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N.º 15

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1973 

Freguesia de S. Nicolau da Vila da Feira

Por Roberto Vaz de Oliveira


Licenciado nas Faculdades de Direito e Letras – Secção de

Ciências Histórico-Geográficas – pela Universidade de Coimbra

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3

Diversos

a

Património

 

Rendimentos e encargos

Pelo que transcrevi do foral concedido à «Feira e Terra de Santa Maria» em 1514, vê-se que a capela tinha património privativo que, a partir de então, passou a fazer parte de tombo autónomo: «E as outras rendas e foros da dita capella posto que atee quij andassem nos tombos da dita terra misticamente com as outras Rendas nossas Ouvemos por bem de as apartar deste tombo nosso».

O mesmo foral especifica, conforme texto já transcrito, o que pagava à Coroa Real «polla capelIa de Santa Maria do Castelo» nomeando-se também o que pagava o «manistrador desta capella», o que parece referir-se a encargo desta e não dele administrador, como se fosse rendeiro ou enfiteuta.

Também se refere ao que pagava «João da ponte polas rendas de Santa Maria do Castelo a nos cinquoenta e quatro Reaes e pero de Aragam polla mesma capella de cevada cinquo alqueires e quarta», o que se deve interpretar como encargos da capela.

Sendo assim, estes João da Ponte e Pero de Aragom deviam ser rendeiros de bens da capela que, por sua vez, estavam obrigados à Coroa por serem de natureza reguenga.

É interessante a referência que se faz a «vinhas», que denota a sua cultura de cepa e não de ramada, ao contrário do que hoje é usual por aqui.

 

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Interior da capela de Nossa Senhora da Encarnação.

 

Quando tudo isto se passava, já o castelo e os seus bens estavam na posse, como donatários, dos condes da Feira, ao tempo o terceiro – D. Manuel.

O único administrador da «Capela de Nossa Senhora do Castelo», cujo nome me foi dado averiguar, foi o do já referido D. José de Alem Castro, reportado ao fim do ano de 1755.

 

Altares, imagens, relíquias e ornatos da capelão

Na capela existem três altares: um defronte da porta principal e um outro de cada lado.

Todos são modestos e, como já se disse, são ornados de talha em madeira de grande relevo, com as pilastras idênticas às do portal da porta principal.

Estão dourados, mas o da direita incompletamente, com o seu frontal por pintar.

 

Altar do lado (o do norte) – St.ª Luzia, em pedra, entre duas pinturas sobre madeira; St.ª Isabel (a da sua direita) e St.ª Luzia (a da sua esquerda).

 

Altar central – N. Sr.ª da Encarnação, de madeira, encimada por um painel invocando a Anunciação. / 56 /    [fac-simile da página 56]

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Altar do lado (o do sul) – S. Caetano, em madeira, entre duas pinturas sobre madeira: S. Bento (o da sua direita) e S. Bernardo (o da sua esquerda).

Em baixo: no centro a imagem de N. S.ª do Castelo Velho, tendo à sua esquerda S. Roque e, à sua direita, S. João Baptista.

Com excepção desta imagem, que é de barro, as outras são de pedra.

A imagem de Santa Luzia, de pedra, está coroada; esta, a da Nossa Senhora da Encarnação, a da Nossa Senhora do Castelo Velho e a da Santa Luzia, de madeira, têm manto.

Altar do norte e púlpito.


Numa banqueta de madeira, entre o altar da frente e o que fica para norte, está uma outra imagem de / 57 / Santa Luzia, de madeira, com semelhante feitura e aspecto da da Nossa Senhora da Encarnação.
 

Estas duas imagens devem ter sido mandadas fazer pela condessa D. Joana quando mandou reedificar a capela em 1656 – e ambas devem ter tido posição nos seus respectivos altares: a de Nossa Senhora da Encarnação onde hoje ainda está; e a de Santa Luzia no referido altar que lhe fica à direita (o do norte).

Quanto à imagem de pedra de Santa Luzia, diz o Dr. Vaz Ferreira no seu «Ferro Velho» – Capela de Santa Luzia – Correio da Feira, número 2929 de 19 de Março de 1955) e no artigo «Santa Luzia do Castelo da Feira» (cit. Arq. Dist. de Aveiro – Vol. VIII, pag. 5), que ela estava na ermida de Santa Luzia e que foi recolhida pelo povo quando ela se desmoronou. Segundo este cronista ela veio ter à mão do já mencionado Henrique Pinto Brandão, que a ofereceu à capela de Nossa Senhora da Encarnação em 1893, como já foi referido.

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Imagem de madeira de Santa Luzia

A isto tenho a observar o que o vigário Quintela disse na resposta ao questionário para o «Dicionário Geográfico», em 1758 – conforme texto já transcrito, referindo-se à Capela de Nossa Senhora da Encarnação:

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«Tem esta capela três altares, em um dos quais esta novamente colocada a imagem de Santa Luzia por se ter arruinado a capela da dita Santa que estava extra muros do mesmo Castelo, sem romagem...»

Os termos em que está dada a notícia faz crer que se trata da velha imagem e não da que foi mandada fazer pela Condessa D. Joana e, assim, para conciliar esta posição com a informação dada pelo Dr. Vaz Ferreira, temos que admitir que a imagem transitou da velha ermida para a capela e que daqui foi retirada, indo parar, depois de conhecer vários donos, à mão da Henrique Brandão, que a ofereceu à capela.

Santa Luzia. Antiga imagem de pedra.

Se se trata da imagem mandada fazer pela D. Joana, o que não é verosímil, não temos observação a fazer.

A imagem de «Nossa Senhora do Castelo Velho» é muito antiga.

Não se sabe se proveio da capela antiga de Nossa Senhora da Encarnação ou da velha ermida de Santa Luzia. É natural, dada a sua designação, que tivesse pertencido àquela.

Durante muito tempo esteve na sacristia da capelão, ocupando hoje lugar principal no altar do sul, onde anteriormente estivera a imagem de Santa Luzia (a similar, em estilo, à de Nossa Senhora da Encarnação).

Em Novembro de 1924 e em 1925 foi reparado o altar do sul por estar deteriorado em grande parte, pela acção do tempo.

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Altar do centro.

No dizer do «Correio da Feira», número 1421 de 3 de Janeiro deste último ano, ele foi reconstruído quase todo de novo por estar destruído, quase inteiramente, pela humidade, reconstrução que foi contratada, a fazer em castanho, pela quantia de 2400$00.

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O sino foi fundido já neste século, pois dele consta a seguinte gravação: «Fábrica de Sinos – L F Rocha Porto – 1907».

A rica imagem de S. Sebastião que se venera nesta vila e é levada em andor na tradicional «Festa das Fogaceiras», que se realiza, nesta vila, a 20 de Janeiro de cada ano, esteve depositada, durante algum tempo, na capela do Castelo, confiada à guarda da Comissão de Vigilância, como consta de um auto lavrado no edifício dos Paços do Concelho em 8 de Maio de 1943, em que interveio o presidente da Câmara / 58 / Municipal e o Dr. Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, como presidente e em representação daquela Comissão.

Imagem de Nossa Senhora da Encarnação.

Tinha dado entrada na capela a 25 de Janeiro de 1944, o que resultou do que passo a relatar.

Em dada altura do meu mandato, como presidente da Câmara Municipal, entendi que a imagem, que sempre estivera arrecadada no edifício dos Paços do Concelho em precárias condições para a sua salvaguarda e conservação, devia estar depositada na Igreja Matriz, de onde partia e aonde recolhia a procissão daquela festa das «Fogaceiras».

Depois de ela já estar na Igreja entendi, para evitar futuras dúvidas sobre a sua propriedade, que o pároco devia passar documento comprovativo de a imagem pertencer à Câmara e não à Igreja.

Ele teve a infeliz atitude de se esquivar a fazer o documento e, em consequência, após a festa de 1944, mandei levantar a imagem e depositá-la na capela do castelo, na forma referida.

Em 4 de Fevereiro de 1944, o referido presidente da Comissão de Vigilância, em resposta a um seu ofício de 25 de Janeiro p. p., recebeu do chefe da repartição do Património (Direcção-Geral da Fazenda Pública) um outro do seguinte teor:

«Informo V. Ex.ª de que por despacho desta Direcção Geral de 29 do mês findo, foi essa Comissão autorizada a receber em depósito na Capela de N.ª S.ª da Encarnação anexa ao Castelo dessa vila a imagem de S. Sebastião. Em relação às duas imagens de Santa Luzia, embora as regras litúrgicas determinem que só / 59 / uma delas deve permanecer no templo, esta Direcção Geral entende que à autoridade eclesiástica local e não a essa Comissão compete a escolha.

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Altar do sul.

Todavia, vendo o assunto dentro de um critério puramente histórico, parece que a imagem a retirar para a sacristia deverá ser não a do século XVII, feita quando se reconstruiu a capela, mas a imagem de pedra mais antiga, que pertenceu à outra capela.»

Respondeu o presidente da Comissão de Vigilância em 7 do mesmo mês, dizendo depois de agradecer a autorização concedida: «Quanto às imagens de St.ª Luzia não há que fazer escolha. Está de há muito feita. Em 1923 foi a imagem de madeira do século XVII substituida no altar próprio pela velha imagem provinda da capela de Santa Luzia, de acordo com a autoridade eclesiástica e com especial aprazimento do povo. É esta imagem, velha mas muito bem conservada, que tem o fervoroso culto desta região. A outra, do século XVII, foi posta no terceiro altar que se encontrava arruinado, porque ao tempo a capela não tinha sacristia por esta fazer parte do prédio na posse de um particular, estando entaipada a porta de comunicação. Reparou-se incompletamente esse altar e a imagem lá se deixou indevida e irregularmente: agora recolheu-se à sacristia, visto ela ter sido de novo afecta ao serviço da capela. Cumpre-me ainda declarar que o valor artistico da imagem velha de pedra, que ficou no altar especial e se deve atribuir ao século XIV é muito superior ao da imagem de madeira do século XVII, que ainda na sacristia será bem conservada como merece, continuando a servir como é uso, na procissão anual.»

Em ofício de 14 seguinte a Direcção-Geral da Fazenda Pública deu a sua concordância.

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Como já disse, a Santa Luzia de pedra está hoje no altar do norte e a outra numa banqueta entre esta e o altar da frente.

Na parede frontal da capela vê-se um vitral com a cruz floreada dos Pereiras.

Foi mandado colocar pela Comissão de Vigilância, em substituição de uma vedação insuficiente que lá estava.

Os serviços dos Edifícios e Monumentos Nacionais chegaram a mandar um para aí ser colocado, o que não foi possível por inadaptação de medidas: ainda hoje se conserva guardado na sacristia da capela.

Imagem de pedra de Nossa Senhora do Castelo Velho: duas posições.

Dos cantos do hexágono, no interior da capela, nascem as nervuras da abóbada. / 60 /

Em cada um deles existe um leão muito tosco em calcário, segurando, com uma das garras, uma espada e com a pata esquerda, um escudete em branco indevidamente pintados por qualquer trolha.

No parecer do Dr. Vaz Ferreira é possível que eles se destinassem a reproduzir os brasões das famílias ligadas à Casa da Feira (citado «Ferro Velho» – A Capela do Castelo – no Correio da Feira de 18 de Fevereiro de 1950 e «Guia do Visitante do Castelo da Feira, pág. 22).

Como já disse, a capela de Nossa Senhora da Encarnação possuiu, em tempos, «notáveis relíquias de santos» (o Ceo aberto na terra – do padre Francisco de Santa Maria – 1697, repetido nos mesmos termos pelo padre António Carvalho da Costa, na sua «Corografia Portuguesa», o que denota ser cópia da anterior informação).

Em 1758 o padre José de S. Pedro Quintela, nas respostas ao questionário à ordem do Marquês de Pombal, ainda informa que «nela se guardam notaveis reliquias de santos das quais muitas pelo curso do tempo tem levado descaminho».

Hoje já não existem.

 

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Banqueta de prata, oferecida pelo infante D. Pedro (D. Pedro III) à capela de Nossa Senhora da Encarnação.

 

Noto, porém, que no arrolamento feito em 1753, à ordem da «Casa do Estado do Infantado» para a organização do seu tombo, não se faz referência àquelas relíquias nem mesmo às peças que as continham.

Em 18 de Outubro de 1911, na sacristia da igreja matriz desta vila, onde se faziam as sessões da Junta da Paróquia, procedeu-se ao inventário dos bens declarados pertença e propriedade do Estado nos termos do artigo sessenta e dois do decreto de 20 de Abril desse ano.

A diligência foi efectuada pela respectiva «Comissão Concelhia de Inventário», composta pelo administrador do concelho José Cândido Marques de Azevedo, presidente, de Aníbal Huete de Bacelar, aspirante de finanças, da Feira, servindo de secretário e do presidente da «Comissão Paroquial» Manuel da Costa Pereira, indicado pela «Comissão Municipal».

Depois de se ter procedido ao arrolamento dos bens existentes naquela igreja, passou-se aos dos da capela do castelo, conhecida «pela invocação de capela de Nossa Senhora de Março, a qual se acha situada no lugar do Castelo em terreno paroquial» (o sublinhado é meu).

Do mesmo auto consta «que tem a forma exagonal contendo três altares, num dos quais se encontra, «o do centro», com a imagem de Nossa Senhora da Encarnação, três sacras ordinárias, duas jarras ordinárias com ramos, uma cruz e quatro castiçais de madeira ordinários. Outro altar com quatro imagens, cujos nomes se ignoram, tudo ordinário, outro altar com duas imagens de Santa Luzia, três sacras ordinárias, um crucifixo de metal ordinário dourado, dois castiçais de metal / 61 / ordinário, quatro bancos, uma lâmpada de suspensão de metal amarelo, duas cantoneiras de madeira, duas estantes para missal, uma arqueta, vinte e quatro jarras de louça ordinária, quinze ramos de flores também ordinários, uma sineta de campanário, um escadote para o púlpito, outro escadote, duas toalhas brancas de altar, em bom uso».

Os arroladores encontraram na palavra «ordinário» uma maneira fácil de ocultar os seus fracos conhecimentos da especialidade e a boa vontade que tiveram em simplificar o trabalho.

 

Objectos de culto, alfaias, ornamentos e pratas 

A notícia mais antiga que encontrei sobre estes bens da capela consta do já referido exemplar, que existe na Biblioteca Municipal desta vila, do trabalho do padre Jorge de São Paulo «Livro e memorial da fazenda deste convento...».

A fls. 51 diz, quanto ao inventário do convento, na parte em que arrola os ornamentos:

«Além do que esta atraz assentado, esta em hum caixão da procuração hua vestimenta e alva sem amito nem cordão e hum frontal e três panos de estante hû grande e dous pequenos e hûa bolsa sem corporais e hûas bandeiras destend artes que tudo he da Hermida de Nossa Senhora do Castelo, que se da pera lá quando se pede: e mais hûa pedra dara».

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Lâmpada de prata, oferecida pelo infante D. Pedro (D. Pedro III) à capela de Nossa Senhora da Encarnação.

Tudo isto foi escrito pelo P.e Jorge depois do exercício do seu triénio como Reitor (1636-1638).

No verso da fI. 51 diz: «Está nesta nossa casa um calix grande de prata com sua patena, uns castiçais de prata, umas galhetas de prata com sua salva também de prata, tudo metido numa caixa de coiro preto que o Snr. D. António Pereira mandou fazer para nossa Senhora do Castelo e eu o mandei fazer vivendo no Porto por isso ele encomendar o quizesse mandar fazer, e para que se saiba que não é deste mosteiro esta prata senão de Nossa Senhora do Castelo deixei esta lembrança neste livro visitando esta casa hoje 27 de Abril de 1616 P.e da Assunção reitor geral» (reitor da Feira 1589-91). Nota por outra letra antes da assinatura «Já tudo foi para o Castelo» (Arq. do Dist. de Aveiro, vol. XVII, fls. 45).

Carta genealógica da Família Soares de Albergaria (pág. 62) - Ramo da Quinta do Paço, em S. João de Ver. Clicar para ampliar.
Carta genealógica da Família Soares de Albergaria [pág. 62] – Ramo da Quinta do Paço, em S. João de Ver.

Já a fls. 200 do vol. XVI desta revista constava, em referência a este livro: «§ 1.º – a fls. 51 verso, esta uma memória do padre reverendíssimo Pero d'Assunção Geral que foi nesta congregação que diz o seguinte: «Um calix grande de prata dourado com sua patena, dois castiçais de oratório: as galhetas maiores com sua salva tudo de prata mandou fazer D. António Pereira para a ermida de Nossa Senhora do Castelo; e assim todas as vezes que fôr necessario para a dita ermida lho hemos de dar; e mais o frontal e como tenho dito a fI. 51».

Por sua vez, a fI. 52 acrescenta, sob a epígrafe «Inventário da prata desta Casa e de quem nola deu» = «Oito castiçais de prata em que entram dois pequenos (entrelinhado por outra letra) estes foram para o Castelo que eram da ermida... Umas galhetas com seu prato tudo de prata (por outra letra) «estas foram para o Castelo» (cit. revista vol. XVII, págs. 46).

Todas estas notícias devem referir-se à mesma prata.

João Frederico Teixeira de Pinho, no seu livro – Memórias e datas para História da Vila de Ovar, a pag. 279, diz: «A linda capela do Castelo foi reedificada no ano de 1658, no tempo da regência da Senhora D. Luisa Francisco de Gusmão, filha dos Duques de Medina Sidónia. O Serenissimo Infante D. Pedro brindou-a com uma cruz de prata e seis castiçais para a / 63 / banqueta, no peso de setenta e seis marcos e uma oitava; dois cálices com patenas douradas, no de cinco marcos, seis onças e seis oitavos e meio; um prato de galhetas, no de quatro marcos, seis onças e seis oitavas, um resplendor, no de cinco onças, uma alâmpada, no de vinte e um marcos, cinco onças e três oitavas. Toda a prata pesa cento e onze marcos, seis onças e duas oitavas e meia; mandou também dois castiçais altos e Cruz à romana, de estanho para o Altar-Mor, um missal encadernado em bezerro, bons paramentos de cores, completos, e ornamentos para os Altares. Todas estas cousas foram obradas em Lisboa, à ordem do Reverendo Beneficiado António da Silva Leitão, por Vicente Francisco de Oliveira e João Ferreira Bertes».

O autor não diz onde colheu esta informação, velho defeito de muitos que escrevem sobre antiguidades, esquecendo-se da necessária autenticidade que resulta da menção da fonte da notícia dada.

Também não esclarece a que infante D. Pedro se refere: se a D. Pedro II quando infante, se ao infante D. Pedro, depois rei terceiro do nome.

Trata-se deste, que foi senhor da Casa e Estado do Infantado, à qual pertencia a capela (como adiante se confirma).

Não resta dúvida que não há qualquer relação entre a reedificação da capela, feita pela condessa D. Joana (em 1656 e não em 1658) e a dádiva do infante D. Pedro, pois a 25 de Outubro daquele ano de 1656 faleceu o rei D. João IV deixando, como regente, sua mulher a rainha D. Luísa de Gusmão que, como tal, se manteve até 1662, data em que D. Afonso tomou conta do poder.

O infante D. Pedro assumiu a regência do reino em 1667 e subiu ao trono em 1683 (sendo o segundo do nome), o que tudo se processou ainda no tempo em que os condes da Feira eram senhores donatários da capela.

E não é provável que, nesse tempo, D. Pedro se interessasse pela capela, pois nenhuns laços de ordem patrimonial o prendiam a ela.

Outro tanto não sucedia com o infante, que veio a ser D. Pedro III (a partir de 6 de Junho de 1760, pelo seu casamento com D. Maria I), pois, até então, foi senhor da «Casa e Estado do Infantado», à qual, como já disse, pertencia a capela.

Em obediência a este critério cronológico, integro, nesta altura, aquela informação.

Do já aludido inventário dos bens pertencentes à «Casa e Estado do Infantado», para lançamento no seu tombo – feito em 23 de Julho de 1753 – consta que existia na capela:

«Seis castiçais de prata, huma estante de prata. Duas coroas de prata, uma grande e outra pequena. Huma alampada de prata com hum arremate despregado. Dois vasos de prata. Hum resplendor de prata com cinco pedras e hum coração. Hum jogo de galhetas com seu prato e cobertouras de prata. Uma imagem de Christo de prata. Hua Cruz de prata feita em bocados de filigrana – sam sete bocadinhos. Hum calis com sua patena grande de prata dourada. Huma cruz de prata pequena com pao por dentro e parte descoberta. Outro calis com sua patena grande dourada. Huma cruz de prata pequena com pao por dentro. Dois jogos de galhetas de prata – pequena – com seus pratos. Mais outro calis de prata com sua patena pequeno de prata. Dois sinos um grande e outro pequeno».

Como «Ornamentos» inventariaram-se:

«Um frontal velho com sua goarniçam de veludo amarelo. Um frontal rouxo com seus festons de prata já velho. Um pano de pulpito. Um frontal de seda roxo com uns ramos de prata à roda – velho. Um frontal de Iam – de cores – vermelho. Um frontal rico bordado e bolsa de prata já usado. Um frontal velho e roto que parece de luto com flores azues. Um pano de seda já muito usado e vermelho. Um pano de seda velho avermelhado com huns ramos de ouro. Um frontal velho que parece de chita. Um frontal baixo como huma espeguilha de prata – velho. Um frontal baixo com seu galão de prata pequeno. Um frontal vermelho e roto e não se save de que he. Um frontal muito velho pardo com torno de prata muito usado. Uma vestimenta parda de seda com huns ramos e suas flores em bom uso. Uma estola e manipolo roixo. Uma estola e manipolo de ramos – parda. Um frontal pardo com sua renda de prata – usado. Duas almotolias ricas de tenilha com suas guarniçoens de prata. Huma vestimenta do mesmo. Huma capa de asperges do mesmo com suas vandas de prata. Huma estola do mesmo. Dois manipolos do mesmo. Dois casulões irmãos. Um veo de ombros. Um bocado de seda velha roxa. Quatro pedras de Ara. Uma Alva rica com suas rendas. Mais outra do mesmo. Mais huma de linho. Tres cordoens brancos. Uma Alva de linho. Quatro toalhas de altar – velhas. Uns corporaes com huma Bolsa velha – media.

Huma casula, estola e manipolo. Huma Alva. Um missal novo. Huma vestimenta com um manipolo Branco já usado. E um ferro de ostias».

Consta do auto que todas as peças arroladas estavam em depósito «pelo dito juizo da ouvidoria».

É de notar que grande parte, a maioria, dos ornamentos estava muito deteriorada.

O Dr. Aguiar Cardoso, distinto investigador da história regional, muito honesto e criterioso em tudo que / 64 / nos informou, num dos seus artigos «Migalhas de História do Concelho da Feira», intitulado «As pratas e ornamentos da Capela do Castelo – 1756 a 1790» («Vila da Feira», número 75 de 6 de Outubro de 1921) dá-nos uma curiosa informação:

«num caderno encontrado em casa de meu primo Benjamim Gama de Andrade, que vem ainda do espólio de seu terceiro avô e meu bisavô, Bento José de Sousa, escrivão que foi e administrador do Almoxarifado desta Vila, se colhe notícia daqueles objectos da capela do Castelo e do destino que tiveram antes das invasões francesas. Em primeiro lugar aparece nesse caderno inédito a seguinte ordem do Senhor da Casa da Feira, que ao tempo era o infante D. Pedro, mais tarde D. Pedro III, marido da rainha D. Maria, «Almoxarife do Condado da Villa da Feira, etc.»

«Sendo informado que a omissão, que tem tido os depositários dos bens, pessas e ornamentos da Capela do Castela dessa Vila, declarados no rol junto assignado pelo Escrivão da Fazenda que Esta ordem subscreveu, que lhe tem causado bastante prejuízo e sendo sobre este particular ouvido o Procurador da Fazenda de minha Casa e Estado do Infantado sou servido ordenar Vos façais recolher tudo a capela e sacristia do Castelo, fechando tudo nos caixões que na mesma Sacristia ha, seguros com chaves que tereis em vosso poder, tendo entendido que não haveis de emprestar para fora peça alguma, ou ornamento, deixando só ao Capellão o necessário para o uso da missa quotidiana, e o lampadario o fazeis dependurar na mesma capela, no seu costumado e antigo lugar, e sendo necessario o mandareis limpar, e quanto aos sinos que forão da sobredita capela, e se achão quebrados, e esta sem nenhum, mando ao ouvidor dessa comarca, por ordem da data desta, mande fundir ambos para se fazer hum para se por na torre da dita capela.

O serenissimo Senhor Infante Dom Pedro a mandou pelos Ministros Deputados da Junta da dita sua casa e Estado abaixo assignados. Escrito em Lx.ª a vinte e sete de Outubro de mil setecentos e cincoenta e seis.

Lista dos Trastes de prata e ornamentos pertencentes a capela do Castelo desta Vila da Feira de q. he Sr. o Serenimo Sr. Infante D. Pedro q. D. g.e: Seis castiçais de prata. Huma estante de prata. Duas coroas de prata, huma grande outra piquena. Huma alampada de prata grande, com hum remate despregado. Dous vazos de prata. Hum Resplendor de prata com cinco pedras, e hum Coração –: Hum jogo de galhetas com seu prato e coberturas grandes. Huma imagem de christo de prata. Huma cruz de prata feita em bocados de filigrana, são sete pedacinhos. Hum Calis, com sua patena, dourado, grande. Huma cruz pequena, com pao por dentro e parte descoberto. (sic). Hum calis com uma patena dourada grande. Huma cruz de prata piquena com hum pao por dentro. Dois jogos de galhetas de prata piquenas com seus pratos. Mais outro calis de prata com sua patena, pequena. Huma causula (?) de prata. Dous sinos hum grande, outro piqueno. e quebrados»

Comparando este descritivo com o que foi feito no inventário atrás referido vê-se que a lista foi feita em conformidade com a do dito arrolamento, por vezes com leves diferenças de termos que se devem atribuir a interpretação do texto.

Apenas merece referência o que o Dr. Aguiar Cardoso descreveu na dúvida, como «Huma causula (?) de prata», peça que não está descrita no inventário e, ainda, o facto de os sinos serem dados como partidos, circunstância que não foi notada no referido inventário.

Continua o articulista a mencionar os «ornamentos» avisando, contudo, que «Por serem objectos de menor importância transcrevem-se em resumo», o que nos impede de fazer a comparação exacta com o que consta do inventário.

Posso verificar, contudo, que há certa correspondência no número de unidades de cada espécie «Ornamentos – 12 frontais, 1 pano de púlpito, 2 panos de seda, 4 casulas, estolas e manipulos, 2 dalmáticas, 1 capa de asperges, 2 capelos, 1 véu de ombros, 4 pedras de ara, 5 alvas, 3 cordões brancos, 4 toalhas de altar, uns corporais, 1 missal novo, 1 ferro de hóstias».

O Dr. Aguiar Cardoso acrescenta: «Foi feita a entrega segundo a ordem atrás exarada. E já em 1760, isto é, quatro anos depois, nova ordem do mesmo Infante D. Pedro determina que se remeta tudo isso para Lisboa, a título de que assim os ornamentos como o prata da «Capella dos Castellos» (sic) dessa vila, necessitão de concertos ficando encarregado da remessa um Domingos Pires da freguesia de Oliveira de Azemeis. E quem em Lisboa havia de receber esses objectas era a Beneficiária Antónia da Silva Leitão. Determinava essa ordem que apenas ficasse na capela uma vestimenta com a qual se irá dizendo missa e o cálix melhor. Aparece depois no mesmo caderno um requerimento do capelão P.e Sebastião José Peixoto em que diz que tendo sua Alteza (referido a D. João, depois sexto do nome), sido servido remetendo pelo correio um caixote com algumas peças que o suplicante lhe  tinha suplicado, pedia para que o Escrivão do Almoxarifado fosse assistir à abertura do mesmo caixote, tomando auto e nele declarando as peças que continha.

O auto que é o último documento do caderno e o primeiro lavrado por meu bisavô Bento José de Sousa em / 65 / 1790, enumera: «Hum missal novo. Hum frontal de seda. Huma vestimenta e duas dalmacias com estolas e manipolos.

Huma bolsa para os corporais. Hum veo de hombros. Um veo de calix. Hum turibulo e naveta de latão.

E nada mais. Não foram pois os franceses que aliviaram a capela do Castelo das suas pratas porque delas ficara já a linda capela aliviada por 1760, à ordem de D. Pedro III».

O Dr. Aguiar Cardoso, continuando o seu estudo, diz-nos, em outro artigo, que recebera uma carta anónima, cujo remetente nunca chegou a descobrir, denunciando que as pratas remetidas para Lisboa à ordem daquele rei haviam voltado ao Castelo por mando do mesmo monarca e que, a quando da segunda invasão francesa, foram escondidas e guardadas em lugar seguro quando as tropas napoleónicas atingiram a Vila da Feira.

Comentando este passo disse, no mesmo jornal e sob o mesmo título, com a epígrafe – Ainda as pratas e ornamentos da capela do Castelo... (número 78 de 27 de Outubro de 1921).

«... Esclarece o anónimo autor da carta referida que à entrada dos franceses na Feira (2 horas da tarde de 31 de Março de 1809, que coincidiu com 6.ª feira da Paixão) havia na capela, além de outras pratas, uma lâmpada e seis castiçais de prata, peças de grande valor que tinha dado, para o culto divino da sobredita capela, a real Beneficência do senhor rei o senhor Dom Pedro Terceiro... Os franceses entrando na residência do capelão, Sebastião José Peixoto, que tinha fugido, destruiram-Ihe o mobiliário e penetraram na capela, levando as coroas e resplendores de prata das sagradas imagens e ainda as galhetas e prato delas. Escaparam à rapacidade dos invasores que, na linguagem do capelão, eram «mais crueis que os neros, Dioclecianos, Maximinianos e outros antigos», os castiçais e a lâmpada por a tempo serem retirados pelo referido capelão que fugiu para Souto, à procura de pessoa que os recolhesse e guardasse. Escusando-se toda a gente, com medo do inimigo, prestou-se todavia a esse serviço o capitão João Pinto de Bastos, do Salgueiral, bisavô paterno do actual representante da sua casa, Sr. Manuel Pinto de Sousa Bastos.

Informa o mesmo anónimo que, expulso o invasor, voltaram as pratas à capela do que se lavrou auto em 4 de Junho de 1809.»

O certo é que, apesar dos esforços do Dr. Aguiar Cardoso, não lhe foi possível conhecer o autor da carta, o que o levou a finalizar o seu artigo, dentro do louvável propósito que já enunciei – «É certo que só a qualidade e procedência dos documentos podem dar autenticidade às notícias que contem: e é por isso que nas notícias que venho publicando nunca omito essas Circunstâncias importantíssimas e nem compreendo que em caso algum se possam omitir».

Esta versão, nas suas linhas gerais, coincide com a tradição, trazida de geração em geração, que lhe dá como acrescento que o capitão João Bastos, também conhecido pelo apelido de Sousa Bastos, uma vez na posse dessas pratas, para melhor segurança, se refugiou com elas em S. Vicente de Pereira, em casa de João Pereira Gomes.

Existem três documentos do ano de 1861 que respeitam directamente às pratas da capela do castelo, cujas cópias se encontram no arquivo da «Comissão de Vigilância pela Guarda e Conservação do Castelo da Feira»:

a) ofício da Repartição da Fazenda do distrito de Aveiro, dirigido ao administrador do concelho da Feira, em 30 de Outubro de 1861, remetendo a cópia autêntica da portaria de 29 de Agosto do mesmo ano, expedido pela Direcção Geral dos Próprios Nacionais do Tesouro Público, com as instruções que desta resultam;

b) teor da mesma portaria, da qual consta: «Sendo presente a Sua Magestade El Rei o requerimento em que a Confraria do Santíssimo Sacramento da Vila da feira Pede lhe sejam entregues para o fim sómente de servirem ao Culto Religioso na Igreja Matriz da mesma vila as alfaias e objectos de prata pertencentes à Capela de Nossa Senhora da Encarnação do Castelo da dita vila, que se acham em poder do Depositário Geral do respectivo concelho, ficando a propriedade dos referidos objectos pertencendo à Fazenda Nacional e a suplicante responsável pela sua guarda e boa conservação e conformando-se o Mesmo Augusto Senhor com o parecer da Repartição, e opinião do Conselheiro Director da Direcção-Geral dos Próprios Nacionais, e tendo em consideração a justa aplicação que aos referidos objectos se pretende dar: Ha por bem conceder à Confraria suplicante o uso das alfaias e objectos de que se trata e constam de seis castiçais, uma cruz e crucifixo, uma alâmpada com três fitas, prato e duas galhetas e uma corôa tudo de prata no valor aproximado de setecentos mil reis; ficando a mesma obrigada a assinar o competente termo em que se responsabiliza pela sua guarda e conservação e a restitui-los á Fazenda Nacional, logo que assim lhe seja ordenado»;

c) teor do respectivo auto de entrega em 31 de Outubro do mesmo ano, lavrado na casa da administração do concelho, onde se achava o presidente da Câmara Municipal – Fausto da Veiga Campos, servindo / 66 / de administrador do concelho e os oficiais da Confraria do Santíssimo Sacramento – Mordomos Alexandre de Almeida Moreira e Joaquim José Teixeira Guimarães, tesoureiro Domingos José Bento, escrivão Demétrio António Gonçalves da Silva e pároco da freguesia, o reitor Joaquim Celestino Albano Pereira, pelo qual se deu cumprimento ao disposto naquela portaria.

Em obediência ao ordenado naquele ofício de 30 de Outubro de 1861, começou por se exarar, descriminadamente, o peso da prata do que resultou: «um prato e galhetas, um quilo e noventa e cinco gramas; seis castiçais, quinze quilos e nove hectogramas; um crucifixo com seu pedestal, quatro quilos e um hectograma; uma alâmpada com tres fitas, cinco quilos e um hectograma; uma corôa de Santa, dois hectogramas e trese gramas, entrando neste peso os parafusos de ferro e a madeira da base dos castiçaes.

A todos estes objectos de prata foi atribuído o valor aproximado de setecentos mil reis, «não podendo especificar-se o seu valor certo por não haver peritos competentes neste concelho».

Acrescentou-se «sendo os castiçaes e crucifixo que formam uma banqueta com lavores em relevo antigo, e de altura cada castiçal cincoenta e cinco centimetros e a cruz compreendido o pedestal um metro e cinco centímetros e a alâmpada de gosto antigo com seus lavores em relevo, e a corôa bordada e as galhetas e prato lisos sem lavor algum».

Em seguida e finalmente, procedeu-se à entrega das pratas aos mesários da Confraria que se responsabilizaram, como representantes desta, «á guarda e conservação dos ditos objectos e a restitui-los à Fazenda Nacional logo que assim lhe seja ordenado, o que prometiam cumprir por suas pessoas e todos os bens da Confraria.

Hoje, em exposição na capela, só existe, digno de registo, um lampadário, mas este mesmo de metal, que veio substituir o antigo de prata.

Quando se procedeu, em 18 de Outubro de 1911, ao arrolamento na capela do castelo; levantou-se um incidente sobre as pratas da mesma, como consta do auto lavrado naquele dia.

«Sendo do conhecimento do secretário da Comissão de Inventário assim como o é do domínio público, que existem objectos de prata de alto valor material e artístico, nesta capela, e como eles não aparecem neste acto, requeiro se proceda em continência a rigoroso inquérito sobre o paradeiro de tais objectos.»

O presidente não deferiu ao pedido de inquérito por ser descabida aquela diligência no acto de arrolamento e por este só poder abranger os bens destinados ao culto e à sustentação do pároco que à Comissão de Inventário forem presentes.

Carta genealógica de João Ferreira da Cruz. Clicar para ampliar.
Carta genealógica de João Ferreira da Cruz. [página 67]

Não obstante, convidou aquele secretário a relacionar aqueles objectos e os demais membros a dizerem do seu conhecimento sobre a matéria.

Aquele disse que «além de outros, determinadamente se refere a um crucifixo com incrustamento de ouro, castiçais e outros objectos de que reserva o direito de mencionar quando se proceder ao auto por ele requerido aqui».

O presidente, depois de declarar que não era do seu conhecimento o alegado, passou a ouvir a Comissão Paroquial, os membros presentes da Irmandade do Rosário, que tomou sobre si o encargo da sustentação do culto nesta paróquia da Feira, o juiz da Confraria do S. Sacramento, António Bernardo Coimbra e o regedor da freguesia Armando Alves de Amorim, todos presentes. (o grifado é meu).

Retomando o descritivo do auto:

«E pelo Presidente da Comissão Paroquial Manuel da Costa Pereira, José da Silva Leite, António Alves Ferreira e Alfredo Maria da Costa, foi dito. O Presidente Costa Pereira disse que sempre tem ouvido dizer que do tempo dos condes da Feira, existiam no castelo umas pratas de grande merecimento artístico, estando hoje de posse desses objectos a Confraria do Sacramento, considerando-as da posse da mesma Confraria; e pelos vogais da Comissão referida, José da Silva Leite, António Alves Ferreira, foi dito que essas pratas que existiam no Castelo nunca souberam que pertencessem à paróquia mas sim à Confraria do Sacramento; e pelo vogal Alfredo Maria da Costa foi dito que desde pequeno ouviu dizer que as pratas que pertenciam aos Condes da Feira, e de que agora se trata, foram legadas à Confraria do Santíssimo erecta nesta igreja. Pelos mesários da Irmandade do Rosário, João António de Andrade. António Augusto de Brito, José Maria Fernandes Pereira, José da Cunha Sampaio, que pelo conhecimento que tem ha mais de quarenta anos, sabem que essas pratas pertencentes à capela do castelo, em tempo, passaram para a posse contínua da Confraria do S. Sacramento; o vogal José Soares de Sá disse que confirmava o que estes quatro últimos disseram; o vogal Aquiles Gonçalves disse que todas as pratas que se acham em poder da Confraria do Sacramento são suas (dela). Passando a ouvir o juiz da Confraria do Sacramento aqui presente António Bernardo Coimbra, por este foi dito que a Confraria do Sacramento está na posse das pratas em questão ha muitos anos, pois estando aqui ha quarenta e cinco anos nunca ouviu nem o contrário lhe constou. E pelo regedor da Paróquia Armando Alves de Amorim foi dito que, por / 68 / si e seus antepassados, sabe que as pratas aludidas sempre estiveram na posse da Confraria do Sacramento, dizendo-se que elas foram dos antigos Condes da Feira; mas este dito crê ser apenas por suposição. Tendo neste acto a amabilidade de fazer mostrar as pratas em questão o referido juiz de Confraria do Sacramento, verificou-se que, nem na cruz, nem nos castiçais, ha qualquer dourado e menos incrustaçães de ouro, sendo a custódia tanto no pé como na parte superior toda dourada».

Clicar para ampliar.

O administrador Presidente mandou prosseguir no resto do arrolamento, excluindo dele as pratas que foram vistas. Do arrolamento nada mais constou referente à capela do Castelo, juntando-se um iracundo protesto, em duplicado, assinado pelo Huete.

A questão não ficou por aqui.

Em 17 de Outubro de 1914 procedeu-se a novo arrolamento na mesma sacristia da nossa igreja matriz, onde compareceu a mesma «Comissão Concelhia de Inventário» composta pelo administrador do concelho substituto, em exercício, António Soares Vila Nova, como presidente, Raul Soares de Oliveira, aspirante de finanças, servindo de secretário, como representante do Secretário de Finanças deste concelho, do presidente da Comissão Paroquial António dos Santos Carneiro, indicado pela Câmara Municipal para o efeito do arrolamento.

Custódia arrolada em 1914, como pertença da capela de Nossa Senhora da Encarnação.

Segundo consta do mesmo auto, este visou diversas pratas conhecidas por «pratas do Castelo», em virtude do despacho do governador civil de Aveiro de 25 de Fevereiro de 1912. Arrolaram-se: «Uma lâmpada de prata grande, sete castiçais, uma cruz com crucifixo, tudo de prata, sendo os castiçais de formato igual e uma custódia de prata dourada», preciosas peças que reproduzo em fotografia.

Todos estes objectos foram, depois, depositados em poder da Confraria do Santíssimo Sacramento desta vila, até decisão definitiva «sobre qual a entidade ou corporação a quem de direito pertençam, se a mesma Confraria, nos termos dos artigos sessenta e dois, setenta e oito, setenta e nove e oitenta da lei da Separação de vinte de Abril de mil novecentos e onze, reivindicar a sua posse e propriedade, ficando no caso de lhe não vir a ser reconhecida essa propriedade a referida Confraria obrigada a devolver as pratas arroladas ao Estado, Município ou Paróquia, com a importância de qualquer receita que, durante o depósito e a partir da data do inventário, tenha havido pelo seu aluguer ou emprego e mais obrigada à boa conservação das sobreditas pratas».

Consta ainda do mesmo auto «que assistiram a este acto, devidamente para ele convocados, os cidadãos António Bernardo Coimbra, António dos Santos Carneiro, Augusto Maria Valente de Almeida e Manuel da Cunha Sampaio, o primeiro na qualidade de juiz presidente, o segundo na de secretário e os demais na de mesários da Confraria do Santissimo Sacramento desta vila e tomaram conta das pratas arroladas, das quais se constituiram provisóriamente depositários nos termos indicados e para todos os efeitos legais e de direito; e pelos mesmos foi neste acto declarado que as pratas arroladas sempre foram consideradas propriedade exclusiva da Confraria do Santíssimo Sacramento desta vila, que representam, na posse das quais estas têm estado desde tempos imemoriais Sem contestação de pessoa alguma ou de qualquer corporação e, por isso, apenas em obediência ao douto despacho do excelentíssimo Governador Civil deste districto que ordenou este arrolamento, é que aceitavam o depósito das pratas arroladas e assinavam o respectivo recibo, pois protestam reivindicar a posse e propriedade das pratas arroladas, reservando-se empregar, para esse fim os meios legais. Também assistiu a este acto a Junta de Paróquia desta freguesia representada pelo seu presidente António dos Santos Carneiro e pelos Vogais José Maria de Almeida e José Francisco de Oliveira Fonseca, bem como assistiu a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, desta vila, composta do Juiz–presidente doutor João Pereira de Magalhães, do secretário Manuel da Cunha Sampaio, do procurador fiscal dito António dos Santos Carneiro, do tesoureiro dito José Maria de Almeida e mesários Francisco Gomes de Lima e Júlio Fernandes Pinto, sendo esta irmandade na qualidade de encarregada do culto religioso da Igreja Matriz desta vila».

Devo esclarecer que aquela custódia, arrolada em 1914, não figura em qualquer dos textos atrás referidos, não fazendo parte do rol das pratas dadas pelo infante D. Pedro à capela de N. Senhora da Encarnação, a não ser que ela corresponda a um resplendor nele falado, dada a forma de que se reveste a parte cimeira da custódia.

Esta hipótese não é de aceitar dada a natureza diferente de cada uma daquelas peças e até se deve afastar pois aquele resplendor foi descrito como tendo cinco pedras e um coração, o que não se encontra na custódia. Depois, o que julgo argumento de força para se concluir que a custódia não fazia parte dos mencionados bens da capela de Nossa Senhora da Encarnação, verifica-se que entre os objectos que foram arrolados, como pertença daquela capela, em 1861 e entregues à confraria, em mero uso, não figuram, nem a custódia, nem o resplendor. / 69 /  

b

A Trovoada

O referido Virtumil diz, no seu mencionado folheto, publicado em 1840:

«Ha 50 anos, em Maio, Dia Santo, de tarde de trovoada seca sobre o Monte do Castelo vista pelo Infrascrito e família, do seu campo do Paemum em Villa Boa, um raio ferio a Capela de Santa Luzia ha menos de dous seculos construida a cisel em insignificante ponto junto e pegado muito mais baixa do que a antiga Muralha do Recinto do Castelo sem lhe tocar: na Domus Derûm

É evidente que se trata da capela de Nossa Senhora da Encarnação e não da Ermida de Santa Luzia que já tinha ruído em 1756. Em diversos textos lhe davam aquela designação, como já disse.

Na capela não há vestígios deste acidente, nem ele consta tradicionalmente.

O informador deve ter-se iludido pela distância em que se encontrava.

c

Paredão do Castelo

Em 1904 ruiu uma parte do paredão do castelo sobranceiro à capela da «Sr.ª de Março» (Correio da Feira, número 2445 de 4 de Agosto de 1945).

A ruina já devia estar a processar-se há muito tempo: com este facto e consequente reconstrução da muralha apagaram-se os vestígios que nos podiam esclarecer sobre as facilidades que proporcionaram, ao marechal Silva Pereira, abrir a comunicação para a casa do capelão – ocupando um dos seus cómodos – primeiro passo para a ocupação total do prédio, que veio a efectuar em seguida.

d

Mudança da capela

Há quem sugira a mudança da capela, para desafrontar o Castelo.

Parece-me não ser acertado.

Alinho com o parecer, bem fundamentado, do Dr. Vaz Ferreira a favor da sua manutenção no lugar em que se encontra, no já citado «Ferro Velho» – A Capela do Castelo – publicado no «Correio da Feira», número 2669 de 18 de Fevereiro de 1950.

Entendo, como ele, que «Castelo e capela» formam uma unidade histórica das terras de Santa Maria. 

e

Administrador da capela

Quanto a administradores da capela, apenas conheço o que está transcrito do foral concedido por D. Manuel I à Vila da Feira e Terra de Santa Maria – em 10 de Fevereiro de 1514 que nos revela «E ssoya de pagar o manystrador desta capella pela vinha das eiras...» e ainda que:

Em Dezembro de 1755, como já disse, era «administrador da Capela de Nossa Senhora do Castello» – Dom Joseph de Alem Castro, fidalgo da Casa de Sua Magestade, comendador das Comendas de São João de Trancoso e outras (Tombo da Casa e Estado do Infantado).

É pouco..., mas já é alguma coisa. / 70 /

f

Capelães

Pouco apurei quanto aos capelães que tiveram a seu cargo a capela.

Tenho esperança de que, a pouco e pouco, se encontrarão elementos para completar ou, pelo menos, aumentar substancialmente o seu quadro.

O mais antigo que conheço é o reverendo Bento Joaquim de Freitas, reportado a 30 de Setembro de 1754, como se vê do reconhecimento que fez, nesta data, à «Casa e Estado do Infantado», do pagamento de «uma galinha sem ovos» – ou seja uma franga por umas casas de que era senhor e possuidor a título de património na rua, então rua Direita, nesta vila (fls. 85 do tombo desta Casa).

Depois, o Dr. Sebastião José Peixoto, que exercia aquelas funçõles em 4 de Junho de 1809, «presbitero secular, bacharel formado nos sagrados cánones e actual capelão nesta Real Capela da Senhora da Encarnação do Castelo da vila, pelo Príncipe Regente», como se intitulou na já falada declaração por ele prestada sobre a recolha de objectos de prata do Castelo, aquando da segunda invasão francesa.

Ainda se mantinha neste cargo em 1 de Março de 1811, pois, então, fez venda de uma leira de terra ao Dr. Sebastião Gomes da Costa Pacheco, como consta do auto de posse da «Quinta das Ribas de Cima do Castelo» a José Eleutério Barbosa de Lima, em 19 de Novembro.

Ainda sei, como também já referi, que o padre Agostinho de Santa Gertrudes e Sousa era o capelão em 29 de Outubro de 1827 – cargo que ainda mantinha em Setembro de 1831, como consta do livro de registos da Câmara Municipal – respeitante a 24 de Setembro de 1831 (L.º 1827 – 1834, fls. 101v), como já anotei anteriormente.

Era tio do Dr. António Augusto de Aguiar Cardoso.

Clicar para ampliar (1500 pixels de largura).

g

Desenho do Castelo

Pinho Leal (Augusto Soares de Azevedo Barbosa), que viveu, muitos anos, neste concelho, desenhou o Castelo da Feira, a capela de Nossa Senhora da Encarnação e as casas a ela ligadas (face norte), em 1862, conforme se vê da fotografia que se publica.

Dá-nos uma visão daquele tempo, reportada a meados do século passado.

O original deste desenho está guardado na Biblioteca-Museu desta vila.

h

Obras na antiga sacristia

Já estão concluídas as obras da sua divisão, em compartimentos. / 71 /

Um, o da esquerda, que continua a servir de sacristia, outros, os da direita, para sanitários, com espaço para espera e acesso e finalmente outro, que abrange todo o topo nascente, destinado a arrecadação para o guarda.

Incrustado na parede deste compartimento ainda se distingue a base da pia para água benta, em pedra.

Assim completo o que disse em «Descrição».

 

LUGAR DO CASTELO

C

ERMIDA DE SANTA LUZIA

1

Descrição

Esteve implantada defronte da muralha poente do castelo, assim como a capela de Nossa Senhora da Encarnação, a umas dezenas de metros para sul desta: em relação ao monumento, estava mais afastada do que a capela.

Pouco se conhece da sua estrutura exterior e nada quanto à interior.

Em 1703, temos uma notícia curiosa no «auto da forma e feitio do Castelo e Palácio dele» que, se lavrou, como já disse, em 18 de Maio, para constar do tombo do Condado da Feira (Casa e Estado do Infantado) – vol. 1.º, de fls. 17 v.º a 19 v.º.

«e tem de fora da muralha e entrada huma Capella que he de Nossa Senhora da Encarnação... e na banda do nascente tem outra Capella que he Redonda da invocação de Santa Luzia...»

Pela publicação, em «Portucale», do desenho de João Glama Stroberle – do século XVIII) e que o Dr. Vaz Ferreira atribui a 1741, o que já apreciei, conhecemos a sua perfeita forma, a sua estrutura na face poente e a sua verdadeira localização, ficando confirmada a afirmação feita no auto de 18 de Maio de 1703 – de a ermida ser redonda. Tinha a sua porta voltada para poente (se mais não tinha), ladeado por uma janela: era encimada por uma cúpula arredondada, ornada com motivos que parecem pirâmides.

Este desenho, pelo testemunho dos seus motivos, dá-nos a garantia da autenticidade da reprodução feita, o que, por ser único e de tanto interesse, nos deu grande satisfação.

O Dr. Vaz Ferreira, no seu citado artigo sobre «Santa Luzia do Castelo da Feira», diz que, em 1940, quando se abriu o arruamento envolvente do castelo, encontraram-se «volumosas pedras no sítio da antiga capela, de certo restantes dos seus alicerces».

2

História

Desconhece-se a data da sua fundação, nem mesmo se foi anterior, coeva ou posterior à desta capela.

Só a partir de 1623 é que tomamos conhecimento dela pela referência que lhe faz o «Catálogo dos Bispos do Porto» de D. Rodrigo da Cunha, incluindo a «ermida de Santa Luzia» entre as existentes nesta vila e, depois, pela referência que lhe fez o «Episcopológio» de Pereira Tavares, em 1690, editado por José Pereira de Sampaio (Bruno), onde são citadas, como ermidas da Vila da Feira, além de outras, a de Santa Luzia.

Logo em seguida, em 1693, o padre Francisco de Santa Maria, diz, no seu aludido livro «O Ceo aberto na terra»: – «tem mais esta Igreja – sete ermidas – : a segunda é de S. Luzia Virge e Martir...»

De 1703 conhecemos o que já foi anotado.

Nova referência encontramos, também, juntamente coma capela de N. Senhora da Encarnação, em 1707, pela pena do padre António de Carvalho da Costa – a pág. 107 do tomo II da sua «Corografia Portuguesa»: «& estas Ermidas... Santa Luzia...»

Como já me manifestei, esta notícia é uma repetição do que já havia dito o padre Francisco de Santa Maria no «Ceo aberto na terra».

Em 1742 – D. Rodrigo da Cunha, no seu «Catálogo dos Bispos do Porto» – Parte II, pág. 247, indica entre as ermidas existentes nesta vila a de «...Santa Luzia...», coexistindo também com a de N. Senhora do Castelo.

Vejamos, agora, um outro documento muito importante, também já referido no estudo desta última capela: – o «Auto da forma como ao presente se acha o Castelo da Feira do que consistem», dando-se, deste modo, continuação ao tombo da Casa e Estado do Infantado que se iniciara em 1703 em relação à Casa da Feira. Nesse auto (Vol. 1.º, fls. 40 a 44 e com data de 23 de Julho de 1753), como já disse ao descrever o terreiro defronte da capela de N. S. da Encarnação, afirma-se «que he onde se faz a feira de Março e principiando a medição da capela de Santa Luzia que esta no mesmo terreiro direito ao norte pelo meio tem oitenta e seis varas e de largo, na cabeceira do sul vinte e nove varas e na do norte acaba em penta aguda». / 72 /

Deste modo alcança-se uma área de cerca de 125 varas, ou seja cerca de 138 m2.

Assim, tomamos conhecimento que, quer a capela, quer a ermida, estavam implantadas no mesmo terreiro, já falado, ou seja no espaço que as ligava, o que tem especial importância para se conhecer a quem pertencia a ermida.

No referido tombo da «Casa e Estado do Infantado», com data de 12 de Junho de 1755 (fls. 196 e 199), está registado o título de reconhecimento de casas e orta que possue Pedro Ferreira da Silva e sua mulher Ana Luísa moradores junto à capela de Santa Lusia do Castelo desta vila».

Da respectiva descrição consta «Casas sobradadas que possuem os reconhecentes... a confrontar... do norte com o terreno da Capela de Santa Luzia...

......       ......      ......       ......      ......       ......      ......       ......

O inchido a orta que pertence as mesmas casas... confrontava... do norte como terreno de Santa Luzia...»

É este o último documento que nos fala da ermida ainda erecta e nos dá a certeza de que para norte dela ainda se estendia o terreno que a ligava ao da capela do Castelo. Deste modo, pelo menos de norte e sul, ela confinava com terreno, sendo natural que outro tanto sucedesse do nascente e poente, devendo, deste modo, interpretar-se o passo atrás transcrito – «que esta no mesmo terreno».

A notícia imediatamente seguinte, como também já disse quanto à capela de N. S. da Encarnação», é-nos dada pelo vigário José de São Pedro Quintela, na resposta ao questionário feito pelo Marquês de Pombal em 1758 que, no tocante à ermida, diz: «tem esta capela (a de N. S. da Encarnação) três altares, em um dos quais está novamente colocada a imagem de Santa Luzia por se ter arruinado a capela da dita Santa que estava extra muros do mesmo Castello, sem romagem».

Confrontando este texto com o que transcrevemos, de onde se infere que a ermida ainda existia em 12 de Junho de 1755, temos que chegar à conclusão que ela ruiu entre esta data e 1758.

Creio que podemos ir mais além.

No referido tombo da «Casa e Estado do Infantado», a fls. 384 a 387, está registado o «título do Campo chamado do Tronco sito junto ao Castello, pela parte do sul de que são possuidores Manuel da Fonseca e sua mulher moradores no mesmo lugar do Castelo», título que tem a data de 4 de Março de 1756.

Como são dadas, em confrontação, da parte do nascente a muralha do Castelo e do poente o terreno da Feira de Março é de crer que já não existia, então, a ermida, pois, de contrário, do poente confrontaria com esta ou seu terreno e não directamente com aquela Feira de Março.

Sendo assim, a ermida desapareceu entre 12 de Junho de 1755 e 4 de Março de 1756.

Deste modo restringimos a presunção que o Dr. Vaz Ferreira, no seu artigo «Santa Luzia do Castelo da Feira», encontrou para a queda da ermida balisando-a entre 1741 e 1758 (17 anos), a um espaço de tempo muito reduzido – 1755 a 1758 (3 anos) se não Junho 1755 a 4 de Março 1756.

Opina o mesmo ilustre articulista que não é natural que ela tivesse ruído por força do terramoto daquele mesmo ano de 1755 porquanto, o mesmo padre Quintela, respondeu ao número do mesmo questionário respeitante àquele cataclismo: «Além desta ruína (a do campanário do torreão noroeste da torre de menagem do Castelo) agora referida e da abóbada da Misericórdia e do dormitório do convento como acima dissemos, não houve ruína alguma memorável».

Pode ter razão mas também se pode admitir que viesse a cair pouco tempo depois do terramoto que, pelo menos, a devia ter abalado muito: «por se ter arruinado», como disse o padre Quintela.

Se não caíu naquele ano de 1755, no espaço compreendido entre 12 de Junho e 1 de Novembro – não se deve ter mantido muito tempo depois do terramoto, pois tendo este afectado o cubelo do castelo que lhe ficava mais próximo, mesmo muito próximo, por certo comprometeu-a de modo a desmoronar-se pouco tempo depois – pormenor que o prior não considerou pois apenas cuidou das causas imediatas, desprezando as mediatas: assim se pode justificar aquele período que prevejo de 1755 a 1756.

De qualquer modo a ermida deve ter caído em meados da década de cincoenta, do século XVIII.

Penso que me foi possível trazer para o conhecimento público muitos factos que, se tivessem sido divulgados anteriormente, evitariam apreciações erradas sobre esta velha ermida.

Quanto aos seus objectos do culto nada mais posso adiantar além do que já disse ao estudar a capela de N. S.ª da Encarnação. / 73 /

 

LUGAR DO CASTELO

D

CAPELA DE NOSSA SENHORA DE MONSERRATE

 

1

Descrição

Está implantada na quinta das Ribas, além do castelo da Feira, no extremo nascente da sua casa de habitação, com a qual alinha: de forma rectangular, tem a sua frente voltada para norte.

O seu estilo corresponde ao usado no fim do século XVII e princípios do XVIII.

Para sul, ajustando ao lado nascente, tem uma pequena sacristia.
 

Exterior

O acesso principal faz-se pelo portal que deita para o pátio que faceia a casa pelo norte, servida por uma escadaria amurada, que se projecta sobre um pequeno patamar que, por sua vez, se lança sobre aquele pátio por escadas, tudo em pedra.

Clicar para ampliar.
Capela de Nossa Senhora de Monserrate nos meados do século XIX.

Tem outra comunicação para o exterior, pelo nascente, enfrentando as escadas de granito que servem o parque e outras dependências da quinta.

Em tempos, teve outra saída para poente, com portal fronteiro ao desta serventia e com igual adorno, como se verifica na fotografia que se publica.

Aquele portal principal é encimado por um motivo triangular de pedra e está ladeado, de cada lado, por uma janela, também de pedra, com gradeamento de ferro, sobreposta por idêntico motivo triangular.

O que abre para nascente tem, sobre si, uma cobertura de pedra sobreposta por uma janela gradeada, tal qual se verificava na que estava voltada para poente.

Em seguimento e para sul, daquela janela voltada para nascente, há uma Outra de igual formato.

A parte superior da frontaria está ornamentada por uma cruz, colocada na junção das duas fiadas de pedra que terminam, para nascente e poente, em forma de volutas, junto das graciosas pirâmides de granito, apoiadas em grossos cunhais de pedra.

Debaixo da cruz há um óculo de granito que serve para iluminar a capela.

Na parte cimeira da fachada, do lado do poente, firma-se um campanário de ferro, muito modesto, com um sino de bronze, que tem a seguinte inscrição, na sua parte superior, circundando todo o sino: IHS [■] MARIA [■] JOZEPH  [■] ANNO 1709 [■]», com uma cruz gravada sobre «I H S».

Tema altura de 0,23 e a sua boca, de forma circular, tem de diâmetro 0,24.

Penso que este sino foi colocado numa das últimas décadas do século passado, pois não figura na fotografia que se publica, que deve corresponder a princípios da sua sétima década, a não ser que estivesse colocado na face nascente da capela, Onde está a sacristia, face esta que se não vê na fotografia.

A sacristia tem uma janela de construção modesta, também de pedra e com grades de ferro, voltada para norte.
 

Interior

Mantém a forma rectangular, com o comprimento de 7,30 m, a largura de 4,80 m e a altura, no centro, de 5,90 m e, de cada um dos lados, 4,50 m.

Tem acesso à sacristia por um pequeno portal de granito: esta tem de comprimento 4,45 m, de largura 1,50 m e de altura 2,10 m e liga com o interior da casa.

Sobre aquele portal havia um côro que abria para um quarto do primeiro pavimento da casa: foi tapado para segurança desta, restando ainda vestígios da sua existência.

A capela tem, no seu topo sul, um altar de rica talha dourada, estilo barroco petrino, com uma grande / 74 / imagem de Nossa Senhora de Monserrate, toda de madeira, que assenta, dentro de um grande nicho, muito ornamentado em talha, sobre um plinto de madeira, tendo – de um lado um anjo tocheiro e, do outro, uma pequena imagem de S. António.

No altar, ladeando aquela imagem central, mas já fora do nicho, vêem-se as imagens de S. João Baptista e de S. Francisco de Assis, também de madeira.

O acesso a este altar faz-se por três degraus de pedra.

 

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Outro aspecto da capela de Nossa Senhora de Monserrate. Princípios da década de 1860.

Joaquim Vaz de Oliveira Júnior e a sua família.

 

Na parede poente há um outro altar, que serviu de oratória na casa dos meus trisavô e bisavô, respectivamente, João e José Joaquim Teixeira Guimarães, sita na rua Direita (hoje do Dr. Roberto Alves) desta vila, o que merecerá especial referência no competente capítulo. É muito modesto.

Entre o altar-mor e o do oratório existe um jazigo onde se guardam as ossadas de pessoas de família.

O pavimento está revestido por lages de pedra aparelhada: nele e defronte daquele altar estão abertas, na rocha nativa, três sepulturas, com suas respectivas pedras tumulares, que contêm os restos mortais de antigos donos da casa, como direi.

O tecto é apainelado: deve ser da época do altar-mor pelo testemunho dos seus florões, mas a sua pintura deve ser muito mais recente.

Ao centro e pendente do tecto, há um lampadário de luz de azeite e do lado direito da porta principal de entrada, existe uma pia de pedra, para água benta.

Antigamente, a casa estava recuada em relação à frontaria da capela, como se pode apreciar na já falada fotografia, o que permitia a existência da porta e janela para poente que, em referência ao seu interior, correspondia ao espaço que decorre entre a sua frente (topo poente) e o altar do oratório.

 

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Casa das Ribas e capela de Nossa Senhora de Monserrate, na actualidade (séc. XX).

 

A transformação da casa e capela, para a sua actual estrutura, remonta a data posterior a 1866, ou / 75 / seja após o falecimento, ocorrido nesse ano, de meu bisavô paterno – Joaquim Vaz de Oliveira Júnior, em época correspondente às grandes obras que, na casa, foram feitas por meu avô paterno Dr. Joaquim Vaz.

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História

A história de uma capela particular completa-se com a da casa a que pertence, com a dos que a ergueram e com a das famílias que as possuíram.

São peças de um conjunto que se integram e se completam entre si.

Embora assim se alarguem as proporções do estudo, à custa de um maior esforço de investigação, não resta dúvida que se ganha em valorização, tornando-o mais útil na medida em que se esclarecem muitos pormenores e se enriquece o trabalho, de muito interesse, sobre as casas e famílias desta vila, aliás já iniciado.

O estudo sobre esta capela de N. Sr.ª de Monserrate já obedece a este critério que será continuado nos demais / 76 / que, por serem particulares, têm a sua existência ligada à casa mãe e aos que as levantaram e sucessivamente a administraram.

 

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Capela de Nossa Senhora de Monserrate. Retábulo do altar-mor.

 

Em algumas destas capelas a materialização deste pensamento está expresso na aposição do brasão de família, embora sujeita a autorização dada pelo bispo da diocese, com certas limitações.

Assim, em cumprimento de doutrina então em vigor, se consignou nas «Constituições do Bispado do Porto», aceites no sínodo diocesano celebrado em 18 de Maio de 1687 (Livro 4 – Título I – Constituição VIII), que «sob pena de excomunhão maior e de cincoenta cruzados nenhuma pessoa eclesiastica, ou senhor, de qualquer qualidade ou condição que seja, ponha escudo de armas, ou quaesquer outras insignias, ou letreiros, nos portais, paredes, ou em outra parte de dentro ou de fora das Igreias, Capelas, ou Ermidas de nosso Bispado, sem especial licença nossa, ou de nossos sucessores, dada por escrito, a qual se concedera somente aos fundadores, e dotadores que as dotarem de dote competente, de maneira que, pela fundação, ou dotação fiquem adquirindo o direito do padroado, ou concorrendo outra causa, que nos parecer justa, para concedermos a dita licença, e dela, e das causas, porque se conceder, se fará menção nos livros do nosso cartorio, e os autos se guardarão na nossa Camera, e fazendo-se o contrario, alem da sobredita pena e censura, os nossos visitadores as mandarão raspar, e tirar, ou quebrar em termo breve aqueles, a quem pertencer, por censuras, e penas».

*

Os documentos mais antigos que encontrei, referentes à casa e quinta das Ribas, reportam-se aos primeiros anos do século XVIII.

São duas escrituras de compra feitas, pelo padre Simão Ferreira de Aguiar Franco, aos descendentes de José Soares de Albergaria.

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A primeira, foi lavrada em 24 de Março de 1707, pelo tabelião João Lopes Correia, nas «Casas do Castelo / 77 / da Feira», nela outorgando como vendedores João da Silva e sua mulher Joana Soares, moradores no lugar do Castelo, licenciado Luiz da Silva e Aguiar, morador na sua quinta de Passo, da freguesia de S. João de Vêr, em seu nome e como procurador de sua mulher Veríssima Vaz Correa e de António Soares de Albergaria e Almeida «Assistente na quinta da quintam do lugar de Passo, freguesia de Som João de Vêr».

Tecto da capela de Nossa Senhora de Monserrate.

Era ainda representante legal de sua filha Angélica, por força da autorização dada por sentença do juíz dos órfãos de 23 desse mês de Março, na qual foi nomeado curador ad litem da referida menor o «Doutor Joam Brandam Abade de Rifana»: o preço da venda foi de 300:000 reis.

Aquele comprador, padre Simão Ferreira de Aguiar Franco, era natural da vila de Maçãs de D. Maria, então morador em Lisboa, onde era clérigo do cabido de S. Pedro, e foi representado no contracto pelo licenciado Veríssimo de Oliveira Magalhães, com substabelecimento passado a seu favor pelo procurador e irmão daquele sacerdote, João Ferreira da Cruz que, neste trabalho, será muito nomeado.

O objecto do contrato foi o direito a metade indivisa da «Quinta chamada das Ribas, sita no mesmo lugar do Castelo que consta de cazas, campo, pinhais e matos, que tudo está junto e parte...».

Esclareceu-se que à menor coube, naquele direito, «a sexta parte de duas partes de a metade dele», porque, por falecimento da primeira mulher daquele licenciado Luiz da Silva Aguiar, este ficou «meeiro dos bens que dantes pertenciam e a sua dita filha erdeira em o Casal das Ribas, sito no Castelo da Vila da Feira».

 

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Casa das Ribas – Portão de entrada para o pátio fronteiro à casa e capela – lado exterior.

 

Justificou-se a venda, conforme consta da escritura, pela necessidade de pagar 70000 reis ao contratador das rendas da Casa do Castelo, referido João Ferreira da Cruz, por as terras não darem lucro e por os vendedores terem necessidade de dinheiro e «por outros justos respeitos».

A segunda escritura foi lavrada em 22 de Dezembro do mesmo ano de 1707, na vila da Bemposta, pelo tabelião daí – António Henriques, outorgando como vendedores Maria da Cunha Soares, viúva de Amador de Aguiar Soares e sua filha Mariana Soares de Aguiar representada por seu tutor João Godinho Borges, ambas moradoras na quinta de Besteiros, do referido concelho da Bemposta, em casa de quem se lavrou a escritura.

Esta titulou a venda da outra metade da referida quinta das Ribas ao mencionado padre Simão que, nela, já se declarou «atualmente morador no lugar do / 78 / Castelo da Vila da Feira», pelo preço de 200:000 reis.

Justificaram a venda pela necessidade de «remir suas nesicidades e sujeições» e pela dificuldade de administração, dada a distância (três léguas) que estavam delas e por serem terras «infrutiferas e de pouco rendimento».

O comprador obrigou-se a pagar toda a renda do Castelo da Feira que a dita terra era obrigada a pagar «em cada ano na parte Reguenga e foreira ao dito Castelo».

Assim, o padre Simão reuniu, na sua mão, toda a propriedade.

Noto que, em nenhum destes contratos se faz referência à capela.

Pelo texto destas escrituras vê-se que aquele José Soares de Albergaria e mulher foram senhores da casa e quinta das Ribas como enfiteutas da «Casa e Estado do Infantado», sucessora que foi da dos condes da Feira – a partir de 1700, por falecimento, sem descendência, do conde D. Fernando Forjaz Pereira Pimentel.

 

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O mesmo portão – lado interior.

 

Desconheço o título de emprazamento feito pelo José Soares, ou pelos seus antepassados e, nem mesmo consegui apurar, em juízo de certeza, a rigorosa natureza desses bens, se reguengos (senhorio real) ou foreiros (próprios daquelas casas), o que foi objecto de discussão, como adiante referirei.

Desde já friso que, naquele segundo contrato, se fala «na parte Reguenga e foreira», o que nos leva à conclusão de que o prédio reunia ambas estas características.

Não resta dúvida que o José Soares apenas tinha o domínio útil não só pelo reconhecimento enfitêutico a que posteriormente ficaram sujeitos os seus posseiros, como pelo facto de aquelas vendas terem sido feitas, além do mais, para possibilitar o pagamento das rendas em dívida.

José Ferreira Brandão, em litígio que teve com o Dr. Sebastião Gomes da Costa Pacheco, que foi senhor da Casa das Ribas, refere-se a reconhecimentos e medições mandadas fazer pelo juiz do tombo da «Casa e Estado do Infantado» em 1703, sem dar qualquer outro esclarecimento.

Desconheço o texto.

*

O José Soares de Albergaria era filho do licenciado Lopo Soares de Albergaria e de sua mulher Antónia Pinto, da quinta de Pombos, desta vila e neto / 79 / paterno de Amador de Aguiar Soares, da quinta do Paço, que foi juiz dos órfãos do condado da Feira (já o era em 1632, segundo o Dr. Vaz Ferreira) e de sua mulher D. Leonor de Meireles, ascendentes das senhoras de uma das casas da Praça – D. Vitória de Lacerda Cardoso Botelho de Pinho Pereira, casada com Lourenço Huete Bacelar de Sotto Maior (meu estudo «Quatro Séculos de História – Vila da Feira – A Praça Velha», na revista «Aveiro e o seu Distrito» e respectiva separata).

Descende, assim, pelo lado paterno, da família Soares de Albergaria, ramo que Felg. Gaio, no seu Nobiliário», Tomo XXVII, L. 2.º, pág. 114:, designa por «Qt.ª do Paço, em S. João de Vêr», com início em Lopo Soares e sua mulher Maria Pereira, pais daquele Amador de Aguiar Soares.

Este Lopo era filho de João Soares Homem, casado com D. Antónia Aranha «como diz o letreiro da sua sepultura na Igreja de Vila da Feira, fª de Diogo Vaz Pinto» (cit. ob. e. t. de Felg. Gaio – § 14 n.º 12, pág. 112).

Por sua vez, o João Soares era filho do 2.º casamento de Lopo Soares de Albergaria, com Branca Coelho, que foi senhor da quinta de Tarei, de Travanca, por mim já muito falado naquele meu citado estudo e ainda em outro publicado na mesma revista sob o título «Ainda a Praça Velha – Vila da Feira».

Manuel Soares de Albergaria Paes de Mello no seu livro «Soares de Albergaria» – a pág. 252 dá este João como filho de D. Leonor de Meireles.

Aquele Lopo era filho de Pedro Soares Santar, casado com Branca Coelho.

A mulher de José Soares de Albergaria, Mariana Ferreira de Albergaria de Pinho, era filha de António de Almeida e de sua mulher Francisca de Pinho Carregosa.

Das citadas escrituras conclui-se que o José Soares teve, da sua dita mulher, os seguintes filhos:

a) Amador de Aguiar Soares, casado com D. Maria da Cunha Soares, ele já falecido à data daquele contrato de 22 de Dezembro, havendo deste seu casamento uma filha, então menor de vinte e cinco anos e maior de doze, de nome Maria Soares de Aguiar, também conhecida por Mariana Borges Godinho que vivia com sua mãe, na quinta de Besteiro do concelho de Bemposta;

b) António Soares de Albergaria e Almeida, assistente na sua quinta da Quintã, do lugar do Passo, da freguesia de S. João de Vêr, solteiro, o que tudo consta da procuração com que se fez representar na mencionada escritura de 24 de Março;

c) Leonor Soares, casada com o licenciado Luiz da Silva Aguiar, ela falecida nesta data de 24 de Março e ele já então casado, pela segunda vez, com Veríssima Vaz Correa, ambos moradores na «quinta do Passo, freguesia de S. João de Vêr.

Nessa altura existia, como filha deste Luiz Aguiar, do seu primeiro matrimónio com a Leonor Soares Angélica, menor que era parente de Cristóvão Pereira Soares de Albergaria, não se sabe em que grau, morador na sua quinta de Fijô (a da capela de S. Miguel), de 30 anos de idade (1707), o que averiguei pela referência à sua identidade no depoimento que prestou, como testemunha, para o efeito da autorização judicial solicitada para que aquela Angélica pudesse vender a sua parte na casa e quinta das Ribas;

d) Joana Soares, casada com João da Silva, moradores no lugar do Castelo, da Vila da Feira.

Correspondem estes filhos aos que Felg. Gaio atribui, na cit. obra e tomo – pág. 114 – ao José Soares de Albergaria, dando-lhes os nomes de Amador de Aguiar Soares, António Soares de Aguiar, Leonor de Meireles e Joana de Pinho.

Também refere um outro filho, Francisco Soares de Albergaria que, por ser nomeado em primeiro lugar, deve ser o mais velho: em 1707 já devia ter falecido, sem descendência, pois nem ele, nem seus sucessores, intervieram nas aludidas vendas, como legítimos herdeiros do José Soares de Albergaria.

Para melhor e mais fácil compreensão junta-se uma carta genealógica referente a este José Soares.

Ainda hoje existem, no lugar de Paçô, da freguesia de S. João de Ver, os Soares de Albergaria, que penso representarem este ramo da família.

*

As compras feitas pelo padre Simão provocaram grande reacção por parte do rendeiro das rendas do Castelo da Feira – Domingos Leitão Pereira, que se envolveu em duas demandas com aquele, pedindo a declaração judicial da sua nulidade e a reversão dos bens vendidos à sua administração vitalícia.

Na primeira invocou, fundamentalmente, a simulação – por o comprador se ter conluiado com seu irmão, o já referido João Ferreira da Cruz, para este poder beneficiar-se no pagamento da sisa, privilégio concedido / 80 / ao padre Simão por ser clérigo do cabido de S. Pedro, de Lisboa e por se ter declarado nas escrituras que o casal vendido era reguengo para se «forrar a siza», acrescentando que, tendo esta natureza, não podia ser comprado pelo padre, por isso ser vedado aos clérigos.

Por sentença de 28 de Janeiro de 1712, as escrituras foram julgadas verdadeiras, deixando contudo «seu direito reservado sobre a proibição da ley que o Reo tiber para não poder como pessoa eclesiastica possuir o Casal da contenda e sobre ser ou não foreira para o poder deduzir e prosseguir pella bia que mais competente lhe parecer» e isto por esta matéria ter sido alegada, embora não fosse incluída na conclusão do pedido.

No uso desta faculdade, em 28 de Março de 1713, o autor fez citar o padre Simão para receber o libelo de nova acção, baseando-se em mercê que lhe foi concedida por alvará de 20 de Fevereiro do mesmo ano, fundamentando o pedido de anulação das referidas escrituras no facto de o réu não poder comprar aquele casal das Ribas por estar em terras reguengas e ser-lhe vedado, como «clérigo de ordens sacras», possuir bens em terras de tal natureza.

O padre defendeu-se por excepção, dizendo que já não possuía o casal das Ribas por o ter doado antes de o autor ter alcançado aquele alvará, pelo que já não tinha lugar a dispensa da Ordenação, nem contra ele podia prosseguir o litígio visto não possuir o mesmo casal e que se ao autor assistisse qualquer direito ele devia ser exercido contra o beneficiário da doação.

Na verdade, por escritura de 12 de Fevereiro de 1712, lavrada na cidade de Lisboa, junto ao adro de S. Miguel, em casa do tabelião Manuel Gomes de Carvalho, ele doou, «causa dotis», a casa e quinta das Ribas a sua sobrinha, menor, Luiza filha do já mencionado João Ferreira da Cruz e de Francisca Luiza Teresa, moradores na Vila da Feira, com a cláusula de «falecendo a dita sobrinha ficarão os ditos bens a seus Pais».

O prédio já aí foi referido como enfiteuta e não como reguengo.

Logo em 27 desse mês, o João Ferreira da Cruz requereu, em nome de sua filha menor, aquela donatária Luísa (que veio a usar o nome de Luísa Caetano Camelo de Lemos) e como administrador dos seus bens, a posse judicial das ditas quinta e casa, posse que lhe foi conferida nesse mesmo dia.

Como a excepção não foi recebida o padre deduziu embargos e contrariedade com aquele fundamento e ainda o das terras serem enfiteutas e não reguengas.

Depois de uma renhida luta judicial, com diversos incidentes, foi proferida sentença, em 25 de Junho de 1715, julgando a acção improcedente com a consequente absolvição do réu.

O autor deduziu embargos à sentença pedindo a sua reforma, no que foi acompanhado, também com embargos, pelo Procurador da Coroa.

Entretanto o autor faleceu e, por sentença de 22 de Abril de 1719, foram rejeitados os embargos, pondo-se termo definitivo ao pleito.

Não obstante o decidido na sentença de 28 de Janeiro de 1712, tudo leva a crer que o casal das Ribas pertenceu sempre, de facto, ao João Ferreira da Cruz, tendo seu irmão, padre Simão, intervindo nas escrituras, por conveniência de ocasião, como «testa de ferro».

Isto até se deduz do testamento de 6 de Fevereiro de 1736, com que faleceu aquele João da Cruz:

«Item declaro que a quinta em que vive o dito meu genro Francisco António e a dita minha filha Dona Luiza na vila da Feira ou Castelo foi comprado com meu dinheiro e eu paguei o preço por que foi comprada suposto que a dita compra se fizesse em nome de meu irmão a qual quinta conjuntei mais a parte que na casa era dela e fis grandes bemfeitorias que hoje apoem com grande valor de que tudo esteve de posse o dito meu genro sem que lhe pertença que suposto aquela quinta que foi comprada em nome do dito meu irmão por ele fosse doada a dita minha filha Dona Luiza o foi por meu mandado e por minha contemplação emaginando eu que não daria estado de casada a outra minha filha porem como sucedeo o contrário quero que a dita quinta e os moveis que nela estavão quando nela se meteo de posse, e de que estão, fassão para complimento do dito seu dote e não querendo os ditos meu genro Francisco António e filha Dona Luiza ser nesto e queirão usar da dita duação que lhe fez o dito meu irmão, e então se farao que abaixo ordeno, a respeito de minha tersa a qual quinta e moveis me paresse valer dez mil cruzados» (padre João Vieira de Resende – Monografia da Gafanha, 1.ª edição, pág. 23 e seguintes e Arq. do Dist. de Aveiro «Aveiro e alguns dos seus homens no século XVIII» – Vol. XXI, pág. 234).

O padre Resende, por equívoco, afirma que o irmão a que ele se refere, no seu testamento, era de nome Manuel, quando não pode restar qualquer dúvida de que se trata do padre Simão.

Como já disse, esteve na base da discussão, no segundo pleito, se a quinta das Ribas era terra reguenga, isto é, se era terra da Coroa, como pretendia convencer / 81 / o autor, ou do património privativo dos Condes da Feira, por possuírem bens que não lhes provieram como donatários da Casa da Feira, mas por «outro título particular» como afirmava o padre Simão.

A sentença que pôs termo ao processo não apreciou esta questão de fundo, por aceitar outra prejudicial que derivava do facto de não se poder fazer «obra e execução» pelo já referido alvará de mercê de 20 de Fevereiro de 1712 «por ter o Reo passado a posse e senhorio do dito casal antes de ter sido citado para esta causa».

Não obstante, não excluiu a possibilidade de as terras serem reguengas sem, contudo, o admitir expressamente: «suposto se mostre pela certidão folhas noventa e sete verso serem reguengas as terras que fazem cerca do Castelo da dita Vila da Feira».

O autor fundava-se no foral concedido por D. Manuel I à «Feira e Terra de Santa Maria» em 10 de Fevereiro de 1514, em referência às terras reguengas junto ao Castelo, onde se destacam os seguintes passos a fls. 2 v – «E jaze acerqua do castelo terras reguengas hermas que sendo justificadas e demarcadas per ordem de Justiça se dará pollo senhorio pollos preços que se auier».

Creio bem que esta passagem do foral, por si só, não pode resolver o problema, por ser muito vaga e imprecisa.

No dizer do padre Simão, na sua contrariedade (o que não teve prova em contrário, segundo parece) – «se a quinta fosse desta natureza (reguenga) havia de estar lançada entre os mais bens do foral da Casa da Feira o que não consta por modo algum e não pode sêr bastante o titulo de reguengo aplicado sem fundamento».

Este argumento tem valor, mas não é decisivo.

É possível que a classificação daquelas terras reguengas já estivesse feita conforme está preceituado no foral «demarcadas por ordem da Justiça», mas não há título que o prove, sobretudo quanto àquelas que jaziam «acerqua do Castelo».

Também podia ser elemento de identificação o que estivesse estabelecido tradicionalmente, mas o que é certo é que nenhum dos contendores invocou este meio de prova, nem esclareceu esta matéria.

É natural que a quinta das Ribas fosse, em parte reguenga e, em parte, foreira.

Na primeira escritura de compra feita pelo padre Simão, a 24 de Março de 1707, de uma parte indivisa daquela quinta, consignou-se que «era reguenga foreira a este castelo a quem ele comprador pagará a renda que for obrigado de hoje em diante» e que o comprador pediu para ser foreiro.

Não conheço qualquer escritura de aforamento ou de reconhecimento de emprazamento feito pelo padre Simão ou pela donatária, sua sobrinha, nem mesmo pelo João Ferreira da Cruz, pois a primeira informação que colhi, a propósito, foi na carta de emprazamento feita a favor de António José Saraiva Castelo Branco – datada de 1756, precedida da sentença de 1755 que julgou o reconhecimento por ele feito e a medição dos bens emprazados.

Se existisse é natural que o seu traslado, ou simples cópia, constasse do arquivo da casa.

No contrato de compra feito pelo mesmo padre, da restante parte indivisa da quinta das Ribas, de 26 de Dezembro de 1707, também se consignou que a venda se fazia, além de outras razões, pela necessidade de se pagar a dívida «da renda do Castelo da Feira que a dita terra he obrigada a pagar em cada ano na parte reguenga e foreira ao dito Castelo».

Deste trecho também se depreende que nem toda a quinta era considerada reguenga.

Lembro que, no tombo da «Casa e Estado do lnfantado» – fls. 196 a 199 –, o prédio que o António José Saraiva Castelo Branco reconheceu como foreiro, em 30 de Janeiro de 1755, foi denominado – Casa das Ribas e Casal de Traz o Castelo –, pois no mesmo prazo incluiu-se a Casa das Ribas e o mato do Bita que, em verdade, fica «Traz do Castelo».

Pode-se admitir que só a este mato diga respeito o foral.

Porém no registo daquele reconhecimento, no tombo, encontra-se a seguinte nota «É o que trata o foral a fIs. 2 verso na verba que diz que jazem além (deve-se ler acerqua) do castelo e a outra a fls. 4 do mesmo foral», o que equivale a medir todo o prazo pela mesma rasa – a dos reguengos.

A afirmação, que resulta daquela nota, pode-se considerar suspeita pelo interesse que a Coroa, por intermédio da «Casa e Estado do Infantado», tinha em dar a natureza de reguengos aos bens que lhe reverteram pela extinção da Casa donatária dos Condes da Feira, mas também é certo que se tomou uma posição definida. / 82 /

É curioso notar que, nos mencionados pleitos, nenhuma das partes fez referência ao título de emprazamento que obrigam o José Soares de Albergaria, nem a outro qualquer da época correspondente à administração dos Condes que, de facto, são desconhecidos.

No litígio entre José Ferreira Brandão e o Dr. Sebastião da Costa Pacheco, aquele, depois de se referir aos reconhecimentos e medições de 1703, feitos pelo juiz do tombo da «Casa e Estado do Infantado» diz: «melhor se vê do prazo antigo que se presume e ofereceremos herdeiros daquele tempo».

Se este Brandão não se quis referir ao emprazamento do mato ou quinta do Bita de 1686, que adiante estudarei, estamos perante um antigo prazo, anterior às compras feitas pelo padre Simão, pelo qual, porventura, se regiam os direitos e as obrigações entre a Casa da Feira e o José Soares de Albergaria ou seus antecessores, prazo este que, já em 1798, data em que foi feita aquela afirmação, só era conhecido por tradição.

O Brandão não invoca qualquer outro, pois imediatamente se refere ao foral.

Na correspondência trocada entre José Eleutério Barbosa de Lima e meu bisavô Joaquim Vaz de Oliveira Júnior, que precedeu a venda que aquele fez a este da casa e quinta das Ribas, versou-se o problema da natureza do prédio, se era ou não reguenga, para o efeito de poder ser considerado alodial à face do decreto publicado em 13 de Agosto de 1832.

Na carta de 9 de Março de 1841, José Eleutério comunicou a meu bisavô: «Igualmente tenho a dizer a V. S. que por investigação que acabo de fazer dos meus títulos – a quinta é Reguenga, isto é propriedade da Coroa, o que não só consta do Castelo (o que V. S. pode mandar certificar no L.º dos Recon.mos fls. 200) mas até por outros títulos velhos, inclusive uma sentença perante o Juíz da Coroa que todos são uniformes em declarar que a quinta é Reguenga».

Conclui, em conformidade com o parecer de jurisconsultos, por afirmar que, assim, elas estavam abrangidos por aquele decreto de 13 de Agosto de 1832 e, deste modo, passaram a alodiais.

*

João Ferreira da Cruz nasceu em 1660, no lugar de Casais, termo de Maçãs de D. Maria, sendo filho de Manuel Fernandes, ou Manuel Ferreira de Lemos e de Isabel Ferreira: foram seus irmãos germanos, além de outros – padre Simão Ferreira de Aguiar Franco, Manuel Fernandes de Lemos, casado com D. Isabel Ferreira.

Casou com D. Francisca Luísa Teresa, natural da freguesia de S. Miguel de Alfama, Lisboa.

Deste seu casamento teve os seguintes filhos:

a) D. Luísa Caetano Camelo de Lemos, casada com Francisco António Camelo Falcão Pinto Pereira da Silva, da freguesia da Várzea do Douro, termo de Bemviver;

b) D. Micaela Luísa de Aguiar, também conhecida por D. Micaela Luísa Anastácia, casada com António José Saraiva de Castelo Branco, natural de Mogofores;

c) D. Josefa Violante Trindade – freira;

d) Mais duas ou uma professas no convento da Madre de Deus, em Sá, de Aveiro, mencionadas pelo pai no seu testamento.

Tomei conhecimento da existência daquela freira D. Josefa pela referência que lhe é feita pelo aludido padre João Vieira de Resende, no seu trabalho «Aveiro e alguns dos seus homens do século XVIII» (cit. Arq. Vol. XXI – pág. 226).

Admite a hipótese de esta ser uma daquelas freiras do convento da Madre de Deus, no que deve ter razão, pois, se assim não fosse, o Cruz não deixaria de a citar no seu testamento.

Deste testamento averigua-se que o João Ferreira da Cruz teve um sobrinho de nome Francisco Ferreiro.

O padre Resende, no seu citado trabalho, diz que o Cruz «tinha capela na sua casa, onde celebrava e vivia o sobrinho, o licenciado João Ferreira da Cruz.

Outro sobrinho era o licenciado Francisco Ferreira da Cruz, e ambos lhe assistiam nos negócios: ao filho de um destes, José António, deixou um vestido para «quando quizer dizer missa nova».

Pelo referido testamento vê-se, com clareza, que o mencionado José António era filho do «Doutor Francisco Ferreira», que foi procurador da viúva do João Ferreira da Cruz, D. Francisca Luísa Teresa, como se vê da escritura de 12 de Julho de 1743, pela qual ela, como administradora do vínculo do neto Francisco José, comprou determinada propriedade.

João Ferreira da Cruz veio para Aveiro em data que se não pode precisar tendo exercido, durante a sua vida, uma actividade que lhe permitiu granjear uma grande fortuna, quer em bens mobiliários, quer de raiz.

Segundo informa o mesmo padre Resende, na «Monografia da Gafanha» – 2.ª edição, pág. 22, ele «possuía bens nos distritos de Lisboa, Santarém, Coimbra, Leiria, Viseu, Porto e Aveiro; onde possuía inúmeras propriedades, quintas, entre as quais a Quinta e Castelo da Feira, numerosas marinhas e praias». / 83 /

O mesmo autor também nos diz (cit. Arq., VoI. X, pág. 429) que os grandes e avultados rendimentos das propriedades, foros e dinheiro emprestado constam da «conta do vínculo» administrado pela citada viúva de João da Cruz, desde 1736 a 1744.

Vem a propósito salientar que o padre Resende, nesta sua obra, como já o fizera na primeira edição e nos artigos que publicou no cit. Arq. Dist. Av. designou aquela propriedade por «quinta do Castelo da Vila da Feira» e «Quinta do Castelo da Feira», o que está errado pois a quinta do Castelo é a que, juntamente com a da «Cêrca», pertence hoje à Federação das Caixas de Previdência e Abono de Família».

Aquela de que trato chama-se quinta das Ribas, além do Castelo.

João da Cruz foi rendeiro do Almoxarifado do Eixo, constituído pelas antigas vilas e concelho do Eixo, Ois da Ribeira, Paus e ViIarinho de Baixo e arrendatário da pesca do sável do Ribatejo, tudo pertencente à Casa de Bragança, assim como foi arrendatário dos frutos dos celeiros de Verdemilho e de Famalicão, pertencentes ao donatário de Carvalhais e ílhavo, dos vinhos verdes da comarca de Esgueira, senhor do Marinhal de sal do Aogoeiro na Gafanha, da quinta da laranjeira em Anjeja, etc.

Foi, ainda, procurador do tombo da «Casa da Feira» e rendeiro dos bens da «Casa e Estado do Infantado» e alcaide ou almoxarife e tesoureiro dos direitos do sal de Aveiro onde, no parecer do padre Resende, «procedeu com muito acerto e lisura como se prova por um documento de 12-10-1731 e outros».

E conclui «A sua probidade era geralmente reconhecida pelos próprios remadores, seus serventuários, um deles Francisco Fernandes Barbosa, de Aveiro, aos quais particularmente protegia. Por outro lado, revelam-se traços ou recortes da sua vida em que transparece e fica bem vincada a delicadeza da sua consciência invulgar (cit. Arq. Vol. XXI – pág. 285).

João Ferreira da Cruz, como procurador do tombo da Casa da Feira, morava no palácio dos Condes, no Castelo, quando D. Francisco – irmão do Rei D. João V, tomou posse do mesmo castelo em 19 de Maio de 1707, constando do respectivo auto que aquele Infante «de presente, por Doação de Sua Magestade, he senhor deste condado da Feira e esta de posse dele por auto, que judicialmente dele se fez, para efeito de tomar posse do Castelo da Feira e Palácio dele e, donde estavão por ordem de Sua Magestade, que Deos guarde, João Ferreira da Cruz, Procurador do tombo da dita Casa da Feira e Duarte Leite Pereira, Rendeiro da Renda da dita Casa da Feira...».

Descrevendo, no estilo da época, os actos de posse praticados pelo procurador daquele Infante – Doutor Manuel Rodrigues de Figueiredo, do Desembargo de Sua Magestade, Provedor e Contador da Fazenda Real com alçada daquele Senhor na comarca de Esgueira, ficou consignado no auto e na parte referente à posse do palácio, num simbolismo muito curioso: «lançou pela porta fora aos ditos João Ferreira da Cruz e Domingos Leitão Pereira; e eles se derão por despedidos do dito Palácio e Castelo e celeiros e quinta; e, depois de estarem expulsados, os tornou a admitir à morada do dito Castelo, o Palacio, e mais pertenças mandando-lhes ficassem habitando nele em nome do Serenissimo Senhor Infante Dom Francisco, e como os caseiros e colonos, em quanto o dito Senhor não mandasse o contrario e mandando-o sahirão para fora a sua ordem, o que prometerão fazer...».

João Ferreira da Cruz era muito dinâmico e decidido, de grandes negócios, aproveitando-os em larga escala, auxiliado por uma especial vocação, beneficiando-se, para o aumento do seu vasto património, dos sucessivos empréstimos do seu capital e consequentes execuções e da sua privilegiada posição de rendeiro e administrador de várias casas e instituições, o que lhe proporcionava muitas aquisições de bens como parece ter sucedido com a desta quinta das Ribas, por intermédio de seu irmão – padre Simão.

Beneficiou-se, ainda, da herança recebida de seus pais e do privilégio de só pagar meia sisa, em compras, desde que passou a ser Cavaleiro da Casa Real e professo do hábito de S. Tiago.

A sua avultada fortuna permitiu-lhe instituir dois vínculos, como adiante será referido.

João Ferreira da Cruz, embora residisse habitualmente na sua casa da rua de S. Paulo, da cidade de Aveiro, passava grandes temporadas na casa e quinta das Ribas, onde se demorava com certa permanência.

Encontrei referência a esta última moradia em diversos títulos de 1715, 1722 e 1727 (cit Arq. Dist. Av., Vol. X, pag. 300, XlX, pag. 228 e XXII, pag. 215, cit. Monografia da Gafanha» – 1.ª ed., pag. 252 e 255 e 2.ª ed., pag. 58, além de outros textos).

Em 1717 (como o padre Resende comunicou em carta dirigida ao Dr. Aguiar Cardoso – em 10 de Julho de 1935, cuja cópia tenho no meu arquivo, o João da Cruz interveio numa escritura, feita «dentro do Paço do Castelo da Vila da Feira do dito Infante e onde vivia Novaes da Costa». / 84 /

João da Cruz faleceu com testamento cerrado, como já disse, escrito a seu rogo pelo Doutor Manuel Rodrigues, em 26 de Fevereiro de 1736 e aprovado pelo tabelião da cidade de Aveiro, António da Silva.

É curioso notar o erro que se encontra nas cópias da certidão do testamento publicadas pelo padre Resende: feito em 26 de Fevereiro de 1736 e com aprovação em 25 (cit. Monog. da Gafanha – 1.ª ed., pag. 23 e 2.ª ed., pag. 263 e Arq. Dist. Av., voI. XI – pag. 118).

Além de diversas deixas a particulares e de referência a passivo que reconhecia como verdadeiro e cujo pagamento recomendava, este testamento contém disposições de alto interesse no que diz respeito à quinta e casa das Ribas e sua capela de Nossa Senhora de Monserrate e a pessoas da família do testador, que facilitaram a organização da respectiva árvore genealógica.

Por ele, temos como certo que:

a) lhe assistiram, na cobrança da renda da Feira (Casa do Castelo), seu irmão Manuel Fernandes de Lemos, das Vendas de D. Maria e o padre Luís de Carvalho;

b) dotou, para casamento, suas filhas Micaela, casada com António José Saraiva de Castelo Branco e Luísa, casada com Francisco António Camelo Falcão Pereira da Silva e que nenhuma delas quis cumprir tais doações;

c) a casa e quinta das Ribas foram compradas aos herdeiros de José Soares de Albergaria, com seu dinheiro, embora a compra se fizesse em nome do irmão (padre Simão) esclarecendo que «conjuntou à quinta mais a parte que na casa era dela» e que nela «fez grandes benfeitorias que hoje a poem com grande valor» – «de que de tudo esteve de posse o dito meu genro (Francisco António) sem que lhe pertença»;

d) elas foram doadas por seu referido irmão à filha dele testador Luísa, por seu mandado e por «minha contemplação emaginando eu que não daria estado de casada a outra minha filha»;

e) como sucedeu o contrário, dispôs, como sua vontade, que «a quinta e os moveis que nela estavão quando nela se meteo de posse, e de que estão, fassão para complimento do dito seu dote, e não querendo os ditos meu genro Francisco António e filha Dona Luíza ser nesta, e queirão uzar da dita doação que lhe fez o dito meu irmão, e então se fará o que abaixo ordeno, a respeito de minha tersa, a qual quinta e moveis me parece valer dez mil cruzados», isto é, estipulava como sanção a perca do direito ao morgadio que, pelo testamento, instituia em benefício do seu neto Fernando José, a favor do outro neto, José Pedro, filho de sua filha D. Micaela.

O João Ferreira da Cruz e sua mulher «Para haverem de casar a senhora D. Micaela Luiza de Aguiar Franco com o senhor Joseph Saraiva Castelo Branco» dotarão «à dita sua filha D. Micaela, em primeiro lugar a sua benção e dipois dela para os encargos do matrimonio que deles descenderem por conservação e aumento de seo nome e familia davão e dotavão a dita sua filha trinta mil cruzados em vínculo de Morgado» que «sempre andarão permanentes e seguros em vínculo de Morgado na dita sua filha e se os descendentes para sempre te ao fim do mundo em sua só pessoa...», o que tudo fizeram com as condições impostas no respectivo título que está, em parte, transcrito no Arq. do Dist de Av. – VoI. X, pag. 236 («As Marinhas de Sal de Aveiro», pelo Padre José Vieira de Resende) com a anotação de que está datada de «5 (sem dizer o mês e o ano»).

Parece que os donatários não aceitaram o vínculo nos termos e nas condições com que foi instituído, concluindo o padre Resende, neste seu citado trabalho (pág. 237 e 238) e pelas razões que aí aduz, que este morgadio não chegou a existir e que os seus representantes vieram a falecer sem sucessão.

Não consegui ver a escritura que titulou a liberalidade feita à filha Luísa, para o seu casamento com Francisco António Camelo, que pouco deve interessar a este trabalho, a não ser na medida em que melhor se possa avaliar a fortuna dos doadores, que permitiu a criação de dois vínculos.

Ao contrário do que sucedeu com sua irmã D. Micaela, na escritura de dote para o seu casamento não foi instituído qualquer vínculo, o que só foi considerado no testamento, por certo em razão das condições que o João Ferreira da Cruz desejava impor quanto à eficácia do dote feito pelo padre Simão, que teve a particularidade de ser para um casamento que veio a realizar.

Quanto ao comportamento da filha Luísa e marido, no tocante à imposição que lhe foi feita no testamento, adiante se fará referência.

Finalmente, e como sua principal disposição, o João Ferreira da Cruz, naquele seu testamento, instituiu o referido vínculo, com a obrigação de três missas do Natal na capela de Nossa Senhora de Monserrate, da quinta das Ribas, da vila da Feira, nos seguintes termos:

«quero e é minha última vontade se obre o dito e referido para sosego e quietação de todos, e depois de satisfeitos os legados e o que fica dito se satisfaça e pague na forma já referida, e de todos os mais bens / 85 / moveis e de rais e açoins que crecerem e restarem de minha terssa seja feito vinculo de morgado regular, para neles haver de suceder e ser deles admenistrador meu neto Fernando José, filho de minha filha Dona Luiza e de seu marido Francisco António Camelo, mas isto no caso somente de que a dita sua mai e o dito seu pai não uzem da dita duação do dito seu tio meu irmão, na dita quinta da Feira, já relatada e fiquem com ela na forma que atraz digo, porque no caso que da dita duação uzem ou queirão a dita quinta alem do dote que eu e sua mai lhe fizemos, então quero e é de minha vontade e disponho, que em os ditos bens do dito vínculo subseda e deles seja administrador meu neto José Pedro, filho de minha filha Dona Micaela e de seu marido António José Saraiva», com as seguintes condições:

«instituia o dito vinculo com a obrigação e encargo de tres missas do Natal, ditas em cada ano na capela da Senhora de Monserrate da dita quinta da Feira, e dos dez mil reis atraz referidos e deixados as minhas filhas religiosas» (deixou esta quantia, enquanto vivas, a estas suas filhas que professaram no convento da Madre de Deus, em Sá, de Aveiro, a satisfazer por quem suceder no vínculo) e que dos ditos bens que assim a vinculo em Morgado de moveis e açoins que tocarem a dita minha terssa, se comprarão bens de rais, livres e dezembargados, para o dito vinculo e que os ditos bens dele nunca se poderão vender nem alear para couza alguma, nem ainda para dotes ou alimentos alguns, e que em os bens do dito vinculo subsedera na forma e maneira de subseção regular dos morgados regulares, e no cazo de que meu neto que no dito Morgado suceder não haja descendentes nem parente algum de mim Instituidor, que deva suseder em os bens do dito vinculo, então neles suceda a Santa Casa da Misericórdia desta vila, para distribuir o rendimento em gastos do Hospital.

E que tambem quero e é minha vontade e disponho que o pai do dito meu neto, que suceder no dito vinculo, não tenha o uzufruto em os ditos bens vinculados, porque enquanto o dito meu neto não tever idade de vinte e sinco anos ou não cazar sera admenistrador dos ditos bens minha mulher Dona Francisca, e por sua morte a mai do meu neto que no dito vinculo suceder, para que dos rendimentos dos ditos bens comprarem bens de rais para o dito vinculo se unirem e vincularem aos mais, e para que se posão aproveitar da quinta parte do dito rendimento dos ditos bens pelo trabalho de admenistração deles e do cuidado de comprarem bens de rais das outras quatro partes dos rendimentos deles de se unirem ao dito vinculo».

No mesmo testamento ainda declarou que fez composição com o convento de Sá sobre as legítimas das filhas religiosas que nele estavam, dispondo que «pelo que me ficou pertencendo o acrecimo de uma das legítimas, tirado o que ao convento se deve por conta dela fique unido ao sobredito vinculo que aqui ei instituido com as clausulas e condiçõins declaradas, pela outra estar vinculada por minha mulher».

*

Pelo exposto concluo que a capela de Nossa Senhora de Monserrate foi erecta pelo João Ferreira da Cruz, entre 1719 (ano em que, por sentença de 22 de Abril, foi decidida definitivamente a favor do padre Simão, a acção que lhe moveu Domingos Leitão Pereira) e 1736 (ano em que, pela primeira vez, tomamos conhecimento da existência da capela pela referência que lhe é feita no testamento do Cruz – 26 de Fevereiro).

A partir deste testamento a capela é sempre falada nas descrições da casa e quinta, até com grande destaque, como sucedeu na sentença que julgou o reconhecimento da renovação de emprazamento da casa e quinta das Ribas e da quinta do Bita, bem como no

texto das suas medições, sentença que foi dada a pedido e a favor de António José Saraiva Castelo Branco (que adiante apreciarei), onde se fala em «boas casas de sobrado com sua capela pegada nas mesmas casas».

Na carta de 3 de Setembro de 1756, que concedeu aquela renovação, diz-se: «boas casas sobradadas e tambem algumas terreas, e hua boa capela... pateo que fica confrontando com as ditas casas e capela...».

Anteriormente ao referido testamento não encontrei qualquer referência à capela, nem nas escrituras de 24 de Março e de 22 de Dezembro de 1707, que titularam a compra da casa e quinta, feita pelo padre Simão Ferreira de Aguiar Franco aos herdeiros de José Soares de Albergaria, nem na de 12 de Fevereiro de 1712, de doação «causa dotis», feita por aquele clérigo a sua sobrinha D. Luísa, filha de seu irmão João Ferreira da Cruz, nem no auto de posse judicial dada a esta, na pessoa de seu pai, por força daquela doação, em 27 do mesmo mês e ano.

Igualmente ela não foi falada nas pendências judiciais que Domingos Leitão Ferreira moveu contra o padre Simão, para anular aquelas escrituras de compra, processos que se prolongaram desde 1712 a 1719.

Não é crível que o João Ferreira da Cruz, que foi o verdadeiro interessado naqueles pleitos, no lugar do padre Simão, se aventurasse a construir a capela e a adquirir o seu altar tão rico, durante o período em / 86 / que ainda não estava, judicial e definitivamente, determinado a quem pertencia a casa e quinta.

Em abono desta tese podemos, ainda, oferecer a arquitectura da fachada da capela e o estilo do seu altar-mor que corresponde ao barroco petrino, como adiante será estudado e o facto presumível de estas obras estarem no número das que o Cruz refere no seu dito testamento: «à qual quinta conjuntei mais a parte que na casa era dela e fiz grandes benfeitorias que hoje a pôem com grande valor de que de tudo esteve de posse o dito meu genro sem que lhe pertensa».

Também convence que a obra e a compra do altar fossem feitas pelo João Ferreiro da Cruz, a circunstância de ele ser possuidor de avultados meios de fortuna, comprando bens em muitas arrematações, sobretudo nas execuções em que tinha comprometidos os seus créditos, sendo de admitir que tivesse adquirido o mesmo altar em arrematação de prédio, ou isoladamente, em qualquer daquelas execuções.

Convém salientar que o João da Cruz, no seu testamento, disse: «peço e rogo aos gloriosos São João Batista e ao Arcanjo São Miguel e ao Anjo da minha guarda e a todos os mais santos e santas da Corte Celestial e com especialidade o meu Padre São Francisco de quem sou indigno filho e que sejão meus advogados ante o tribunal divino».

Ora, os santos que adornam, lateralmente, o altar são, precisamente, S. João Baptista e S. Francisco de Assis.

Nem os antigos missais, nem os impressos existentes na capela, dão luz sobre a data da sua fundação.

Penso que o altar não foi feito para esta capela pois deve ter tido sacrário, como se denuncia do nicho onde se encontra o resplendor, das ranhuras laterais por onde devia correr o respectivo painel, da banqueta onde hoje assenta o imagem de N.ª S.ª e da pequena porta ou janela do fundo, por onde se faria o acesso, hoje impraticável por o altar estar totalmente ajustado à parede.

Anteriormente esta abertura podia ser alcançada facilmente pois, de cada lado do altar, há uma porta que dá acesso a uma galeria que devia dar comunicação com aquela porta ou janela.

Estou convicto de que o altar serviu em igreja ou capela com exposição do Santíssimo, com acesso pelo lado de trás.

Acresce que, na parte superior do interior daquele nicho, está implantada uma águia bi-fronte, símbolo dos Agostinhos, oposição que não se justificava se o altar fosse feito propositadamente para a capela.

Podemos mesmo admitir que a capela fosse construída à medida do altar, pois ele ajusta-se perfeitamente aos limites da edificação, ocupando, sem lugar a margens, todo o topo sul da capela.

Devo notar, porém, que o apainelado do tecto, que deve ser da época do altar, como já disse, já se não ajusta à capela, na sua altura, pois cobre parte da abertura do óculo que, praticado na parede frontal do edifício, a vaza até ao interior, para lhe dar luz, o que não basta para contrariar a hipótese formulada.

Procurei obter informações no Paço Episcopal, mas daí comunicaram-me que, apesar das buscas feitas, nada foi encontrado nos seus arquivos, referente à capela.

A imagem de Nossa Senhora de Monserrate é de data anterior à do altar e, assim, adquirida para ocupar o lugar que, porventura, estivera reservado ao Santíssimo.

Tem-me causado certa estranheza um documento que existe no meu arquivo.

Trata-se de um impresso com a dimensão de 0,42 x 0,30, com o «Sumario das Graças e Indulgências concedidas por diferentes Sumos Pontifices, e novamente confirmados pelo nosso Santissimo Papa Benedicto XIV A Casa Santuário e Câmara Angelical de Nossa Senhora de Monserrate no Principado da Catalunha e aos Irmãos de Sua Irmandande», impresso na «Oficina Joaquiniana de D. Bernardo Fernandes Gayo Morador na Rua das Mulas MDCCXLlII».

No final tem, em manuscrito, os seguintes dizeres: «Dª Fran.ca Mª de V.ª Boas se assentou Irman da sobredª Snrª em 3 de 8 bro de 1744».

Não sei quem seja esta senhora, nem como este documento veio a esta casa: a divulgação que dele faço, por este meio, talvez ajude a um completo esclarecimento.

A sua data afasta a ideia que ele esteja relacionado com a fundação da capela, pois é posterior a 1736.

Causa muita estranheza o Padre José de São Pedro Quintela não ter incluído esta capela de N. S.ª de Monserrate no rol das que enumerou, em 1758, nas respostas que deu ao questionário para a elaboração do Dicionário Geográfico de Portugal.

Mais um exemplo do pouco cuidado com que foi feito o seu trabalho. / 87 /

Quanto aos demais livros que citei no prólogo deste capítulo – Capelas, não podiam referir-se a ela por a sua publicação ser anterior à sua fundação.

*

D. Luísa e o marido conformaram-se com a vontade do testador, aceitando as condições que lhes foram impostas no aludido testamento, pelo que seu filho Fernando José Camelo foi investido no Morgadio, o que sucedeu quando ainda era de tenra idade (tinha dois anos quando morreu o avô – Arq. Dist. Av., Vol. XXI, pag. 223), pelo que o vínculo foi administrado por sua avó D. Francisca Luísa, mulher do instituidor João Ferreira da Cruz e depois, por morte dela, pelos seus pais, até que ele atingiu os 25 anos e entrou, por isso, na posse e administração desse vínculo (o que parece ter ocorrido em 1759 ou posteriormente, pois em parte deste ano ainda ele era administrado pelos pais do Fernando José (cit. Arq. Vol. XXVI, pag. 120 e seg.).

O património do morgadio no período da sua menoridade foi muito aumentado por compras feitas e muito mais foi acrescido com o falecimento de seus pais.

Fernando José manteve-se na administração do morgadio até à sua morte, em 1792.

No testamento, com que faleceu, de 14 de Maio deste ano, instituiu como único e universal herdeiro dos seus bens, sem individualizar «aquele, ou aqueles dos meus parentes que se acharem mais proximos ao tempo da minha morte e que forem da parte da minha mai» o que motivou grandes e graves pleitos.

Habilitou-se judicialmente, à herança, João Lopes Ferreira (neto do irmão do João da Cruz – Manuel Fernandes de Lemos, avô do referido padre Resende), como legítimo herdeiro e administrador do vínculo, contra a pretensão de D. Francisca José Ferreira (a quem aquele padre chama «a intrusa»), que também era parente do João Ferreira da Cruz.

Segundo refere o mesmo sacerdote («As Marinhas de Sal de Aveiro» cit. Arq. Vol. X, pag. 233 e seg.) aquele morgadio transmitiu-se, depois, para a filha daquele Ferreira, de nome D. Josefa Maria Rosa e, finalmente, para o filho desta – José Fernandes Teixeira.

O referido morgadio abrangia grande parte da Gafanha litoral «toda a região ribeirinha, desde a mota da Gafanha para a Costa Nova até ao estaleiro esteve encabeçado por aforamento ao vínculo de morgadio instituído em 1736 na quinta e Castelo de Vila da Feira (aliás quinta das Ribas) pelo meu antepassado João Ferreira da Cruz a favor de seu neto Fernando José Camelo M. P. da Silva e ainda outras propriedades, o que tudo foi desbaratado após a morte de Fernando Camelo», de modo que «pouco mais se salvou do que uma pequena parte do morgadio que ficava circunscrita às redondezas do Vale de Ílhavo que João Lopes Ferreira legou aos seus sucessores («Marinhas de Sá, Aveiro, cit. Arq. Vol. X, pag. 239).

O padre Resende, a pags. 96 e 98 do seu mencionado livro «Gafanha» – 1.ª edição, afirma que se pode «fixar a data de 1759 a 1768 para o encabeçamento da Gafanha no vínculo, pois que dos muitos documentos que possuímos de Francisco A. Camelo só o de 1759, que é dos últimos dele, fala daquela administração pela qual se devia interessar vinculando bens e o de 1768 é o primeiro em que Fernando Camelo age como herdeiro de seu pai e senhor de sua casa. Neste interregno teve lugar o encabeçamento» (pag. 96 a 98 do cit. liv. sobre a Gafanha).

Com a remição dos foros dos herdeiros de Fernando Camelo, terminada em 1891 e com a remição dos foros dos herdeiros de J. Dias Pereira, completada em 1904, ficaram os habitantes de toda a Gafanha senhores e proprietários absolutos de suas terras (cit. liv. «Gafanha», pag. 115).

De todo o exposto conclui-se que a casa e quinta das Ribas não chegaram a fazer parte do morgadio que foi instituído, por testamento, pelo João Ferreira da Cruz, embora ligado a ele pela «obrigação e encargo de tres missas do Natal, ditas em cada ano na capela da Senhora de Monserrate, na dita quinta da Feira».

Em resumo, tudo se deve ter passado nos seguintes termos:

O Cruz dotou a filha Luísa, para casamento com Francisco António, em dinheiro, parte do qual foi entregue até que estes, em dado momento, se recusaram a receber o restante ficando, assim, em dívida, parte do dote. Aquele, explicando isto no seu referido testamento, dispôs da quinta e casa das Ribas e dos móveis que nela existiam, quando sua filha Luísa e marido dela tomaram posse, a favor dos mesmos para «complimento do dito seu dote», isto para o caso de eles não invocarem o direito que lhes assistia por força de doação de seu tio padre Simão (de 12 de Fevereiro de 1712).

Neste caso, depois de pagos os legados e satisfeito o que deixou expresso no seu testamento «de todos os mais bens móveis e de raiz e açoins que crescerem e restarem de minha tersa» instituiu o referido vínculo morgado a favor do neto Fernando José (que / 88 / usou o nome e apelidos de Fernando José Camelo Falcão Pereira da Silva), filho daquela D. Luísa.

Porém, caso eles invocassem o direito à quinta e casa das Ribas, como donatários do padre Simão (que assim deixavam de fazer parte do acervo da herança do João Ferreira da Cruz, não podendo, com ela, compor-se a doação feita à filha Luísa), como sanção, o morgadio ficaria instituído a favor do outro seu neto José Pedro da Silva Ferraz, filho da outra sua filha D. Micaela e de seu marido António José Saraiva Castelo Branco.

Como a D. Luísa e marido cumpriram a vontade do testador, ficou instituído o morgadio a favor do Fernando José e a quinta e casa das Ribas excluídos do morgadio e a pertencer a seus pais em pagamento do seu dote.

Tanto assim foi que o morgado Fernando José vendeu a quinta e casa, em 29 de Novembro de 1789, ao Dr. Sebastião Gomes da Costa Pacheco, o que não poderia fazer respeitando-se as condições de instituição de vínculo.

Também se não pode esquecer que esta quinta e casa, se não no todo, pelo menos em parte, era considerada terra reguenga.

Penso que, assim, interpreto correctamente todo o sucedido e designadamente o referido testamento.

Assim se explicam, também, as outras disposições do testamento e a realização dos demais contratos, a eles referentes, que se passam a estudar.

Em 28 de Setembro de 1738, por força do requerimento feito por Francisco António Camelo Falcão Pereira e Silva – por parte de António José Saraiva Castelo Branco «hoje assistente na quinta das Ribas do Castelo desta Vila da Feira» que apresentou um precatório do juízo dos órfãos da vila de Aveiro – foi dada posse àquele António José, pelo escrivão da vila da Feira, Dionísio Ferreira da Silva «da mesma quinta das Ribas e outras mais fazendas que ficarão de João Ferreira da Cruz, morador que foi na mesma quinta»... «e bens moveis que se achavam na dita quinta e casas della», cuja relação tenho no meu arquivo, constante de uma certidão tirada do referido auto de posse.

*

Por carta de 3 de Setembro de 1756, o infante D. Pedro (depois D. Pedro III), atendendo ao pedido feito por aquele António, concedeu-lhe a renovação de emprazamento e aforamento «em vida somente de tres pessoas e mais não, das propriedades que «ele possue no condado da Vila da Feira... chamadas a quinta das Ribas... foreiras à minha Casa e Estado do Infantado...».

Do mesmo título consta que em 18 de Março de 1795 «neste lugar do Castelo e dentro da quinta de Antonio Jose Saraiva Castelo Branco da vila da Feira», na presença do Dr. José dos Santos Ramalho «Juiz do tombo dos bens e rendas pertencentes ao Estado e Casa da Vila da Feira», se procedeu à medição dos bens emprazados, que preencheram, além de outros, os seguintes itens:

«Item – a Quinta que possue Antonio José Saraiva Castelo Branco que medida toda em roda... dentro desta medição se achão umas boas casas sobradadas e tambem algumas terrias e uma boa capela e uma portada de pedra de escoadria lavrada, com seu cruzeiro em sima, com duas janelas, uma da parte do nascente e outra do poente da mesma escoadria e dentro dela um pateo que fica confrontando com as ditas casas e capela.

Item – a Quinta chamada do Bita que possue o mesmo António José Saraiva Castel Branco... parte da nascente com a quinta da Casa do Castelo e com a estrada».

A pensão enfitêutica, que era de doze alqueires de trigo, cinco de centeio, sete de cevada, dois capões, doze ovos, três galinhas e um carro de palha triga foi acrescentada, nesta renovação de prazo, com mais dois alqueires de milho graúdo: tinha de lutuosa, por falecimento de cada vida, três carneiros «na forma do estilo», tudo posto no «Celeiro do Castelo da dita Vila por dia de Som Miguel de Setembro», com laudémio de 5 – 1.º.

Foi designado aquele António José Saraiva Castelo Branco como primeira vida «e a mulher com quem casar a segunda vida e um filho ou filha a terceira vida e não o tendo nomearão uma pessoa não defeza em direito»: findas estas vidas todos aqueles prédios emprazados ficariam devolutos para a fazenda da referida Casa e Estado do Infantado «com todo o melhoramento que nele ouver», tudo com as condições costumadas nos contratos desta natureza, entre as quais se contava a de não poderem vender sem prévia licença.

Esta carta de emprazamento foi registada no respectivo livro a fls. 11 v. em 30 de Outubro de 1756, senda a referida renovação de emprazamento precedida de uma sentença datada de 25 de Janeiro de 1755, lavrada pelo «Juis do tombo dos bens e rendas pertencentes ao Estado e Casa da mesma Vila – José / 89 / dos Santos Ramalho –» em que se julgou o respectivo reconhecimento feito pelo António José Saraiva Castelo Branco e ordenando a sua citação para pedir a «Sua Alteza a renovação».

Aquele reconhecimento está lançado a fIs. 200 do livro de tombos (existente na Biblioteca Municipal da Feira) sob a rubrica «reconhecimento dos casais das Ribas e do Casal de tras o Castelo de que e possuidor Antonio José Saraiva Castelo Branco da Vila de Aveiro. É o de que trata o foral a folhas duas verso na verba que diz – jazem acerca do Castelo e outras a folhas quatro do mesmo foral».

Nele foi consignada, discriminadamente, a renda «pelo Casal das Ribas» e «pelo casal de tras o Castelo».

Do mesmo documento consta a declaração, feita pelo seu procurador, de ser verdadeiro o seu constituinte possuir aquelas casas «as quais algum dia andarão divididas em tres prazos e agora de presente se achavão unidas e vão unidas a um só prazo por serem da mesma natureza e o mesmo possuidor».

Das medidas dos referidos itens, julgadas pela mesma sentença de 25 de Janeiro de 1755, que serviram de base às descrições atrás referidas, consta em relação às da quinta da Bita «a propriedade chamada de Tras o Castelo, a quem chamam a quinta do Bita», o que confirma a sua natureza reguenga que já foi posta em evidência.

Do título de aforamento de 22 de Dezembro de 1831, em conformidade com o auto de apegação e medição de 20 de Maio do mesmo ano, que adiante será especialmente referido, feito, em 3 vidas, a José Eleutério Barbosa de Lima e mulher D. Maria Teresa Pacheco Ferreira do prazo denominado das «Ribas e Bita», consta que, neste prazo, tinha «sido a primeira vida na ultima investidura António Jose Saraiva de Castelo Branco, do qual passara para Francisco António Camelo e deste para seu filho Fernando José Camelo, o qual vendera a dita Quinta das Ribas a Sebastião Gomes Costa Pacheco, do qual passara por herança para sua sobrinha Dona Maria Tereza Pacheco Ferreira, casada com Jose Eleuterio Barbosa de Lima, ambos estes ora Suplicantes, a cuja quinta se acha unida a dita Propriedade do Bita atrás denominada as matas do Bita...».

Carta genealógica de António José de Saraiva Castelo Branco. Clicar para ampliar.
Carta genealógica de António José de Saraiva Castelo Branco. [pág. 90]

Vê-se, assim, que a designação destas vidas foi feita ao abrigo da cláusula do emprazamento que deu, ao António José, o direito de nomear quem lhe sucedesse no prazo, no caso de não ter filhos, sem necessidade de se lavrar novo título, o que também se depreende do que consta do auto de posse de 19 de Novembro de 1828, conferido ao José Eleutério e mulher, adiante mencionado.

Deste modo, a quinta das Ribas, que foi pertença da Casa da Feira e depois da do Infantado, sucedeu, em posse por emprazamento de vidas, desde José Soares de Albergaria até Fernando José Camelo, com maior ou menor regularidade, isto é – desde os fins do século XVI até ao fim do século XVIII.

Não consegui apurar a razão por que o António José Saraiva de Castelo Branco, casado com a D. Micaela Luísa de Aguiar, foi empossada, em 1738, da quinta das Ribas e dos seus móveis, quando ela fora doada à sua cunhada D. Luísa (casada com Francisco António Camelo Falcão Pereira da Silva) pelo padre Simão, em 1712 e ficou a fazer parte do seu dote por testamento de seu pai, feito dois anos antes (1736), sabendo-se, ainda, pelo mesmo testamento, que o Francisco António chegou a estar de posse da quinta.

E ainda mais estranho é o facto da precatória a solicitar que se conferisse essa posse, emanada do Juiz dos Órfãos de Aveiro ter sido apresentada no Juízo da Feira pelo próprio Francisco António morador em Aveiro que, no respectivo requerimento de posse, dá aquele António José Castelo Branco, «hoje assistente na quinta das Ribas do Castelo desta vila».

Para este efeito deve ter havido acordo entre os dois casais, na partilha por óbito do João Ferreira da Cruz, com possíveis compromissos, não obstante a doação feita à D. Luísa pelo padre Simão e o testamento do João da Cruz.

Apesar dos esforços feitos, não consegui ver o inventário por morte deste, onde tudo deve estar esclarecido: deste inventário é que deve ter imanado a precatória para a posse.

Na lógica daquela posse, já não é de estranhar que o emprazamento de 1756 fosse feito em três vidas – a do António José, mulher com quem ele casar, e filho ou filha.

Novamente ficamos surpreendidos ao verificar que, depois deste emprazamento, o António José tivesse nomeado em segunda e terceira vidas, respectivamente, o Francisco António Camelo e o seu filho Fernando José.

Então, já tinha falecido a mulher do António José Saraiva e, possivelmente, seus filhos.

Aquela quinta ou mata do Bita, hoje integrada na quinta do Castelo, pertencente à Federação das Caixas de Previdência e Abono de Família, que foi emprazada, juntamente com a quinta e casa das Ribas, ao António José Saraiva Castelo Branco em 1756, tinha sido aforada pelos Condes da Feira – D. Fernando Forjaz / 91 / Pereira de Menezes e Pimentel e sua mulher D. Vicência Luísa Henriques a Manuel Gonçalves, por escritura de 18 de Outubro de 1686, lavrada pelo tabelião João Lopes Corrêa.

Posteriormente ao emprazamento de 1756, a quinta do Bita veio a pertencer ao Fernando José Camelo e a sua mulher, como enfiteutas, por escritura de 5 de Outubro de 1776, lavrada pelo tabelião Estêvão Luís Gomes, que a deram de sub-emprazamento a José Ferreira Brandão e a sua mulher Francisca Luísa Angélica, da Vila da Feira, identificando-a como quinta chamada do «Vita, situada defronte da quinta dele outorgante e reguenga do Castelo desta vila».

Naquela escritura de emprazamento de 18 de Outubro de 1686, os Condes, na procuração passada a Frey Manuel Pinto de Carvalho, cavaleiro do hábito da Ordem de Cristo, para os representar no contrato, são designados por «Condes da Vila da Feira, Ovar, Cambra e outras».

Nomearam como objecto do contrato: «um casal sito junto ao Castelo» que abrangeu diversos prédios dando ao emprazamento as designações de «Casal das Ribas junto ao Castelo da Feira» e «Casal chamado das Ribas de Valverde» denominando, deste modo, a quinta ou matas do Bita.

À quinta das «Ribas de Valverde», junto ao Castelo, contrapunha-se a «quinta das Ribas» que estava separada dos terrenos junto ao Castelo pelo caminho ou estrada de Vinhais, que seguia para Fornos e autras partes.

Há necessidade de fazer esta distinção para se desfazer qualquer confusão e não entrarmos em erro.

*

Fernando Camelo, que vivia em Aveiro, desinteressou-se do seu património nesta vila, tanto mais que não tinha filho que lhe sucedesse e tinha «necessidade de dinheiro para desempenho de outros maiores bens que estão empenhados e hipotecados», como afirmou na escritura de venda que fez da quinta das Ribas ao Dr. Sebastião Gomes da Costa Pacheco em 24 de Novembro de 1789, não obstante ter sido proprietário de muitos bens de raiz, nomeadamente na Gafanha e titular do já referido morgadio que devia ser muito rendoso.

*

António José Saraiva de Castelo Branco, que foi casado com D. Micaela Luísa de Aguiar, filha do João Ferreira da Cruz, viu, em sua vida, morrer os seus filhos sem descendência e, assim, se explica ter nomeado Francisco António, casado com sua cunhada D. Luísa, em segunda vida e o filha deste Francisco José, em terceira vida, ao abrigo do contrato de emprazamento da quinta das Ribas, como já disse.

Era filho de João Saraiva Ribeiro Picado, fidalgo da Casa Real e Provedor dos marachões do Mondego por sua mulher D. Escolástica Josefa Maria de Castelo Branco, filha herdeira de Tomás de Sequeira Castelo Branco, provedar dos marachões do Mondego e de sua mulher D. Serafina Moniz Mascarenhas, filha esta de João Travassos da Costa.

Aquele João Saraiva Picado era filho de Nicolau Ribeiro Picado que, segundo diz Luís Gama, foi fidalgo da Casa Real, cavaleiro da Ordem de Cristo e mestre de campo na guerra da aclamação e de sua segunda mulher D. Maria Saraiva de Vila Lobos, filha de João de Figueiredo de Mogofores e de sua mulher Catarina Lobo de Oliveira, casados em 15 de Dezembro de 1654.

Para melhor conhecimento desta família ver o artigo de Francisco de Moura Coutinho – «Picados, Pericões e Migalhas, de Aveiro» (cit. Arq. V.I. XI, pag. 93 e seguintes).

*

Francisco António Camelo Falcão Pinto Pereira da Silva, que foi casado com a outra filha do João da Cruz, D. Luísa Teresa Caetano de Lemos ou Luísa Caetano Camelo Falcão, como lhe chama o mencianado padre Resende, foi moço fidalgo e professo da Ordem de Cristo, sendo natural de S. Martinho da Várzea, do Douro, termo de Bemviver, comarca do Porto.

Segundo Felg. Gayo (cit. Nob. T. 23, pag. 68 foi senhor da quinta do Bairro e casou em Aveiro com aquela D. Luísa, da Vila da Feira, irmã da mulher do Morgado do Seixal e de sua mulher D. Maria Camelo, concluindo-se, assim, que este Morgado era o falado António José Saraiva de Castelo Branco, casado com a D. Micaela.

Era filha de Fernão Camelo da Silva ou Fernando Camelo de Miranda e de sua mulher D. Maria Camelo Ângela Pereira de Miranda.

Este Fernão era filho de Amaro da Silva Camelo (e de sua segunda mulher D. Margarida) que, por sua vez, era filha de Fernando Camelo de Miranda e de sua mulher D. Brites de Maceda.

Este Camelo de Miranda era filho de outro Fernão Camelo de Miranda, senhor de Vilar do Paraíso e da casa de seu pai e de sua mulher D. Maria Fonseca Pinto (outros dizem que foi casado com D. Maria Pinto, filha de Aires Pinto da Fonseca e de sua parente D. Maria Vaz Pinto) / 93 /

O Fernão Camelo era filho de Aires de Miranda e de sua mulher D. Joana Camelo, filha de Nuno Camelo, senhor de Vilar do Paraíso.

Este Aires, por sua vez, era filho de Fernão Pinto de Miranda e de sua mulher D. Antónia da Silva.

Fernão Finto de Miranda era filho de Diogo Pinto e de sua mulher D. Mécia, filha de Vasco Pereira, senhor de Fermedo e de sua mulher D. Isabel de Miranda «com a qual levou em dote a q.ta de Villar Mayor».

Esta genealogia, que extrato do citado trabalho de Felg. Gayo, está subordinada ao título «Srs. de Travanca e Vilar Mayor (T. 23 e 30, pag. 64 e 65).

(Ver meu citado estudo – Quatro séculos de história..., pag. 121 e seguintes).

Sobre a ascendência de Diogo Pinto reproduzo o que disse naquele estudo a pag. 123 «Uns entendem que este Diogo era filho de Gonçalo Vaz Pinto, filho de Ayres Pinto (a quem alguns também chamavam Rui Vaz Pinto) e de sua mulher D. Melisa ou Catarina de Melo e outros que era filho de um filho daquele Gonçalo, também chamado Gonçalo Vaz Pinto – questão que tem menos importância visto ambos pertencerem ao mesmo tronco – descendentes de Aires Pinto e de sua mulher D. Guiomar de Castro, que eram os pais daquele Gonçalo a que também chamavam Ruy (Felg. Gayo – cit. ob T. XXIII, pag. 42 e 161 §245 – Pintos da Terra da Feira – afirma que é erro chamar-se ao dito Gonçalo Vaz Pinto – Ruy Vaz Pinto»).

«O mesmo autor (cit. ob e T., pag. 64 § 30) perante estas duas hipóteses, inclina-se para a de Diogo Pinto ser filho de Gonçalo Vaz Pinto (a quem chamavam Ruy e não do outro Gonçalo Vaz Pinto, filho deste).

Carta genealógica de Francisco António Camelo Falcão Pinto Pereira da Silva... Clicar para ampliar.
Carta genealógica de Francisco António Camelo Falcão Pinto Pereira da Silva e de Fernando José Camelo Pinto Pereira da Silva.

Nisto é apoiado pelo Ab.e de Prozelha.»

Felg. Gayo ainda se abona no facto de o primeiro Gonçalo Vaz Pinto, n.º 8 do dito § 1.º, se ter casado no ano de 1481 «tempo mais chegado ao em que floreceo o dt.º Gonçalo Vaz Pinto.

Pelo exposto e mais que arrazoei naquele estudo, entendo que o Diogo Pinto era filho de Gonçalo Vaz Pinto e de sua mulher D. Meliza (a quem também chamam Mécia), ou Catarina de Melo e, assim, o considero na carta genealógica que acompanha este trabalho.

Deste modo, Francisco António, que foi senhor da casa e quinta das Ribas, pertencia à família dos «Pintos», de onde são oriundos os da «Casa e Honra de Paramos», os da «Casa da Portela», de Paços de Brandão, os da «Casa de Vilar do Paraizo», a que pertenceu Lourenço Huete Bacelar de Sotto Maior, senhor, pelo casamento com D. Vitória de Lacerda Cardoso Botelho de Pinto Pereira, de uma das casas da Praça Velha e Duarte Pinto, senhor de outra casa da mesma Praça, como já disse, além dos da casa do «Outeiro de Travanca e de Villar Mayor, na terra da Feira (que se deve ler Vila Maior, deste concelho da Feira).

*

Francisco António, do casamento que contraiu com a D. Luísa, teve um filho:

Fernando José Camelo de Miranda Pinto Pereira da Silva, natural da já referida freguesia de S. Martinho da Várzea, do Douro, do concelho de Bemviver.

O padre Resende, no já citado livro «Monografia da Gafanha» (1.ª edição, pag. 52) afirma que ele atingiu a maioridade dos 25 anos, em 1755, tendo, assim, nascido em 1730.

Não obstante esta afirmação, o mesmo autor, no seu artigo «As Marinhas de Sal de Aveiro» (cit. Arq. vol. X – pag. 38) diz que «em documento de 1759 são os pais de Fernando José que figuram na administração de seus bens e vínculo».

Outrossim, no seu artigo «Aveiro e alguns dos seus homens no século XVIII» (cit. Arq. vol. XXI, pag. 223) diz que o Fernando José tinha 2 anos quando morreu o avô e, assim, teria nascido em 1734, o que se concilia com a afirmação feita em «As Marinhas de Sal de Aveiro», devendo ter-se como equívoco o que se referiu na «Monografia da Gafanha».

Atingida a maioridade dos 25 anos tomou conta da administração do mencionado vínculo instituido por seu avô materno – João Ferreira da Cruz, administração que manteve até à sua morte em 1792.

Felg. Gayo (cit. ob. T. 23, fls. 68) diz que Fernando José, a quem chama «Fernão José Camelo, foi «capitão de cavalos na côrte de que Ihe derão baixa por desordens».

Teve carta de familiar do Santo Ofício, que lhe foi concedida em 20 de Abril de 1773 (m. 3 n.º 125 – cit. Arq. Vol. XXX, pag. 77 – «Familiares do Santo Ofício, por Dr. Hugo Pires de Lima) e foi moço fidalgo da Casa Real.

Casou com D. Maria Eufrásia Soares de Albergaria Pereira, natural da freguesia de Oliveira do Conde, Carregal do Sal, bispado de Viseu, filha de Manuel Soares de Albergaria Pereira, mestre de campo de auxiliares da comarca da Guarda, cavaleiro professo da Ordem de Cristo e fidalgo cavaleiro da Casa de Sua Majestade e de D. Maria Tomazia de Sequeira Guedes Queirós, naturais da referida freguesia de Oliveira do Conde, onde moravam, neta paterna de Francisco Soares de Albergaria Pereira, que também / 94 / foi mestre de campo de auxiliares da comarca da Guarda, cavaleiro professo da Ordem de Cristo e fidalgo cavaleiro da Casa Real e de D. Ângela Pereira de Miranda, da Vila de Midões e materna de Manuel Guedes de Sequeira Queirós e de sua mulher D. Florência Guedes de Carvalho ou Florência Josefa de Carvalho, da quinta de Santiago, freguesia de Vila Marim, bispado do Porto.

D. Maria Eufrásia era irmã de Francisco Soares de Albergaria Pereira, fidalgo da casa de Sua Majestade, cavaleiro professo da Ordem de Cristo e mestre de campo de infantaria auxiliar da cidade da Guarda e familiar do Santo Ofício, casado com D. Maria Casimira Inácia Pequeno Chaves Lemos Roxes e Menezes, natural da freguesia de Requeixo, bispado de Coimbra, moradores em Aveiro.

Este Francisco Soares de Albergaria Pereira foi dono da capela de S. Miguel e sua casa, no lugar de Fijô, como oportunamente será referido.

Da mencionada carta de familiar consta, apesar de não se verificar, com certeza, a naturalidade «da Avo materna do habilitando, que se diz ser desta cidade e freguesia de Alfama» que «ha boa informação de sua puresa no lugar de domicilios, e de todos os mais consta que forão cristãos velhos sem macula o Avô Paterno do habilitando Familiar do Santo Ofício e um irmão da mulher chamado Francisco Soares de Albergaria, com o qual posto que se recebesse, não consumou o matrimónio, e se acha a mesma hoje Religiosa no Convento de S. Bento do Porto; consta tambem que não fora mais vezes casado, e que tendo sido bem irregular o seu procedimento hoje se acha emendado tem porem dois filhos ilegítimos chamados Narciso José e Maria Barbosa, os quaes por suas Mais e Avos maternos são de limpo sangue e geração; tem o habilitando os mais requesitos necessarios na forma do Regimento para ser Familiar do St.º Ofício como pretende e para que o julgo habilitado: Lisboa 7 de Abril de 1773».

Em outro passo do mesmo processo consta que aquele Narciso teve por mãe Joana Teresa, filha de João Luís e de Maria da Encarnação, da freguesia de S. Miguel de Aveiro e a Maria Barbosa teve por mãe Joana Maria Rabaça, filha de Fernando Rodrigues e de Maria da Silva, da freguesia de S. Nicolau da Vila da Feira.

Colhi estas informações no extracto publicado no cito Arq. Vol. XXX, pag. 77 e numa cópia integral da respectiva carta de habilitação que consegui da Torre do Tombo, por gentileza do já referido Dr. Hugo Pires de Lima e ainda no livro de Paes de Melo «Soares de Albergaria», pag. 270 a 272.

Felg. Gaio, na cit. ob. e tom., diz que Fernando José Camelo morreu sem descendentes.

Este, no testamento com que faleceu, feito e aprovado em 14 de Maio de 1792 (cit. Arq. Vol. XI, pag. 21) declara, quando se refere a sua mulher, «por não termos sucessão», em vez de dizer «sem sucessão», o que convence que não quis excluir a sua sucessão ilegítima, cuja existência foi averiguada pelo Santo Ofício, quando passou a referida carta de familiar.

Por não ter deixado sucessão legítima, depois da sua morte, houve grande litígio para se averiguar a quem deviam caber os seus bens e designadamente o morgadio, em face da disposição daquele testamento em que instituiu, como seu universal herdeiro, «aquele ou aqueles dos meus parentes que se acharem mais próximos ao tempo da minha morte e que forem da parte de minha Mai».

O padre Resende, em «O Morgado da Vila da Feira (cit. Arq. Vol. XI, pag. 119) refere que corria em tradição que Fernando José, do seu casamento com D. Eufrázia, tivera dois filhos que, frequentando a alta sociedade de Lisboa, enamoraram-se de duas damas aparentadas com a família real do que resultou «procedimento repreensivel que chegou a ser escandaloso».

Acrescenta que o pai procurou «a deportação dos filhos que, pela justiça vindicativa paterna são compelidos a expiar em desterro africano os seus desregramentos morais».

Se isto se veirificou só pode dizer respeito à filiação ilegítima.

Por morte do Fernando José, como disse, habilitou-se, com êxito, à sua herança, João Lopes Ferreiro, filho de Teresa Maria Ferreiro de Lemos, que também usou os nomes de Teresa de Jesus Ferreira e de Teresa Maria de Jesus, que era filha de Manuel Fernandes de Lemos, irmão do João Ferreira da Cruz e, assim, prima co-irmã de D. Luísa, mãe do testador.

A D. Teresa Maria de Jesus já tinha falecido em 26 de Outubro de 1807, como se vê da escritura de aforamento feito pelo filho João Lopes Ferreira e mulher («Freguesia e concelho de IIhavo – Lugar da Coutada – padre Resende – cit. Arq. Vol. XIX, pag. 294).

Diz o mesmo autor em «O Morgado da Vila da Feira» que a D. Teresa Maria habilitou à herança seu filho João Lopes Teixeira que entrou na posse dela em 1807 – transferindo o seu domicílio de Casais (Maçãs de D. Maria) para a quinta do Camelo, no Vale-de-ÍIhavo, apesar de já ter triunfado no pleito em Novembro de 1797 (cit. Arq. Vol. X, pag. 239). / 95 /

O litígio estabeleceu-se com a já mencionada D. Francisca Josefa Ferreira que invocava, a seu favor, o direito que lhe conferia uma escritura de compra feita ao João Lopes Ferreira, do direito ao morgadio, o que tudo está referido e desenvolvido por aquele padre (Monografia da Gafanha – 2.ª edição, pag. 79).

Este padre Resende, no já aludido trabalho – «As Marinhas de Sal de Aveiro (cit. Arq. número 39 de 1944, pag. 242) arrola, do seguinte modo, os sucessivos morgados:

1.º Fernando José Camelo de Miranda Pinto.

2.º João Lopes Ferreira.

3.º D. Josefa Maria da Rosa.

4.º José Fernandes Teixeira.

Finaliza dizendo: «Com o falecimento deste em 1893 ficou extinto o vínculo que foi uma ligeira aparência do que tinha sido no tempo do 1.º Morgado».

O mesmo autor, porém, na «Monografia da Gafanha, 2.ª edição, pag. 22, impressa no mesmo ano de 1944, afirmou:

«Por falta de sucessão directa do instituído desapareceu com esta família o pouco duradouro morgadio» e mais adiante: «o segundo primo do Camelo (João Lopes Ferreira) e seu herdeiro que se desgastou em litígios não pôde unir na sua Casa os avultados bens dispersos pelas mãos dos seus detentores – morrendo o morgadio».

Nesta última passagem deve-se entender que o autor quis dizer, apenas, que o morgadio tinha morrido de facto, por estarem dispersos os bens em mão de outros, o que também se deve concluir por o padre Resende ter grifado a palavra morrendo.

Mas, da primeira passagem parece concluir-se que ele quis afirmar que, de direito, o morgadio se extinguiu com a morte do Fernando José sem descendência legítima.

Parece-me que aquele é o melhor ajuste ao pensamento do padre Resende, pois ele sempre afirmou que o morgadio se manteve durante o século passado.

Noto, porém, que o João Lopes Ferreira e sua mulher Teodora Maria da Rosa, na escritura esponsalícia, de 7 de Maio de 1809, de sua filha Josefa Maria Teodora da Rosa, então de 18 anos, com António Fernandes Teixeira, do lugar da Lomba, termo do chão do Couce, de 27 anos, filho de Manuel Fernandes e de sua mulher Maria Gaspar, dotaram a referida filha para melhor poderem sustentar os encargos do matrimónio com diversos bens constantes da mesma escritura, acrescentando: «e que outrosim em rasam da dotada futura noiva ser a primogenita das duas irmans e por isso lhe pertencer na forma da lei o Morgado de que ele dotante é administrador existente na cidade de Aveiro, querendo mais beneficiar a dotada desde já sede nela o juízo (?) e administração do dito vínculo de que poderá tomar posse cada vez que quiser, reservando ele dotante o usufruto para si dos primeiros seguintes sete anos e que nos restantes enquanto ele administrador for vivo será ela dotada obrigada a lhe prestar anualmente dos mesmos rendimentos para a sua congrua e sustentaçam metade do rendimento liquido do dito Morgado e uma vez que falte a anual prestação da dita metade então nesse cazo tornara ele desistente a apossar-se novamente da administração do dito Morgado concorrendo então a ela dotada com a sua metade do dito rendimento» (Freguesia e concelho de Ílhavo – Lugar do Coutado» – padre Resende, cit Arq. Vol. XIX, pag. 293).

O que não posso aceitar é que o vínculo se extinguisse em 1893 porque todos eles foram extintos por lei de 19 de Maio de 1863.

As leis de 3 de Agosto de 1770 e 30 de Julho de 1860 já consideravam extintos os morgadios e capelas de rendimento anual que julgaram insignificantes conforme os valores que, respectivamente, consideraram.

Por aquela lei de 30 de Julho de 1860 e está expresso no seu regulamento de 19 de Janeiro de 1861, foi ordenado o registo de todos os morgadios ou capelas nos Governos Civis dos distritos onde os bens estivessem situados, excepção feita ao apanágio do Príncipe Real sucessor à Coroa, constituído em bens da Casa de Bragança, pela carta patente de 27 de Outubro de 1645.

O prazo para se fazer o registo era de dois anos a contar daquela lei de 30 de Julho de 1860 e a sanção imposta pela falta de registo era a da abolição do respectivo morgadio ou capela.

Da Torre do Tombo não constam os processos referentes ao distrito de Aveiro, assim como os de outros distritos.

O Dr. Alfredo Pimenta, no seu trabalho «Vínculos Portugueses – Catálogo dos registos vinculares feitos, em obediência às prescrições da lei de 30 de Julho de 1860 e existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo – 1932» diz a pag. X «...Sei que em Aveiro se fizeram registos (Portaria de 28 de Setembro de 1861)... Mas na Torre do Tombo não existem os Processos».

É pena, pois seriam preciosos documentos para estudo.

Não obstante o que se deixou referido quanto à doação feita pelo João Lopes Ferreira, em 4 de Maio de 1816, na qualidade de «administrador do vínculo do / 96 / Camelo», ele mandou citar Manuel dos Santos Batel para pagamento de foros da Coutada (cit. artigo do padre Resende – Freguesia e Concelho de Ílhavo – Lugar da Coutada – cit. Arq. Vol. XIX, pag. 295).

Por sua vez, em 24 de Fevereiro do mesmo ano, apareceu o João Lopes Ferreira «como senhorio administrador do Morgado Camelo e sua mulher Teodora Maria de Rosa e o imediato sucessor do dito Morgado, António Fernandes Teixeira e sua mulher Josefa Maria «a fazerem uma escritura de emprazamento por 3 vidas a Jacinto Fernandes» (cit. Monografia da Gafanha – 2.ª edição – pags. 50 e 51).

O padre Resende, em carta que me enviou em 20 de Janeiro de 1939, informou que o avô, cerca de 1830-1860, ainda ia levar a Aveiro «ignora a quem», a esmola das 3 missas.

Em 24 de Abril de 1871 – Francisco Sousa M... pediu, em carta dirigida a meu avô, Dr. Joaquim Vaz, como Proprietário da capela com a invocação de N. S.ª de Monserrate, na vila da Feira, o pagamento das 3 missas anuais «desde 1840 a 1854», obrigação que meu avô repeliu, por carta de 27 desse mês e ano, por a ela se não achar obrigado.

Tudo se relata por dizer respeito ao morgadio, a que estava ligada a capela, que estudo, de N. Senhora de Monserrate.

(Continua no próximo número – >>>)

 

páginas 55 a 96

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