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N.º 6

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1968 

 

Quatro séculos de história

Vila da Feira - A Praça Velha

Por Roberto Vaz de Oliveira

Licenciado nas Faculdades de Direito e Letras - Secção de
Ciências Histórico-Geográficas da Universidade de Coimbra

 

CAPÍTULO II

 

1

OUTROS EDIFÍCIOS

A

Paços do Concelho

 

 

Muito pouco se tem escrito sobre o edifício dos Paços do Concelho, que forma a ala poente da Praça.

Penso que posso oferecer informações ainda não divulgadas sobre a sua origem. O edifício, embora muito remodelado posteriormente, deve ter sido construído nos meados do século XVI e já com o fim de prover, pelo menos, aos serviços administrativos e da cadeia. Penso que não é ousadia a minha tese, mas fica aberta à apreciação daqueles que se venham a interessar pela história deste edifício, que deve ser um dos mais antigos da Vila.

No precioso livro manuscrito de Huette Bacelar, já tão falado, diz-se a pág. 79:


Pedra com armas do Rei D. Miguel: na entrada nascente da ponte de Fijó.

 
 


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Pedra com armas do Rei D. Miguel: na entrada poente da ponte de Fijó.

«Achase mais nesta certidão, (1) a cópia da escritura de venda das cozas da Cadeya velha, feita em 7 de Janeiro de 1556 pelo T.am Ayres Ferr.ª da d.ª Villa, a qual venda fizerão Francisco João = Francisco Miguel – e Gonsalo Alves, Pedreyros, e suas mulheres, da cid.e do Porto, as quais fizerão Procurasões aos maridos, p.ª esta venda: E o comprador foi, João Alves, vendeiro, e sua m.er, da m.ma Villa; e os vendedores as ouverão por contrato que fizerão com os vereadores daquela vila em q.e se obrigarão os ditos Mestres a fazer a Casa do Conselho, cadeya da Villa, Paso dos Vereadores e Almotaseis, o que tudo fizerão, e por iso tiverão as ditas casas em pagamento: forão pelo preso de 13$250 = tem auto d'posse».

A antiga cadeia estava situada na face poente da actual praça do Dr. Oliveira Salazar, junto ao Rio Caster que lhe corria pelo poente, por onde hoje ainda corre, separando-a do chão que trazia Lopo Afonso – como se verifica do já citado foral dado por D. Manuel I à Feira e Terra de Santa Maria, em 10 de Fevereiro de 1514 (Arquivo do Distrito de Aveiro – Vol. 5, pág. 17 e 18).

Nele se diz – na parte respeitante aos «direitos particulares da Feira por ser cabeça da terra de Santo Maria» – «Mandamos fazer particular inquiriçam das ditas terras foreiras declarando as pessoas que os trazem e os foros que de cada humas se paga na maneira segujte. Primeiramente... Os chaãos da feira aa ponte detras as casas da cadeia traz Lopo affonso e outros / 55 / herdeiros. E de todallas sobreditas causas pagam de quatro huu de todallas novidades que nellas colhem sem pagarem outro foro».

No local assinalado existe, ainda, a aludida ponte sobre o Rio Caster, que foi alargada quando, em meados deste século, se procedeu a grandes obras de urbanização do local: esta ponte tem nas suas entradas, nascente e poente, pedras de armas do rei D. Miguel; a quando do referido alargamento uma terceira pedra de armas, também do mesmo rei, foi retirada da ponte e depositada, onde hoje está, na praça de armas do Castelo da Feira.

Aqueles chãos de Lopo Afonso correspondem, hoje, às terras lavradias pertencentes aos Condes de Fijô, marginando o dito rio para sul da mesma ponte e ainda nos títulos de reconhecimento de emprazamento à Casa do Infantado são designados por «Chãos da Feira à ponte» (reconhecimento de aforamento feito em 14 de Maio de 1755 por José Ribeiro e sua mulher Rosa da Trindade referente à Ribeira da Ponte fls. 166 a 169 do Tombo). Parece que as terras de Lopo Afonso incluíam, também, as Ribeiras para norte da ponte abrangendo as já referidas, que pertenceram à casa da Praça de Huette Bacelar.

O edifício construído por aqueles três pedreiros deve ter sido de vulto, não só pelas utilidades que lhes atribuíram, em qualidade e quantidade, mas ainda porque sendo evidente que outros operários dos mesmo mister devia haver, nesta vila, foi necessário ir buscá-los ao Porto e para esse fim porque, pelo que se infere do que diz Huette Bacelar, uma vez concluída a obra, venderam a casa da antiga cadeia que lhes fora cedida (por certo, por conta do preço) por não lhes interessar mais tal património nesta vila, em razão, de quererem regressar ao Porto.

Em abono desta tese informamos ainda:

a) – Como já dissemos, António Moreira de Vasconcelos e mulher Maria do Couto de Vasconcelos (5.os avós de D. Vitória de Lacerda) foram proprietários da correnteza de casas que faceava a Praça pelo lado norte (casa hoje de Francisco Plácido de Resende) na qual se incluía no seu topo poente (esquina da Praça com a antiga rua Direita – a Casa chamada da «Almotaçaria» «já devidamente estudada no Capítulo 1-2): a sua qualidade de proprietário permitiu-lhe dá-las de aforamento, o que denota estar então devoluta; como também já dissemos, ele viveu na segunda metade do século XVI, tendo-se procedido a inventário para partilha dos seus bens em 1609.

Pode-se por isso concluir que, em vida de António Moreira de Vasconcelos, a Casa da Almotaçaria já não se destinava ao serviço de Almotacés, embora através dos tempos mantivesse essa designação tradicional, o que, quanto a mim, confirma a tese apresentada de os respectivos serviços terem sido transferidos para o novo edifício construído pelos pedreiros – irmãos Gonçalves – isto é, pelos meados do século XVI.

Também demos conhecimento da transferência daquele domínio directo para os sucessores do António de Vasconcelos – até que em 1656 estes o venderam a Domingos Homem Soares: deste modo, até então, a casa foi destinada a habitação, e não a qualquer função administrativa. Para não nos repetirmos, chamamos a atenção ao que, a propósito, dissemos no Capítulo I (Casa do Norte) onde foi desenvolvida a evolução do senhorio desta casa. Para isso mesmo é que, transferidos os serviços para o novo edifício, se procedeu à sua alienação, por desnecessária, possibilitando, assim, a aquisição feita pelo Vasconcelos pois, enquanto lá estivessem os serviços de Almotaçaria, tal alienação não era praticável.

E bem se compreende a necessidade de transferência dos serviços da Almotaçaria, pois a casa onde ela estava instalada era de diminutas proporções: sala sobradada com duas janelas tendo da parte do sul, de nascente a poente, cinco varas e um quarto e pela parte do poente – do norte a sul – seis varas.

A partir de então sempre encontramos o edifício da actual Câmara designado como o da «Cadeia» denominação que ao tempo se atribuía aos edifícios / 56 / prisionais, mesmo que se destinassem a outros fins. Dantes designava-se só pelo nome de Cadeia, ou Cadeias, e já então se aplicava a várias funções da vida social e colectiva» como diz o Padre Rodrigues Vieira no seu trabalho «Farrapos de Memória e de História lI» (Arquivo do Distrito de Aveiro, Vol. 4.º, pág. 301) referindo-se a edifícios de Paços de Concelho;


Paços do Concelho: antiga fachada

b) – Em 1613, de certeza, a cadeia já estava instalada no actual edifício da Câmara porque, como dissemos no Capítulo I (Casa do Poente – A). aquando da compra da casa que lhe ficava imediatamente para norte (que foi de D. Vitória de Lacerda) pelo filho daquele António Moreira de Vasconcelos de nome Diogo Moreira de Vasconcelos, foi dito, na respectiva escritura, de 27 de Janeiro desse ano, que elas «partem com a Cadeya») – o que foi repetido nas escrituras de 20 de Junho de 1615 – «Casas pegadas á Cadeya», outro tanto sucedendo com a casa que se lhe sucedia imediatamente para o Sul, pois da compra dessas casas, feitas por Manuel Lobato Pinto a Branca de Miranda, por escritura de 12 de Agosto de 1647, consta que eram «pegadas à cadeya da Feira».

Do confronto destas escrituras, uma vez sabida a exacta localização das referidas casas – que se sucediam imediata e respectivamente, para norte e sul dos Paços do Concelho pode-se concluir, sem dúvida, que naquelas datas este edifício ocupava já toda a frente que hoje o forma.

E, assim, encontramos uma sequência desde o meado do século XVI ao meado do século XVII.

A partir de então continuamos a ver continuada referência à Cadeia, como instalada nesse edifício até que de lá foi transferida para o edifício do extinto Convento dos Loios em 1 de Janeiro de 1908 e, associada à designação de Cadeia, vamos encontrando referências à instalação, no mesmo edifício, dos serviços da Câmara Municipal e Tribunal – até que este também foi transferido, para o edifício do mesmo Convento, em Janeiro de 1878.

 

Paços do Concelho: brasão com as armas do Rei D. José I, que encimava o portal da entrada do curral do concelho.

O actual edifício dos Paços do Concelho, como ficou referido, destinou-se, desde o meado do século XVI, à cadeia e aos serviços da administração municipal e, não sei desde quando, ao dos judiciais.

É difícil acompanhar a evolução da estrutura do edifício dos Paços do Concelho e de todas as suas utilidades desde a sua primitiva construção no meado do século XVI – tendo que se admitir que tivesse sofrido grande remodelação no século XVIII porque assim o indica a sua arquitectura – que perdurou até hoje – bem característica daquele século.

Quanto ao sucedido desde o século passado até o presente, podemos dar informações concretas.

A Câmara Municipal, em sua sessão de 8 de Outubro de 1834, deliberou oficiar à Prefeitura solicitando «autorização para ser transferido a administração municipal e judiciária para o edifício da Colegiada do Espírito Santo dos extintos Padres de S. Evangelista desta Villa e aplicar o Castelo e casas delle para cadeia segundo as disposições do § 2.º do artigo 145 da Carta Constitucional pois que nesta Villa não há edifícios com a capacidade e circunstâncias necessárias para aqueles dois estabelecimentos».

Nessa sessão descreveram-se «as casas do concelho» como sendo «metade prisões apertadíssimas donde tem fugido os presos imensas vezes fazendo arrombamento até nas paredes e metade mista com a outra, uma sala que é da Câmara e uma loja que serve de Casa de Audiência, de sorte que todo este edifício apenas servirá para a cadeia de mulheres segundo o novo sistema».

Em sessão de 8 de Novembro do mesmo ano, a Câmara tomou conhecimento, por intermédio da sub-perfeitura da comarca, que o governo, pelo Tribunal do Tesouro Público, lhe concedera o extinto Convento dos Padres Loios, desta vila, para nele se estabelecerem as Repartições Judiciais e Administrativas conforme por ela foi solicitado, o que teve lugar por portaria de 13 de Setembro do mesmo ano.

Em sessão de 29 de Abril de 1835, e em resposta a um questionário feito pela Prefeitura do Douro de 21 desse mês e dirigida ao Provedor do concelho sobre a existência de Conventos neste concelho, a Câmara deliberou informar que nele apenas existia o que fora dos Padres Loios, na Vila e que este apenas possuía de bens rústicos a cerca em ponto pequeno e a quinta de mato no lugar de Arrifaninha assaz extensa e que destes bens e edifícios não constava que houvesse pretensão e que só a Câmara passada tinha pedido ao governo a Casa do Convento para ali se estabelecerem as Repartições Judiciais e Administrativas, o que lhe tinha sido concedido, mas como o edifício demandava grandes despesas para o seu arranjo e conservação e a Câmara não tinha meios alguns para as poder sustentar, desde logo cedia desse benefício para evitar a ruína daquele edifício, que mais prontamente podia ser reparado dando o Governo providências a esse respeito.


Paços do Concelho: antiga fachada. Em dia da festa da Fogaceiras.

Em sessão de 29 de Outubro do mesmo ano, a Câmara tomou conhecimento da requisição feita pelo Juiz de Direito e do Delegado do Procurador Régio da sala de sessões da Câmara para as audiências gerais e do pedido das seguintes obras necessárias para esse fim: «uma grade que separe a parte da salla que há-de ficar para os espectadores d'aquela onde se hão-de arranjar os empregados, com uma porta de comunicação entre esta salla e o actual atrelino da Câmara, para onde se deverão situar os jurados para as suas deliberações: em dois bancos, que possam ser / 57 / vir para assentos de 12 jurados colocados ao lado esquerdo do Juiz de Direito; mais d'esse mesmo lado um pequeno banco para assento de dois oficiais de diligências, mais à direita do mesmo Juiz dois bancos para assento das partes e testemunhas e d'esse mesmo lado uma cadeira e uma pequena mesa para o Delegado, fazendo-se no meio do tôpo da salla um taburno (‘degrau’) algum tanto elevado de sete palmos quadrados, onde se deve colocar uma cadeira e uma pequena mesa para o Juiz, e igualmente se devia pôr imediatamente ao taburno, onde ficava o mesmo Juiz, uma mesa com amplitude suficiente para os três escrivães e contador e além d'isso mais um banco que deveria ser colocado ao correr da grade pela parte de dentro para assento dos advogados e mesa respectiva».

A Câmara deliberou que se fizesse, de novo, «tão somente os arranjos absolutamente indispensáveis, aproveitando quanto fosse possível os trastes que haviam nesta casa e aposentadoria (2) ainda que não fossem os mais bem proporcionados para o objecto, visto a escassez dos meios e ser isto uma medida provisória e sem que por esta permissão se entenda privar-se esta Câmara do uso da mesma sala para as suas sessões nos dias em que não houvessem audiências».

A análise de todo este descritivo, que se reproduziu em todo o pormenor constante dos seus respectivos textos, leva-nos a algumas reflexões, sendo oportuno apreciar o que o já referido Alberto Pimentel nos diz a fls. 199 do seu livro «A guerrilha de Frei Simão», escrito em 1895 e em que é focada a figura / 58 / daquele frade da ordem de S. Bernardo, de nome Simão de Vasconcelos (o frade da casa do Outeiro, da freguesia de Cesar, concelho de Oliveira de Azeméis) que em 1829 foi preso e recolhido à cadeia da Vila da Feira – «A cadeia da Vila da Feira subsiste ainda hoje tal como era no tempo em que aí esteve o preso frei Simão de Vasconcelos.

Fica na Praça a meio da qual se levantava então o pelourinho, agora substituído pelo chafariz, que pertencera ao Convento dos Loios. A cadeia, certamente construída no século passado, é um casarão de dois andares, não contando as janelas laterais à dupla escada de pedra, que dá acesso ao edifício. Em cada andar, quatro janelas por banda, gradeadas de ferro. O último tem a meio o sino, e nivela-se com o prédio contíguo, de que era então proprietário o irmão do Conde das Antas (anota Pimentel = Este prédio pertence hoje ao Sr. Conselheiro Francisco de Castro Matoso Pereira Corte Real). A célula que frei Simão ocupou era a do último andar, encostado ao prédio vizinho. Tinha, como as outras, um forte tecto de castanho e sólidas paredes».

Se em verdade o edifício, em 1829, tinha a estrutura que mantinha em 1895, tinha na sua frente uma dupla escada lateral que dava acesso ao primeiro andar – a meio do seu comprimento – nascente-poente como ainda era na segunda década deste século quando, infelizmente, a Administração municipal mandou demolir aquela dupla escadaria. A meio da frente do edifício, e por baixo do patamar que reunia os dois lanços das escadas, havia uma porta que dava acesso aos baixos do rés-do-chão do edifício, que servia de curral do Concelho, o que deixou marca indelével no edifício com a perniciosa acção do salitre: estava encimada por um brasão com as armas de D. José, que hoje se encontra recolhido na Praça de armas do Castelo.

No primeiro andar, de um lado estavam os serviços municipais e de outro os judiciais; no segundo estava a cadeia das mulheres e dos homens.

O sino referido por Alberto Pimentel, mencionado nas actas da sessão da Câmara de 22 de Maio de 1848 e de 19 de Dezembro de 1849, para efeitos da sua reparação, manteve-se no lugar assinalado por aquele escritor até que a Câmara Municipal mandou fazer, nos Paços do Concelho, as aludidas obras o que mais adiante será referido. Antes destas obras ele destinava-se a chamar a vereação da Câmara para as suas reuniões. Este sino está colocado, hoje, na parte cimeira da Casa-Escola Quartel dos Bombeiros Voluntários desta Vila, sita na Rua do Dr. Eduardo Vaz e nele estão gravados os seguintes dizeres: xxx 1830 xxx IHS / 59 / xxx Maria xxx IOZE xxx. Tem a altura de 0.49 e de diâmetro, na sua boca, 0.495.

Como dissemos, os serviços municipais deviam estar instalados no edifício desde o meado do século XVI. Os judiciais foram instalados em período que ainda se não pode determinar: como dissemos, consta da referida acta da sessão de 8 de Outubro de 1834 que, nesta época, eles estavam instalados no mesmo edifício, numa sala que serviu de loja possivelmente onde se faziam, entre outras arrecadações, a dos cereais provenientes dos foros do concelho.

No descritivo de Alberto Pimentel há equívocos, porque a Câmara, em 1895, tinha na sua fachada e em cada andar apenas 7 varandas, e não 8, sendo três para o lado sul e quatro para o lado norte, como ainda hoje se mantém. Penso que já assim seria em 1829, pois não encontrei nas actas da Câmara Municipal, referência a obras que tivessem ocasionado a alteração.

Verifiquei através de fotografias que, além daquelas sacadas do 1.º e 2.º andar existiam, ainda, na fachada principal: nos baixos duas janelas e uma porta que deitavam para o lanço sul das escadas; e uma janela e outra porta no topo norte que já abria para a Praça, onde começava o lanço norte da escadaria de acesso ao primeiro andar, que dava entrada para o compartimento onde estava instalada a Conservatória do Registo Predial, conforme é referido no ofício da Câmara de 28 de Janeiro de 1876 que adiante merecerá referência. Como aí se diz que esta Repartição estava nos baixos do Tribunal, podemos concluir que este estava instalado na ala norte do primeiro andar do edifício, aquele que comportava as quatro janelas.

Pinho Leal o confirma no seu livro «Portugal Antigo e Moderno», Vol 3.º, pág. 157, dizendo que o chafariz se situava em frente do tribunal e, em verdade, ele estava e está fronteiro à parte norte da fachada do edifício. No primeiro andar tinha, ao centro, três portais, um dos quais, o do sul, em carta época, estava em plano superior às escadas e, por isso, sem acesso para o exterior, o que em fotografias posteriores já se não verifica, convencendo que o patamar cimeiro das escadas foi alargado para dar acesso a todas aquelas portas centrais.

No segundo andar havia, como se disse, ao centro, um sino ladeado de duas varandas e a parte reservada ao tribunal tinha uma clarabóia para o iluminar.

Em 7 e 22 de Agosto de 1861, 5 de Março de 1864 e 26 de Julho de 1873, a Câmara pagou consertos e envidraçamentos desta clarabóia.

Alberto Pimentel, não dá a certeza de o edifício ter sido construído no século XVIII: presume-o apenas.

Pinho Leal, no seu citado trabalho, afirma que a «casa do tribunal das audiências» «foi paço dos Condes da Feira».

Não compreendo que o prédio tivesse tido este destino, pois é bem sabido que os Condes viveram no Castelo, primeiro na sua Torre de Menagem e depois no edifício que existiu dentro das suas muralhas e junto aquela torre. Nem é de crer que eles vivessem fora dos muros do Castelo. Acresce que uma vez que tivessem sido proprietários do edifício da Cadeia, não é natural que o tivessem alienado, não constando, em qualquer tombo da Casa da Feira, que eu conheça, a inclusão do mesmo edifício nos bens daquela casa.

Não é provável que os Condes tivessem vivido num simples andar de limitadas proporções a que se sobrepunha outro destinado à cadeia que, como já dissemos, já lá estava instalada, de certeza, em 1613.

Por portaria de 22 de Setembro de 1836, com referência aquela de 13 de Setembro, «Mandou Sua Majestade a Rainha pela Secretaria do Estado dos Negócios da Fazenda, que o Administrador do Distrito do Porto faça entrega à disposição da Câmara Municipal e do Provedor do Concelho da Villa da Feira o Convento extinto dos Padres Loios sito na dita Villa, para alli se estabelecerem as Repartições Judiciais e administrativas do mesmo concelho», do que a Câmara tomou conhecimento em sessão de 5 de Outubro seguinte.

Em sessão de 15 de Fevereiro de 1837 a Câmara deliberou que se representasse a Sua Majestade, pelos Ministérios da Guerra e Fazenda, a confirmação da concessão que lhe fora feita do referido Convento dos Loios e, em sessão de 10 de Maio de 1837, deliberou que se fizesse, no Convento, a «Casa do Jury deste Julgado».

A situação, porém, não ficou assim suficientemente esclarecida, porque por portaria do Ministério da Fazenda de 19 de Junho do mesmo ano, de que a Câmara tomou conhecimento em sessão de 28 do mesmo mês, foi participado que a representação da Câmara sobre a sua confirmação na posse do extinto Convento dos Loios desta Vila e para que lhe fosse concedida a cerca do mesmo Convento, seria levado ao conhecimento das Cortes, com a relação dos bens, exceptuados de venda, das quais devia a Câmara esperar a decisão.

Em sessão de 17 de Março de 1841, a Câmara tomou conhecimento dum ofício da Administração Geral de Aveiro, determinando que ela declarasse, no mais breve termo, se assim ou não tornava efectiva a concessão do Convento e fazendo nela, de pronto, os consertos de que precisasse para evitar os prejuízos, que podiam seguir-se: a Câmara deliberou aceitar a concessão, para os fins anunciados, naquele ofício e, para o efeito, mandou que fosse incluída no orçamento a competente verba. / 60 /


Paços do Concelho: a sua fachada até à alteração feita em 1938-39.

Foi esta a decisão definitiva que proporcionou a posse da Câmara quanto ao edifício do antigo Convento dos Loios, tanto que, em sessão de 8 de Maio de 1843, a Câmara pôs em arrematação os consertos de que o Convento carecia, obras que estavam concluídas em Agosto seguinte como se vê da acta da sua sessão de 9 deste mês. Parece que em 1842 os serviços de administração municipal, instalados no edifício dos Paços do Concelho, não abrangiam os da secretaria, não só porque, em sessão de 12 de Dezembro de 1841, a Câmara ordenou o pagamento das obras na «casa da Secretaria desta Câmara», mas ainda porque, em sessão de 9 de Março daquele ano de 1842, a Câmara deliberou que se fizessem, na Casa da Câmara, «os reparos de que carecia, tanto pela ruína em que se achavão os pavimentos da salla das sessões e ante Câmara, janelas e grades da mesma, como pela indecencia das suas paredes, forros e mesa das mesmas sessões e tudo mais que se fazia indispensável para a dignidade da mesma Casa, desta Câmara», não se referindo a qualquer sala reservada à secretaria.

As obras deviam ter sido grandes não só pelo vulto da despesa feita, mas pelo tempo que levaram a fazer-se, pois só em 17 de Agosto do ano seguinte – 1845 – se completou o seu pagamento.

Em sessão de 4 de Outubro de 1843, a Câmara ordenou o pagamento de obras na enxovia e na Cadeia de Cima e «dobradiças para o curral do Concelho» primeira referência que encontrei ao referido curral que, como dissemos, ocupava o rés do chão do edifício da Câmara: voltei a encontrar outra referência a este curral em sessões de 20 de Dezembro de 1848, 9 de Janeiro de 1850, 28 de Dezembro de 1852 e de 16 de Agosto de 1855.

Naquela sessão de 20 de Dezembro de 1848, a Câmara autorizou o pagamento da despesa feita com «grades da Cadeia, varandas de ferro para as sacadas dos Paços do Concelho e portão de ferro para o curral do concelho»: estas varandas devem ser as que hoje ainda aí se conservam.

Em sessão de 17 de Agosto de 1842, a Câmara autorizou o pagamento de seis pirâmides «para as grades das sacadas da salla das sessões», e em 30 de Maio de 1852, o de seis lanternas para as janelas das «Casas desta Câmara» o que confirma que os serviços desta estavam instalados na parte sul – onde existiam apenas três janelas, em contraste com as quatro que ficavam para a parte norte, reservada aos serviços judiciais.

A confirmar esta localização atribuída aos serviços da Câmara e aos judiciais, ainda encontrei elementos em diversos pagamentos feitos pela Câmara, que constam do caderno B da sua escrituração diária e despesa.

Assim:

a) – Em 16 de Maio de 1863 pagou-se o custo da telha e cimento para cobrir «da parte do sul a casa dos Paços do Concelho».

b) – Em 30 de Abril de 1864, pagou-se o custo da obra «da Comunicação da Casa da Secretaria (que como se vê na alínea B que se segue, ficava imediatamente para sul do edifício dos Paços do Concelho) com os Paços do Concelho, e segurança da salla das sessões».

Quando for possível encontrar uma fotografia dos Paços do Concelho em que esteja nítida a situação da clarabóia que estava praticada na parte reservada ao tribunal, ficará inteiramente esclarecida qual a parte do edifício dos Paços do Concelho, reservada ao Tribunal –, mas desde já se esclarece que tendo este edifício janelas na face sul não parece que fosse necessário uma clarabóia para iluminar esta parte do mesmo edifício, ao contrário do que acontecia na sua parte norte que estava barrada pela casa que pertenceu ao Marechal Silva Pereira.

Em sessão de 20 de Maio de 1859, compareceu o Agente do Ministério Público dizendo que sendo muito necessário a feitura do novo tribunal em local mais apropriado «qual o do Convento» vinha, como já o fizeram em sessão anterior, pedir que a Câmara coadjuvasse nessa obra fornecendo o dinheiro preciso para ela ou tomando sobre si e mandá-la fazer hipotecando ele, Agente do Ministério Público, para o que pedira a competente autorização, o rendimento do Cofre das multas do Juízo da Comarca até ser completamente satisfeita a despesa que a Câmara fizesse com a obra do dito Tribunal. A Câmara aceitou a fazer a obra, «sem designação do seu princípio e fim» conforme os meios que com o andar do tempo fosse colhendo «uma vez que se hipotecasse com as formalidades legais os rendimentos do Cofre das multas do Juízo desta com arca até completa satisfação do dinheiro que abonar para a referida obra».

Em sessão de 10 de Junho de 1859, voltou a comparecer o Agente do Ministério Público e informou ter obtido autorização superior para a mudança da sala do Tribunal das Audiências – para o edifício do Convento aplicando a essa obra a quantia de 221 200 reis pelo Cofre das multas do Juízo, mas como a obra importava em muito mais, não podendo o Juízo suportar o seu custo, pediu à Câmara para coadjuvar na obra ou a tomasse por sua conta concorrendo aquele Cofre com tudo que lhe fosse possível uma vez conseguida a devida autorização. A Câmara aceitou essa última solução, mas, também, sem compromisso de tempo, pois carecia de meios para a realizar. O Agente do Ministério Público em face disto deliberou, porque / 61 / lhe constava que a Câmara pensava instalar, no Convento, um Hospital e porque não era possível continuar por mais tempo a fazer-se o serviço no Tribunal, no estado em que se encontrava «sem grave prejuízo e risco dos que frequentão aquela casa» dar começo a alguns melhoramentos «na actual casa em que se acha o Tribunal» ficando para ocasião mais oportuna obras de maior vulto ficando assim sem efeito a proposta que fizera.

Em sessão de 31 de Agosto de 1860, compareceu o Delegado do Procurador Régio nesta comarca, o Dr. Francisco de Castro Matoso e Silva Corte Real (já falado como proprietário que foi de uma das casas da Praça – a do poente) para reduzir a escrito, como se reduziu, um contrato pelo qual a Câmara, uma vez que o Tribunal não se podia instalar no Convento se comprometia a «reparar e preparar no que respeita a paredes, soalhos e tectos e portas e pinturas o Tribunal Judicial d'esta Villa, que já está nos mesmos Paços do Concelho com todas as comodidades necessárias para a boa administração de justiça» obrigando-se, ele Delegado, por sua vez, a entregar à Câmara, pelo cofre das multas do Juízo, a quantia de duzentos e vinte e um mil e duzentos reis e satisfeita que seja esta quantia hipoteca, na forma de autorização, que recebeo para esse fim, as sobras das multas do Juízo que ficarem depois de deduzidas as despesas ordinárias do mesmo Juízo».

Deste modo pôde o Tribunal manter-se em funcionamento, ainda durante muitos anos, no edifício dos Paços do Concelho.

Mais tarde, em sessão de 3 de Novembro de 1864, a Câmara aprovou uma solicitação feita pelo Juiz para que ela pagasse a quantia de 150$000 reis de despesa com o decoramento e mobílias do Tribunal Judicial, abono de que seria reembolsada pelo imposto de multas do Juízo.

Para melhor esclarecimento se transcreve, e na parte que interessa directamente a este trabalho, o ofício que a Câmara, em 28 de Janeiro de 1876, enviou ao Governador Civil:

«Ficaram as cousas n'estes termos, até que um dos Vereadores da Câmara a que tenho a honra de presidir, propoz na Sessão de 6 do corrente mez, que se estudassem e se fizessem os melhoramentos necessários no Tribunal Judicial, que se achava em pessimas circunstancias, sem ter salla decente para deliberação de jurados, casa para recolher testemunhas, e sallão conveniente para audiências; e a Câmara deliberando nomeou uma Comissão d'entre si para dar o seu parecer. Em sessão de 15 do corrente, a Comissão foi de parecer que não podendo fazer-se melhoramento util na casa actual do Tribunal, havendo falta de acomodações para as Repartições da Conservatória, Administração do Concelho, e Repartição da Fazenda, visto que a casa destinada a esta se inutilizou com o aparecimento d'uns insectos, que tem destruído os papéis, e attendendo a que o edifício do Convento está concedido à Câmara para este fim, era de parecer, que se encarregasse já o Sr. João José Godinho Júnior de levantar uma planta d'este edifício, com os melhoramentos necessários para a acomodação de todas as Repartições, fiscal, administrativa e da Comarca, e aposentos comodos, sem grandeza, mas os bastantes para a habitação do Parocho, encarregando o Presidente para providenciar, que o Parocho, que por licença e favor da Câmara ali reside, franqueasse a parte que habita ao competente estudo, como tudo se vê da copia das actas, que vão sob o n.º 4. Há muito, que era geralmente reclamada a deliberação que a Camara agora tomou; todos os Juizes e Delegados, incluindo os actuaes, teem feito sentir as más condições do Tribunal e a necessidade ou de o transferir para o Convento, ou de fazer um novo edifício, porque o actual não se presta a melhoramentos. Todos os que como jurados ou testemunhas teem de comparecer no Tribunal, mal-dizem a sorte que os levou a estarem fechados horas e dias inteiros em uma casa sem luz nem ar, e infecta pelas exhalações das latrinas da cadeia, que lhe ficam inferiores. Além disto a casa, onde esteve a Conservatória, nos baixos do Tribunal é de tão más condições que o Conservador teve de a abandonar, e por não ter a Câmara casa para lhe dar para esse fim, aquele Funcionário via-se obrigado a transferir a repartição para sua casa. Das duas casas que no pavimento inferior do Convento eram ocupadas uma pela Repartição da Fazenda, e a outra pela Administração do Concelho, inutilizou-se a primeira, como V. Ex.ª ha muito sabe, e eu há pouco também disse, de forma que foi preciso para não tolher o serviço público, o passar a Repartição da Fazenda para Administração e mudar esta para o escritório da casa, onde o Administrador habita, tendo a Camara de pagar o aluguer d'este escriptorio, pois que nem na terra há escriptorio conveniente para tal fim. De tudo isto Ex.mo Sr. conclui-se que é urgente o aproveitar já, visto que as Câmaras transactas o não poderam fazer com o desenvolvimento preciso, a concessão feita pelo Governo à Câmara da Feira».

Durante o ano sucederam-se incidentes desagradáveis como o Pároco, Padre Manuel Gonçalves de Oliveira Aroso, que, como se disse, ocupava parte dos compartimentos do Convento – o que levou à intervenção do Governo e do Prelado da Diocese, Cardeal D. América até que a Câmara, no dia 18 de Dezembro desse ano, fez despejar o Pároco e ocupou os aposentos por ele utilizados, o que motivou uma crise grave que a Câmara conseguiu debelar mantendo-se, definitiva / 62 / e completamente, na posse de todo o edifício do Convento. Depois de realizadas as obras necessárias para a instalação do Tribunal e outras repartições públicas no edifício do Convento, a Câmara deliberou, em sessão de 31 de Dezembro de 1817, comunicar ao Juiz da Comarca que, findas as férias, ficariam à sua disposição naquele edifício, a sala do Tribunal, gabinete contíguo dos advogados, e os cómodos interiores com os seus compartimentos destinados a Gabinete do Juiz, Agente do Ministério Público, sala dos jurados e das testemunhas, bem como o gabinete dos empregados do Juiz, o que tudo se efectuou pelo que a Câmara pôde, a partir daí, utilizar as antigas instalações do Tribunal, para alargamento dos seus serviços administrativos e para a instalação de uma biblioteca popular municipal, conforme deliberação tomada em sessão de 31 de Dezembro de 1879, biblioteca que já estava a funcionar em 23 de Dezembro de 1880, como se verifica da acta da Câmara desse dia, em referência a uma visita à vila, do Governador Civil do Distrito e do respectivo Secretário Geral.

Entretanto, os altos do edifício continuavam a ser ocupados pelas cadeias. Muitos anos durou esta situação, com várias alternativas de orientação.

Em sessão de 12 de Agosto de 1876, a Câmara deliberou mandar construir uma cadeia e solicitou o envio do plano tipo que já comportava o sistema de prisão individual, mas o certo é que tal desejo não se efectuou, tendo a Câmara mandado proceder a grandes obras, na cadeia, em 1880.

Finalmente, e por força de deliberação tomada pela Câmara em 1907, a Cadeia foi transferida para o edifício do Convento, tendo-se procedido à mudança dos presos no dia 1 de Janeiro de 1908.

Quando se fez esta transferência a cadeia ocupava, ainda, os altos ou segundo andar do edifício, sendo para sul a dos homens e para norte a das mulheres.

Entre elas, ou seja na parte central do edifício correspondente ao local onde estava o sino, situava-se a casa do carcereiro. Em baixo, no início da mencionada escada dupla e para o lado norte, estavam implantadas as enxovias de mulheres e homens; nas fotografias da época vêem-se claramente as grades dessas enxovias. Tudo isto me foi referido pelo filho do carcereiro, de então, que vivia com seu pai e que, por sua vez, veio a ser e durante muitos anos, carcereiro da cadeia comarcã, de nome Aníbal Valente da Rocha, hoje aposentado. É conveniente lembrar que na acta da já mencionada sessão da Câmara Municipal de 4 de Outubro de 1843 se fala em obras na enxovia da cadeia.

No final da segunda década deste século a Câmara Municipal iniciou grandes reformas no edifício. Mandou demolir a escadaria exterior, substituindo-a por outra / 63 / que dava acesso às novas portadas que mandou fazer no rés do chão e mandou construir, no cimo do edifício – e na sua parte central um torreão de cimento armado encimado pelo aludido sino – obra esta que hoje se lamenta profundamente pelo que representou de mau gosto e de atentatório da estrutura do edifício que devia ter sido respeitada, sobretudo no tocante à interessante escadaria exterior.


Paços do Concelho: actual fachada.

No interior fizeram-se grandes demolições que mantiveram o edifício, na sua maior parte, sem condições de utilização apropriada. Quando, em Julho de 1937, fui nomeado Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal da Feira, o edifício dos Paços do Concelho estava, no seu interior, quase inteiramente inadaptável a qualquer serviço e, no exterior, apresentava-se como referimos. No edifício chamado da Secretaria funcionavam os respectivos serviços numa sala a todos os títulos reprovável tendo, contígua, uma sala reservada à presidência da Câmara que em breve se tornou inútil pelo desabamento de parte do tecto e outra destinada à tesouraria; nos baixos estavam instalados os serviços das execuções fiscais e das aferições e conferições.

Urgia pôr cobro a esta situação. Quando havia necessidade de fazer qualquer sessão solene, ou de prestar qualquer homenagem, era preciso recorrer à utilização da sala das audiências do Tribunal.

Por isso, a Câmara na impossibilidade de construir um edifício novo para Paços do Concelho, em sessão de 8 de Janeiro de 1937, deliberou mandar proceder às obras necessárias no existente, para a instalação dos serviços Administrativos e dos das Finanças, obras que se iniciaram em 1938 e estavam concluídas em 1940, tendo-se procedido à respectiva inauguração no dia 20 de Janeiro deste ano – consagrado às Festas das Fogaceiras (que nesse ano se revestiram de grande imponência por, a partir de então, terem sido reintegradas na sua tradicional forma e estilo e a expensas da Câmara como fora até 1910) dando-se, assim, início às festas dos Centenários no concelho da Feira. Nesse dia foi hasteada, na Câmara, pelo Governador Civil, Dr. José de Almeida Azevedo, a bandeira antiga do Município, que foi benzida pelo Bispo D. António de Castro Meireles.

Por força dessas obras procedeu-se, no exterior, à construção da escadaria, em pedra, de acesso e à construção de novos portões da entrada, à reforma da frente do edifício cobrindo o seu corpo central com cantaria, mandando demolir o inestético torreão que encimava o edifício e completando-se, na sua parte cimeira, um friso de pedra em toda a extensão da frontaria. No interior, foi lançada nova escadaria de acesso aos andares superiores (substituindo também a que aí havia de madeira) revestindo-se a mármore essa / 64 / escadaria, pavimentos e lambris e construindo-se, no rés do chão, as acomodações necessárias para a instalação dos serviços da repartição de Finanças e dos da Tesouraria da Fazenda Pública; no primeiro andar construíram-se, do lado sul, as salas para os serviços da Câmara e da presidência e, do lado norte, uma bela sala de reuniões que alcança a parte superior do edifício sendo, no seu cimo, percorrida, por três lados por uma interessante galeria, tudo com lambris e portais de castanho. No segundo andar construíram-se as salas Policiais e Técnicos.

Todas as referidas repartições foram inauguradas no mencionado dia 20 de Janeiro de 1940.

Em 1950 a Câmara Municipal, depois de ter sido consumido, por um incêndio, o prédio que lhe ficava imediatamente para sul (que fora do Marechal Silva Pereira), adquiriu a parte desse edifício, que estava encravado no dos Paços do Concelho, e integrou-o nele (esquina norte-poente) aumentando, assim, as suas instalações do rés do chão, onde instalou o gabinete do Chefe da Repartição de Finanças, e as do primeiro andar onde ficou instalado o gabinete do Chefe da Secretaria da Câmara e as do segundo andar, ampliando as dos serviços municipais.

Hoje, dado o desenvolvimento dos respectivos serviços, o edifício tornou-se muito acanhado, havendo urgente necessidade de mandar construir novo edifício que comporte os serviços da Câmara e os das Finanças.

B

Casa da Secretaria da Câmara

Esta casa, que pelo lado norte «confrontava com o edifício da Cadeia» (e ainda hoje confronta com os Paços do Concelho) foi vendida, por escritura de 12 de Agosto de 1647, lavrada pelo tabelião Aires Pinto Coelho por Branca de Miranda, viúva de Álvaro Coelho da Cunha, a Manuel Lobato Pinto (filho de Lucas Pinto e de Catarina Gramacho), que foi casado com Madalena Moreira, filha de António Moreira de Vasconcelos (5.º avô de D. Vitória de Lacerda) e irmã de Diogo Moreira de Vasconcelos, o Velho (4.º avô da mesma Vitória), como refere Huette Bacelar na cit. ob., pág. 81-v.º.


Casa denominada da «Secretaria da Câmara»: actual fachada.

«O q.e vendeo, foi huas cazas e Quintal, q.e estão pegadas à cadeya da Feyra, q.e partem do Sul, com Fernando de Andrade, do Norte com o Quintal de D. Maria (3) filha que foi de Diogo Moreyra e de D. Filipa de Matos, do nascente com a Rua pública, e na certidão de siza, dis qu.e são por baixo da Cadeya. Convierão na dita venda, Ayres Ferr.ª Coelho, e sua mulher Paula de Pinho, João Coelho de Miranda, e m.er Violante Caldeyra, filhos e noras, dela vendedora, a asinarão sedendo de tudo o q.e lhe tocase de legitima: foi pelo preso de 24$ = tem certidão de siza e auto de posse».

Huette lançou à margem a seguinte nota: «Parese as venderão depois, por q.e por baixo da cadeya não tenho nada».

Já anteriormente, e por escritura de 8 de Fevereiro de 1641, lavrada pelo mesmo tabelião, a mesma Branca de Miranda tinha vendido ao referido Manuel Lobato Pinto metade do «inxido» da mesma casa – «Escritura de venda que fez Branca de Miranda, viúva q.e ficou de Alvaro Coelho da Cunha, a Manoel Lobato Pinto, todos da Villa de Feira; da metade do Inxido, para a parte da nogr.ª q.e esta nas costas das cazas, em q. ela vive, e ametade do Quintal, para a parte do poente, q. é para onde esta a Nogueira, cuja terra ouve por erança da sua May, Antónia d'Miranda e q.e a vendia p.ª aviar seu filho João Coelho da Cunha, p.ª servir na Guerra de S. Mag.de e remir outras vexações».

A venda «foi pelo preço de = 4$750 reis = tem certidão de siza. E dis q.e tumava esta venda, sobre o seu terso, p.ª q. sempre fosse firme, e valioza». (Huette, cit. ob., pág. 81).

Esta parte do «Inxido» deve ter sido integrada na parte rústica da Casa da Praça que pertenceu à D. Vitória de Lacerda.

O referido Diogo Moreira de Vasconcelos, por sua vez, comprou a Manuel Freyre de Andrade (naturalmente neto do aludido Fernando de Andrade por linha varonil e filho de Manuel de Andrade) a casa que ficava imediatamente para sul daquela que foi de Branca de Miranda (hoje de Alberto Coimbra e sua mulher) por escritura de 29 de Maio de 1696 – lavrada pelo tabelião José Correia, da Feira.

«O q.e comprou, forão huas Cazas, com seu Quintal, e mais pertensas, tudo na ditta Vila da Feyra, q.e partem, do Nascente, com a Rua publica, e do sul com cazas e Quintal do Lecenciado José de Freitas, do norte e poente, com o mesmo comprador; farão pelo preço de 1.10$ = tem certidão de siza, são duas certidões, São Dizemos a D. Este dito Manuel Freyre, e seus Irmãos erão filhos q.e tinhão ficado, menores de 25 anos, de Manoel de Andrade Freire Pinto, e de sua m.er D. Antónia de Viveyros, moradores q.e forão em Alvarenga, e por lhe ficarem muitas dividas dos ditos seus Pais, quizerão vender estas Cazas, visto estarem tão longe e lhe fazerem despezas nos concertos, p.ª o q.e o Juiz dos orfãos, mandou ouvir o Tutor, e Curador, e tirou testemunhas, e posou depois sua Setença, ou carta de licença em 27 de Maio de 1696, de q. foi Escrivão Jacinto da Fonseca Pinto e assinada pelo Juiz dos Orfãos de Alvarenga, João Soares Mendes. E para se venderem, foram avaluadas por louvados, / 65 / como mandava a dita sentença, tem cuzida a Sen.ça ás próprias Procurações, do vendedor, em q.e esta dada autoridade do Tutor de menores.» (Huette Bacelar, cit. ob., pág. 82 e 82-v.).

Pela confrontação dada a este prédio, pelo lado norte, verifica-se que, em Maio de 1696, a casa que foi de Branca de Miranda pertencia ao referido Diogo Moreira de Vasconcelos, o Velho.

Não consegui identificar esta casa, que foi de Branca de Miranda, no Tombo da Casa da Feira, onde deve estar inscrita, como obrigada ao pagamento do imposto de portado, visto ter porta para a rua. Tendo em atenção que, o Tombo deste imposto, se reporta a 1754-1756 e a anotação feita por Huette Bacelar, atrás mencionada, é de crer que a mesma casa fosse vendida pelo Diogo Moreira de Vasconcelos, ou seus sucessores, entre 1696 e aquelas datas de 1754-1756, figurando no Tombo em nome do proprietário, cujo nome desconheço. Também não figura no Tombo dos aforamentos feito em 1707 por o prédio em causa não ser foreiro à Casa da Feira.

Na matriz provisória de 1854 está inscrito, sob o n.º 13, em nome de D. Ana Rita d'Assunpção e Sá como «morada de «Cazas com lojas e 1.º andar com quintal, sitas na Rua».

Por escritura de 8 de Novembro de 1861, perante o escrivão da Câmara Municipal, celebrou-se o contrato de troca entre a mesma Câmara e José Maria de Campos e mulher Inês Augusta da Fonseca, moradores no lugar do Rocio, da Vila da Feira, pelo qual aquela recebeu destes a referida casa e quintal «propriedade de casa e quintal de que os segundos outorgantes, José Maria de Campos e mulher, são senhores junto aos Paços do Concelho, que confrontam do nascente com a Rua publica, do poente com José Joaquim da Silva Pereira, do Norte com os Paços do Concelho e do sul com Francisco José de Oliveira, de natureza enfitêutica, foreiras ao segundo outorgante Domingos José Godinho com o foro anual de dezanove mil e duzentos reis, domínio de vinte e um, lutuosa quatro centos e oitenta reis, como consta da escritura de prazo de dezassete de Agosto de mil setencentos e setenta e quatro, nas notas de José Pinto Pereira da Silva, tabelião que foi nesta Villa da Feira» e deu em troca o seu prédio, sito na Rua da Villa junto à ponte, conhecido pelo da Aposentadoria, que confrontava do nascente com o Dr. Vicente de Paula Correia de Sá e Moura, do norte com António da Silva Couto, do sul com o rio e do poente com a rua pública» o que tudo foi feito dando àqueles Francisco José de Oliveira e mulher, à Câmara Municipal, 150000$000 reis de maior valor, entregando o seu prédio livre do foro que passou a ser encargo da casa da Aposentadoria, como concordou o senhorio directo dito Domingos José Godinho. / 66 /

Houve prévia oposição por parte de António da Silva Couto com o fundamento de aquele contrato ser lesivo para a Câmara, visto ele oferecer, à Câmara, 1 000$000 pela casa da Aposentadoria.

Esta oposição foi indeferida pelo Conselho do Distrito por acórdão de 1 de Outubro de 1861 com diversos fundamentos já aduzidos pela Câmara Municipal quando desatendeu a reclamação, entre os quais avultava a necessidade que tinha do prédio que adquiria não só para instalação da Secretaria da Câmara Municipal, que estava instalada em salas da Casa de Aposentadoria, mas ainda para alargamento da rua e ainda para regularizar a situação criada pela abertura de janelas no prédio da Câmara Municipal sobre o quintal da dita casa que pretendia adquirir ao José Maria de Campos evitando, assim, o pagamento do preço da expropriação da servidão daí resultante.

No mencionado contrato de troca, ficou expresso que este José Maria respeitaria os arrendamentos dos baixos da Casa da Aposentadoria até ao S. Miguel seguinte e que consentiria na manutenção, aí, da Secretaria da Câmara, para lá se conservarem os livros e papéis da mesma Secretaria até ao dia 1 de Fevereiro de 1862.

Em sessão de 17 de Outubro de 1862, a Câmara deliberou que a Secretaria da Câmara ficasse interinamente, na casa do escrivão, até que a «nova casa em construção esteja concluída» isto em virtude de uma petição feita pelo mesmo escrivão com fundamento de, na casa de Aposentadoria, não haver comodidade precisa poro continuar aí a Secretario, pois «apenas ahi há uma pequena salla para guardar os papeis».

Em Maio de 1863 já a casa devia estar construída, pois, em sessão da Câmara de 11 desse mês, esta previa, para o orçamento de 1863-64, a compra de alguma mobília para a casa da Secretaria que «para esse fim se construiu». A referida casa destinou-se à Secretaria e Arquivo da Câmara.

Mais tarde, e em sessão de 6 de Julho de 1864, a Câmara, atendendo à conveniência de alinhar a rua Direita da Vila «alargando-a junto à nova casa da Secretaria da Câmara, aonde é muito estreita e mesmo para desembaraçar a mesma casa da Secretaria», deliberou expropriar a frontaria da casa de Francisco José de Oliveira, isto é, a que sucedia imediatamente para sul da Casa da Secretaria: esta expropriação tornou-se, por certo, necessária, atendendo ao referido recuo desta casa, quando foi reconstruída, para alargamento da rua. Esta expropriação foi autorizada pelo Conselho do Distrito, em sessão de 8 do mês, ficando o presidente autorizado a fazê-la, amigavelmente, pela quantia de 500 000 reis.

Este prédio de Francisco José de Oliveira devia ter pertencido a Manuel Alves Correia Pais e, depois, à sua viúva de nome Maria Francisco e isto porque na matriz provisória de 1854 é-lhes atribuído, com o n.º 12, a propriedade de uma casa com lojas e 1.º andar e quintal, na Rua, antecedendo, a inscrição desse prédio, à da referida D. Ana Rita de Assunção e sucedendo, por sua vez, à que pertenceu a Bernardo José Antunes Vieira (depois de António Luís Dias Gomes) n.º 11 que se seguia à da D. Eufrásia Pedrosa (viúva) – casa brasonada que ainda aí se encontra e, assim, e tendo em atenção a actual situação – pode-se encontrar a seguinte sucessão de casas, do sul para norte: casa de D. Eufrásia Pedrosa (a brasonada) n.º 10; Bernardo José Antunes Vieira (que hoje está incorporado na de Alberto Coimbra e pertenceu a Abel da Moto Gomes) n.º 11; Manuel Alves Correia Pais e depois de sua viúva (casa hoje de Alberto Coimbra) n.º 12 e D. Ana Rita da Assunção e Sá (casa chamada da Secretaria da Câmara), n.º 13.

Acresce que o Francisco José de Oliveira arrematou, em 1858, a casa que o Manuel Alves Correia Pais, ou sua viúva, tinha em Rolaens e, por certo, veio também a comprar mais tarde, e antes de 1861, a referido casa hoje de Alberto Coimbra que confinava, imediatamente para sul, com a casa da Secretaria do Câmara Municipal. Esta casa, que ainda hoje existe, fronteira em parte, para a Praça Velha e, em parte, para a rua Direita (hoje do Dr. Roberto Alves), foi destinada, através dos anos, a receber diversos serviços da Câmara Municipal e durante o longo período em que o edifício da Câmara esteve em obras, destinou-se, no seu acanhado espaço, a todos os serviços do Câmara; nela estava também instalada a presidência da Câmara e nela se faziam as suas sessões, tendo, nos baixos, os serviços de aferição e conferição.

Em 1939 sofreu grandes reparações de modo a, em 21 de Janeiro de 1940, ser possível inaugurar-se lá o museu e biblioteca municipais que foram criados em sessão de 5 de Fevereiro de 1938, sendo encarregado da sua organização o Dr. Henrique Vaz Ferreira que, depois dela instalado, passou a ser o seu Director, instalando-se, nos seus baixos, os serviços de aferição e conferição e os das execuções camarárias; posteriormente, no primeiro andar e contíguo àquele museu, instalaram-se os de saúde e técnicos.

O edifício que ainda confina, pelo lado norte, com o dos Paços do Concelho, ao qual tem acesso pelo pátio, situado na sua parte poente, é pequeno e modesto tendo, na parede do frontaria e acima do porta da entrada, as armas nacionais do tempo do Monarquia. Após a queda deste regime a coroa que a encimava foi destacada do seu escudo e retirada, tendo sido reposta no seu lugar por deliberação da Câmara Municipal de 22 de Julho de 1939. / 67 /

Pelo exposto, temos que corrigir a afirmação feita por Pinho Leal (Portugal Antigo e Moderno, Vol. 3.º, pág. 157) de que esta parte da Câmara foi feita em 1860, porquanto a Câmara adquiriu o prédio por escritura de 8 de Novembro de 1861: demolida a casa, completou-se a sua reconstrução entre Novembro de 1862 e Maio de 1863.

Pinho Leal, na citada obra (1874) diz, que nos baixos daquela «bonita casa» estava montada uma pequena tipografia, para impressão dos papéis da Câmara e das outras repartições do Concelho. Há equívoco, porque a tipografia funcionava nos baixos do edifício dos Paços do Concelho.

Em sessão de 8 de Janeiro de 1876, a Câmara tomou conhecimento das notáveis propostas apresentadas pelo Dr. Joaquim Vaz de Oliveira, que havia tomado posse em 2 desse mês e ano de Vice-Presidente «no interesse da educação literária e moral, de saude publica, de moralidade, de civilização em geral do progresso d'este Concelho» que visaram pôr termo à desmoralização dos serviços e dar início a novos recursos da administração municipal, o que tudo mereceu a aprovação da Câmara.

Entre elas (XIII) figurava a da venda imediata, da tipografia e seus aprestes, porque era «uma sinecura sem razão de ser depois da demissão do respectivo empregado» e a de, para futuro, se comprarem, pela verba do expediente da Secretaria, os impressos necessários.

C

Capela de Santo António

Na Praça Velha existiu uma Capela, ou Oratório, da invocação de Santo António, que se destinava a nela se rezar missa para os presos da cadeia instalada no edifício dos Paços do Concelho.

A referência mais remota que dela encontrei foi em «Villa da Feyra em 1758 – Respostas dadas a um questionário pelo Padre José de São Pedro Quintella – Conego Secular de S. João Evangelista da mesma Villa» – segundo um «Extracto do Grande Dicionário Geographico de Portugal» manuscrito (Vol. XV, fls. 195 e seguintes) que se guarda, em Lisboa, na Torre do Tombo.


Dois aspectos da pedra que serve de ombreira num portal interior da casa de Francisco Plácido de Resende.

Aí se diz, depois de enumerar as Capelas então existentes na Vila: «Há mais na praça d'esta Villa, defronte da Cadeia e Casa da Comarca della um oratório da invocação de Santo António para se dizer Missa aos presos. Todas as sobreditas Capellas e Oratório estão subordinadas à jurisdição parochial do Vigário desta freguesia».

Segue-se a já mencionada referência feita por Huette Bacelar, no seu aludido trabalho a fls. 187-v.º datado de 1774, quando alude à casa, hoje de Francisco Plácido de Resende: «é aquela corrente de casas, qu.e fica entre a Rua Direita, da dita Villa e travessa q.e vay p.ª Lavandeira e estão pegadas à Capei Ia de St.º António».

Compulsando um livro existente na Biblioteca Municipal da Feira intitulado «Livro que ha de servir p.ª registos da Camara desta Villa e n'elle se lançarem os autos de posse de Ministros dele» referente aos anos decorridos em 1794-1805 encontrei, transcrito a fls. 60-v.º e 61, o registo da Provisão por onde o Rev. p.e Bernardo José Ferr.ª Silva Brandão «alcançou de acrescento ao ordenado de Capelão dos Presos cinquenta mil reis».

Dele consta que, em 22 de Fevereiro de 1797, a Rainha D. Maria I tomou em consideração um pedido feito por aquele padre que então era «CapelIão da Capella de Santo António da mesma Villa provisão minha», aumentando para cem mil reis o ordenado que, então, era de cinquenta mil reis, nos seguintes termos:

«Tendo a tudo consideração: Hey por bem faser ao suplicante Mercê de lhe acrescentar mais cincoenta mil reis a outra tanta quantia que já tem ficando percebendo anualmente de seu ordenado Cem mil reis pagos pelos sobejos ao Cabeção da dita villa, havendo-os com a obrigação mais alem que tem de fazer huma festa annual a Santo António Padroeiro da dita Capella».

Fundamenta-se nesta Provisão, «que percebendo de ordenado a quantia de quinze mil reis fora Eu servida acrescentarlho com mais trinta e sinco em rasão de ser o Suplicante obrigado a celebrar o Santo Sacrifício da Missa aos Domingos e Dias Santos impreterivelmente per si proprio aos prezos dos Carceres da dita Villa comprando sera, vinho, hostia e fazendo lavar e engomar a roupa da Referida Capella, tudo a sua custa, havendo-se lhe imposto de novo na Provisão do mesmo acrescento a obrigação de faser concertar os telhados, forro e solho da sobredita Capela, de alvalla barrela, / 68 / e de comprar a sua custa paramentos de vestir o Altar, e sacerdote, a cujos encargos se obriga, prestando fiança nos livros da Respectiva Camara como constava da dita provisão que juntava; cujas obrigações estava cumprindo exactissimamente, conservando a Capella com a decencia devida, paramentando-a com paramentos de Damasco de ceda de todas as cores, na forma das Pastorais e Capitulos de visita dos Prelados tudo com o tenue ordenado de cincoenta mil reis; porem como todas as couzas, que se fazião necessárias para satisfazer os ditos encargos subião cada vez mais a preço extraordinário; recebia o suplicante gravissimo prejuizo nesta consideração, e de todo o exposto se considerava merecedor de mayor ordenado. Pedindo-me fosse servida acrescentar-lho ao que já tinha, mais setenta mil reis para perceber a quantia de cento e vinte reis annuos pagos pelos sobejos dos bens de Raiz do mesmo Concelho, havendoos, visto que sempre havia acrescimos como mostrava pela certidão que offerecia» .

Foi concedido o aumento de cinquenta mil reis com a informação do Corregedor desta Vila, depois de ouvidos os «officiais da Camara e Nobreza e Povo delle» que reconheceram «ser o suplicante merecedor do acrescento no dito ordenado com o que se conformou o Procurador da Minha Coroa na sua Resposta». Assim, vê-se que o Capelão teve, em princípio, o ordenado de quinze mil reis anuais e que por provisão de data que ignoro foi aumentado para cinquenta mil reis, com acréscimo de obrigações sendo elevado para cem mil reis por força daquela provisão da Rainha de 1797, também com o aumento de encargos, o de fazer a festa anual ao Santo António, padroeiro da Capela. De todo o exposto nota-se, claramente, que a Capela já existia em 1758 não se sabendo, ao certo, quando foi fundada. É provável que o tenha sido em 1720 porque, na casa hoje pertença de Francisco Plácido de Resende e no local onde esteve a casa de Manuel José da Silva Ribeiro, que era amanuense da Câmara Municipal em Janeiro de 1876 (onde existiu a dita Capela ou Oratório), encontra-se a fazer de padieira de um portal que deita para um pátio, uma pedra (que se reproduz em fotografia) que penso ter sido a da porta da entrada da Capela de Santo António que deitava para a Praça, pela gravação que nela está feita de uma cruz. Está ladeada por duas datas sobrepostas que, creio, referem-se à data da sua construção (ou de reconstrução) e à da sua inutilização (como parece que esta precedeu ou coincidiu com a reconstrução da casa do Ribeiro, é provável que fosse esta circunstância que motivasse a inscrição), datas que interpreto como sendo de 1720 (data da construção) e 1876 (data da reconstrução da casa do Ribeiro) convencimento que também formei pelo que passo a expor.

Um meu velho parente José Adriano Meneses da Silva Canedo, que nasceu em 14 de Janeiro de 1853 e que, por isso, ainda conheceu a Capela disse-me (e até ficou escrito numa fotografia que possuo no meu arquivo) que, quando o aludido Manuel Ribeiro fez a sua casa (ou a reconstruiu), se deitou abaixo a Capela, o que a ser verdadeiro, sucedeu antes de 8 de Setembro de 1877, data em que faleceu este Ribeiro.

A Câmara Municipal da Feira, em sua sessão de 21 de Abril de 1880, deliberou mandar proceder à «arrematação dos paramentos e mais objectos da extinta Capela de Santo António» constando do respectivo livro dos autos de arrematação (com início em 10 de Setembro de 1879 e seu termo a 25 de Janeiro de 1888), a fls. 28, que nesse mesmo dia teve lugar a arrematação daqueles «paramentos e mais objectos pertencentes à extinta Capella de Santo António da Praça, que foi propriedade da Câmara e constantes do respectivo inventário com data de onze de Julho de 1876», constando do caderno B da escrituração diária da receita e despesa da Câmara que, em 21 de Abril daquele ano de 1880, recebeu do Reverendo Padre José Henriques da Silva, de Paços de Brandão, 24$200 reis produto dos «trastes que arrematou na Capela de Santo António inutilizada» e de António Vicente da Costa Neves, desta vila, 60$000 reis – produto dos «trastes que arrematou na Capela de Santo António inutilizada». Por sua vez, do livro da conta corrente da Câmara, com o Tesoureiro, com início em 15 de Outubro de 1878, encontra-se um lançamento datado de 21 de Abril de 1880, e em referência àquelas vendas, diz: «Por importância d'uma nota de cobrança do produto da venda dos trastes da Capella de Santo António inutilizada e profanada».

Aquela data, em que se fez o arrolamento dos bens móveis da Capela, deve corresponder à da sua / 69 / extinção e à da devida arrecadação, até que foram vendidos em Abril de 1880.

Finalmente, da acta da sessão da Câmara Municipal de 8 de Fevereiro de 1876, consta que foi recebido um ofício do Governo Civil, com data de 5 desse mês, remetendo a cópia do alvará de 15 de Setembro do ano anterior, autorizando a abertura e construção do lanço da estrada Municipal de 1.ª classe da Feira a Arouca, compreendido entre a Praça e Lavandeira, tendo a Câmara deliberado requerer ao Governo um subsídio para a construção desse lanço.

E da acta da sessão da mesma Câmara de 18 de Março do mesmo ano consta, ainda, que foi considerado um ofício daquele Governo Civil, de 15 desse mês, dizendo que, para se completar o processo do subsídio requerido pela Câmara para a construção daquele lanço da estrada foi exigido, pelo Ministério das Obras Públicas, um documento, pelo qual se provasse que a Câmara tinha os fundos necessários para ocorrer ao pagamento integral dos terrenos e de dois terços do custo da construção daquele lanço e que esperava que ela promovesse em bem do Município a completa satisfação do pedido. A Câmara deliberou que se respondesse que no orçamento daquele ano económico, já estava lançada «uma verba com aplicação à referida estrada, e com a qual se satisfizeram algumas expropriações e se deu princípio aos trabalhos de abertura da mesma estrada e que no próximo orçamento tencionava lançar no mesmo a quantia precisa para completar o pagamento dos terrenos e dois terços da construção e que em atenção a tudo isto espera, que o Governo de Sua Majestade deferirá ao pedido de concessão de subsídio.

 


Imagem de madeira do Santo António da Praça.

Ora, a abertura desta estrada, alargando a congosta da Lavandeira é que deve ter ocasionado a inutilização da Capela, naquele ano de 1876, que estava à entrada da rua da Lavandeira, alargamento que deve ter levado ao desvio da casa do Silva Ribeiro para o plano recuado em relação ao das demais casas até à Rua Direita, confirmando-se, assim, a informação dada pelo José Meneses da Silva Canedo, situação que se manteve até que Francisco Plácido de Resende reconstruiu o prédio em 1952; o recuo da casa do Silva Ribeiro permitia a existência de uma janela para nascente, na esquina da casa do Plácido, correspondente ao prédio que foi emprazado, em Maio de 1745, por José de Sá Pereira Brandão e mulher a Bernarda Caetano de Almeida «a casa do meio chamada grande casa do Estrado».

E a essa época deve também remontar a obra da reconstrução da casa hoje do Dr. Belchior Cardoso. Assim, se pode explicar não se encontrar em qualquer acta da Câmara ou em outro qualquer título, referência à venda do terreno onde estava implantada a Capelão que, a ter sido feita, só o podia ser ao Silva Ribeiro, bem como a razão que levou à demolição da Capela; o local onde ela estava construída passou a ser via pública, depois de ter estado integrado na casa do Silva Ribeiro. Pode até suceder que a Capela estivesse construída em plano saliente para a praça impondo-se, assim, a sua demolição para se poder alargar a entrada da rua da Lavandeira na sua confluência com a mesma Praça.

A expropriação da parte da casa do Silva Ribeiro, que confrontava com a Praça deve ter sido por ajuste muito particular recebendo como compensação a parte correspondente à Capela ou Oratório porque nada consta da expropriação desta, nem no livro das actas da Câmara, nem no livro das arrematações, nem no da escrituração diária da receita e despesa da mesma Câmara; apenas encontrei, neste último livro, uma referência ao pagamento feito àquele Ribeiro, em 30 de Dezembro de 1875, de 26$575 «valor do terreno do seu quintal e respectivo muro de vedação que amigàvelmente se expropriou para a passagem do lanço da estrada da Praça à Lavandeira na estrada da Feira a Cabeçais», o que evidentemente diz respeito à parte rústica do prédio do Silva Ribeiro que corria para nascente da sua casa faceando a rua da Lavandeira. Posteriormente encontrei, na acta da sessão da Câmara de 9 de Junho de 1876, a deliberação para a expropriação, a Duarte Huette Bacelar, do terreno de «sua propriedade da Lavandeira desta Villa para a passagem da Estrada Feira-Arouca no seu lanço da Praça à Lavandeira» correspondente ao terreno que, faceando a rua deste nome pelo norte, estava imediatamente contíguo àquela parte rústica do prédio do Silva Pereira e, assim, se pode localizar, no tempo, o alargamento por meio de expropriação da rua da Lavandeira – desde a sua embocadura na Praça – para nascente.


Capela da Piedade.

Nos mesmos livros de actas, e ainda nos das contas do Tesoureiro da mesma Câmara, encontram-se muitas referências à Capela desde 1839 apurando-se que era ela quem nomeava e pagava aos seus capelães.

Na de 30 de Janeiro de 1839 consta que, nessa sessão, foi nomeado Capelão, com posse nesse dia, o Padre José Máximo Correia de Sá com o ordenado de 60000 reis anuais e a obrigação de aí rezar missa para os presos, todos os domingos e dias santos, lugar vago pelo falecimento do Padre Bernardo José Ferreira da Silva Brandão (que havia sido nomeado, para o mesmo fim e com o ordenado de 50000 reis anuais, em sessão de 16 de Dezembro de 1835), e na sessão de 12 de Novembro de 1857, que, por falecimento daquele Padre José Máximo, foi nomeado capelão da mesma Capelão, o Padre Dom António do Patrocínio Peixoto, mas logo, em sessão de 16 de Outubro de 1858, era nomeado capelão. por falecimento deste, / 70 / o Padre José Caetano Correia de Sá, da freguesia de Sanfins.

Já em 1849, como se vê da sessão de 28 de Março, o nome deste Padre se encontra ligado à Capela, pois dela consta a autorização de pagamento, a ele feito, de 8705 reis, importe da despesa feita com o «concerto da Capella de Santo António e compra de alguns paramentos para a mesma Capella segundo conta apresentada pelo mesmo Padre». Então era dado como sendo «da villa».

Nos livros de registo dos nascimentos, da paróquia da Feira, entre 5 e 12 de Dezembro de 1852, o dito Padre José Caetano assina, nos respectivos actos de registo, por comissão do Rev. Reitor Podre Thomaz Máximo de Aquino Correia de Sá, e em 8 de Setembro de 1856, volta a assinar tais actos, então como Vigário encomendado da freguesia de Sanfins, por comissão do Padre Joaquim Celestino Albano Pereira, então pároco da Vila.

Na referida acta da sessão do Câmara de 12 de Novembro de 1857 foram, mais uma vez, definidos as obrigações do capelão «dizer missa todos os Domingos e dias Santos aos presos dos Cadeas desta vila, dor cera, vinho e hosteas para a missa, de abrir a Capela e tratar da lavagem dos roupas e fazer todos os annos uma festa a Santo António no seu dia, vencendo o ordenado annual de cincoenta mil reis pagos pelo cofre desta Câmara e sendo-lhe entregue os paramentos e mais utensílios da dita Capella obrigando-se por termo a sua boa guarda e conservação».

Em sua sessão de 24 de Julho de 1858, e reagindo contra o parecer do Conselho do Distrito sobre o orçamento para 1858-1859, a Câmara respondeu «que a supressão da verba de cincoenta mil reis de ordenado para um Capelão dos presos se torna inadmissível, porquanto, desde que existe a Villa da Feira, sempre houve um CapelIão paro dizer Missa aos presos do Cadeia em uma Capela para esse fim edificada na praça publica d'esta villa de cuja missa se utilisão também centenas de pessoas das freguezias deste município que concorrem ao Mercado que se costuma celebrar todos os Domingos nesta mesma Villa, tendo o respectivo Capellão antigamente o ordenado de cento e vinte mil reis, que hoje se acha reduzido a cincoenta mil reis, cativo a decimas e as despesas inerentes à mesma Capella não aparecendo Eclesiastico algum que por menor quantia se encarregue da administração da Capella, attenta a falta de eclesiasticos que ha neste Concelho».

Afora o exagero, que parece verificar-se, quanto à antiguidade atribuída à Capela, este trecho é bem elucidativo sobre a veneração que era dedicada à Capela de Santo António do Praça.

Pelo livro de escrituração diária do Tesoureiro da Câmara, que teve o seu início em Julho de 1853 e seu termo em 1859, consegui apurar que, em 11 de Março deste ano, foi feito o pagamento de 11$919 reis ao Rev. Padre Manuel Carlos Peixoto, de Fornos – como herdeiro de seu irmão, o aludido Dom António Patrocínio Peixoto, «imposto de ordenado que se ficou devendo ao fellecido como Capelão dos presos desde 1 de Julho até 9 de Outubro de 1858».

Do mesmo livro consta que, em 5 de Fevereiro de 1859, a Câmara pagou ao capelão dos presos, Padre José Caetano Correia de Sá, do seu ordenado de 17 de Outubro de 1858 até 31 de Janeiro de 1859, a quantia de 12$650 reis.

No livro de contos do Tesoureiro da Câmara (de 31 de Agosto de 1860 a 30 de Junho de 1862) ainda encontrei uns registos de pagamentos, especificadamente referidos ao capelão dos presos, José Caetano Correia de Sá, com a data de 19 de Fevereiro e de 3 de Abril de 1861, este último de importe dos seus ordenados dos meses de Setembro a Fevereiro deste ano, 30$010 reis.

Assim, desde 1835 a 1859 sucederam-se como capelães os Padres Bernardo José Ferreira da Silva Brandão, José Máximo de Sá, Dom António do Patrocínio Peixoto e José Caetano Correia de Sá; não sei se este se manteve até à extinção da Capela ou se algum padre ainda lhe sucedeu, mas é certo que ele ainda era Capelão da referida Capela em 1869 porque do livro do registo de mandados de pagamento da Câmara Municipal, consta que em 18-6-1869 foi pago a este «Capelão do Capela da Praça» a quantia de 1 400 reis «importância da despesa com paramentos da mesma Capela». Em 1797 era Capelão o Padre Bernardo José Ferreira da Silva Brandão, como se verifica da citada provisão de 22 de Fevereiro do mesmo ano, com o ordenado de cem mil reis anuais. Parece tratar-se do mesmo que foi nomeado em 1835 com o ordenado de 50000 reis anuais e, assim, é de crer que aquele Padre ou esteve Capelão da Capela de Santo António pelo menos desde 1797, motivando a sua nomeação em 1835 a diferença de ordenado para 50000 reis anuais, ou ocupou o cargo por mais de uma vez, interpolando-se um ou outros cujos nomes desconheço.

O Padre Bernardo José Ferreira Brandão era filho de José Ferreira Brandão, que foi senhor, como enfiteuta, do Mato da Bica, hoje incorporado na Quinta do Castelo, pertencente à Federação das Caixas de Previdência e era cunhado do advogado, que foi desta vila, Dr. Apolinário José da Costa.

Parece que a Capela esteve localizada na parte nascente da casa que pertenceu ao referido Manuel da Silva Ribeiro, hoje incorporada no prédio de Francisco Plácido de Resende, com porta que deitava para a praça. / 71 /

Se admitirmos que ela foi instituída em 1720, não pode causar estranheza que nos contratos de data anterior ela não fosse referida nas confrontações dadas ao prédio que formava o topo nascente da ala norte da Praça, como de facto sucede e já foi referido no Capítulo 1-2 designadamente quanto ao de 13 de Fevereiro de 1656.

Quanto ao de 29 de Maio de 1745, também referido no mesmo Capítulo – contrato de emprazamento feito por José de Sá Pereira Brandão e mulher a Joana Rosa de Almeida, casada com Custódio Coelho – a casa chamada da Lavandeira (a do topo nascente) é dada como confrontando, pelo nascente, com terra e quintal do senhorio, não se fazendo qualquer referência à Capela.

No citado trabalho do Padre de São Pedro Quintela, de 1758, a Capela não é referida entre as existentes na paróquia de S. Nicolau sendo designada apenas como «Oratório da invocação de Santo António para se dizer missa aos presos».

Posteriormente, encontramos a já mencionada referência feita por Huette Bacelar no seu citado livro a fls. 187-v.º.

Na referida provisão da Rainha D. Maria I, de 22 de Fevereiro de 1797, alude-se entre as obrigações do Capelão, a de fazer consertar «os telhados, forro e soalho da sobredita Capella».

De época posterior encontrei o contrato de 11 de Janeiro de 1850 (também referido no Capítulo 1-2) de empréstimo feito pelo Padre António Joaquim Ferreira ao Manuel da Silva Ribeiro, em que este, em garantia do pagamento, deu de hipoteca o seu prédio da Praça a confrontar do poente (deve ler-se sul) com a Praça e Capela de Santo António e aludida referência feita pela Câmara na sua sessão de 24 de Julho de 1858 «Capella para esse fim edificada na praça publica desta Villa».


Imagem de barro de Santo António.

 

Como já disse, na aludida referência feita por José Adriano Meneses da Silva Canedo, lançada numa fotografia que tenho em meu poder, vê-se escrito pelo seu próprio punho «e em referência a uma casa (que assinalou por 1) que ele quis atribuir ao Ribeiro: «Houve uma Capela de Stº António». No verso da fotografia encontra-se escrito, também pelo seu punho «Casa do Ribeiro da Praça, sogro do Xabregas» e por outra letra (e por indicação daquele José Canedo) «Quando o Ribeiro fez esta casa – deitou abaixo a Capela».

Além destes elementos únicos que consegui alcançar, até hoje só encontrei o testemunho de uma mulher que diz ter 92 ou 93 anos (o que foi confirmado pela família) que vive no lugar da Piedade desta Vila, de nome Maria Rosa de Jesus Ferreira, ou simplesmente Rosa de Jesus (como consta do registo de nascimento de sua filha Isilda) filha de Domingos Pereira e de Engrácia de Jesus.

Por ela me foi referido, no dia 8 de Dezembro de 1966, que, ainda muito pequenita, assistia à missa rezada no oratório (a que chamava nicho) e que os assistentes a ouviam da Praça, pois as suas dimensões não permitiam a entrada de fiéis, mas quase unicamente a do celebrante.

Verifiquei, contudo, pelo que consta dos registos dos baptismos da paróquia desta Vila (S. Nicolau) que ela nasceu em Setembro de 1878, tendo, assim, no ano findo de 1966, 88 anos e, deste modo, não podia ter assistido ao que me referiu. Deve, porém, haver equívoco no registo, que talvez fosse feito muitos anos depois do seu nascimento, como sucedia por vezes. Uma sua irmã de leite, de nome Elvira Ferreira (residente em casa do Dr. Horácio Alvim, na Rua Dr. Eduardo Vaz, desta Vila) que, em Novembro de 1966, fez 94 anos, afirmou-me que aquela Maria Rosa pouco mais nova era do que ela. Esta Elvira não se lembra da Capela de Santo António, naturalmente, devido ao seu estado de certa confusão mental, que se acha mais acentuado no sector do espaço.

Assim e por força de todos os referidos elementos, únicos que consegui até hoje, há a certeza de que / 72 / a Capela estava no topo nascente da ala das casas que faceavam pelo norte e perto da entrada da rua da Lavandeira,

Conjugando e harmonizando todos estes elementos convenço-me de que a Capela foi construída, formando uma pequena edificação no topo nascente do correr das casas que faceavam a Praça pelo lado norte e que, com o andar do tempo, a casa em que ela tapava, se acrescentou pelo lado norte da Capela (de modo a este nela ficar incrustada) com porta para a Praça e, assim, se situava em 1876, aquando da sua extinção; deste modo é que se pode compreender que, em 1774, Huette a localize no topo do correr das casas e que no contrato de 11 de Janeiro de 1850 o Silva Ribeiro a confrontasse pelo nascente (que, como dissemos, se deve entender pelo norte), ao mesmo tempo, com a Praça e a Capela de Santo António. Tal situação da Capela é que, talvez, motivasse ser chamada por Oratório, de igual sorte que ainda se encontram outros similares na Vila de Ovar. Aquela Maria Rosa de Jesus Ferreira também me informou que a imagem de Santo António, que estava exposta na dita Capela ou Oratório, é a que hoje se encontra na Capela da Piedade (sita num outeiro sobranceiro à Vila e perto da Estação do Caminho de Ferro do Vale do Vouga), no altar do lado esquerdo e que vai, em andor, bem como as imagens de Nossa Senhora da Piedade (imagem antiga) e a de Nossa Senhora de Lourdes, na procissão que, anualmente, se faz no lugar do mesmo nome (da Piedade) no terceiro domingo de Julho.

Essa imagem, que ela designou por Santo António da Praça, foi, segundo ela me disse, levada para a Capela da Piedade por seu pai e outros mesários da Confraria deste nome. Isto deve ser verdade, porque do já mencionado auto de arrematação dos paramentos e objectos da Capelão, de 21 de Abril de 1880 (autorizado em sessão do mesmo dia), consta que, nesse dia, nos Paços do Concelho e na presença do Presidente e Vereadores da Câmara Municipal e escrivão da Câmara «foi mandado ao official de diligencias António José das Neves metesse a pregão os paramentos e mais objectos pertencentes à extinta Capella de Santo António da Praça que foi propriedade da Câmara e constantes do respectivo inventário com data de onze de Julho de 1876, o que o oficial cumpriu, e passando a lançar pregões por espaço de tempo, afinal deo fé, que o maior lanço, que achava fora o que oferecera o Reverendo Abade de Paços de Brandão João Henriques da Silva da quantia de vinte e quatro mil e duzentos reis por duas casulas, uma vermelha e branca, uma pedra de ara, uma alva, um cerigelo, e amito, um cálix, patena e colher de prata e o de sessenta mil reis que ofereceu António Vicente da Costa Neves, da Lavandeira desta Villa, por um nincho de madeira com a imagem de Santo António e um Santo Christo e uma cruz tudo de madeira, tres casulas com as suas pertenças, um missal usado, tres sacras em mau estado, umas toalhas ordinárias, uma campainha, e uma lamparina e um par de galhetas de vidro muito usadas, e sendo afrontado o lanço e não havendo quem mais apparecesse, por ordem da Câmara entreguei o ramo aos ditos dous licitantes, que o receberam, e tomaram entrega cada um delles dos objectos que licitaram, obrigando-se cada um delles por suas pessoas e bens, a entrar no Cofre com as quantias porque licitaram. E para constar se lavrou o presente auto a que foram testemunhas presentes, José Alves da Fonseca, casado, do lugar do Reboleiro desta Vila e João Coelho Brandão, casado, da freguesia de Riomeão, que vam assignar com o Presidente, Vereadores, Arrematante, Official, depois de lido por mim Joaquim José Teixeira Guimarães, Escrivão da Câmara que o escrevi e assignei».


Biblioteca e Museu Municipais.

Este auto está assinado pelo Presidente da Câmara, Manuel Pinto de Almeida, pelos Vereadores Roberto Alves de Sousa Ferreira, António da Mota Valente e José Correia Marques, pelos referidos arrematantes, oficial de diligências, testemunhas e escrivão da Câmara.

É curioso notar que na Capela não existia qualquer mobiliário e que era de muita pobreza a existência dos seus paramentos e objectos, o que denota bem quanto ela era de reduzidas dimensões,

Em tempo, teve uma mesa que, como se vê da deliberação da Câmara constante da acta de sessão de 22 de Dezembro de 1842, foi vendida para ajudar à compra de uma alva; é de notar que, aquando daquela arrematação, não há qualquer referência à existência dos dois lampiões que a Câmara, em sessão de 26 de Junho de 1850, deliberou comprar para a Capela da Praça «pertencente a esta Câmara». / 73 /

No arquivo da Irmandade de Nossa Senhora da Piedade existe um caderno de 12 folhas, mas apenas com três escritas, com o seguinte termo de abertura a fls. 1: «Serve este caderno para se inventariar todos os móveis, objectos e mais alfaias que actualmente tem a Irmandade de Nossa Senhora da Piedade desta Villa, e que de futuro venhão a possuir por compra ou por offerecimento de devotos, o qual vai por mim numerado e rubricado. Feira 16 de Setembro de 1878. O Juiz da Irmandade – António Vicente da Costa Neves».

No final da página 12-v.º, tem o seguinte termo de encerramento: «Tem este caderno doze meias folhas, que vão por mim numeradas e com a rubrica Neves de que uso, Feira 16 de Setembro de 1878 e oito – António Vicente da Costa Neves».

Contém este caderno e, com começo a fls. 1, o «inventário de todos os móveis, e objectos e mais alfaias pertencentes à Irmandade de Nossa Senhora da Piedade d'esta Villa e existentes no anno de 1878 e que se acham em poder do Thesoureiro». Deste inventário, com 43 verbas, consta, além de outros bens, a existência de «n.º 7 um resplendor de prata de Santo António, n.º 8 um dito de prata pequeno do mesmo Santo; n.º 9, uma cruz de prata do mesmo Santo». E quanto a imagens: «n.ç 4, uma dita de Stº António». Está datado de 16 de Setembro de 1878 e com assinaturas do Juiz, António Vicente da Costa Neves; Tesoureiro, José da Cunha Sampaio; Mesários, José Ferreira Cardoso e Daniel Gomes Ribeiro; Secretário, António José Augusto Rebelo de Lima. Segue-se um outro inventário, com data de 11 de Janeiro de 1880, no qual se verificou a existência dos objectos constantes do anterior «que o n/ thesoureiro José da Cunha Sampaio fás entrega ao actual Daniel Gomes Ribeiro, bem como demais os seguintes que foram adquiridos», seguindo-se uma relação destes que não interessa referir para o presente estudo.

Sucedem-se, a fls. 12 e 13 os arrolamentos feitos em 26 de Dezembro de 1957, 14 de Novembro de 1960, 1 de Fevereiro de 1966, referentes, apenas, a objectos de ouro e prata.

Assim, verifica-se que, em 1878, era Juiz da Confraria o António Vicente da Costa Neves, que em 1880, arrematou a imagem de Santo António da Praça e outros objectos pela quantia elevada, para então, de 60000 reis, sendo, assim, de presumir que essa arrematação fosse feita para a Confraria e não para ele, tanto mais que este António Vicente, pai de Francisco Vicente da Costa Neves, não tinha Capela, nem era abonado.

Após aquela arrematação de 21 de Abril de 1880, não aparece, no caderno de inventário da Confraria, o registo da imagem adquirida do Santo António da Praça, pois apenas houve o cuidado de fazer novo inventário, em 1957.

Mas o certo é que, na Capela da Piedade, existem duas imagens de Santo António devendo uma delas ser a que consta do inventário de 1878 e a outra a do Santo António da Praça – o que vem confirmar o depoimento de Maria Rosa de Jesus Ferreiro. A já mencionada D. Maria Júlia Rita de Araújo possui, também, uma imagem de Santo António, de proporções mais reduzidas do que aquela, que pertenceu a sua avó, materna D. Maria José Rodrigues da Graça, casada com Bernardo José da Costa Rita, que foi farmacêutico nesta Vila, que dizia ter vindo da Capela de Santo António.

Não se pode averiguar a veracidade desta tradição de família sendo de notar que, se por um lado, é de estranhar que a imagem seja de barro, também é de considerar que, em regra, nas Capelas costumava haver duas imagens do seu padroeiro; uma a principal que, aquando das festas anuais, saía em procissão, ficando a outra na Capela a atestar a invocação.

Neste trabalho reproduzem-se, em fotografia, as duas imagens, a de madeira que está depositada na Capela da Piedade e a de barro pertencente a D. Maria Júlia Rita de Araújo. / 74 /

Segundo o parecer do erudito Padre A. Nogueira Gonçalves:

«a) – A escultura de madeira de Santo António, pertencerá aos começos do século XVIII, executada por artista bastante corrente. Representa-o vestido de franciscano e com a capa curta, de agasalho, que poucas vezes aparece. O hábito está levantado, isto é, apanhado sobre o braço esquerdo, deixando ver a sub-veste, fórmula que vem do século anterior, para se obterem efeitos de pregueado, isto é de mero fim artístico. O Menino, voltado para a frente e com pequeno globo na mão esquerda, senta-se no livro que o Santo sustenta horizontalmente.

b) – A escultura de barro será já do meado ou segunda metade do século XVIII, tendo saído da mão de artista de maior categoria que o da madeira; o movimento da figura, bem como o do Menino, bastante graciosa, manifesta essa categoria superior. A escultura de madeira é naturalmente de altar. A pequena, de barro, é mais propriamente de oratório doméstico, podendo ser usada nas procissões breves, em volta da Igreja ou da Capela, levada nas mãos do Sacerdote, que pequeno véu protege e que dava distinção ao acto; procissões habituais outrora, aos domingos, no fim da Missa».

Este douto parecer vem confirmar a tese defendida da construção da Capela em 1720 – o que está em correspondência com a época atribuída à escultura de madeira de Santo António.

Como em 1857, como dissemos, foi confirmada a obrigação do Capelão – fazer a festa anual ao Santo António, no seu dia (obrigação que já consta do título de 1797) – é possível que esta imagem de barro se destinasse a ser conduzida na procissão que, porventura, se fizesse naquele dia de festa.

A Câmara arrogava-se a propriedade da Capela ou oratório de Santo António; assim o afirmou, como dissemos, em sessão de 26 de Junho de 1850, e consta do citado livro de registo de mandados de pagamentos da Câmara Municipal com o lançamento em 10-8-1868 da despesa com a compra de um paramento vermelho para uso «na Capella dos presos propriedade da Câmara».


Paços do Concelho: salão nobre.

Nela praticou os inerentes actos de administração, quer fazendo obras de reparação (sessão de 17 de Agosto de 1842), quer comprando, para ela, paramentos e outros objectos (sessões de 17 de Agosto e 22 de Dezembro de 1842, de 28 de Março de 1849 e de 26 de Junho de 1850, citados pagamentos de 10 de Agosto de 1868 e de 18 de Junho de 1869), quer dispondo dos seus bens aquando da sua extinção, vendendo-os em hasta pública, como consta do referido auto de arrematação de 21 de Abril de 1880. Também sempre pagou ao Capelão, obrigação que já constava da aludida provisão de D. Maria I, de 22 de Fevereiro de 1797 e se manteve até à extinção da Capela; o último pagamento que verifiquei foi em 3 de Abril de 1861 (30$010) «pelo que se mandou pagar ao Capelão dos presos José Caetano Correia de Sá importe de seus ordenados / 75 / dos meses de Setembro a Fevereiro do corrente ano, que se acham suas pensões e como pagou os direitos de mercê, se mandou pagar».

Se outros pagamentos foram feitos posteriormente, como é natural, devem ter sido incluídos na folha do pagamento dos empregados da Câmara que, no livro da receita e despesa do município, tem esta designação, sem descriminação (como sucedeu na folha de 19 de Fevereiro de 1861); por isso, só vendo tais folhas, que ainda não consegui encontrar, se pode, com certeza, fixar a data do último pagamento feito ao capelão da Capela de Santo António.


Visita de El-Rei D. Manuel II à Feira, em 23 de Novembro de 1903. Chegada à Praça Velha.
Em frente: a casa de Francisco Plácido de Resende com os dois planos que que a formavam e a pequena janela que deitava para nascente.

A págs. 218 a 220 das «Memorias e datas para a História da Vila de Ovar» de João Frederico Teixeira de Pinho, com prefácio, revisão e notas feitas por Mons. Miguel de Oliveira, está transcrita a Provisão da Rainha D. Maria I, de 20 de Julho de 1794, designando o Capelão a quem era atribuída a obrigação de dizer «Missa nos Domingos e Dias Santos aos presos da Cadeia da dita Vila, na Capela do Senhor dos Passos, que se acha fronteira à mesma Cadeia, e a consertar os telhados da dita Capela, solhos e forro e a comprar à sua custa os paramentos de vestir... depois que o uso os fizer indecentes, e o mais com que foi estabelecido e ordenado do Capelão actual dos presos da Cadeia da Vila da Feira».

Nesta provisão também se ordenava que o pagamento ao Capelão seria feito «pelo acréscimo do Cabeção das Sisas dos bens de rais, da mesma forma que se praticou na Cabeça da Comarca», (a da Feira), nomeando para aquela Capelania o Padre António Veríssimo de Sousa Azevedo.

Comentando esta provisão diz o autor do livro: «A condição de consertar os soalhos e forros da Capela é irrisória para os que sabem que os Passos são de abóbada, e o pavimento de cantaria lavrada», o que convence que as referidas provisões obedeciam a modelos tipos. Por isso não obstante, na provisão referente à Capela de Santo António da Praça, se fazer referência ao telhado pode muito bem ter sucedido que ela não o tivesse por ser encimado por compartimento da casa onde essa capela ou oratório estava, porventura, incrustada.

Outras notas curiosas se vêem neste trabalho: são a referência a uma outra provisão da Rainha, de 8 de Junho de 1821, que aumentou a remuneração anual do Capelão, em mais 50000 reis e a referência de que a Câmara Municipal em suas sessões de 12 e 13 de Março de 1839 nomeou novo Capelão e fixou-lhe o ordenado, o que convence que até ao tempo do regime liberal estas capelanias estavam sob autoridade régia e, posteriormente, sob a autoridade camarária. / 76 /

Confrontando os dois alvarás, o de 1797 e o de 1794, referentes, respectivamente, às Capelanias da Feira e de Ovar, e tendo em atenção o que neste se diz quanto à da Feira, constata-se que o alvará a que naquele de 1797 se faz referência, tem data anterior a 1794.

 

2

Motivos

A

CHAFARIZ

Está situado em plena Praça, abandado à parte norte, por certo para alcançar a sua maior largura quando aí foi colocado.

É muito elegante e de feitura muito primoroso, o que ainda bem revela, apesar das mutilações que tem recebido.

Foi construído para o centro do claustro do já referido Convento dos Lóios, muito provavelmente durante a vida de D. Diogo Forjaz Pereira, 4.º Conde da Feira.

Em 1697 o Reverendo Padre Reitor do Convento do Espírito Santo da Vila da Feira fez citar os 8.os Condes da Feira, D. Fernando Forjaz Pereira Pimentel de Menezes e Silva e sua mulher D. Vicência Luísa Henriques para contestarem um Libelo, por ele deduzido em nome do seu Convento, contra aqueles condes a fim de serem condenados a reconhecer o direito que o mesmo Convento tinha a um anel de água de uma fonte existente na horta e cerca do Castelo, pertencente aos ditos Condes, seu aproveitamento e modo de o utilizar e, nomeadamente, para obrigar os Condes a repor as fechaduras, que haviam mudado, de uma porta que da cerca do Convento dava acesso àquela dos Condes. Nesse processo foi proferida, em 7 de Novembro de 1702, (já depois de extinto o Condado por morte daquele Conde D. Fernando, em 1700) a seguinte sentença que abre muita luz sobre a época em que o Convento entrou na posse dessa água que, como se diz naquele Libelo, para «com o continuamento» passar à cerca e claustro do dito Convento».

«Sentença – E nos ditos Autos pronuciey a minha sentença seguinte: – § – Acordey & vistos estes Auttos Libello do Reverendo Autor contrariedade dos Reos, prova dada per huma e outra parte: Mostrace pello do Reverendo Autor que estando ha muitos annos per sy e seus antecessores em posse passifica de hir ou mandar quando lhe hera necessário a limpar o cano da agoa que vem para o seu Convento de huma fonte que nasce dentro da orta e cerca dos Reos, indo por huma porta que esta na parede que devide a cerca dos Reos da do seu Convento, na qual porta ouvera / 77 / sempre huma so fechadura com duas chaves do mesmo feitio, das quais tivera sempre o Reverendo Autor, e seus antecessores huma para a dita Serventia e os Reos, e seus antecessores outra para irem para a Igreja do dito Convento, e que estando nesta antiga posse com ciencia e paciencia dos Reos, elles innovadamente lha empediram pondo na dita porta duas fechaduras de diversas chaves por cujo causa não pode abrir a porta e usar da sua serventia. Pellos Reos se mostra não negarem a servidão que se deve ao Mosteiro do Reverendo Autor sendo-lhe necessário em caminhar o anel de água que seu Pay lhe deu da fonte que tem na sua cerca e dando lhe parte ou a seus criados e feitores de que querem hir encaminhar a dita agoa e que por se lhe não devassar a sua Cerca que puzera na dita porta duas fechaduras. O que tudo visto e o mais dos Autos, e como se prova que o Reverendo Autor, e seu Mosteiro estava em posse pacifica com ciencia e paciencia dos Reos de se servir por huma porta que esta na parede que devide a sua cerca da dos Reos sem lhe pedir licença nem dar parte a seus criados tendo para isso uma chave com que se abria a dita porta e que de presente o não pode fazer pellos Reos mandarem por na dita porta duas fechaduras de diversas chaves sem lhes darem para usarem da sua serventia e posse em que estavão pelo que julgo terem os Reos feito força ao Reverendo Autor, e seu Mosteiro em o privar da posse em que estava, o qual mando que a ella seja restituído, e que os Reos ponham na dita porta huma só fechadura com duas chaves do mesmo feitio, huma das quais será do Reverendo Autor o seu Mosteiro para se irem caminhar a dita agoa quando for necessário e a outra terem os Reos para com ella se servirem pella dita porta a Igreja do dito Convento, e paguem os Reos as custas dos Autos em que os condemno. Porto sete de Novembro de mil setecentos e dous». – (Tombo do Convento de S. João Evangelista, Vol. 1.º, pág. 390). Deste modo se conclui que aquele anel de água, que se destinava ao claustro do Convento, fora concedido a este pelo «Pay» do Réu, parecendo, à primeira vista, que foi dado pelo pai daquele D. Fernando, de nome D. Manuel Pimentel marido da condessa D. Joana Forjaz Pereira de Menezes e Silva – 6.ª condessa da Feira. Já na contestação àquele Libelo, os Condes D. Fernando e mulher confessavam que da dita fonte da cerca «concederam os Pays do Reo ao Convento dos Reverendos Autores um anel de ágoa» (cit. Tombo, Vol. 1.º, fls. 384).

Mas o certo é que aquela designação de «Pay» e «Pays» do Réu Conde D. Fernando se deve entender no sentido de antecessores e não restritamente de Pai.

Por escritura de 8 de Setembro de 1678, o Convento fez um contrato de transacção, com aqueles Condes D. Fernando e sua mulher, para porem termo a uma contenda, entre eles existente, sobre o mesmo objecto, direito ao anel de água e meios necessários para o exercer e designadamente sobre o acesso à cerca dos Condes, onde existia a fonte de onde derivava aquele anel de água, nesse contrato, expressa e textualmente, se fala como pertença do Convento «hu anel de Agoa de que lhe fez graça o Conde Dom Diogo Forjaz Pereira com obrigação de lhe dizerem huma comoração todos os dias pella sua alma como de feito elles o fazem» (cf. Tombo. Vol. 8.º pág. 75-v.º e 76).


O chafariz da Praça e a antiga fachada dos Paços do Concelho.

Na verdade aquele anel de água foi doado em 1575, ao Convento pelo referido Conde D. Diogo e sua mulher, como se vê do livro memorial da fazenda deste Convento para se dar princípio ao tombo tão necessário para sua administração, fls. 18, pelo Padre Jorge de São Paulo (Arquivo do Distrito de Aveiro, Vol. XVI, págs. 257).

«§ 1.º – Como no capitulo se resolveu a duvida do sitio, em que se havia de fundar este novo mosteiro, e estava principiado com aplauso do Conde D. Diogo e da condessa D. Ana de Meneses que tinham já lançado a primeira pedra (como temos dito às fls. 16 § 3.º) logo trataram os Condes de nos dar parte da cerca do Castelo, e agua bastante para o serviço do convento: e assim no ano de 1575............ o Conde e a condessa acima nomeados fizeram uma irrevogável doação a este mosteiro de toda a terra que vem da porta da cerca que esta junto à fonte até ao nogal pela parte do caminho de Arrifana......... na qual demarcação esta a horta que é agora o pomar novo, e o pomar velho, e o bacelo e terra onde estavam certos pinheiros, o que tudo era livre sem pertencer á corôa e toda esta propriedade tomavam nas terças de suas almas. Consta da doação que esta no 1.......   foI. (emendado para:) «477» v.º (por outra letra) «Lº 4.º, fls. 177-v.º».

§ 2.º – Na mesma doação nos deram para o serviço do convento um anel de água tomada no olho da fonte do castelo, que é a mesma que hoje corre no claustro da claustra que se fez no ano de 1628 sendo reitor o padre Miguel do Espírito Santo (1621-29)............».

Aquele D. Diogo, que foi o 4.º Conde da Feira por carta de mercê do seu título em 17 de Outubro de 1556, e sua mulher, D. Ana de Menezes, foram os que, em 1560, lançaram a primeira pedra do referido convento do Espírito Santo dos Frades Loios da Vila da Feira, convento que já estava em condições de ser habitado em 1556. É evidente que aquela dádiva do anel de água para o convento e seu claustro se tornou necessário para nele poderem habitar os frades. É de supor que o chafariz fosse feito na época daquela / 78 / doação (1575) ou quando foi construído o claustro (1628).

Naquele libelo, o convento dizia que «Provaria que sendo Condessa da dita Villa e vivendo nas cazas do Castelo della a May do Reo e vivendo este em sua companhia e hão despos este vivendo só (4) nas ditas Casas nestes anos proximos passados via muito que bem os Reytores e Religiosos do dito Convento do Autor por si e seus familiares entravão pela dita porta desfechando-a com a sua chave e chegando athé a dita fonte a faziam limpar e por corrente a agoa della, e depois que estava corrente e limpa se tornava a recolher pella mesma porta fechando-a com a mesma chave com que asim hão desfechada. Provaria que na Vde o dito Reo e a dita sua May viam muito bem o dito uso e posse da chave dos Reytores e Rellegiosos do dito Convento, mas também seus familiares e feitores, e por elles sabião e foram sempre certificados da dita posse e uso da chave que os Reytores e Religiosos tinham em seu poder e sendo á sua vista, a tãm pacifica a não empedião nem a encontravão (cit. Tombo, Vol. 1.º, pág. 381 v.º).

No «auto de forma e feitio do Convento e Ig. do Espirito Santo de São João Evangelista de V.ª da Feira» de 15 de Julho de 1705, (fls. 5 v.º da cópia autenticada do Tombo do convento feito pelo Dr. António da Rocha Manrique em 1705 – n.º 1) o chafariz é descrito nos seguintes termos: «No meio do dito claustro esta um chafariz de duas taças lavrado que deita ágoa por quatro bicas com seu tanque que asenta sobre tres degraos de pedra, em quadra», o que corresponde exactamente ao que está implantado na Praça, com a correcção nos degraus, resultante da sua colocação, agora, em plano inclinado.

O Padre José de São Pedro Quintela, no seu mencionado trabalho de 1758, referindo-se ao claustro do Convento diz «no meio tem um formoso chafariz» e, na verdade, ele é muito formoso.

O chafariz manteve-se no claustro do convento até ao ano de 1848, data em que foi transferido para a Praça Velha – expressamente se diz no ofício n.º 149 que a Câmara Municipal dirigiu ao Governador Civil do Distrito em 28 de Janeiro de 1876, quando alude aos actos de posse que praticara no dito convento, «mudou o chafariz do Claustro para a Praça d'esta Villa».

Durante os anos que precederam aquele de 1848 encontram-se, nas actas das sessões da Câmara Municipal, referências a reparos do chafariz e do aqueduto «que conduz agoa para o mesmo cujo chafariz se acha construido desde antigos tempos dentro dos claustros do mesmo Convento» (sessão de 2 de Agosto de 1843), referências que se sucedem nas actas de 1844 e 1845: nas das sessões de 1843 a 1845 encontra-se a notícia do litígio que a Câmara Municipal manteve com Bernardo José Correia de Só, arrematante da cerca / 79 / do convento, de que resultou ele apossar-se da água do chafariz.


O chafariz localiza-se defronte das casas que formam a ala nascente da Praça.

Em sessão de 22 de Março de 1848 «Foi presente um officio do Governo Civil d'Aveiro -1.ª Repartição n.º 16 de 7 do corrente enviando a cópia do Acórdão do Conselho do Distrito n.º 179, proferido em sessão de 4 de Março, no qual aprovou a deliberação da Câmara para poder construir, na Praça Pública desta Vila, um chafariz e concedeu autorização para se poder gastar na referida obra do chafariz e nas calçadas desta Vila a quantia de 600000 reis que sobejou do respectivo orçamento deste anno, tudo na conformidade da representação feita por esta Camara». Deliberando, mandaram que se cumprisse. Apesar de um cuidadoso estudo, não encontrei a referida deliberação da Câmara que foi objecto da aprovação do Conselho do Distrito: não foi inserta na acta.

Pinho Leal na sua citada obra, Vol. 3.º fls. 157 (que tem a data de 1874) diz, referindo-se à Vila da Feira «Tem um bonito chafariz na praça em frente do Tribunal, feito em 1845, devido à iniciativa do Sr. José Correia Leite Barbosa, então e actual administrador do concelho. Tem outro, feito pelos frades, no século passado ao fundo das escadas do Convento».

Na verdade aquele José Correia Leite Barbosa foi nomeado administrador do concelho por decreto de 4 de Março de 1842 (cargo que já exercia interinamente desde 18 de Janeiro desse ano) seguindo-se-lhe, no cargo, António de Castro Corveira Corte Real, nomeado em ofício de 18 de Maio de 1846, por Dr. Luís Cipriano Coelho de Magalhães (pai de José Estêvão Coelho de Magalhães que, por sua vez, era filho de Manuel Coelho de Magalhães, natural da Feira) encarregado pela força armada, que fez o pronunciamento de Aveiro, de providenciar sobre a organização das autoridades do distrito. Leite Barbosa voltou a ser nomeado administrador do concelho por decreto de 29 de Janeiro de 1874, sucedendo-lhe Manuel Pinto de Almeida que foi nomeado por decreto de 10 de Outubro de 1877.


O chafariz da Praça e a actual fachada dos Paços do Concelho.

Mas em face de todo o exposto, é certo que o chafariz não foi feito em 1845, mas transferido do convento para a Praça por força da deliberação da Câmara, confirmada pelo Conselho do Distrito, em 1849, quando o Leite Barbosa já tinha abandonado a administração do concelho, dois anos antes. Não encontrei, como disse, aquela deliberação da Câmara mas não é natural que o referido Conselho tivesse demorado, anos, a aprovação de uma deliberação da Câmara, quando se verifica, através das suas actas que aquele Conselho não demorava as suas decisões.

O Dr. Vaz Ferreira, no seu «Ferro Velho» (Correio da Feira, n.º 2349, de 28 de Agosto de 1943), comentando aquela afirmação de Pinho Leal, quando quer convencer, erradamente, que o chafariz foi construído, / 80 / de novo, para a Praça Velha, censura-o, filiando o seu erro em má fé e em defesa de um amigo político.

Fundamenta o seu parecer no facto de a Câmara ter transferido o chafariz do Convento para a Praça Velha para, assim, evitar que se renovasse o falado pleito que aquele Bernardo José Correia de Sá, como proprietário da cerca do extinto Convento (de onde provinha a água que alimentava o chafariz do claustro do convento) mantivera com a Câmara. A demanda teve origem nos embargos que este Correia de Sá deduziu à obra que a Câmara pretendia fazer para restabelecer o abastecimento do chafariz com a água daquela cerca, por meio de reparação do respectivo aqueduto, demanda que se prolongou judicialmente até que a Câmara desistiu da vistoria que havia requerido, desistência que teve lugar, pouco antes daquela transferência do chafariz, por meio de artifício político, o que tudo teve lugar não obstante o decreto de 7 de Junho de 1845 ter mandado restituir a posse dessa água aos habitantes da Vila.

O Dr. Vaz Ferreira conclui:

«A colocação do chafariz e o encanamento das águas duraram desde Junho de 1848 até 30 de Junho de 1849; portanto o chafariz em frente do Tribunal foi feito mais de três anos depois da data apontada pelo Pinho Leal e em vez de ser da iniciativa do seu antigo / 81 / correlegionário miguelista José Correia, foi, pelo contrário, o modo hábil do Bernardo de Sá se ver livre de futuras iniciativas da mesma procedência.

Assim é que o chafariz passou da pertença dum edifício nacional a logradouro público de propriedade camarária. São desta falta de veracidade as informações de Pinho Leal sobre factos de que tinha conhecimento directo e presenciaram pessoas do seu convívio».

Em sessão da Câmara de 17 de Julho de 1850 foram presentes as escrituras que titularam os contratos por ela feitos com a Santa Casa da Misericórdia e José Joaquim da Silva Pereira, respectivamente, em 28 de Junho de 1849 e 1 de Julho de 1850, sobre a água deste chafariz da Praça, sua condução e saída, escrituras que a Câmara aprovou.

O chafariz ainda se conserva na Praça, tendo, porém, recebido mutilações, sobretudo no seu topo superior, mais devidas aos homens do que ao tempo.

Quando ele foi transferido para a Praça, havia, na Vila, mais dois: o que está ao fundo das escadas da igreja, mandado fazer pelos frades Lóios, e o da Misericórdia e que ainda hoje existem.

 

 

B

PELOURINHO

A Vila da Feira teve, como é natural, o seu pelourinho. Terra antiquíssima, sede das de Santa Maria, distinguida por muitas famílias nobres que aqui viveram e dela foram oriundas, entre as quais se distinguiu a dos Condes da Feira, senhores do Castelo e de extensos territórios e alargados bens, titular do Foral concedido pelo Rei D. Manuel I, não podia deixar de ter o seu pelourinho, símbolo de jurisdição, «padrão ou símbolo de liberdade municipal», como o define Alexandre Herculano na sua «História de Portugal», Vol. IV., pág. 239 e que «balisa no território português o caminho da história dos concelhos», como diz Luís Chaves no seu trabalho «Os Pelourinhos Portugueses» – pág. 9.


Armas reais da frente, ladeadas pelas esferas armilares.

São muito diversas as suas formas e a arte que neles se encarna, e se muitos não traduzem, no seu alçamento e motivos, traço específico do concelho a que pertencem ou do privilégio da jurisdição que representam, outros são, por si só, a página dominante e definidora dessa jurisdição. Assim, acontece com o que julgo ser o capitel, encontrado, do pelourinho da Vila da Feira.

Existia na parte poente da Praça, hoje denominada do Dr. Oliveira Salazar e faceando com o rio, um edifício térreo, em ruínas, designado, nos tempos modernos – pelo matadouro velho – património camarário que nos orçamentos da Câmara Municipal da Feira – sob a rubrica de «edifícios e estabelecimentos que a Câmara tem a seu cargo», dos anos 1852 a 1853 era designado por «casa do talho e açougue», no de 1853-1854 por «casa do açougue» e nos seguintes, até o de 1869-70, / 82 /  por «casa do talho» (com excepção do de 1861-1862 em que é chamado «casa do açougue»).

A partir do orçamento daquele ano de 1869-70 já não aparece qualquer referência aquela casa, como já sucedeu no de 1866-1867.

Neste edifício, na fachada principal que dava para a dita Praça, existia, e era bem conhecida desde tempos antigos, uma pedra de armas que nela estava incrustada e que, em si, tinha lavradas as cinco quinas.

Aquela pedra sempre me mereceu curiosidade até que, em 1943 e quando ainda era Presidente da Câmara Municipal, estudando-a com mais cuidado, notei que nas suas faces laterais, quase completamente cobertos, afloravam uns motivos que me pareciam segmentos de corda. Mandei-a desentranhar da parede e, com grande surpresa, surgiu-me a pedra reproduzida, neste trabalho, em fotografia, que tudo indica ser o capitel do antigo pelourinho da Vila.

Levado este achado ao conhecimento da Câmara, em acta da reunião de 19 de Maio desse ano, ficou consignada a seguinte comunicação que fiz como seu Presidente:

«Há muito que era conhecida uma pedra de armas que estava cravada na parede frontal do velho edifício do matadouro, sito na ala poente da Praça do Doutor Oliveira Salazar: exteriorizava-se, apenas, por um escudo com quatro quinas (aliás cinco) com bordadura lisa e sem castelos. Quando a analisava, com natural espírito de curiosidade, apercebi-me de que essa pedra tinha indícios de feitios arredondados nas suas saliências laterais, meio embutidas na parede o que denunciava ser lavrada lateralmente. Mandei-a fotografar para perpetuar o conhecimento do seu estado e posição e no dia oito do corrente mês de Maio mandei-a destacar da parede verificando-se, então, que a realidade ultrapassava, em muito, a expectativa. Verificou-se, então, que formava como que um capitel com base de forma circular debruado por um rebordo redondo muito partido. Na face oposta ao mencionado escudo de quinas, está praticado outro escudo maior, onde avulta, em bem trabalhado relevo, a cruz floreada e aberta no campo dos Pereiras: o alto deste escudo excede em dois centímetros o topo liso da pedra e tem dois chanfros oblíquos e rectos, como se tivesse sido cortado para assentar outra peça superior. Entre os escudos salienta-se, de cada lado do redondo do fuste, uma esfera armilar com seu pé em meio relevo perfeito. Sobre cada esfera há um começo de cavado circular que mostra ter tido seguimento em outra pedra sobreposta. Mede trinta e seis centímetros de altura por vinte e oito de largura entre os escudos elevando-se a trinta e quatro na saliência máxima das esferas e tem vinte e um de diâmetro na base e vinte e três no topo. O fundo do escudo dos Pereiras está pintado de vermelho e a parte da frente, que esteve embutida na parede, de azul acinzentado claro. Nas esferas, em parte delas, e na cruz floreada, há vestígios de douradura. Como esta pedra mostra os símbolos heráldicos de senhorio, dos Condes da Feira, / 83 / como donatários régios e emblemas usados pelo rei D. Manuel I e pode supor-se que tivesse pertencido ao pelourinho, tão procurado até hoje, ou outro marco de domínio, mandei-o recolher à Biblioteca e Museu Municipais para aí ser guardada e sujeita a estudo».

O Dr. Vaz Ferreira, director desta Biblioteca e Museu, fez, então, uma consulta ao referido e erudito Luís Chaves, formulando um questionário – a que ele gentilmente respondeu e que, com a devida vénia, passamos a transcrever do seu «Ferro Velho» – (Correio da Feira de 21 de Julho de 1943):

«A pedra é sem dúvida o topo de um padrão cilíndrico: A forma e disposição das peças heráldicas, postas em remate a que só falta a extremidade ou acabamento, assim no-lo faz concluir.

Padrão de senhorio, Senhorio simples, isto é, sem compromisso oficial ou fidelidade funcional ao Rei, não teria a subordinação ou homenagem ao soberano, como é o uso das armas reais. Não deve ser portanto prova de senhorio pessoal. Essa estaria no padrão com as armas senhoriais. E esta apresenta as da família e as reais. Ora os pelourinhos são padrões com duplo manifesto de posse de direitos atribuídos pelo Rei em nome da Nação, e de uso de jurisdição local, baseado nesses mesmos direitos. Em toda a parte os pelourinhos brasonados têm as armas senhoriais e as armas reais, cumulativamente com outras signas heráldicas, entre elas a esfera armilar, para as manuelinas ou de alusão manuelina, e as armas de domínio do concelho.

A pedra da Feira, entra, ao que parece, no número destes últimos padrões. Armas reais à frente: brasão dos Pereiras, por trás: as esferas armilares, pediculadas nas faces laterais da pedra prismática. Em cima teria qualquer outra pedra terminal, com decoração a que poderia pertencer, na ligação com os escudos, a coroa manuelina sobre as quinas. Não conheço brasão em pelourinho que tivesse o elmo sobre o escudo senhorial.

Que remate lhe dava a pedra que falta?

Como se há-de sabê-lo?

Quanto à época parece-me que a pedra pode ser do século XVI, e assim o primitivo pelourinho manuelino. Muitos pelourinhos, embora reformados ou reconstituídos mais tarde, repetem a heráldica manuelina, com esfera armilar patente, aludindo desta maneira, na continuidade do tempo, à origem ou à reforma do foral. A simplicidade completa que esta pedra manifesta, visto que só tem o que não podia deixar de ter, parece-me indicar que a ser na verdade o que resta do pelourinho, ele era manuelino. Onde estaria o estilo contemporâneo? Na base e no topo, talvez em forma de florão cónico.

De ter a pedra vestígios de pintura não é de estranhar. Houve pelourinhos coloridos. De um de Chaves, no bairro da Madalena, além do Tâmega, lembra-se o Dr. João Barreira de o ver dourado. Há notícia de outros não sei se fidedignos. Não aparecem agora assim: tem de se atribuir aos mesmos elementos climáticos, que destruíram a pintura na face exterior da Pedra da Feira e só a respeitaram, porque a não atingiram, na face ou faces cravadas na parede.

É pouco para o que V. queria saber. E menos para o que queria interpretar. E pouco também para reconstituição do pelourinho, todavia alguma luz nos dá ou parece dar. Nos tipos vulgares de pelourinhos, seria talvez como o da Ericeira, cilíndrico, liso, nó simples a meio, pirâmide cogulhada de folhagens no topo; a mais que ele – estaria a heráldica.


Cruz floreada dos Pereiras vendo-se, lateralmente, as esferas armilares.

Desculpe-me V. de mais não lhe poder dizer. Mas que é pedra de interesse local e própria de museu não há duas opiniões – Lisboa, 15 de Julho de 1943».

A partir de 1943 nenhum outro elemento podemos colher que possa interessar à interpretação desta pedra, que ainda está depositada no Museu e Biblioteca Municipais da Feira. E, por isso, nada mais tenho a acrescentar sobre a sua interpretação ao que doutamente foi referido, e fica transcrito, por Luís Chaves.

Estou convencido, em razão do exposto, e ainda porque o Foral foi dado à Feira pelo rei D. Manuel I, que o pelourinho da Vila da Feira data dos princípios ou meados do século XVI; e que foi colocado, primeiramente, defronte da casa da Cadeia junto do rio, sendo depois transplantado para a Praça Velha quando aí foi construída, nos meados daquele século, a «Casa do Concelho, cadeya da Vila, Paso dos Vereadores e Almotaseis». Que foi implantado defronte dos Paços do Concelho, não resta qualquer dúvida, o que está conforme a tradição desses monumentos e se ajusta ao fim para que foram instituídos, quando concelhios. Conforme diz Luís Chaves, na citada obra, pág. 15, como «distintivo da jurisdição de um concelho e da sua autonomia municipal» (Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno S. V. «Pelourinho»), o pelourinho erguia-se diante do edifício da Câmara ou paços senado, – o fórum da vida comunal dos vizinhos, desde que aos concelhos foi permitido nos fins do século XII erigirem por seus tais monumentos».

Alberto Pimentel (cit. ob., pág. 199) como já se referiu, também diz que a meio da Praça se levantava o pelourinho «agora substituido pelo chafariz, que pertencera ao Convento dos Loios»: está certo, com a diferença de este chafariz ter sido construido, por certo, mais acima do local onde estava implantado o pelourinho.

A primeira notícia que tenho de pelourinho data de 1703, porquanto do tombo da Casa da Feira (Infantado), fls. 15, consta que a afixação dos alvarás de éditos para chamamento dos obrigados aquela casa / 84 / foi feito no pelourinho existente na «Praça Pública da Villa».

Como já referimos, do citado Tombo do Convento de S. João Evangelista, consta o teor da escritura de 1 de Maio de 1708, pela qual os Padres do «Mosteiro do Espírito Santo que he também de Sam João Evangelista» emprazarão a José Soares de Melo as casas denominadas «do escritório e alqueve de Sizas» (extrema poente da casa hoje pertencente a Francisco Plácido de Resende), dizendo-se, nessa escritura, que ela confinava «do sul com a praça publica para onde tinha a porta e asi hera fronteira com o pelourinho delIa».

Mais tarde, no seu citado trabalho de 1874 – Huette Bacelar – refere, a fls, 187, como também já dissemos, que a casa emprazada a Pantaleão Pereira do Lago (a primeira, a contar do norte, das que hoje estão incorporadas no prédio dos herdeiros de José Soares de Sá) estava «bem defronte do Pelourinho, e Cadeya, da dita Villa». Ainda hoje se pode verificar que aquela parte desta casa, está bem defronte da porta dos Paços do Concelho e, assim, podemos concluir que o pelourinho devia estar implantado defronte da porta central do edifício da Cadeia.

Relacionando estas duas informações, podemos hoje localizar, com certa precisão, o sítio onde ele estava praticado na Praça, ou seja na intercessão de duas linhas: uma perpendicular à entrada dos Paços do Concelho em direcção à casa que o dito Pantaleão possuiu de emprazamento e outra perpendicular àquela casa «do escritório e alqueive de Sizas», pelo seu meio, tendo em consideração que esta casa tinha – no seu comprimento de nascente-poente, defronte da Praça, cinco varas, ou seja 5,50 metros.

Assim, o pelourinho devia estar implantado defronte da porta do actual edifício dos Paços do Concelho e a cerca de sete metros, para nascente, e uns seis metros, para sul, do actual chafariz.

E nada mais sei sobre o pelourinho nem mesmo a data em que ele caiu ou foi demolido.

Como diz Luís Chaves, no seu já citado trabalho, a fls. 48 e 49, «Foram demolidos numerosos pelourinhos pelas próprias Câmaras Municipais, o que é absurdo, mesmo considerando que os concelhos do Constitucionalismo não correspondem nem na realidade administrativa nem no espírito localista, não tendo assim a sua continuidade moral, aos concelhos de Portugal Antigo. Mas é facto que muitas Câmaras mandaram demolir os símbolos das regalias municipais. Os motivos alegados foram vários, todos porém tendentes ao mesmo objectivo.

A saber:

1.º – Por facciosismo político (entre outros Aveiro 1834 e 1835)...

2.º – Por necessidade de alargamento e melhoria de trânsito...

3.º – Por negligência, deixando que a ignorância de uns, a maldade de outros, e a erosão do tempo os danificassem, sem o menor cuidado de os salvar...».

É possível que a causa de destruição do pelourinho da Vila da Feira se enquadre na hipótese do n.º 3 não obstante o concelho da Feira ter sido teatro de lutas muito acesas e odiosas entre liberais e miguelistas.

Também se pode admitir a 2.ª hipótese, para dar maior largueza para o trânsito. Aguardemos, que, do pó de documentos e livros antigos, surjam melhores conhecimentos sobre a construção, manutenção e destruição daquele padrão que hoje está reduzido ao mencionado capitel guardado no Museu e Biblioteca Municipal, da nossa Vila.

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NOTAS:

(1) – Certidão de uma causa que correu em 1578 sobre os chãos de Lobo Afonso, junto à Ponte conhecida como de Fiió.

(2) – A Casa da Aposentadoria era o antigo edifício que pertenceu à Câmara Municipal sita na Rua Direita – hoje Dr. Roberto Alves – na fachada esquerda, direcção norte sul, onde esteve instalado o Batalhão de Caçadores n.º 11, edifício que adiante será referido.

(3) – Deve ser Maria de Vasconcelos que foi casada com Jerónimo Diniz Pinto.

(4) – D. Fernando viveu separado de sua mulher «Porém, quando morreu em 15 de Janeiro de 1700, estava ella em boas relações com elle e moravam em Lisboa, na mesma casa (D. Fernando Tavares e Távora – "O Castelo da Feira» – pág. 102).

 

páginas 42 a 60

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