era cunhada do rei de Leão, Ordonho I. Mais: uma tia paterna de D. Soeiro, de nome Elduara Eres, foi a mãe do célebre S. Rosendo, bispo de Dume.

Por sua vez, D. Soeiro Gondesindes casou com D. Goldregodo, da qual teve dois filhos, respectivamente Gondesindo e Sandino Soares.

Antes de 950, D. Soeiro e sua mulher doaram a «villa» de Sevéri e seu mosteiro, dedicado a Santo André e S. Cristóvão, ao abade Jacob, para que ele aí vivesse monasticamente. Alguns anos mais tarde este mesmo abade restitui os bens aos filhos legítimos dos seus benfeitores. Como se deduz do documento acima mencionado, datado de 1019, os árabes saquearam a «villa» e devastaram o mosteiro. Os dois irmãos, Sandino e Gondesindo, remedeiam essas destruições de modo que, em 964, fazem de tudo doação a um diácono de nome Sandino e ao presbítero Gudesteu, incluindo a quarta parte da «villa» de Espindelo, vizinha de Sever, na outra parte do Vouga, entre as «villas» Ceterini e Idolo (hoje Cedrim e Ribeiradio).

Retomando o estudo das geraçães de tão ilustres fidalguias – as dos Condes Sevéri – conclui-se que Sandino Soares foi casado com D. Ximena, havendo deste casamento dois filhos, Soeiro Sandines e Fernando Sandines.

O primeiro casou com D. Enderquina Pala (não confundir com Enderquina Mendes «Palla», que viveu um século atrás, que em 961 era já viúva, facto que se deduz da doação de bens que faz para sufrágio da alma do marido. Um documento datado de 982 mostra que os dois esposos não tiveram filhos e informa do destino de parte dos seus haveres, que não eram em Sever, para obras pias a bem da sua alma, tendo seu irmão Fernando cumprido escrupulosamente a sua vontade, doando-os ao mosteiro de Lorvão.

Retomando a história desta terra, sabe-se por documento exarado em 1005 que nova incursão de muçulmanos se verificou, nesta altura com o apoio de um conde cristão, FroiIa Gonçalves, o qual, mancomunado com os árabes, governava de Montemor o território de Coimbra. Nesta data havia já falecido o presbítero Gudesteu, e Sandino Dias, o diácono do mosteiro de Sever, talvez compelido, vende-lhe ilegalmente o cenóbio com as suas casarias, pomares, soutos, terras lavradias e maninhos, apesar de existirem outros legítimos possuidores. No entanto, Mendo Lucidez acaba por subjugar o conde traidor, expropria-lhe todos esses bens restituindo-os aos seus donos, Nuno e seus irmãos, filhos de Fernando Soares, os quais os doam em 1019 ao mosteiro da Vacariça, terminando a existência do mosteiro de Sever em 1094 com a sua integração na Sé de Coimbra.

 

Sever não teve foral velho, pelo menos conhecido, embora houvesse quem tenha acreditado que D. Soeiro Gondesindes lhe dera um. Todavia isto não passa de mera hipótese, por não ser conhecido pergaminho que a tal se refira. Crê-se também que um dos seus sucessores, séculos depois, Soeiro Martins de Figueiredo, dera foral a Sever no reinado de D. Afonso III, supondo-se que veio a instituir o morgadio do Paço da Vala, no lugar da Senhorinha, cujo topónimo se tem mantido através do tempo e que proveio do nome de sua muIher – Senhorinha.

À paróquia de Santa Maria de Sever se referem as Inquirições de D. Afonso III (1258), tendo informado o juiz João Afonso que aqui possuía a Sé de Viseu treze casais, além de dois na «villa» de Senhorinha. Nesta «villa» ainda possuía então dois o bispo e Sé de Coimbra, e um o mosteiro de Grijó, além dos dois em Paçô, que pagavam também certos foros à coroa.

 

Cedrim – A base deste topónimo é Iatina, derivando de Cetarini. É citado em diversos documentos antigos: / 11 / em 1050 aparecem as formas Cedarim e Zedarim; em 1284 Cedari, 1747 Cedrim e 1768 Sedrim.

Em 1017 aqui existia um mosteiro da ordem beneditina, doado em 1050 ao de Pedroso (Vila N.ª de Gaia), por D. Gonçalo Mendes, filho dos Condes D. Mendo Lucis e de D. Flâmula. D. Teresa, mãe de Afonso Henriques, visitou este convento quando aqui passou a caminho das Caldas de Lafões.

Também em outro documento e referente a uma doação ao diácono Sandino e ao presbítero Gudesteu se diz: «...est ipsa villa inter vilIa de Ceterini et villa de Idolo...» (isto é, junto a Cedrim e lo – hoje Ribeiradio).

Nos meados do século XIII pertenceu à paróquia de S. Miguel da Ribeira (Ribeiradio), juntamente com Couto de Esteves. Por esse motivo era curato anual da apresentação do vigário da referida paróquia.

As «villas» de Cedrim e Paçô eram de fidalgos por avoenga, isto é, por honra antiga e pertencerem a D. Urraca Vasques, não pagando qualquer foro à coroa. Nas inquirições de 1258, o Juiz de Sever, João Afonso, declarava que tais «villas» não eram couto, mas honra.

Do inquério paroquial de 1732 (que juntamente com o de Sever e Silva Escura, actualmente existentes na Torre do Tombo, são os únicos do Distrito que escaparam dos escombros do terramoto de 1755) conclui-se das informações prestadas pelo pároco Francisco Soares que a freguesia pertencia ao Bispado de Viseu, comarca de Esgueira, termo da Vila de Sever e possuía 131 fogos. Era donatário o marquês de Fontes, estando o respectivo Pároco sujeito ao reitor de Ribeiradio, pelo que a freguesia lhe era anexa. Possuía alguns privilégios pertencentes à Sagrada Religião de Malta de que era senhor D. Sancho Manuel de Vilhena.

Convém frisar ainda que em 1732 são indicados como pertencendo a esta freguesia os lugares de Silveira e Arcas, hoje da de Talhadas, Alagoa e Paredes, actualmente pertencentes a outro concelho.

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Vestígios das Muralhas do Castelo.

 

Couto de Esteves – Nas Inquirições de 1258 aparecem as formas Stevai e Stevay; em 1284, Couto de Steuãy; em 1527, Estevem. A partir desta data o vocábulo Esteve encontra-se nos séculos XVII e XVIII, acabando por se adoptar a forma corrente de Couto de Esteves. Entretanto o vocábulo usado na época medieval revela alta antiguidade, talvez derivante de uma «villa» Stephani.

Povoação antiquíssima, pertenceu em 1067 ao convento de Lorvão. Em 1128 D. Teresa e seu filho coutaram esta terra, concedendo-lhe vastos privilégios que perduraram por muitos anos.

A tradição aponta-nos, nesses recuados tempos, a existência de um ilustre varão, senhor de baraço e cutelo, fundador de uma capela que hoje serve de altar-mor na igreja matriz, no ano de 1139 da nossa era, reinando então Afonso I de Portugal.

Como se disse já, fez parte da paróquia de S. Miguel da Ribeira com as suas seis villas de Catives, Cerqueira, Estêvem (Esteves depois), Lijó, Sanfins e Sapeiros. Revela-se aqui a mesma composição de 1180, resultante da intervenção do nosso primeiro rei na célebre / 12 / questão de Rocas, que havia de dar origem ao Couto de Esteves dos séculos posteriores.

Em resultado das anteriores prerrogativas concedidas, tais villas eram pertença de cavaleiros-fidalgos e não faziam à coroa o mais simples foro, por ser «couto por padrões», isto é, tinham termo próprio que se situava entre os de Cambra, Sever e Lafões. Tal independência assim proclamada não tinha semelhança no país, dado que até os comissários régios de 1258 se mostraram surpreendidos, chamando-lhe «tanta e tão grande jurisdição» e anotando ainda que «sempre a tiveram de uso.»

Por esta altura não tinha juiz próprio, escolhendo o povo dois ou três vizinhos para resolverem as suas causas ou questões.

No final do século XIII o referido couto estava repartido em dois: um, de cabeça em Lijó, que havia pertencido ao filho de algo João «Barvudo»; outro, encabeçado em Sanfins que fora de Fernão Rodrigues Pacheco, o leal alcaide-mor de Celorico. A razão de este couto lhe ter pertencido, deve-se ao facto do seu casamento com D. Constança Afonso, viúva de um rico-homem de Lafões e parece que também de Sever, filha de D. Afonso Anes «de Cambra» e de D. Urraca Peres, que por sua vez o herdara, ou parte dele, de D. Pedro Nunes «Pestanas de Cão». Foi sucessor dos bens do valoroso alcaide seu filho João Fernandes Pacheco.

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Pelourinho de Couto de Esteves

Este D. Pedro Nunes «Pestanas de Cão» era neto de D. Álvaro Rabaldes, sendo este, por sua vez, irmão daquele que foi bispo do Porto, D. Pedro Rabaldes, muito provavelmente aqui nascido.

No documento da descrição da Provedoria de Esgueira, datado de 1689, inclui-se o Couto de Esteves como vila, com juiz ordinário do cível e crime, dois vereadores, dois tabeliães, juiz dos órfãos e escrivão, dele fazendo parte os lugares de Couto de Baixo, Irijó, Sanfins e Catives e algumas póvoas que hoje correspondem a vários lugares de todas as freguesias do concelho. Em 1760, com a elevação da Vila de Aveiro a cidade, por carta de D. José datada de 4 de Fevereiro, a qual passou a ser cabeça de comarca, determinou-se que a vila de Couto de Esteves fizesse parte da comarca e correição desta cidade. Mais tarde, com a fundação do Distrito pelo decreto de 18 de Julho de 1835, entre os 53 concelhos que o constituíam, figuravam os de Couto de Esteves e Sever. Nesta altura, como concelho, possuía juiz ordinário, escrivão, oficiais de diligências, administrador-provedor e câmara com cinco vereadores.

O decreto de 6 de Novembro de 1836, suprimindo 25 dos 53 concelhos apontados, liquida definitivamente o de Couto de Esteves que ficou incorporado no de Sever, até ao presente, como freguesia.

No final destas notas, que nos seja permitido introduzir aqui um parentes e que constitui um incontido grito de revolta com ressaibos de protesto: como pôde a estupidez dos homens deixar perder ou inutilizar toda a documentação que hoje seria um maravilhoso repositório para o estudo completo da história desta terra durante uma longa época?

 

Paradela – A memória paroquial de 1732 indicou Paradela como um dos lugares da freguesia de Pessegueiro, surgindo, contudo, já com autonomia paroquial na «memória» de 1758, isto é, decorridos 26 anos. Esta autonomia foi-lhe conferida por despacho do Juízo Eclesiástico com data de 30 de Maio de 1740.

Em documento existente no Livro do Tombo da referida freguesia, datado de 29 de Maio de 1747, consta que «Fação a nova Igreja... em o lugar da dita cappella da Senhora da Ouvida...». E mais adiante, em 15 de Janeiro de 1748, impunha-se: «O Rd.º Abb.e procederá à eleição de duas pessoas que lhe parecerem capazes, a votos dos freguezes da Banda dalem do Rio, que servirão de eleitos para correrem com as obras do corpo da Igreja, que se há-de fazer no lugar de Paradela, desta freguesia...» (Livro I das Visitas, pág. 134 e vº). E a seguir (a páginas 143 v.º e 144: / 13 / «q ha de ser anecha desta Abbadia de S. Mart.º de Pessegr.º...» e «ficando lhe o poder aprezentar elle cura, pagando lhe a congrua costumada, ficando lhe tambem rezervados todos os direitos que lhe pertencerem como Abbade da Matriz.»

A nova freguesia ficava, deste modo e como se verifica, anexa à de Pessegueiro, pelo que, constituindo um curato, o abade da principal pagava o soldo ao cura e recebia para si todos os rendimentos da recém-criada.

A licença para a bênção da nova igreja foi dada em 16 de Janeiro de 1750, tendo, nessa altura, o reverendo Belchior Machado, abade da freguesia de São Martinho de Pessegueiro, informado os superiores «que eles têm executado a ordem de V. Ex.ª em fazer, no mesmo sítio e lugar onde estava a antiga capela de Nossa Senhora da Ouvida, a nova igreja de Nossa Senhora do Loreto.» Comunicava também o padre Feliz José Ribeiro de Sande, abade de Reigoso: – «Fui ao lugar de Paradela onde está situada a nova igreja de Nossa Senhora do Loreto, a qual quanto ao material está toda feita de novo, assim de paredes como de madeiramentos e telhado, caiada e pincelada por dentro e por fora.»

Consta ainda do Livro de Tombo da freguesia de Pessegueiro, páginas 102 v.º a 103 v.º, que numa quinta-feira, dia 29 de Janeiro de 1750, se benzeu essa nova igreja e o adro pelo reverendo reitor de Ribeiradio, Álvaro Nogueira de Matos, e no mesmo dia o pároco Belchior Machado nela disse Missa, acolitado pelos tonsurados presentes ao acto, tendo a cruz saído em procissão, pela primeira vez, em 2 de Julho de 1753, dia da Visitação de Santa Isabel.

Entretanto, também Paradela é citada em documentos antigos. Assim:

No século X, Gonçalo Viegas, filho de Egas Erotis, por alcunha o Iala, herdou de seu pai terras que se estendiam desde Sever à Bairrada, mencionando-se entre elas, Cedrim e Paradela. Egas Erotis, inimigo figadal de FroiIa Gonçalves, foi obrigado a refugiar-se no território situado entre Douro e Minho, quando este, a soldo dos árabes, dominava a região.

No inventário dos bens de D. Gonçalo e D. Flâmula, datado de 1050, são mencionadas no documento várias «villas», todas referidas ao Vouga (in riba uauga) e entre elas «Cedarim e Paratela.

Também em documento medieval existente na Torre do Tombo, um indivíduo de nome Múmio Ferreiro compromete-se, perante o bispo de Coimbra e enquanto for vivo, a agricultar-lhe as terras sob o seu senhorio, que possivelmente lhe foram confiscadas, para reparação de violências ou crimes cometidos nas villas de Sever e Paradela.

D. Sancho I fez doação de Paradela, por carta e foro de montaria, a Pedro Eitaz, que mais tarde, já na primeira metade do século XIII, veio a pertencer a D. Vasco Gil e sua mulher D. Froilhe Fernandes, a qual veio a ser a única herdeira destes bens e honras no ano de 1277, por morte de seu filho D. Gil Vasques.

 

Pessegueiro – No documento datado de 950 pelo qual D. Soeiro e D. Goldregodo cedem bens ao abade Jacob, incluindo o mosteiro, situados na vila de Sever (então Sevéri), consignava-se que eles partiam com as «villas de S. Martinho e Paçô, ao sul...»

Paredes, Nogueira e Sóligo, actuais lugares da freguesia, citam-se em documentos firmados nos séculos X e XI. A «villa» de Sóligo, por exemplo (então Solago), era metade de fidalgos e metade do rei, vindo D. Sancho I a doá-la por carta e foro de montaria a Gonçalo Eitaz, por serviços prestados, e os monteiros eram tão privilegiados como os ditos fidalgos, pois uns e outros àparte os respectivos foros de cavalaria e montaria só davam a «vida» ao mordomo e a galinha do «souto», ou pelos soutos, por ano, além do serviço na «hoste-e-anúduva».

Em 1023 S. Martinho aparece também indicado como termo de Sever, num documento de venda de terras efectuado por um Citello iben Alazade e sua mulher, para resgate de seus filhos, prisioneiros de mouros.

É de supor que a paróquia de S. Martinho de Sever existia já nos meados do século XIII, compreendendo nessa altura as actuais freguesias de Pessegueiro, Paradela e até talvez Talhadas, surgindo-nos, no final do mencionado século, sob a designação de Santa Maria de Pessegueiros, a qual, segundo referem as Inquirições mandadas fazer por D. Dinis, andava «por honra com toda a aldeia.»

Anos antes, ainda no reinado de D. Afonso II, muitas destas terras passaram à posse, por escambo (troca), de D. Fernão Anes (dito «Cheira» segundo os nobiliários medievais e «de Cambra» segundo as Inquirições), e que eram do mosteiro de S. Cruz de Coimbra.

Quando a paróquia se designava por S. Martinho de Sever, nos meados do século XIII, metade da igreja pertencia ao padroado da coroa, e a outra metade ao Juiz de Sever João Afonso, descendente de D. Maria Garcia. Interpelado pelos inquiridores de D. Afonso III declarou este juiz que «de todos estes herdamentos dos cavaleiros fidalgos, no termo de Sever, deve dar-se ao rei, de cada, uma galinha de souto e dez ovos, se a galinha não puser ovos, e se puser ovos, deve dar-se com a galinha cinco ovos, a «vida» ao mordomo (dar comida) e a «portagem»; e ainda «que de todas as lampreias que se matarem no Vouga... dá-se ao rei a terça parte e a «primitiva»; e se se matarem sáveis em caneiro, dá-se ao rei a terça parte das sáveis e a «primitiva». / 14 /

Nogueira foi cabeça de concelho, o qual nessa altura confrontava com os do Préstimo, Lafões, Esteves e Cambra. Refere Batista de Lima na sua obra «Terras Portuguesas» que, segundo o Cadastro da Beira do ano de 1527, o concelho de Sever tinha 213 moradores, sendo 9 no lugar de Nogueira, que era cabeça dele...

A existência ali perto de locais designados por Cabeço da Forca e Fundo de Vila é argumento que se não deve desprezar, atestando, sem dúvida, a importância que a povoação teve em épocas afastadas.

Na verdade possuiu também a categoria de Vila, como no-lo atestam vários documentos citados nos Livros de Visitas da freguesia. Assim: no Livro do Tombo, páginas 26, com data de 23 de Março de 1723, ao fazer-se a delimitação de determinado «prazo», menciona-se entre outros bens haver «um pardieiro velho da parte de fora das casas em que vive, que vai até a estrada que vem da vila de Nogueira para esta igreja...».

No livro I das Visitas, páginas 144, com data de 24 de Outubro de 1749, afirma-se: «Somos informados que, de não haver regos para se encaminharem as águas nas ruas da vila de Nogueira, do lugar de Cogulo...» Em 10 de Dezembro de 1760, a páginas 180 do mesmo Livro, cita-se ainda a propósito da mesma água que se achava «por satisfazer o que se determinou na visita de 1753, a respeito das águas que vão da serra da Medinha de Nogueira para a mesma Vila».

Na memória paroquial de 12 de Abril de 1758, informa o cura Jeronymo Roiz que Nogueira fora Vila e ainda era designada como tal; que existia uma forca antiga, situada ao norte de Pessegueiro, em um outeiro agudo e levantado, chamado vulgarmente a Forquinha, a qual era formada por duas pirâmides de pedra, ou melhor, de dois balaústres de pedra; que junto à capela da Snr.ª do Rosário se acham ainda o Pelourinho e os alicerces da cadeia antiga «o que tudo se passou para Sever, que hoje é ViIa».

Em quaisquer documentos anteriores a 1723 e posteriores a 1760, Nogueira jamais aparece com a designação de vila, indicando-se apenas o nome da povoação, o que nos leva a supor que só gozou dessa prerrogativa no espaço de tempo que mediou entre os mencionados anos.

Supõe-se também que a antiga igreja matriz da freguesia se situava no âmbito da dita vila de Nogueira. Próximo da capela da Snr.ª do Rosário ainda existe a chamada fonte dos carris, onde em tempos passados se ia buscar água para certos actos do culto. Tal facto pode deduzir-se do documento registado no Livro do Tombo, página 104, que relata ser de tradição para «baptizados, comunhõis e mais admenistraçõis de Sacramentos, por ser costume antiquissimo hirse procurar para semelhantes officios a sua antigua fonte chamada à dos Carris, sitio em q. antigamt.e esteve a m.ª Igr.ª»

Ainda segundo a Memória de 1758, foram donatários destas terras os condes de Penaguião e na data em que foi feita era já donatária a senhora Duquesa de Abrantes. No mesmo documento lê-se ainda que «entre o lugar ou vila de Nogueira e o rio Vouga, se acham umas antiguidades de uns passos, que foram dos condes de Penaguião que hoje se chama o Paço do Marquês de Abrantes e Fontes, onde estava um castelo ou casa forte, que há pouco se demoliu para se edificar um celeiro onde se acham e ajuntam as rendas dos sobreditos senhores.»

 

Rocas –- Embora esteja também comprovada a sua antiguidade, escassos são os documentos históricos, como de resto em relação a todo o concelho.

Segundo nos relata a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, a toponímia da freguesia é mais que milenária, especialmente Irigo, que terá derivado do nome pessoal de origem germânica Ariaricus, indivíduo possuidor de propriedade local.

Antes do século XI aqui fundaram um mosteiro o presbítero Godesteu e os diáconos Sandino e Guandino, que eram irmãos. Em 1034 os presbíteros Froila e Vermudo fazem perante o abade da Vacariça, Tudeildo, um «prazo» de habitação do mosteiro de Rocas, que é confirmado por Sandino Gonçalves, talvez filho de D. Gonçalo Viegas e de D. Châmoa Onorigues, da estirpe de D. Soeiro Gondesindes. Em 1002, tendo já falecido o presbítero Godesteu, os irmãos diáconos, confessando-se fundadores do dito mosteiro, doam-no ao da Vacariça.

Em 1180 surge a célebre demanda entre o bispo D. João, da Sé Viseense, e os herdeiros da «villa» de Rocas. O conflito ficou solucionado com a intervenção do nosso primeiro rei, que por sentença adjudicou à referida Sé seis casais e outros tantos ao mosteiro de Sever e a outras pessoas (heredes).

Os intervenientes nesta divisão foram: pela Sé, frei Afonso, monge do mosteiro de Silva Escura, e frei Soeiro, monge do mosteiro de Santiago de Sever; pela outra parte, Salvador Peres, Pedro Vermudes, Gonçalo Mendes e Nuno Gomes, pessoas de influência na região, sendo este último mandante de Sever pelo rei, filho de D. Gomes Mendes «Guedeão» e de D. Maior Pais «da Corveira», e que veio parar a Sever pelo seu casamento com D. Maria Álvares, sobrinha do Bispo do Porto, D. Pedro Rabaldes.

Esta mais uma razão que nos leva a apontar que o referido prelado teve por berço esta terra de Sever.

A paróquia de S. João de Rocas nasceu do século XII para o século XIII. Segundo as Inquirições de 1258, metade da igreja era reguenga (do rei) e a outra metade de Pedro Vicente, que interveio largamente / 15 / nessas devassas. O próprio monarca possuía ainda quatro casais «de villa ad sursum» (da vila para cima), recebendo metade dos frutos e dos foros.

Pedro Vicente declarou aos inquiridores que na villa de Rocas existia igreja de longo tempo, e dela fora metade do rei e a outra metade era dele e daqueles que descenderam da sua avoenga; e segundo ouvira a seus avós e a seu pai, essa igreja tivera paróquia sobre si e «prelado», mas foi empobrecendo e decaindo de tal modo que ao bispo de Viseu não foi difícil apoderar-se dela e uni-la à sua «câmara» de Santa Maria de Sever, de que ficou sufragânea. Ajuntou ainda Pedro Vicente que ele próprio tinha livros e cálices que haviam sido dessa igreja, do tempo em que ela fora monástica. Até o abade de S. Martinho de Sever, João Anes, afirmou que vira homens bons velhos dar testemunho ao meirinho Martim Anes de que a meia igreja de Rocas era do rei.

Posteriormente ao século XIII, em data que se não pode precisar, voltou a ser paróquia própria.

Os casais que a Sé de Viseu aqui possuía pagavam o seguinte foro anual à coroa: cada casal, uma galinha e dez ovos, portagem, «vida» ao mordomo de Sever, voz-e-coima (casos de crime) e hoste-e-anúduva (serviço militar); e por uns reguengos anexos, os casais davam o total de seis quarteiros e sexta de pão, metade milho e metade centeio, quer cultivassem esses reguengos, quer não.

A igreja desta freguesia foi reedificada antes de 1748, pois data de 29 de Março desse ano a licença para a sua bênção, não obstante não se encontrar concluído completamente o edifício, como se deduz do pedido e informação, do seguinte teor: «Os eleitos, o juiz da Igreja e o povo da freguesia de S. João Batista, do lugar de Rocas, reedificaram a sua Igreja «sem que estivesse feita a capela-mor. Pela grande consternação em que se achava a dita freguesia por irem ouvir missa a uma capela (na qual apenas) cabiam quinze ou vinte pessoas, ficando todo o mais povo à inclemência do tempo, recorreram a pedir licença para se benzer o corpo da igreja, não obstante não estar ainda a dita igreja com a capela-mor, para com maior comodidade poderem assistir ao santo sacrifício da missa e ofícios divinos, e com efeito se lhe mandou passar a dita licença que com esta juntam; e porque a capela-mor da dita igreja está acabada e perfeita e eles suplicantes não têm aonde comodamente possam armar o Sepulcro para a Semana Santa senão na dita capela-mor, onde se pode estar com decência, e requerendo eles ao seu Abade benzesse a dita Capela, por virtude da dita licença já concedida, e ele o não quer fazer sem novo despacho...», pediam licença para a bênção da Capela-mor. Informação do cura João da Silva: – «A Capela-mor de que se trata na petição está acabada e decentemente ornada para nela se poder celebrar missa e ofícios divinos, esta foi feita a fundamentis para poder condizer com o corpo da igreja, também o mais alegado na petição é verdade que pela grande necessidade que o povo desta freguesia tinha de que se benzesse só o corpo da igreja para nele poderem dizer missa com comodidade, pois enquanto duraram as principais obras estava o sacrário e se diziam as missas conventuais em uma capela da freguesia de S. Miguel do Portelo, em a qual cabiam muito poucas pessoas, e todo o restante da freguesia que é muito populosa estavam experimentando as inclemências do tempo, e por este motivo se recorreu a pedir licença para se benzer o corpo da igreja, sem embargo de não estar finda a capelão-mor...».

Segundo a memória paroquial de 1753, a freguesia pertencia ao bispado de Viseu, comarca de Esgueira, sendo termo de Sever, cabeça de concelho. Era donatária da terra a Duquesa camareira-mor.

 

Silva Escura – Este topónimo deriva do latim silva, designando um local coberto por sombria e cerrada selva, ao tempo do seu povoamento, que se considera também mais que milenário. Na verdade, no documento de doação de bens feito por D. Gondesindo Soares ao mosteiro, em 964, exara-se como ponto de referência para efeitos de confrontações: «et dividet hec villa... cum villa de Silva Scura».

Surge no primeiro período da monarquia, pelo menos em grande parte, como propriedade dos grandes senhores de Sever, fundadores de mosteiros em alguns locais, como se aludiu já. Referimos também que para a solução da célebre questão da villa de Rocas, ocorrida em 1180 com a sé viseense, um dos «partitores» dos bens foi um monge do mosteiro de Silva Escura, «AIfonsus monachus de Silva Scura», como rezam os documentos dessa época.

Dada a falta de documentação é de supor que este mosteiro fosse apenas um simples eremitério, talvez até a origem da paróquia de Sancti Johannio de Silva Scura, assim referida nas Inquirições de 1258, mais tarde tornada simples igreja secular.

Nas referidas Inquirições citam-se como fazendo parte da paróquia, as seguintes «villas»: Boialva (Boialvo), onde a coroa possuía três casais, pagando a oitava de frutos e os foros: casos crimes, serviço militar, etc.; Spieyro (Espinheiro, derivado do latim Spinariu), onde havia dois casais reguengos que pagavam por ano a quarta de pão, do vinho e do linho; Felgares (do latim filicales), onde o rei tinha um casal, dando a oitava do pão, do vinho e do milho; Presas, onde a coroa possuía três casais, tributários da sexta parte «et suos foros»; Remessal (Romezal), um casal), dando a quarta e «suas directuras»; Silva Scura, cinco casais, dando a quarta de pão, do vinho e do linho; Vila Fria, / 16 / com paço destinado a pouso real, três casais. Cavaleiros-fidalgos e mosteiros aqui possuíam a parte restante das terras: a sé do Porto dois casais no Romessal, doados talvez por D. Pedro Rabaldes, no século XII; o mosteiro de Santiago de Sever também possuía um neste lugar e a própria igreja de Silva Escura, dois em Vila Fria; a Ordem do Hospital um (este fazendo à coroa o «foro de galinha e ovos de souto» e pagando portagem); e várias herdades ou casais de fidalgos indiscriminados, todos eles pagando também o seu foro.

De notar que nas Inquirições de D. Dinis efectuadas no ano de 1282, se refere Silva Escura como «aldeia», enquanto que as anteriores, feitas ao tempo do seu antecessor, designam a terra como «vila», indicando aquelas que o rei aqui possuía quatro casais, e estas, cinco. Em documento encontrado no mosteiro de Grijó pode ler-se: «Disserom que na aldeia de Silva Scura ha el-rey quatro casaes e devem a dar per Paschoa dous queijos com senhas, fazeduras de manteiga, e com cinco ovos e senhas feixes de lenha para a fogueira.»

No ponto de vista eclesiástico, a história da freguesia também apresenta curiosidades. A paróquia deve ter nascido desse modesto cenóbio, referindo as Inquirições de 1258 o seguinte: «João Afonso, Juiz de Sever, jurado e interrogado sobre o padroado e a igreja de S. João de Silva Escura, disse que a Igreja de Silva Escura foi do rei e fora edificada na própria herdade real, e ajuntou que viu Afonso Gonçalves de Maçada e Afonso Gonçalves de Paçô, e João Esteves, juiz da Feira, e Pedro Guterres, tabelião de el-rei da terra de Santa Maria, fazer inquirições sobre esta Igreja por mandado de el-rei, e encontraram por inquirição de homens-bons que a Igreja de Silva Escura foi do rei e teve toda a paróquia sobre si; e Gonçalo Viegas, dito Marranco, cavaleiro-fidalgo, fez a presente Igreja de S. João na sua herdade, por isso que o prelado da igreja do rei não quis atender a esse Gonçalo Viegas para missa e para jantar; e depois o dito Gonçalo Viegas foi-se a el-rei D. Sancho (D. Sancho I) e combinou com ele que dessa igreja que Gonçalo Viegas havia feito se desse ao prestameiro que tivesse do rei a terra de Sever, por três vezes no ano, dois alqueires de cevada e dois alqueires de boroa e uma galinha e meio alqueire de pão de trigo e meio alqueire de vinho, e o prestameiro devia comer isto no paço do rei; e que, se por acaso sucedesse passar o rei por terra de Sever, devia fazer-se-lhe dessa igreja como a senhor (dela); e acrescentou esse jurado que esta igreja foi então erecta» (do século XII para o séc. XIII).

Da leitura deste trecho poderá deduzir-se o seguinte: não referindo claramente que esta primeira igreja fosse dedicada a S. João Batista, não restam dúvidas de que a alusão é feita à antiquíssima ermida de Santa Maria, hoje capela de Nossa Senhora da Graça, construída para o serviço paroquial dos dias santificados; também não faz qualquer referência ao mosteiro, que ainda meio século antes existia no cimo da serra, e dado tratar-se de um «eremitério», tudo leva a crer na sua passagem a igreja paroquial, que a tradição conservou como primeira matriz e sobre a qual o dito D. Gonçalo Viegas se arrogava direitos de padroeiro; de acordo com o soberano, o cavaleiro-fidalgo fez substituir a antiga paroquial por nova igreja construída na sua herdade, razão por que o padroado de S. João de Silva Escura persistiu na posse de particulares, os condes de Penaguião (marqueses de Fontes) e, depois destes, os seus herdeiros marqueses de Abrantes.

Dada a sua vetustez e ruína, procedeu o abade de Silva Escura, Melchior Brito e Robles, à sua reconstrução, desde os alicerces, no ano de 1662, conforme se lê na inscrição existente ao lado da epístola da capela da Senhora da Graça. Em 1837, em cumprimento de disposição testamentária do abade João Cipriano d'Assis e Morais, os seus herdeiros procederam a nova alteração da capela, que foi alteada com o fim de ali colocarem uma imagem de Cristo com cruz e peanha de pau santo, obra do célebre escultor Dias, que o abade lhe doou com mais alguns bens. Jaz sepultado no interior dessa capela.

E quanto à igreja paroquial? Não restam também dúvidas quanto à sua reconstrução, maior ou menor, por volta de 1765. Os mordomos das confrarias de Nossa Senhora do Rosário e do Santíssimo Nome de Jesus requereram licenças para procederem à colocação de novos retábulos na igreja paroquial, por terem sido demolidos os antigos. O abade da freguesia, José Leandro de Sousa Valadares, informou que os altares estavam completamente acabados «com toda a decência precisa para neles celebrar o santo sacrifício da missa...». Em 16 de Março desse ano foi concedida licença para a bênção.

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Talhadas – No cadastro da população do Reino de 1527, a povoação é citada como Pedras Talhadas e bem assim no ano de 1689 (Prontuário, de Meireles). Tal designação provém de dois monólitos gigantes ali existentes, pelo meio dos quais passa a actual E. N. 333 e passou outrora a estrada militar romana que, de Viseu, por Benfeitas e Talhadas, vinha entroncar na de Aemínio a Cale, possivelmente junto ao Marnel.

Os dois enormes blocos são metades de um todo que, rolando encosta abaixo, se cindiu em partes iguais e vieram postar-se a alguns metros de distância. Há uma lenda que afirma que o penedo se partiu quando do terramoto sucedido por ocasião da morte de Cristo, facto que o Padre João Crisóstomo da Veiga perfilha na sua obra – História Universal Sagrada e Profana, Política e Eclesiástica, 1875). / 17 /

O povoamento da terra pode considerar-se muito anterior ao século XII, por povos até pré-históricos, dada a sua situação que permitia fácil guarida e defesa e ainda pelo aparecimento de achados que bem denotam essa estada. Para aqui se prolongava o termo das vilas rústicas de Ceterini e Ideie (Ribeiradio, de certo medo), e ter sido pertença, certamente, dos grandes fidalgos senhores de Sever e próceres das terras de Riba Vouga – D. Soeiro Gondesindes e toda a sua descendência.

De salientar que primitivamente se denominou freguesia de Doninhas, onde existiu a primeira igreja. O documento mais antigo que se encontra no arquivo da freguesia de Talhadas data de 1674, o qual refere Doninhas como cabeça da paróquia, e já tinha, como hoje, S. Mamede como orago ou padroeiro.

1686 é o ano em que se inicia a magna questão da situação da sua nova igreja, que abre luta entre a população de várias localidades, vindo mais tarde a fixar-se definitivamente no «sítio das Vessadas das Talhadas». Em 1700, assente o local, abrem-se os alicerces. Em 1705 o visitador vem a Doninhas, mas jamais aparece qualquer documento paroquial citando esta povoação como freguesia.

Curioso salientar que aqui existiu um hospital, administrado por D. João de Melo e Abreu da Boavista, onde se dava cama e lume aos passageiros pobres. Assim o informava o prior da freguesia, Amaro Duarte Cardoso, em 11 de Maio de 1721, a um interrogatório do Cabido de Coimbra, que assim terminava essa informação: «...nem sei, em q anno foi fundado, nem por quem».

Esta freguesia foi do padroado real e o prior, ainda no século XVIII, tinha uma renda anual de 400 mil réis.

Talhadas pertenceu ao extinto concelho do Préstimo. Foi incorporada no de Sever até 1895, data em que este foi suprimido, pelo que a freguesia foi anexada ao de Águeda até 13 de Janeiro de 1898, voltando novamente ao de Sever. Fez parte do julgado do Vouga até 31 de Dezembro de 1853.

Eclesiasticamente, a partir da segunda metade do século XII e durante vários séculos, fez parte do Arcediago do Vouga, bispado de Coimbra.

Não se sabe a data exacta da constituição do concelho de Sever. D. Manuel I deu-lhe foral em 29 de Abril de 1514. O Cadastro da População do Reino (1527) já se lhe refere, indicando que possuía então 213 moradores, dos quais 9 em Nogueira, então cabeça de concelho. O seu termo estendia-se por meia légua em comprimento por outra em largura, e confrontava com os de Figueiredo e Vouga, da correição da Estremadura, e com os do Préstimo, Lafões, Esteves e Cambra. Quando da criação da comarca de Esgueira, no século XVI (1533), constituída por 31 vilas, 10 concelhos e um couto, incluiu-se entre os concelhos que a formavam o de Sever.

Em 1708 ainda permanece dentro da referida comarca, surgindo em 1832 integrado na de Estarreja e / 18 / quatro anos depois na de Águeda. Por decreto de 21 de Novembro de 1895 foi suprimido, pelo que as suas freguesias passaram para o de Albergaria-a-Velha, à excepção da de Talhadas incorporada no de Águeda. Poucos anos depois, por decreto de 13 de Janeiro de 1898 é restaurado com todas as freguesias que lhe pertenciam à data da extinção.

 

III

Ao falar-se de mosteiros poderá supor-se, erradamente, que eles possuíram desde logo a grandeza que mais tarde lhe conhecemos, marcando um estilo ou uma época. Pelo contrário. Quase todos nasceram da iniciativa de particulares, e melhor lhes cabia a designação de ermidas, onde habitavam poucos monges ou até um só.

Para explicar tão grande número dizia Viterbo: «Um eremitão, mesmo embrenhado na serra, ou só, ou acompanhado com algum ou alguns poucos companheiros, era o que bastava para que se desse o nome de mosteiros à sua brusca e tenebrosa cova, em que o desprezo do mundo reluzia e a comodidade própria se não buscava.» Escreveu também António Caetano do Amaral: «É certo que muitos desses mosteiros mal mereciam esse nome e melhor lhes quadraria o de capelas ou ermidas, segundo a sua origem e destino.» A comprová-lo está o documento datado de 1019, já referenciado, onde claramente se dizia que ele era: um pequeno templo e uma casa de habitação para duas ou três pessoas.

Os mosteiros de Sever, em número de cinco, enquadravam-se perfeitamente dentro do âmbito referido e não fugiam às regras enunciadas.

O padre Miguel de Oliveira, no seu livro» «As Paróquias Rurais», dá-nos conta da existência de quatro mosteiros no concelho, a saber: o de Cedrim, cuja invocação se desconhece; o de Rocas, dedicado a S. Salvador; e dois em Sever, tendo um como padroeiros, Santo André e S. Cristóvão, e o outro, S. Tiago. Todavia, como dissemos na altura própria, outro houve em Silva Escura, no Cimo da serra, talvez da invocação de S. João, e que teve o destino que já se referiu. Quanto ao de Cedrim já vimos que os seus monges eram beneditinos e foi doado, em 1050, por D. Gonçalo Mendes ao de Pedroso.

Falemos agora um pouco dos de Sever e Rocas.

O Conde Hermenegildo, mordomo do rei de Leão Afonso III, conquistou Coimbra aos árabes em 879, povoando-a de cristãos. Casado com Ermezinda, dela houve quatro filhos: Enderquina Pala, Arias, que foi conde de Coimbra, Guterre e Aldonça. Enderquina casou, por sua vez, com D. Gondesindo Eres, ficando a possuir muitas terras que se estendiam desde o Douro ao Vouga, e, deste casamento, nasceram Soeiro, Ermezinda, Adozinda e Froilo.

Soeiro consorciou-se com Goldregodo e fundaram, nos fins do século IX, um mosteiro em Sever que dotaram com todos os bens que aqui possuíam, ficando, portanto, este cenóbio de posse de vultosos rendimentos. Confiaram-no ao abade Jacob, que morreu sem descendência – virtude rara nos abades daquele tempo. O mosteiro, abandonado e arruinado durante muitos anos, foi confiado em 964 aos cuidados do diácono Sandino e do presbítero Godesteu, ao tempo em que os árabes, devastando a região, obrigaram os senhores a fugirem para terras de além-Douro. Entretanto, falecido Godesteu, o diácono Sandino compelido por Froila Gonçalves, renegado ao serviço de Almançor, vende-lhe o mosteiro em 1005, ilegalmente, não obstante existirem legítimos possuidores.

Este Froila Gonçalves, apesar de tudo, não renegou a sua fé. Provam-no as doações feitas ao mosteiro da Vacariça de todas as herdades e vilas que tinha desde o monte «Zebrario usque in uauga». Receando contudo que estas doações não viessem a ser respeitadas, encarregou sua prima, a condessa D. Toda, viúva do Conde Mendo Gonçalves, sogra de Afonso V, rei de Leão, de confirmar a doação, o que fez em 1018.

No entanto os filhos de Fernando Sandiniz, Nuno Fernandes e Sandino Fernandes, legítimos herdeiros do mosteiro de Sever de que Froila se havia apossado, reclamam e fazem valer os seus direitos, de tal sorte que lhes são reconhecidos, recebendo de Mem Lucídio todos os documentos que de novo lhes restituem a posse dos bens usurpados.

São estes irmãos que em 1037 fazem, por sua vez, doação ao mencionado mosteiro da Vacariça dos referidos bens, conservados até 1094 data em que o Conde D. Henrique deu este convento ao bispo de Coimbra, D. Crescónio. Os bispos que se seguiram desmembraram o seu rico património.

Já em 1002, o diácono Sandino, alegando ser fundador com seu irmão Godesteu do mosteiro de Rocas, doara-o com suas pertenças, alfaias e paramentos, ao da Vacariça, na pessoa do abade Andérias, com a confirmação do abade Benjamim, do mosteiro de Lorvão. Devia pois ser habitado por monges beneditinos.

Tais mosteiros deram origem às actuais freguesias de Sever e Rocas, que hoje ainda conservam os seus antigos limites.

Em 1135, porém, o abade João Cirita, fundou ele próprio um mosteiro em Sever, da invocação de S. Tiago, para eremitas. Este abade era natural de Alafões e bastante conhecido, ao que parece, por sua notória virtude. E tão conhecida era que o abade Claraval / 19 / (França) lhe enviou uma carta e oito monges, guiados por Boemundo, recomendando-lhe que construísse um mosteiro em Tarouca, o que fez no ano de 1140.

Por razões que se desconhecem, este mosteiro de S. Tiago uniu-se ao de Tarouca, em 1141, com todas as suas dependências, adoptando os seus monges a regra beneditina. Em Novembro do mesmo ano a igreja foi coutada por D. Afonso Henriques.

Desconhecem-se os locais exactos onde tais mosteiros foram erectos. Todavia supõe-se que um deles terá sido no local onde se situa a actual igreja, por ser de tradição que a povoação de Sever era ali nos seus primórdios. O outro terá existido no lugar da Póvoa, de acordo com certos vestígios lá encontrados, há alguns anos atrás, por alguém que a isso se dedicou.

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Exemplar de um monólito em Talhadas.
 

IV

O morgadio de Sever – Os morgados tiveram a sua origem no cometimento defeitos valorosos, sobretudo militares, e ainda em reconhecidos merecimentos pessoais. Resultava daqui que lhes eram feitas doações ou concessões de privilégios importantes, com vínculo, passando para a posse do herdeiro primogénito, não podendo transmitir-se a outros.

Reinava D. Luís I quando, em 1863, foi decretada a abolição dos morgados, acabando com essas doações ou concessões pelo que se iniciou desde logo o processo de liquidação e remissão dos foros. Daqui resultou que, embora lenta mas gradualmente, esses bens territoriais da nobreza foram passando para a posse dos proprietários rurais.

Sever do Vouga também teve o seu morgadio, cujos senhores foram recebendo os rendimentos até à sua integral liquidação. Esse morgadio, que tinha uma parte em Sever do Vouga, outra no concelho de Lafões e o restante no de Castelo de Paiva, compreendia: Pessegueiro, Ribeiradio, Rocas, Talhadas, Cedrim, Silva Escura, etc., recebia dos moradores: em dinheiro – 28$630; trigo – 32 alqueires e 1/8; centeio – 166 alqueires e 3/8; milho –166 alqueires e 3/8; milho alvo – 2 alqueires e 1/2; milho meado –163 e 1/8; cevada – 9 alqueires; galinhas – 85; frangos – 24; vinho – 31 almudes e 11/12; ovos – 20; manteiga – 16 quartilhos; palha paúnça – 55 dúzias; mãos de linho – 20 e 1/2; capões – 5 e lampreias – 1.

Foram senhores deste morgadio:

1.º – D. Francisco de Sá e Menezes. Era filho de D. João Rodrigues de Sá e Menezes, 1.º conde de Penaguião, Alcaide-mor e capitão-mor da cidade do Porto, e camareiro-mor dos reis Filipe I e II. Casou com D. Isabel de Mendonça, filha de D. João de Almeida – Alcaide-mor de Abrantes, neta de D. António de Almeida – Alcaide-mor de Abrantes, bisneta de D. Lopo de Almeida, 3.º conde de Abrantes. O dito D. Francisco de Sá e Menezes casou a 21 de Agosto de 1617 com / 20 / D. Joana de Castro, falecida a 3 de Setembro de 1624, dama do palácio da Rainha de Espanha – D. Margarida de Áustria.

2.º – D. João Rodrigues de Sá e Menezes. Era filho do anterior e casou com D. Maria Luísa de Faro, filha de D. Luís de Ataíde e da condessa D. Filipa de Vilhena.

3.º – D. Francisco de Sá e Menezes. Filho do anterior, foi o 1.º Marquês de Fontes por mercê de D. João IV, em 2 de Janeiro de 1659. Casou com D. Joana Luísa de Lencastre, viúva de D. Rui Teles de Menezes e Castro.

4.º – D. João Rodrigues de Sá e Menezes. Filho do antecedente a quem sucedeu no título e honras. Esteve para casar com D. Isabel de Lorena, que depois foi mulher de seu irmão que se segue.

5.º – D. Rodrigo Eanes de Sá e Menezes. Foi o 3.º marquês de Fontes, cujo título mudou para o de marquês de Abrantes, que lhe foi dado por D. João V, com o tratamento de Sobrinho.

6.º – D. João Maria da Piedade. Este era filho do anterior e 8.º conde de Penaguião e, portanto, seu sucessor no título de marquês de Abrantes. Foi também agraciado por D. João V com o título de Marquês de Fontes.

7.º - D. José Maria da Piedade e Lencastre. Foi o último marquês de Abrantes, e seu único e universal herdeiro seu filho que segue. Faleceu em 1872.

8.º – D. João de Lencastre e Távora. Nasceu em 1864. Casou com D. Maria Carlota de Sá e Menezes, filha da marquesa de Oldoini e faleceu a 18 de Dezembro de 1917. Depois da morte do último marquês de Abrantes, começaram a ser liquidados e a ser remidos os foros deste morgadio.

 

Casa da Fonte – Esta casa, hoje completamente arruinada e que ainda se pode ver no lugar de Couto de Baixo, da freguesia de Couto de Esteves, foi de Manuel Coutinho, casado com D. Maria Cardosa, filha de Diogo de Andrade Cardoso, neta de Fernão Tavares da Fonseca, que serviu el-rei em África e viveu em Fontes Chãs, na era de 1580. Descendia da Casa chamada do Cardoso, em S. Martinho de Mouros, e era bisneta de Martim Tavares da Fonseca, da Quinta e Casa do Barral, de Oliveira de Azeméis.

Tiveram Bernardo Coutinho Cardoso, capitão-mor de Sever e Couto de Esteves, casado com D. Isabel Martins. Deste casamento nasceu D. Francisca Bernarda Coutinho Cardoso, que veio a casar com Jacinto Quadros Teixeira, de Arouca, e tiveram D. Antónia Luísa de Quadros, que casou com seu primo em 5.º grau Francisco Tavares da Silva, capitão-mor da vila de Couto de Esteves, Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo, Familiar do Santo Ofício; e o Dr. Manuel Tavares da Silva Coutinho, que foi lente de prima da Universidade de Coimbra, Deputado da Mesa da Fazenda, Cónego Donatário da Sé de Lamego e Colegial do Real Colégio de S. Paulo, Deputado do Santo Ofício.

Do casamento de D. Antónia com seu primo Francisco Tavares da Silva, nasceram dois filhos e cinco filhas. Um dos filhos, Dr. Manuel Tavares Coutinho da Silva, foi Bispo de Portalegre (1778-1798); o outro, Francisco Tavares da Silva Coutinho, foi lente da Universidade de Coimbra. As cinco irmãs professaram, três em Arouca e duas no convento de Lorvão.

Francisco Tavares da Silva Coutinho teve uma filha adoptiva, que era da Cerqueira a qual veio a casar com o Dr. José de Sequeira Seixas Cardoso e foram os pais do último morgado desta Casa, António Cardoso de Barros Loureiro Sequeira e Quadros.

Nasceu no ano de 1811 e morreu a 14 de Março de 1864. Foi o presidente da Comissão Promotora da Navegação dos Distritos de Aveiro e Viseu e grande entusiasta do projecto de tornar navegável o Rio Vouga até alturas de S. Pedro do Sul, que infelizmente não concretizou. Homem com bastante ilustração, honrado e bondoso, morrendo solteiro e sem filhos, impôs à sua herdeira a obrigação de vestir anualmente cinco pobres da freguesia. A herdeira, sua irmã D. Maria Benedita Sequeira de Quadros foi casada com o Dr. Alexandre Soares Gomes Feijão. Esta senhora cumpriu sempre com o maior escrúpulo todas as obrigações que lhe foram impostas por virtude dessa legação testamentária e forneceu durante toda a sua vida uma sopa aos pobres que ali se apresentavam.

Seu marido, bacharel em direito e natural de Ribeiradio, onde exerceu por espaço de onze anos o cargo de administrador de Oliveira de Frades, foi depois juiz do julgado municipal de Sever do Vouga. Por carta régia possuía o Hábito de Cavaleiro da Ordem de N. S. Jesus Cristo, por serviços de mérito prestados. Faleceu a 6 de Janeiro de 1894. Nesse mesmo ano, a viúva fez disposição de todos os seus bens a favor de seu sobrinho por afinidade Dr. Alexandre Soares Gomes Feijão de Almeida Aragão, bacharel formado em direito e natural da Quinta da Água Levada, freguesia de S. Vicente, do concelho de Oliveira de Frades. Exerceu o cargo de Delegado do Procurador Régio na ilha de Santa Maria, nos Açores, e mais tarde, na Comarca de Albergaria-a-Velha. Faleceu em 8 de Fevereiro de 1903. Por sua morte seus bens passaram a seu irmão padre Cristóvão Aragão que, por fim, testou a favor do Sr. Daniel Martins de Bastos, ex-chefe da Secretaria da Câmara Municipal de Sever do Vouga, casado com uma segunda prima do referido padre. / 21 /

 

O Paço da Vala – Da autoria da padre Alfredo Júlio Soares P. Coutinho Almas, cederam-nos um opúsculo intitulado «Figueiredos e Terras de Santa Maria» que trata largamente da genealogia desta família.

Antes da mais é nosso desejo informar qualquer leitor menos avisado de que não somos um historiador nato e, valha a verdade, não perdemos tempo a estudar os calhamaços dos Nobiliários. Quere-nos parecer, no entanto, que o estudo publicado pelo padre Almas se encontra eivado de erros, pelo menos no que concerne à parte que vai até aos primórdios da nacionalidade portuguesa.

No frontispício do Solar, reconstruído há poucos anos, pode ler-se a seguinte inscrição gravada no granito: «Paço da Vala – Casa dos Césares – Primeira Casa datada século III antes de Cristo – Condes de Sever 510 – Duques de Guterre 880 – Condes das Terras de Santa Maria 1124 – Barões de Sever 1290».

Clicar para ampliar.

Desconhecemos inteiramente as fontes onde o autor teria recolhido todo o material para uma base sólida e firme do seu trabalho e permitimo-nos, modestamente, duvidar da sua autenticidade. É que a construção da História tem de assentar em documentos autênticos e iniludíveis para, a partir daí, se ajustarem os factos, coadunando-os no espaço e no tempo.

Brasão da Casa do Paço da Vala.

Na verdade, de uma mera análise do texto, facilmente se pode verificar a inconformidade e inconsistência do estudo apresentado. E isto ressalta precisamente de documentos datados do final do século IX, que nos dão conta da existência de um ilustre varão de nome Soeiro Gondesindes, que viveu na região e fez importante doação de terras, conforme atrás referimos. Ora no estudo apresentado pelo padre Almas, tal personalidade aparece-nos no início do século VI e a encabeçar a genealogia dos Figueiredos, o que de modo algum é verosímil, a menos que outro Soeiro Gondesindes tivesse vivido nessa época, o que não é crível, nem há documentos que no-lo atestem. Pelo menos assim o pensamos até que alguma prova irrefutável surja em contrário.

Entretanto, e apesar de tudo, não fugimos à tentação de apresentar à curiosidade do leitor a genealogia dessa Família tal como consta do mencionado opúsculo, que com a devida vénia transcrevemos:

1.º – D. Soeiro Gondesindo, conde Sevéri, que se fixou no território, visigodo, tendo dado o nome à terra, em 510. Era irmão mais velho de Teodorico Il;

2.º – D. Teodósio Gondesindo, também conde Sevéri, título que todos os descendentes usaram e que mais tarde, no tempo de D. Afonso III, foi considerado de Juro e Herdade, usado, portanto, por direito próprio.

3.º – D. Lucílio Gondesindo;

4.º – D. Mumio Gondesindo;

5.º – D. Lucília Martim Gondesindo;

6.º – D. Martim Afonso Gondesindo;

7.º – D. Teodósio Egas Gondesindo;

8.º – D. Gonçalo Martim Gondesindo, que governava estas terras quando da invasão dos árabes, e que tendo-se defendido com valentia, estes lhe propuseram a paz mediante o pagamento de um tributo de cem donzelas ao emir de Córdava.

9.º – D. Godofredo Afonso Garcia Gondesindo, que sustentou várias lutas com os árabes para se libertar do pagamento desse tributo;

10.º – D. Gaesta Gondesindo Ero de Figueiredo Ansur, que continuou essas lutas que acabaram com a derrota dos árabes na batalha de Clariiga, no ano de 882. Foi a partir desta batalha, que parece ter-se dado num campo de figueiras, que foi acrescentado ao seu nome o apelido Figueiredo, determinando que os seus descendentes não mais deixassem de o usar.

11.º – D. Ordonho Soeiro de Figueiredo;

12.º – D. Mem de Figueiredo, duque de Guterre;

13.º – D. Formariges Soeiro de Figueiredo;

14.º – D. Gilberto Muniz de Figueiredo;

15.º – D. Teodomiro Gaspar Muniz de Figueiredo;

16.º – D. Ero Gondesindo de Figueiredo;

17.º – D. Gurdesindo Egas Eris de Figueiredo;

18.º – D. Mem Lucílio de Figueiredo;

19.º – D. Mumio Viegas de Figueiredo;

20.º – D. Ermígio Viegas de Figueiredo;

21.º – D. Mumio Ermigues Viegas de Figueiredo;

22.º – D. Ermígio Muniz de Figueiredo. Foi este que, juntamente com D. Afonso Henriques e partindo do Castelo da Feira, forçou D. Teresa a uma derrota no Campo de S. Mamede.

23.º – D. Eanes Muniz de Figueiredo. Contribuiu para o alargamento do território, ajudando os dois primeiros reis na luta cerrada contra os sarracenos, tomando também parte na batalha de Navas de Tolosa. / 22 /

24.º – D. Fernão Rodrigues Pacheco de Figueiredo, senhor do Couto de S. Fins, e valente alcaide-mor de Celorico.

25.º – D. Sueiro Martim de Figueiredo, que ajudou a conquistar definitivamente o Algarve. Foi este fidalgo o 1.º barão de Sever, cujo baronato foi instituído no reinado de D. Dinis, e o fundador dos morgados do Paço da Vala e de Figueiredo, no lugar da Senhorinha.

26.º – D. Ruy Vasco Esteves Sueiro Martim de Figueiredo. Tomou parte na batalha do Salado;

27.º – D. Semeão Pacheco de Figueiredo;

28.º – D. Gonçalo Garcia de Figueiredo;

29.º – D. Gonçalo Garcia de Figueiredo, do qual descenderam três filhos, que tomaram o partido do Mestre de Avis;

30.º – D. Ayres de Ataíde Gonçalves de Figueiredo, que tomou parte nas guerras com Castela;

31.º – D. Gil Eanes Pacheco de Figueiredo. Dobrou o Cabo Bojador;

32.º – D. Diogo Afonso Coutinho Pereira de Figueiredo;

33.º – D. Duarte Pacheco Pereira de Figueiredo, último alcaide do Castelo da Feira;

34.º – D. Vasco Esteves Lobo de Figueiredo;

35.º – D. Simão de Figueiredo. Bateu-se no cerco de Diu;

36.º – D. Cipriano de Figueiredo. Com um pequeno exército salvou a praça de Mazagão. Foi Governador dos Açores, seguindo o partido do Prior do Crato.

37.º – D. António Eanes de Figueiredo. Defendeu os nossos domínios em terras do Oriente, e ficou sepultado no mar em resultado de um acto de bravura;

38.º – D. Soeiro Martim de Melo de Figueiredo Lobo e Silva. Bateu-se na índia e no Brasil;

39.º – D. Diogo Lobo de Figueiredo. Tomou parte nas batalhas da Restauração onde se notabilizou.

40.º – D. Vasco Eanes Soares de Figueiredo. Tomou parte com seu pai na batalha de Montijo, apenas com 16 anos;

41.º – D. César Máximo de Figueiredo Lobo e Silva Pacheco de Moscoso Ataíde Pereira. Tomou parte, com seu Pai, na triunfal entrada em Madrid, em 1706;

42.º – D. César Máximo de Figueiredo Lobo e Silva. Tomou parte na vitória da batalha de Matapan, em 1716;

43.º – D. José Manuel César Máximo Martim de Figueiredo Lobo e Silva. Ajudou a sufocar a revolta de Minas Gerais, com a idade de 78 anos;

44.º – D. Manuel José César Máximo de Figueiredo Lobo e Silva. Tomou parte em todas as lutas durante as invasões francesas. Partidário de D. Miguel, exilou-se no estrangeiro;

45.º – D. José César Máximo de Figueiredo Lobo e Silva. Partidário de D. Miguel, atingiu em 1834, apenas com 26 anos de idade, o posto de coronel de cavalaria;

46.º – D. César Máximo de Figueiredo Lobo e Silva.

47.º – O Dr. Silvério César Máximo de Figueiredo Lobo e Silva, falecido há poucos anos.

(Nota: o autor do presente trabalho dispensou-se de transcrever todos os feitos desta ilustre Casa, por entender que os relatados chegam e sobram para a equiparar às mais altas linhagens destes Reinos).

 

Em síntese, vejamos agora quais as armas usadas nos brasões das três casas apontadas:

 

As dos Barros: Em campo de púrpura, três bandas de prata e sobre o campo nove estrelas de outro, uma na cabeça do campo, seis no meio e duas no fim. Timbre uma aspa de púrpura com cinco estrelas de prata.

As dos Cardosos:  Em campo de púrpura, dois cardos verdes, floridos, com flor e raízes de prata, entre dois leões de ouro batalhantes armados de púrpura. Timbre uma cabeça de leão de ouro, saindo-lhe pela boca um cardo como o das armas.

As dos Coutinhos: Em campo de ouro, cinco estrelas de púrpura, de cinco pontas cada uma, em aspa. Timbre um leopardo de púrpura, com uma estrela de ouro na espádua, armado de púrpura.

As dos Loureiros: Escudo esquartelado, no 1.º, de púrpura, um torreão de prata e arrimada a ele uma escada de ouro; no 2.º e 3.º, de púrpura, cinco folhas de figueira verdes perfiladas de ouro (que são as dos Figueiredos, com quem os Loureiros se aliaram); o 4.º, dividido em pala, na 1.ª de ouro, bandeira de púrpura, de duas pontas, na 2.ª, de púrpura, bandeira de prata também de duas pontas, e ambas com ferros da sua cor e ásteas de ouro. Elmo de aço aberto e por timbre o dos Loureiros, que são dois braços de leão, de púrpura, em aspa, e uma folha de figueira das armas, em cada garra, e no meio um meio corpo de homem, tendo as mãos atadas com uma corda de ouro.

Estas armas foram assim construídas (acrescentadas às dos Figueiredos por ordem do rei D. João III, a favor de Luís de Loureiro, adail-mor do reino e do seu concelho). A carta régia que mandou usar destas armas a Luís de Loureiro foi passada a 6 de Julho de 1551.

As dos Quadros: Escudo esquartelado de prata e azul, de três peças em faixa e três em pala. Timbre meio leopardo de azul nas mãos. Outros Quadros fizeram algumas variantes nas suas armas.

As dos Sequeiras: Em campo azul, cinco vieiras de ouro em aspa realçada de negro. Elmo de aço aberto e timbre quatro plumas azuis, guarnecidas de ouro, com uma das vieiras no meio. Outros Sequeiras aumentaram / 23 / as suas armas, quando se ligaram a outras famílias que as tinham.

As dos Tavares: Em campo de ouro, cinco estrelas de púrpura de seis pontas. Elmo de aço aberto, e por timbre, meio cavalo de púrpura, selado, com peitoral, cascaveis e freio de ouro.

As dos Gomes: Em campo de púrpura, um pelicano, ferindo com o bico o peito, e dando a seus filhos o sangue que dele corre.

As dos Soares: Em campo de púrpura duas albarradas (vasos de prata) de duas asas cada uma, cheias de açucenas da sua própria cor, abertas entre uma banda real, de ouro. Elmo de aço aberto e por timbre uma das albarradas das armas. Outros Soares têm por armas, em campo de púrpura, uma torre de prata lavrada de negro. Outros do mesmo apelido, trazem por armas, em campo de ouro tronco verde, com pontas de prata e sobre ele um leão azul, lampassado de púrpura. Todos estes têm elmo de aço aberto e por timbre o leão das últimas armas.

 

V

Infelizmente não há em Sever do Vouga qualquer individualidade que se tivesse notabilizado nas letras, cultivando qualquer dos estilos literários de maneira a que o seu nome passasse à posteridade através da sua obra. Apenas temos conhecimento da existência de um vate popular, supomos que completamente desconhecido no concelho, mas que no seu tempo adquiriu algum merecimento, não obstante se saber nunca ter dado ao prelo alguma publicação.

Chamava-se Aleixo Casalinho e nasceu em Sever do Vouga, em 16 de Março de 1770. Era filho de Armando Casalinho, modesto proprietário, tendo revelado propensão para a música, canto e poesia, com bastante precocidade. Estudou em Coimbra, foi guitarrista, e dedicou alguns versos à sua terra e à mulher que amou.

São de sua autoria as quadras que se dão à estampa:

 

Eu sou vizinho do Vouga,

a minha terra é Sever.

Nela chorei no meu berço,

também lá quero morrer.

 

Meu coração se prendeu

à menina que eu namoro.

Tenho seus olhos nos meus

quando canto e quando choro.

 

Ela vive tão pertinho

da habitação de meus pais,

que pode ouvir o meu canto,

meus suspiros e meus ais.

 

Mas há-de um dia morar

inda mais perto de mim,

quando ficarmos unidos

num amor que não tem fim.

 

Esta mulher chamava-se Salomé Pernadas Ruivo, também natural de Sever do Vouga, e pelos vistos não amava o poeta tanto quanto ele o desejava. De facto, a instâncias de seus pais, que nessa altura entendiam já que o amor e uma cabana estavam fora de moda, retirou-se para Penafiel onde veio a casar com o filho de um bom proprietário.

O estudante, ao saber que a sua amada aceitara docilmente o despotismo do pai calculista, procurou esquecer na embriaguez, de mistura com fadinhos e guitarradas, o amor que dedicava a essa mulher, e cantava:

Eu me quero embriagar

p'ra cair no esquecimento,

mas eu nunca poderei

esquecê-la um só momento.

Muda e queda, Salomé permaneceu insensível às lamúrias do seu apaixonado, feliz e satisfeita por ver cumpridos, com o dinheiro do marido, os desejos da sua vaidade feminina. E o pobre poeta, perante os factos consumados, largou para Lisboa, onde casou com Sara Milhentos, já viúva e dona da pensão que frequentava. Ali possuiu um estabelecimento conhecido por «Café Labrego», onde eram assíduos alguns intelectuais e patriotas. Isto passava-se nos começos do século XIX, altura em que o domínio napoleónico imperava no País.

 

VI

Não sendo muito famoso o património arqueológico ou artístico do concelho, sem constituir mesmo um permanente regalo à contemplação dos homens, alguma coisa há todavia que suscita a nossa atenção e merece que lhe dediquemos algumas breves palavras, porque através desse pouco encontramos uma manifestação da arte de civilizações passadas, de gerações mais ou menos próximas e até da própria Natureza, que é a maior dos artistas.

Comecemos por evocar esse majestoso penedo denominado «Forno dos Moiros», existente a meio da encosta da serra do Arestal, próximo da Fonte da / 24 / Urgeira e que muito bons severenses até nem sabem localizar.

Monumento que atesta a passagem do homem primitivo, foi descoberto pelo eminente arqueólogo Dr. Alberto Souto, já falecido, que disso fez uma importante comunicação no Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-Histórica, em Coimbra, no ano de 1930. Disse ele:

«A pedra do Arestal é notável por apresentar a espiral e o círculo concêntrico em várias combinações, sinais estes que se encontram no Mediterrâneo, Galiza, Bretanha, Irlanda, Escócia e Escandinávia. A pedra do Arestal é o monumento mais meridional dessa arte, no ciclo das espirais e dos círculos concêntricos e diferente de todas as outras ao sul do Douro. Deve tratar-se, possivelmente, de um monumento ou de um santuário ao ar livre da idade do bronze, ou do princípio da idade do ferro.»

Também o distinto arqueólogo Padre Celso Tavares da Silva, vice-reitor do Seminário Maior de Viseu, cujos estudos sobre arqueologia, já publicados, são bem conhecidos e apreciados pelos profundos conhecimentos que neste campo revelam, teve a gentileza de nos informar o seguinte:

«Estes petróglifos fazem parte integrante da chamada «arte rupestre» do Noroeste peninsular que tem por centro de maior densidade o território à volta das rias baixas da Galiza e daí irradia, através de uma vasta área, cujos limites não se encontram ainda bem determinados, dividida em três zonas, conforme a incidência de figuras que lhes são peculiares: zoomórficas, cruciformes e de combinações circulares. A partir do norte, a zona das combinações circulares desce ao longo de uma larga faixa paralela ao mar e são precisamente os penedos dos «Fornos dos Moiros» e da «Pedra Escrita» de Serrazes (S. Pedro da Sul) que marcam o termo da sua expansão para sul.»

De resto, encontram-se disseminados por todo o concelho vestígios que asseguram a passagem do homem neolítico, ou da idade dos metais. O aparecimento, aqui e além, de objectos como machados, pedaços de mós, testos, cacos grosseiros, instrumentos de sílex, fragmentos de cerâmica, justificam plenamente essa opinião e representam relíquias da indústria humana dessas remotas épocas. Seria até muita possível que se determinados locais fossem convenientemente explorados, outros objectos do maior interesse voltariam à luz do dia e explicariam factos até hoje ignorados.

As serras de Talhadas e do Arestal possuem autênticos monumentos megalíticos, que espantam o visitante, não podendo duvidar-se que aí viveram seres humanos muitos séculos antes de Cristo. São dólmens, mamoas, castros, citânias, castêlos e cristelos, o que tudo serviu para criar na mente do povo as mais fantásticas lendas, que nem os séculos conseguiram apagar.

Nas eminências construíram esses povos os seus castêlos ou castros, como em Cedrim, sobranceiro ao Vouga, no Espinheiro, Pena e Rocas, onde viviam, arroteando os vales adjacentes, ou se acoitavam quando atacados; em chãs solitárias inumavam os seus mortos, construindo dólmens ou mamoas.

São ainda do Padre Celso Tavares da Silva as palavras que reproduzimos:

«Descendo a vertente oriental do Arestal, a caminho do Couto de Esteves, junto à povoação do Coval, encontra-se o «dolmen» mais importante do concelho, com a sua imponente estrutura megalítica completa e a galeria voltada a nascente. Este «dolmen» foi descoberto e explorado por Amorim Girão, mas o seu espólio, contra a expectativa do investigador, revelou-se muito escasso.»

«Passando à margem esquerda do Vouga, assinalamos a presença de um «dolmen» a pouca mais de cento e cinquenta metros a leste da povoação de Santo Adrião de Cedrim e já nos limites da freguesia de Ribeiradio, ainda bastante completo, embora sem a pedra da cobertura. Finalmente, um pouco além das Talhadas, no chamado Chão Redondo, encontra-se outro «dolmen» que tem a peculiaridade de apresentar em seus esteios curiosas gravuras, descobertas há anos por ocasião das escavações aí efectuadas. O esteio da cabeceira ostenta uma grande figura palmiforme, com linhas obliquamente ascendentes na parte superior e descendentes na parte inferior. Os restantes esteios mostram covinhas e linhas sinuosas. A interpretação destas gravuras apresenta-se muita enigmática.»

Sobre o «Castêlo» de Cedrim, diz-nos ele:

«Sabemos que estas lendas, associadas a determinados locais, assinalam geralmente a presença de monumentos ou vestígios arqueológicos. De facto, em tempos remotíssimos, existiu no «Castêlo» um pequeno castro. O pedregulho que rodeia a cabeça resultou de desmoronamento das muralhas e permite-nos, ainda hoje, determinar a área do povoado, sem dúvida, muita reduzida. Não se constatam superficialmente vestígios das habitações e toda a sua feição é acentuadamente arcaizante.

Num dos penedos cimeiros, descobrimos uma curiosa figura gravada, constituída por três quadriláteros rectangulares, inscritos dentro uns dos outros, e alguns sulcos abertos nos rochedos deverão ter sido também obra do homem.

Consta-nos terem sido encontrados casualmente no local, há relativamente pouco tempo, um pequeno vaso de cerâmica e um machado de pedra, cujo destino / 25 / ignoramos. Fazemos votos por que se não percam, pois o seu estudo poderá contribuir para a determinação da cronologia do velho «castro», que certamente remontará a vários séculos antes de Cristo.»

 

Os pelourinhos de Couto de Esteves e de Sever do Vouga, este último transformado em chafariz, foram classificados como imóveis de interesse público pelo Decreto-Lei n.º 23-122, de 11 de Outubro de 1933. No preâmbulo deste Decreto frisa-se que os pelourinhos «são mais símbolos de autonomia regional do que locais de tortura».

Tal afirmação representa, para nós, apenas a meia verdade. Se na época contemporânea se converteu na coluna simbólica da autonomia local, representando os privilégios e a jurisdição própria concedidos aos antigos concelhos, não é menos verdade que eles foram locais infamantes de torturas atrozes infligidas a pobres vítimas, para mais ainda expostas ao escárnio dos passantes.

Quanto ao de Sever, transformado em chafariz e implantado junto ao posto da GNR, não se conhecendo a sua história, supomos tratar-se daquele a que o cura Jeronymo Roiz, de Pessegueiro, alude na «memória» de 1758, quando afirma «que tudo se passou para Sever, que hoje é Vila».

Quanto ao do Couto, porém, algo mais se sabe de concreto. Este instrumento de tortura não ocupa actualmente o lugar que primitivamente lhe fora dado, o qual era junto ao edifício que fora Paços do Concelho, agora propriedade da Câmara Municipal. A mudança foi operada em resultado da abertura de um caminho.

Trata-se de um rude instrumento penal, típico da época medieval, hoje bastante danificado pela acção corrosiva do tempo. Compõe-se de três degraus de acesso com uma base mal definida, de secção quadrada; sobre essa base assenta uma coluna facetada, quase cilíndrica, lisa. A rematar, um corpo granítico, como todo o conjunto, a lembrar um capitel mal trabalhado.

Ainda há poucos anos ali existiam outros instrumentos de tortura, para completar aquele, como um cutelo, correntes, mordaças, embutes (para o suplício da água), e outros objectos cuja aplicação se ignora. Cremos que alguns destes objectos se devem encontrar na Universidade de Coimbra.

Ali próximo, no sítio de Ramilo, existiu outrora também uma forca de pedra para suplício dos sentenciados.

Um dos monumentos que mais agradavelmente surpreende o visitante é o cruzeiro implantado junto à igreja matriz de Sever do Vouga. Composto de uma só peça de granito, mede 28 palmos de altura, coluna em forma de espiral encimada por um grupo de anjos, sobre a qual se ergue uma cruz, sabiamente burilada. Desconhece-se o nome do mestre que o executou. De qualquer modo ali transparece o génio do artista que tão habilmente transformou o granito informe num verdadeiro monumento, que embevece quem o contempla, pela perfeição da sua execução.

Até há pouco tempo encontrava-se ladeado por dois ciprestes, quase seculares, embelezando todo o conjunto e apontando, como ele, o céu. Desapareceram por determinação sádica de um arboricida e foram aquecer-lhe a casa, certamente, nas frias noites de algum passado inverno. Eram dignos de melhor sorte!

Outro cruzeiro que nos merece também um olhar demorado é o que se encontra no lugar de Couto de Cima, no largo em frente à igreja paroquial. Todo ele de granito, compõe-se de quatro degraus, com plinto onde assenta um fuste cilíndrico que termina por um capitel, encimado por uma cruz. Constitui um conjunto elegante e bem trabalhado, belo monumento, embora sem o valor arquitectónico do primeiro.

Não podemos deixar de fazer referência à tão conhecida Ponte do Poço de Santiago notável obra de arte de que o concelho se orgulha de possuir, levantado sobre o rio Vouga, em local verdadeiramente paradisíaco, e sobre a qual se arrastava, até há pouco tempo, o torturante e incendiário comboio do Vale do Vouga.

São do Dr. António Henriques Tavares as palavras que transcrevemos, recolhidas da sua «Dissertação de Licenciatura em História apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra:

«Impressiona pela sua altura, de quase 28,5 m.

«A sua construção, que se arrastou por uns 3-4 anos, ficou concluída em 1913, conforme se depreende da inscrição gravada na parte superior do arco sob o qual passa a E. N. 16: FM 1913.

«Estas letras – F M – serão provavelmente as iniciais do nome de engenheiro francês F. Mercier (Ferdinand, François, ou qualquer outro primeiro nome), que dirigiu a construção da ponte, que é projecto do também engenheiro Sejourné, da mesma nacionalidade.

«Há quem defenda ser esta a mais alta ponte do País em pedra, opinião que seguimos nós também. De quantas conhecemos nenhuma se lhe assemelha, muito menos a superioriza.

«É uma construção indubitavelmente arrojada, com um comprimento de 165 metros e possuindo 12 arcos. O maior, de forma parabólica, vencendo toda a largura do rio, tem de altura 27 metros e de vão (comprimento na base) 53 metros. O fecho deste arco, o central, apresenta somente 90 cm de espessura.

Dos restantes 11 arcos, dois pequenos, estão totalmente assentes sobre o arco maior e outros dois, um em / 26 / cada lado, têm uma das bases comum a cada uma do arco central.»

A cruz processional da igreja de Rocas, verdadeira obra de arte finamente trabalhada, figurou nas exposições distritais de 1882 e 1895. Desconhece-se a sua proveniência oficinal, tendo sido classificada como obra do primeiro terço do século XVII. É uma das mais nobres peças da arte religiosa do Distrito, não se encontrando similar em colecções de Arte Sacra.

A. G. da Rocha Madahil, na Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º 19, de 1939, faz a seguinte descrição:

«Construída, como é de uso nas cruzes processionais de grande vulto, por duas partes – a lâmina cruciforme propriamente dita, e a base cilíndrica (evolução do nó que estilos anteriores empregavam) com prolongamento inferior destinado a receber a vara de suporte – a cruz de Rocas mede, em conjunto, 1,125 m. de altura por 0,43 m. de haste transversal.

«A lâmina, de 49 mm de largo, toda burilada de ornato característico de século XVII, muito fino, recebeu em volta, a perfilar, uma delicadíssima guirlanda do mesmo metal, renda graciosíssima, da maior distinção e bom gosto; nas três extremidades livres, da cruz, rematam bem, e aligeiram muito o efeito da peça, ornatos de castela, camafeus e CC burilados, muito usados na ourivesaria seiscentista, reflexo da decoração arquitectónica da época.

Cristo de boa modelação, medindo 190 x 170 mm, acusando já repetidas soldagens; três cravos o aparafusam à cruz; o resplendor, cravado, apresenta na parte anterior da cruz uma moeda de D. Pedro V, de 1861, a segurar o cravo, restauração provinciana que urge eliminar quanto antes.

A decoração estende-se à base, sempre no mesmo gosto, mas atingindo aqui grande relevo; graciosíssimo friso de meios óvulos, corre na parte superior do cilindro; quatro robustos e grandes SS, cinzelados, donde pendem tintinábulos, ladeiam esse corpo inferior da notável jóia, de que a nossa gravura não consegue dar suficiente ideia, tal é a delicadeza do trabalho de buril que por toda ela se encontra distribuído profusamente e a notabiliza.»

Na igreja de Cedrim existe também uma custódia de prata dourada. É um objecto de grande valor e arte, trabalhada com toda a delicadeza que a minúcia da arte impõe, e que figurou também em exposições distritais. Pena é que não tenha ainda merecido também um estudo pormenorizado por parte de conhecedores devidamente credenciados.

Finalmente, importa também dizer uma palavra sobre esses gigantescos monólitos com que a natureza dotou especialmente a freguesia de Talhadas. Ao olhá-los, qualquer visitante fica perplexo, extasiado perante tamanha grandiosidade e proliferação, alguns dos quais bem mereciam a classificação de monumentos nacionais, preservando-os de alguns atentados de vandalismo já ensaiados.

Muitos deles têm designações especiais, de sabor popular ou lendário. Destacamos o Penedo dos Cucos, do Trigo, os Dois Irmãos, a Lapa da Fazenda, o do Vinagreiro, situados nos cabeços da Gralheira e da Rangela.

O Penedo dos Cucos tem 20 m. de comprimento, 15 de largura e 18 de altura; o do alto da Rangela, 68 m. de circunferência (26 na dimensão norte-sul, e mais 13 na perpendicular) e 12 de altura descoberto. A Lapa da Fazenda conta 230 palmos de circunferência, 83 do nascente ao poente e 62 de norte a sul. O do Trigo, que se separou da Lapa da Fazenda e dela dista poucos metros, mede 273 palmos de circunferência e 115 de altura.

Outros têm dimensões próximas destas, incluindo os dois que se crêem terem sido um só e que, sendo-o, se avantajavam enormemente aos outros.

Sever do Vouga, 5 de Julho de 1974.

_________________________ 

BIBLIOGRAFIA

Cever do Vouga – Monografia do padre José Luciano de Figueiredo Lobo e Silva – edição de 1903.

O Domingo Ilustrado – Vol. l, 1897.

Memórias Paroquiais do Concelho – 1732 e 1758.

Figueiredos e Terras de Santa Maria - Edição do padre Alfredo Júlio Soares P. Almas.

Livros das Visitações da Freguesia de Talhadas.

Dicionário Chorographico de Portugal Continental e Insular – De Américo Costa, 28.º Vol.

Grande Enciclopédia P. e Brasileira.

Revista «Beira Alta» - Fascículos lI, dos Vol. XXVII e XXX.

Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro» – Publicação trimestral.

Subsídios para a História da freguesia de São Martinho do Pessegueiro do Vouga – 1682-1855 – Edição do Dr. António Henriques Tavares – Tese de licenciatura.

 

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