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N.º 3

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1967 

 

Quatro séculos de história - Vila da Feira

A Praça Velha

Por Roberto Vaz de Oliveira

Licenciado nas Faculdades de Direito e Letras - Secção de
Ciências Histórico-Geográficas, Universidade de Coimbra.

 

A Praça Velha, uma das mais vetustas da Vila da Feira, está situada na sua parte antiga.

Em forma de quadrilátero, tem a área aproximada de 1175 metros; abre seus braços – um para a Igreja Matriz (antiga Igreja do Convento de S. João Evangelista) pela rua que lhe dá acesso para sul – denominada do Dr. Roberto Alves e outro para a Igreja da Misericórdia, (edificada junto à antiga Igreja de S. Nicolau – depois Capela de S. Francisco) pela rua que lhe dá acesso para norte (que faceia o largo dos Condes de S. João de Vêr) denominada do Doutor Guilherme Moreira, como querendo unir as duas Igrejas Matrizes, de S. Nicolau da Feira (respectivamente a mais moderna e a mais antiga).

Tem um outro acesso para nascente – a rua da Lavandeira.

Denomina-se, desde 1940, «Praça do Dr. Gaspar Moreira» em homenagem àquele que, tendo sido distinto advogado nesta vila, presidente da Câmara Municipal da Feira e administrador do concelho, foi uma das figuras mais destacadas da vida social, política e do fôro neste concelho e comarca, desde os fins do século passado até 1937, ano em que faleceu, em casa da mesma Praça, onde viveu e teve o seu escritório de advogado, durante muitos anos. / 56 /

Anteriormente denominou-se «Praça da República. É circundada, do poente pelo edifício da Câmara Municipal e por parte do denominado da Secretaria e, dos demais lados, por casas particulares: ao centro tem um antigo e elegante chafariz – ao qual, em parte, dão acesso escadas de pedra, dado o pronunciado desnível do pavimento da praça – em ladeira que descai de norte para sul.

Foi em tempos o principal centro da vila, privilégio que ainda hoje mantém em grau muito reduzido.

Por isso, a sua história tem interesse e de relevo, para a vila, através das edificações que a circundam e dos motivos que a ornamentavam (pelourinho) e a ornamentam (chafariz).

Infelizmente, da antiga praça, tudo está reformado: hoje quase só resta o declive do seu piso e a memória de uma grandeza e nobreza que aqui recordamos.

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Planta topográfica da Praça Dr. Gaspar Moreira (Praça Velha) – 1943 (escala 1:1000)

 

1 – Praça Dr. Gaspar Moreira (Praça Velha); 2 – Rua da Lavandeira; 3 – Rua Dr. Roberto Alves (Rua Direita); 4 – Largo dos Condes de S. João de Ver (Largo D. Pedro V); 5 – Rua Dr. Vitorino de Sá (Rua de Rolães); 6 – Rua Dr. Guilherme Moreira (Rua Direita); 7 – Casa de D. Vitória Lacerda; 8 – Local onde esteve implantada a casa de Manuel José Godinho; 9 – Casa que foi de João Leite de Sousa; 10 – Casa que foi de José Maria Cachofel Pinto Leitão; 11 – Casa de D. Maria Júlia Rifa de Araújo; 12 – Casa de D. Francisco Plácido Resende; 13 – Casa do Dr. Belchior Cardoso da Costa; 14 – Casa dos herdeiros de José Soares de Sá; 15 – Casa de D. Branca Alves de Castro Mendes dos Santos; 16 – Paços do Concelho; 17 – Casa denominada da Secretaria da Câmara; 18 – Local onde esteve implantada a Capela de Santo António; 19 – Local onde se levantava o pelourinho; 20 – Chafariz

 

Um acaso feliz, fez chegar à minha mão um manuscrito (que hoje é propriedade minha por amável oferta do P.e António Nogueira Gonçalves que o adquiriu na Livraria A. B. Rosenthal através dos seus boletins bibliográficos de vendas) encadernado em carneira lavrada, com nervos na lombada, datado de 1774 (mas que, pela sua leitura, se verifica que já estava a ser redigido em 1768) da autoria de Lourenço Huette Bacelar de Sotto Maior, Cavaleiro da Ordem do X.º e senhor da Casa do Paraíso, casado com D. Vitória de Lacerda, como a referencia, sumariamente, Felgueiras Gaio no seu trabalho Nobiliário das Famílias de Portugal no Tomo XXI, pág. 56 (Moreiras § 4.º), donos que foram, em plena propriedade, de uma das mais antigas Casas da Praça – a que estava contígua à Cadeia.

Intitula-se. escrito com letra muito legível. «Caza da Villa da Feira – Tomo I – Livro apontador de todas as cartas de compras das propriedades que esta caza tem – de todos os prazos que della se tê feito donde constão as notas em que achão – ano de 1774 –», o que tudo está gravado na campa em letras douradas.

Começa por um índice que denota a existência de, pelo menos, outro volume, pois alcança a página 1 385.

Este tomo – único que me foi dado consultar – não se sabe se, porventura, outros ainda existem, tem o seu termo na página 746, com falta de algumas e outras por escrever.

Cada página é marginada por espaços em branco, onde o autor lançou anotações.

Oxalá que alguém, que leia este trabalho, saiba do paradeiro do outro, ou outros, tomos daquele trabalho: o seu achado talvez contribua para esclarecimento de algumas dúvidas e dará conhecimento para outras investigações, nomeadamente para a história de Ovar, S. Martinho da Gândara e Vagos.

A leitura deste manuscrito, que interessa a diversos aspectos da história da Vila da Feira e de algumas das suas freguesias (embora, neste particular, de mais reduzido interesse) decidiu-me a escrever este trabalho, para o qual recolhi elementos de outras origens, entre as quais posso destacar a citada obra de Felgueiras Gayo em 28 Tomos, 4 «De Costados» e 1 «Título de Souzas», um volume sobre a genealogia de Soares Barbosa (1) que pertence ao membro dessa família, o Conselheiro Dr. Alberto Toscano, outra da autoria de Francisco de Moura Coutinho Paiva Cardoso de Almeida d'Eça «Um dos meus Costados», diversos artigos dispersos em jornais e revistas, livros e documentos na posse de particulares, da Biblioteca e Arquivo da Câmara Municipal da Feira, designadamente as actas das suas sessões e os livros das suas contas, registos na Conservatória do Registo Predial desta Comarca da Feira (incluindo os do antigo registo de hipotecas) e do Registo Civil deste concelho, arquivo do Tribunal Judicial, inscrições na matriz predial da freguesia da Feira e ainda os Tombos da Casa da Feira (Infantado) e do Convento de S. João Evangelista da Vila da Feira (2) e o Foral concedido à Feira e Terra de Santa Maria pelo rei D. Manuel I, em 10 de Fevereiro de 1514, arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Vila da Feira e da Confraria de Nossa Senhora da Piedade, desta Vila.

Propondo-me contribuir, deste modo, para divulgar conhecimentos que proporcionem, um dia, a quem tiver possibilidades e tempo disponível (tão necessário para obras desta natureza) a publicação de um trabalho de maior amplitude, sobre a «História da Vila da Feira e do seu Castelo», que urge fazer, restrinjo, este meu trabalho, o primeiro dos da série em estudo «À Praça Velha da Vila da Feira», que divido em dois capítulos: o primeiro, referente «Às Casas de Habitação»; e o segundo, aos outros edifícios e motivos, incluindo-se, naqueles, o da Câmara Municipal e da antiga Cadeia (que nela existiu), o da Casa da Secretaria, o da (Capela, ou Oratório, de Santo António» (já extinta) e, nestes, o «(Pelourinho» (que nela estava implantado) e o «(Fontanário» – (que hoje ainda lá existe), completando-se este último capítulo com «Diversos».

Aproveito a oportunidade de firmar, em escrita, lembranças que estão em risco de se perderem.

Continuadamente encontro elementos mais esclarecedores, mas como não é de aconselhar que fique indefinidamente, à espera de maior perfeição, decido-me a entregar o meu estudo à divulgação: tudo o que vier, em melhor conhecimento, servirá para refundir, por integração, este trabalho – à guisa da actualização adoptada nos Códigos: lanço, assim, os alicerces para obra de maior vulto. / 57 /

Para melhor elucidação do texto, faço acompanhar este estudo de árvores genealógicas referentes aos donos dos prédios, objecto do presente trabalho, e de um índice com a ordenação alfabética dos que nelas são mencionados, com remissão, em especial, para a obra, atrás referida, de Felgueiras Gayo.

Procurarei fazer «história» firmada em documentos, sem qualquer sabor de fantasia, que só compromete e prejudica a seriedade da narração e faz induzir em erro, falseando a alta missão de quem escreve para ser acreditado, alicerçando-se em fontes que repute sérias, com a devida garantia de autenticidade, que estudei com cuidado pois, como diz Huette Bacelar, na sua citada obra – fls. 2 – «tem avido infenitas logracoens, e enganos, a quem se fia em tudo quanto lhe dizem, sem o averiguar pessoalmente».


Praça Dr. Gaspar Moreira (de Norte para Sul)

 

Admitindo o erro de boa fé, agradeço a todos que, em crítica construtiva, queiram estabelecer diálogo que permita elucidar, completar, ou mesmo corrigir, este meu modesto trabalho.


CAPÍTULO I

CASAS DE HABITAÇÃO

1

As do Poente

A

Casa que pertenceu a D. Victória de Lacerda Cardoso Botelho de Pinho Pereira e a seu marido Lourenço Huette Bacelar de Sotto Mayor.

A notícia mais remota desta casa data dos meados do século XVI, porquanto Lourenço Huette Bacelar de Sotto Mayor nos dá conhecimento, no seu aludido trabalho, que ela pertenceu a José Soares de Matos, também conhecido por José Soares de Albergaria, ou José de Matos Soares que foi Juiz dos Órfãos – na Villa da Feira, casado com D. Maria Soares, da Quinta de Fijô, 5.os avós de sua mulher D. Victória de Lacerda Cardoso Botelho de Pinho Pereira: nesta casa viveram José Soares e sua mulher.

Estes José de Matos Soares e Maria Soares tiveram vários filhos, entre os quais: a) Filipa de Matos Soares, casada com Diogo Moreira de Vasconcelos «O Velho» (4.os avós da D. Victória) b) António Soares de Oliveira, casado com Maria Marques, conhecido pelo «Sarabando» c) Tomé ou Thomaz Soares a quem Gayo (cit. ob. T. XXVII fls. 115) chama Thomaz Soares clérigo (3) e Huete (cit. ob. fls. 81) chama Tomé.

Por falecimento de D. Maria Soares, já no estado de viúva, ficaram as casas que pegavam, pelo sul, com a Cadeia, a pertencer àqueles filhos António e Thomaz, em 1/4 parte para cada um, em pagamento das suas legítimas. Parece que estes decaíram de fortuna e, d'aí, por escritura de 27 de Janeiro de 1613, lavrada pelo Tabelião Lucas Pinto Coelho, aquele António e mulher venderam, ao referido Diogo Moreira de Vasconcelos «O Velho» «um quarto das cazas, da Prasa, as q.e partem com a Cadeya, com seu Quintal, pumar, e orta, q.e tem para tras, cujo quarto de caza, tucou ao dito António Soares, em valor d'30$= q.e por morte de sua May, Maria Soares, veuva de José Soares, pelo Inventário q.e se fes, em q.e puzerão todas as cozas, no valor de sento, e vinte mil reis, cujas cazas partem do sul, com a Cadeya da m.ma dita Villa da / 58 / Feyra, e tambem com o Quintal d'Antónia de Miranda, e da outra banda partião com as cazas, e campos de Manoel Lobato Pinto (4) (isto oje está tudo mixto, e é o de q.e se compoem as cazas, e Quinta para tras, na Villa da Feyra), e isto tudo era Dizemo a Deos, e por isso teve ali legitima o d.º Vendedor».

«Este comprador Diogo Mor.ª de Vasc.os era cazado com D. Filipa de Matos, a qual veyo da caza de Fijo» (Huette cit. ob. fls. 79 v.º e 80).

Em 20 de Junho de 1615 Gaspar Dias e mulher Domingas Jorge obtiveram carta de arrematação de metade das mesmas casas, em procedimento judicial contra os herdeiros e filhos «q.e ficarão, por morte de Jozé Soares, todas da Vila da Feyra» – como refere Lourenço Huette na cit. ob. – a fls. 80.

«O q.e rematou foi metade das cazas, e metade do Quintal, q.e tinhão sido do dito devedor Jozé Soares, q.e são pegadas á cadeya, pelas dividas, q.e o dito lhe tinha ficado a dever, por uns asinados, de q.e alcansou Snn.ca, contra os ditos filhos, e Erdeyros, a qual deu, na Villa de Macieyra de Cambra o Proveror, e Contador da fazenda, na comarca de Esgueira, o Ld.º Sebastião Pinto Lobo, aos = 16 = de Agosto d' 1615 de q.e foi Esc.am o da Provedoria, Gaspar Coelho, e em virtude dela, fes a sua pinhora na dita metade da caza, e Quintal, o tal Gaspar Dias, cujos bens, ele mesmo numiou, pelas partes o não fazerem, e tambem rematou, por nunca áver quem Lansase: foi pelo preço da sua mesma divida q.e erão 45$= (cit. ob. fls. 80 e 80-v.º).

Por sua vez, aqueles Gaspar Dias e mulher, por escritura de 26 de Novembro de 1615, venderam, aquela metade, ao mencionado Diogo Moreira de Vasconcelos «O q.e comprou, foi metade de umas Cazas, com seu Quintal, sitas na Prasa, e pegadas á Cadeya, são as mesmas da Carta de Rematasão asima descrita, de 20 de Junho, deste mesmo ano; forão pelo preso de 55$= (cit. ob. fls. 80-v.º).

Assim, o Diogo de Vasconcelos ficou senhor de três quartos da mesma casa e quintal.

Em 26 de Setembro de 1615 (ano anterior ao do seu falecimento), o Diogo Moreira de Vasconcelos, já no estado de viúvo, adquiriu a restante quarta parte da aludida casa e quintal por carta de arrematação, em procedimento judicial, contra aquele Tomé Soares, filho dos mencionados José Soares e mulher Maria Soares: «O q.e rematou, foi hum quarto das Cazas, em q.e o dito seu Pay viveo, por Legitima de sua Mav, em o preço de 30$ = e como não tinha de q.e se alimentar, nem p.ª acabar os seus Estudos, fes petição p.ª ãver de o Juiz consentir na venda do dito quarto das cazas...   ...» (Huette, cit. ob. fls. 81).

Deste modo o Diogo de Vasconcelos reuniu, na sua mão, o direito à propriedade da totalidade da dita casa e quintal.

Estudando a ascendência daqueles José de Matos Soares e sua mulher Maria Soares – os titulares mais antigos, de certeza, da referida casa, verifiquei que, ambos descendem de Lopo Soares de Albergaria (5), ela por força do seu primeiro casamento com Leonor ou Maria Meyrelles e ele do seu segundo casamento com Branca Coelho.

Não consegui apurar se esta casa de José Matos Soares e de sua mulher Maria Soares, e onde eles viveram, veio à sua posse por cabeça dele ou dela, ele como filho de Pedro Soares de Albergaria, ou Pedro Soares Cambra, também conhecido por Pedro Soares Thiamonde, casado com Filipa de Pinho e ela como filha de Madalena Soares ou Madalena Soares de Albergaria e de António de Aguiar de Vasconcelos (e não de Pedro de Aguiar como diz Felgueiras Gayo cit. ob. Tomo XXI, fls. 55 ver Tomo II, fls. 103 e Tomo XXVII, pág. 115 e ainda referida Genealogia de Soares Barbosa, fls. 35).

Possivelmente pertenceu ao referido António Aguiar de Vasconcelos, que era de Fijô, da Terra da Feira (casa com que confinava a propriedade em causa) como diz Felgueiras Gavo cit. ob. vol. XXVII, pág. 110 – e referida genealogia – fls. 35.

Acresce que não é natural que a casa viesse por cabeça daquele Lopo Soares de Albergaria, quer por força do primeiro casamento com Leonor ou Maria Meyrelles de quem descende Maria Soares, quer por força do seu segundo casamento com Branca Coelho de quem descende José Soares de Matos, pois aquele Lopo parece que não tinha casa na Vila da Feira, como se verifica do seguinte passo referido por Felgueiras Gayo, cit. ob. T. XXVII, pág. 110 «Teve amizade ilícita com D. Joanna de Albuquerque f.ª de Nuno da Cunha Sr. de Gestaco no ttº de Cunhas §§ – N – e não querendo Lopo Soares cazar com ella fugio, e veyo ao Castello da Villa da Feira onde estavão os Condes q.erão seus parentes, e lá asestio com elles porem estando mal acomodado foi para Caza de hum Cavalheiro q. devia ter o apellido de Homem, pois seus descendentes uzarão do apellido de Homem, e asestia na sua q.ta da Frei, (6) e hia mtas vezes comer e caçar com os Condes, e se demorou alguns mezes com intento de passar a Galiza, tinha o d.º Cavalleiro hua f.ª chamada D. Branca Coelho a qual Lopo Soares emprenhou e querendo Lopo Soares auzentar-se, do que sabendo o Pay, o fez cazar com ella, e andando hum dia a caça na sua q.tª de Frei foi morto por mandado dos parentes de D. Joana Albuq.e de Lx.ª.»

Impressiona, contudo, o facto de o Bisavô do Pedro Soares de Albergaria, pelo lado paterno, ser João Soares Homem (filho daquele Lopo Soares de Albergaria) que, de certeza, viveu na Vila da Feira, pois como diz Felg. Gayo – cit. ob. T. XXVII, pág. 112 «Cazou / 59 / com D. Ant.ª Aranha como diz o letreiro de sua sepultura na Igreja da Villa da Feira f.ª de Diogo Vaz de Pinho».

É caso para apurar, pois daí se poderá conhecer com a devida certeza, a quem pertenceu a dita casa, antes de José Soares.

Enquanto isso não se conseguir, assentamos que a casa existia no primeiro quartel do século XVII, e, com toda a verosimilhança, no último quartel do século XVI, na posse do dito José Soares: se não foi adquirida por compra pertenceu, anteriormente, a seus pais (referidos Pedro Soares de Albergaria e Filipa de Pinho) ou sogros (aludidos António de Aguiar de Vasconcelos e Madalena Soares) o que alcança os meados do século XVI.

E por aqui nos quedamos para não entrar no campo da fantasia.

É de considerar que quando Huette Bacelar, no seu citado trabalho, datado de 1774, fala das suas casas além das «ortas e pumares» que a elas diz ligados, refere-se, também, como parte componente desta propriedade, a «uma grande Ribeyra» para, mais adiante, esclarecer «Tem estas Cazas, pela parte posterior uma Quinta, que se compoem de pumares, ortas e mais terras Lavradias...».

Analisando com cuidado os títulos de compra, das ditas casas, aos descendentes de José Soares de Matos e mulher, nota-se que essas aquisições dizem respeito – apenas «ás cazas da Prosa, as que partem com a Cadeya, com seu Quintal, pumar, e orta, q.e tem para trás», não se fazendo qualquer referência àquela «grande Ribeyra».

Consegui averiguar, através do citado trabalho de Huette Bacelar, como se passa a descrever, que esta Ribeira, quando Diogo Moreira de Vasconcelos «O Velho» fez as aludidas compras já pertencia, em parte, à sua casa, por via do seu pai António Moreira de Vasconcelos (que vivia entre 1596 e 1609 – ano em que faleceu) casado com Maria do Couto Vasconcelos (que lhe sobreviveu) e era filho do já falado Marcos Moreira e, assim, se explica que Diogo Moreira de Vasconcelos se inclinasse para a compra das aludidas casas da Praça, aliando, a esta razão, a de ser casado com uma filha do José Soares de Matos, de nome Filipa de Matos, vindo a formar-se, com esta aquisição, uma extensa propriedade, na qual ficou integrada a dita «Grande Ribeira».

Esta Ribeira era vasta e resultou do emparcelamento de terras de diversos senhorios.

Integrando-se na Casa da Praça formou, com ela, um prédio misto, cuja importância e valor é realçado, no seu descritivo, por Huette Bacelar. A sua valorização dependia, em grande parte, do direito, a ela adstrito, a águas nascidas em chão de outrem, e que a alcançavam através da Quinta de Rolaens.

Por escritura de 5 de Novembro de 1597, António Moreira de Vasconcelos e sua aludida mulher Maria do Couto de Vasconcelos, compraram à Condessa da Feira, D. Joana da Silva, assistente no seu Castelo «hum campo todo tapado sobre si, Erdade Dizemo a Deos, só com o foro ao Mosteiro daquela Vila de des alqueires de trigo em cada hum anno, e parte da banda da Rua, com o Inxido de António Soares (que he o q.e o tinha vendido, à mesma Condessa). com Gaspar Corrêa, e António de Azevedo, e de Rolãens com Manoel Caldeira, e de Fijô com Turubia de Aguiar, e do Castelo com o Rio: cujo campo a dita Condessa da Feyra, D. Joana da Sylva, tinha comprado a António Soares, da mesma Vila, foi pelo preço de 40$ = ».

«Isto está metido, na Ribeyra da Caza, mas cudo q.e está demarcado por Marcos, p.ª se saber qual é esta terra, e de q.e se pagão os ditos alqueires do foro». Nas costas desta escritura estão estas palavras «Carta de venda do Campo de junto ao Rio q.e vendeo a Snr.ª D. Joana da Silva» Huette cit ob. pág, 83-v.º.

Por escritura de 26 de Julho de 1623, Álvaro Vaz de Sam Payo, viúvo, vendeu a Francisco Moreira de Vasconcelos (irmão do Diogo Moreira de Vasconcelos «O Velho» que era 4.º avô da D. Victória e filho do referido António Moreira de Vasconcelos) «hua Deveza, sita ao redor do Rio, e levada q.e vai p.ª os seus Moinhos, a qual está, e parte com a Ribeira, de Gaspar Fernandes de Pombos; e da outra parte confronta com o Campo de Bastião Gonçalves, da mesma Vila, e com terras delle vendedor, q.e era sua Erdade Dizima a Deos, e lhe viera por dotte de seus sogros». Huette cit. ob., pág. 84 e 84-v.º.

Por sua vez, Manuel do Couto, e em execução que o Comissário Geral da Bula da Cruzada, D. António de Mascarenhas, moveu ao Tesoureiro Álvaro de Almeida, em 22 de Julho de 1630, arrematou um campo que tinha sido de Baltasar Gonçalves «O Negro» que estava acima da casa de Manuel Gomes; por escritura de 11 de Março de 1645, aquele Manuel do Couto e mulher Maria Vaz, venderam este campo ao Francisco Moreira de Vasconcelos. Como refere Huette Bacelar, cit. ob. a fls, 85 e 85-v.º: «Dis q.e dele se pagava, um alqueire de trigo, e tem authoridade, de hum Manuel de Pinho, a quem dis pagára o dominio». Isto cudo eu esta incluido na Ribeyra das minhas cazas da Feyra e o tal alqueire de trigo, se devia comprar, e mais o direito dominical, por q.e eu não sei, q.e tal couza se pague hoje».

Mais tarde «O Doutor António da Rocha Manrique, por Provisão do Rey veyo a tombar todos os bens da Caza da Feyra», requerendo que parte da Ribeira que então pertencia a Diogo Moreira de Vasconcelos tinha que pagar «de tudo que ela produzisse» o oitavo com fundamento no facto de, já no tombo que se tinha / 60 / feito em 1649, a requerimento da Condessa D. Joana, António Leite do Amaral (pai daquele Diogo Moreira de Vasconcelos, casado com Ignez Andrade de Vasconcelos), em 1655, ter reconhecido esta terra com essa obrigação.

Mereceu contestação com fundamento da «Snr.ª D. Joana da Sylva, Avô da Snr.ª Condessa D. Joana Emediata Donatária da Caza da Feira» ter vendido o referido campo, pela referida escritura de 5 de Novembro de 1597, a António Leite do Amaral, livre e isento do tal oitavo, estando apenas obrigado ao foro dos dez alqueires de trigo aos Religiosos do Espírito Santo desta Vila.

Foi decidida a diminuição do preço desse foro e facultado o direito de anular o contrato com os referidos Religiosos por recair o seu pretenso direito em bens da Coroa.

Como só parte da Ribeira tinha o encargo a favor da Coroa, foi feita a delimitação dessa parte por meio de marcos de pedra, mas não obstante esta decisão, diz Huette, talvez por não olharem a tal divisão, sua sogra D. Josefa Violante de Vasconcelos estava a pagar aquele oitavo.

Esclarece Huette Bacelar, cit. ob. fls. 78 e seguintes, que em Novembro de 1578 correram uns autos, existentes no Cartório do Castelo, sobre «os chãos da Feira, à ponte, por detras da Cadeya Velha, q.e forão de Lopo Afonso» (7), movidos pelo Procurador da Coroa contra João Barroso e Pedro GIzI com o fundamento de estes nada pagarem à Coroa, ao que estavam obrigados como possuidores daqueles Chãos «que os Reus traziam em pumar».

«Confessarão, q.e não tinhão duvida, a pagar do q.e se louvase, e achase pertencer á Coroa, mas q.e as duas Ribeyras, q.e os Reos trazem, que correm ao Longo do Rio, asima da ponte, são suas Erdades Dizimas a Deos, livres, e izentas de pagar nada, tanto antes, como depois do farol, de mais d' sem e duzentos anos».

Foi decidido que tudo pertencia à Coroa por sentença de 27 de Fevereiro de 1579 (que Huette por engano refere a 1519) tendo dele apelado o Procurador dos Reos «mas não consta aqui p.ª onde nem o como sayo». Comenta Huette, a pág. 79 «Eu não sei se isto he algua terra, q.e esta metida na Ribeira das minhas cazas da Feyra, ou se he couza de outra pesoa, por q.e se isto é o mesmo Campo, e terra, de q.e trata a certidão, atras descrita (referida sentença), sobre q.e ouve a questão p.ª oitavo então vensim.tº devião ter estas partes, na apelação, q.e interpos o seu Procurador da Snn.ça q.e deu o dito Juis, em q.e lhe condenou toda a sua terra sogeita á Coroa, e lá na desima e = oitavo = aqui dis quarto, e só pela Snn.ça desima, ficou sogeita ao = oitavo =, a terra q.e paga o senso aos Loyos, e nada mais, com q.e Eu creyo, e mepersuado, q.e estes chãos, é couza q.e Eu não pesuo, nem ouve nunca na caza da minha mulher» fls. 78-v.º, e 79.

Esclarece-se que o aludido comprador da Ribeira, à Condessa D. Joana, António Moreira de Vasconcelos e sua mulher Maria do Couto Vasconcelos dotaram, para casamento de sua filha Madalena Moreira (filha do já falado Marcos Moreira e irmã do Diogo Moreira de Vasconcelos «O Velho») – com Manuel Lobato Pinto (filho de Lucas Pinto e de sua mulher Catarina Gramacho) – por escritura de 18 de Maio de 1602, aquela Ribeira, que pertencera a António Soares e que, em 1626 e ainda na posse do Manuel Lobato Pinto, confrontava do norte com terras de Rolaens e do sul com o rio público.

Aquele António Moreira de Vasconcelos e sua mulher tiveram um outro filho, de nome Francisco Moreira de Vasconcelos, que, do seu casamento com Paula de Pinho, teve dois filhos: António Leite do Amara!, casado com Antónia de Vasconcelos Amaral 3.os avós de D. Victória e Manuel Leite de Vasconcelos.

Por óbito daquele Francisco Moreira de Vasconcelos procedeu-se a inventário, em 1648, sendo cabeça de casal sua viúva Paula de Pinho e, por morte desta, a inventário que teve lugar em 1660, não constando que o Manuel (que apenas teve dois filhos bastardos – Belchior Leite e Manuel Leite) tivesse ficado com quaisquer dos bens que possam interessar a este estudo, sendo de presumir que estes ficassem para o António Leite do Amaral.

A referida quinta de Rolaens, que ainda há-de ser motivo de estudo particular, é também muito antiga, tendo pertencido a José Pinto Tavares e, em 1774, pertencia à filha deste de nome D. Ana Victória de Sá Pereira Tavares de Pinho casada com Pedro José do Vabo M.dº da Silva e Bulhome que era sobrinha do Abade, que, em 1768, paroquiava a freguesia de Espargo, deste concelho da Feira.

Já em 1526, o direito à água da aludida quinta de Rolãens era objecto de litígio, decidido por sentença de 7 de Dezembro do mesmo ano – água que nela foi referida como de «Fonte do Pedreiro» fonte esta que, no dizer do Huette Bacelar, devia ser a mesma que, mais tarde, foi conhecida, pela «Fonte João Pirão» (8), água com que era regada a quinta de Rolãens e a mencionada Ribeira.

«Creyo he esta água a que hoje chamam de João Pirão, com que se rega o Pumar, e Ribeyra, da minha caza da Feyra, que quando se emprazou a Quinta de Rolaens, se lhe deu so certa ágoa, e amais ficou para cá, e sevay conduzir mesmo por dentro da dita Quinta de Rolaens, quantas vezes he precizo, poronde tem servidão franca, com chave da Porta, que se pos, / 61 / onde estava o portello antigo, e estou nessa posse (cit. ob. fls. 29).

Aquela Quinta de Rolãens, no dizer de Huette, pertenceu-lhe como senhorio directo, como se infere daquele texto e está expressamente dito a fls 28-.v.º: «que he minha e anda emprazada».

Em 1611, pertenceu a dita Quinta de Rolãens ao já mencionado Manuel Lobato Pinto (filho de Luces Pinto), casado com Madalena Moreira (filha do aludido António Moreira de Vasconcelos), cunhado do 4.º avô de D. Victória de Lacerda, de nome Diogo Moreira de Vasconcelos casado com Filipa de Matos Soares, todos referidos neste trabalho: esta quinta foi doada, por aquele António Moreira de Vasconcelos e mulher, à filha Madalena como dote para casamento com o Manuel Lobato, por escritura de 18 de Maio de 1602.

Em 1698, como se verifica de outra sentença, com data de 18 de Julho, a mesma propriedade era pertença de Diogo Moreira de Vasconcelos, casado em 1674 com D. Inez de Andrade de Vasconcelos (bisavós de D. Victória).

O referido Diogo Moreira de Vasconcelos «O Velho» – (que vivia entre os anos de 1611 a 1619) do seu casamento com Filipa Matos Soares teve, além de outros, uma filha de nome Antónia de Vasconcelos Amaral, que foi casada com um primo co-irmão António Leite do Amaral (que vivia nos anos de 1648 e 1660), por ambos terem como avós comuns António Moreira de Vasconcelos e sua mulher Maria do Couto de Vasconcelos (por morte dos quais se procedeu a inventário em 1609), ele filho do já aludido Marcos Moreira.

Aquela Antónia de Vasconcelos Amaral, como herdeira de seu pai, foi a que lhe sucedeu na propriedade da Casa e Quinta da Praça que, por morte destes, passou por herança para seu filho, outro Diogo Moreira de Vasconcelos, que foi juiz de Vila da Feira (e vivia nos anos de 1669 e 1716), casado com Inez de Andrade de Vasconcelos (que vivia nos anos de 1674 a 1714).

Este Diogo, em 1673, era estudante da Universidade de Coimbra e ainda estava sujeito à tutela, por não ter completado os 25 anos: casou com a referida Inez de Andrade em 1674 e faleceu na Vila da Feira em 1716, dois anos depois de sua dita mulher.

Sucedeu-lhe na Casa e Quinta seu filho Bernardo Moreira de Vasconcelos, Cavaleiro da Ordem de S. Tiago (que vivia nos anos de 1710 a 1759) casado com D. Bernarda Sofia de Leão (que vivia no período compreendido entre os anos de 1713-1763).

Huette Bacelar, no seu citado trabalho, a fls. 90, informa que Diogo Moreira de Vasconcelos, casado com Ignez de Andrade, por testamento de 26 de Junho de 1716, nomeou e instituiu por seu universal herdeiro o aludido Bernardo Moreira de Vasconcelos (avô da D. Victória de Lacerda) «de todos os seus bens moveis, e de Raís q.e lhe coubesem na sua tersa, especialm.te as cozas em q.e vivião, com os seus pumares, orta, campo, e Ribeyra tumando esta propriedade, primeiro no seu terço, e se lhe coubesse mais, se lhe adjudicasse nos outros bens, além da sua legitima, e dos prazos q.e já no dito seu filho, tinha nomeado».

O dito Bernardo tomou posse da herança em 21 de Setembro de 1716.

A mulher do referido Diogo, aludida D. Ignez de Andrade de Vasconcelos, por testamento de 4 de Maio de 1714, tinha deixado o terço ao marido.

Aquele Diogo Moreira de Vasconcelos e sua mulher Ignez de Andrade de Vasconcelos tiveram uma filha além do Bernardo Moreira de Vasconcelos, de nome D. Antónia Moreira do Amaral Vasconcelos, casada que foi com Dionisio Pereira Soares de Albergaria.

Entre sogro e genro houve demanda por este, já no estado de viúvo, ter exigido àquele que fizesse inventário para haver a sua legítima, que tocasse a sua falecida mulher, do que resultou uma escritura de transacção com data de 26 de Abril de 1712, sendo o genro composto em dinheiro.

Por sua vez, por escritura de 4 de Novembro de 1716, aquele Bernardo fez também escritura de transacção com seu referido cunhado, Dionisio Pereira Soares de Albergaria, para partilha dos bens deixados pelo referido Diogo Moreira de Vasconcelos, da qual resultou este Dionisio ser composto parte em dinheiro e parte em medidas que se pagavam em S. Martinho de Argoncilhe e em Taboaça do Lobão, freguesias que ainda hoje são do concelho da Feira.

Assim, o Bernardo ficou senhor das Casas e Quinta da Praça.

Nas referidas escrituras de 1712 e 1716 houve licença do Juiz dos Orfãos por serem menores os filhos do aludido Dionisio Pereira.

O mesmo Bernardo Moreira de Vasconcelos – por sua vez, foi também o herdeiro universal de seu tio Francisco Cardoso Loureiro de Vasconcelos, que foi casado com D. Brites Rangel de Quadros, com a qual fez transacção para o efeito de partilhas, por escritura de 28 de Abril de 1721.

Sucedeu-lhes, e ainda como proprietário da mesma Casa e Quinta, Diogo Moreira Cardoso de Vasconcelos, Cavaleiro da Ordem de X.º (que vivia nos anos de 1738 a 1745) casado com Josefa Violante de Vasconcelos (que vivia nos anos de 1742 a 1767), viúva em 1763, pois o referido Bernardo e sua mulher dotaram este seu filho Diogo com «todos os seus bens, foros, e rendas, q.e tinha, reservando p.ª si enquanto vivos, metade das ditas rendas (Huette, cit. ob. pág. 233 e 305).

Este Diogo fez novo acrescento à casa pois, por escritura de 24 de Fevereiro de 1738, lavrada pelo / 62 / Tabelião Dionísio Ferreira da Silva, comprou, pelo preço de 200$ =, a Francisco Xavier de Freitas e suas cunhadas Maria do Nascimento e Josefa de Freitas, com ele assistentes e a seu irmão e cunhado, o Padre José Bento de Freitas, umas casas pegadas à sua da Praça que deviam estar implantadas imediatamente para norte, a facear, também, pelo norte, com a viela que ia para Rolãens, casas que Huette (cit. ob. pág. 83) descreve, «O q.e vendo foi; as suas cozas q.e estão pegadas, e mistas, ás minhas grandes da Prosa, q.e fazem quina á viela q.e vay p.ª Rolaens, e Montinho. São Dizemos a Deos...» «Tinha feito nestas cozas pinhora (e em outros mais bens) Domingos Alves Saldanha, da cidade do Porto, e por isso, e p.ª remirem outras vexasõens de dividas, é q.e as vendião, e o dito dinheiro se entregou logo, na mão de Domingos Ferreyra, da dita Vila, pera pagar ao acredor, q.e, as tinha pinhorado, q.e o dito depozitário entregaria por authoridade, de justiça, e cobraria descarga, p.ª titelo dos vendedores. Como estas cazas, estão mistas ás grandes, lhe abrirão portas por dentro, ás vezes se servem delas, outras vezes, as trazem alugadas.»

Assim, as duas casas pegadas uma à outra, embora com autonomia, ficaram, pela ligação feita interiormente, a formar, entre elas, um todo na mão do mesmo proprietário Diogo Moreira Cardoso de Vasconcelos, fazendo-as estender até à viela de Rolaens. Deste modo, parte, a pegada à cadeia, ficava fronteira à Praça e a outra parte, a acrescentada, deitava para a rua que da mesma praça seguia para norte, rua esta que ainda existia há pouco tempo, em pequeno troço: hoje começa mais para norte, partindo do largo dos Condes de S. João de Ver e segue, para norte, com a designação de rua do «Doutor Guilherme Moreira».

Em 8 de Novembro de 1754, D. Josefa Violante de Vasconcelos, viúva de Diogo Moreira Cardoso de Vasconcelos, como senhora da Casa da Praça, reconheceu a obrigação de pagamento, à Casa da Feira (Infantado) de portado (9) (Tombo fls. 74) duas galinhas sem ovos. Como dissemos este Diogo tinha sido beneficiado, pelos pais Bernardo Cardoso de Vasconcelos e mulher, com a doação de seus bens, embora com reserva das rendas, para eles doadores. Consta do mesmo reconhecimento que, então, numa das casas vivia a D. Josefa e na outra pegada, à mesma pertencente, vivia de aluguer o Tabelião Teodosio Tomás Correia de Sá.

Em 1753 a referida D. Josefa já era viúva como se vê da compra, por ela feita, de um terreno que foi de um tal Manuel Pereira (Huette cit. ob. pág. 175-v.º). Em 30 de Outubro de 1754, a D. Josefa Violante reconheceu à mesma Casa da Feira – a favor desta – a natureza enfiteutica da aludida Ribeira um oitavo de toda a novidade que colherem) – «de hum campo que pessue dentro dos limites de sua quinta intitulado o Campo do Ribeiro que fica logo pegado e por cima do Rio desta mesma Villa». Da respectiva medição consta «Hum campo que fica dentro da quinta da reconhecente Dona Josefa Violante de Vasconcelos para a parte do poente junto da quinta de José Pereira Soares de Albergaria, que medindo do Nascente ao poente pella parte do norte tem trinta e tres varas travessas de cinco palmos cada huma e medido pella parte do sul do nascente ao poente tem outras trinta e tres varas e medido da parte do nascente do norte ao sul de marco a marco tem setenta e tres varas e pella parte do poente medindo por o pé do comoro dão do norte ao sul até ao rio tem cincoenta e nove varas todas da mesma medição tem o dito campo arvores de vinho da parte norte sul e poente e parte o dito campo da parte do nascente com a mesma reconhecente e do poente com a quinta de José Pereira Soares de Albergaria e do norte com a quinta do Fontoura e do sul com o Rio. Levara de semeadura oito alqueires de senteio e ficam dividindo o dito campo dois marcos que agora se puseram para se dividir da quinta da reconhecente os quais ficam a saber Hum da parte do norte ao pé de um carvalho que ahi a direito e outro marco que fica pertinho de outro carvalho que esta no maracham que fica por cima do Ribeirinho que esta ao pé do Rio que he pertensa do mesmo campo atraz medido e vai incluido na mesma medição e se não poz ao pé do Rio e donde vai ter a medição a fio direito por causa das correntes e a não alanhar e arruinar e nesta forma houve elle Dr. Juiz do Tombo essa medição por finda e acabada». No Tombo tem a seguinte anotação «he a verba do Foral a fis. 2-v.º chão q esta ao Rio».

A referida propriedade, em pleno domínio e posse, veio à mão da D. Victória por sucessão de seus pais Digo Moreira Cardoso de Vasconcelos e Josefa Violante de Vasconcelos – datando a escritura de dote, a favor de seu marido Lourenço Huette, de 21 de Abril de 1755 e servindo de procurador de sua sogra, D. Josefa Violante de Vasconcelos, seu irmão congregado o Padre Manuel José: também a assinou o avô de D. Victória – Bernardo Moreira de Vasconcelos, pois, como já referimos, nelas tinha direito de usufruto.

A referida propriedade teve maior acréscimo. Diz Huette (cit. ob. pág. 85-v.º) que às casas e quinta foi agregado mais um pedaço de terra que, por escritura de 2 de Novembro de 1758, lavrada pelo Tabalião Teodosio Tomaz Correia de Sá, Fernando Botelho Pinho Pereira Vasconcelos e Lacerda comprou a Maria Madalena de S. Pedro da Rosa (referida na alínea C deste número 1) formado por «hum pedacito de terra no direito da Eyra das minhas cozas de Villa da Feyra, mas lá p.ª o fundo, pertinho do Nascente com terra mesmo minha, das minhas cozas, e do Norte com caminho público q.e é o q.e vai p.ª Rolaens, e o Montinho, e do poente / 63 / com a Quinta do Fontoura, e tem huã portinha p.ª o dito caminho, ou viela, q.e vay p.ª o Montinho, é chamado o Quintalejo».

Este Fernando Botelho deve ser o irmão de D. Bernarda Sofia Leão, filho de D. Isabel Soares de Lacerda e de Fernando Botelho de Pinho conhecido por Fernando Correia de Lacerda, que em religião foi denominado por D. Fernando de Santo António Botelhofrade Cruzio – que, antes de professar, doou a legítima de seus pais e sua irmã D. Bernarda e marido Bernardo Moreira de Vasconcelos, por escritura de 1713, tanto mais que tem o apelido de Lacerda que lhe proveio de sua mãe D. Isabel e não de seu pai Fernando Botelho de Pinho. Não se pode entender como sendo este último Fernando Botelho de Pinho, por este estar falecido em 1707, pois sua mulher D. Isabel quando, nesta data, fez o reconhecimento de aforamento à Casa da Feira do prédio aludido no n.º 3-B-b deste trabalho, foi dada «como viuva que ficou do Licenciado Fernão Botelho de Pinho Pereira».

Também a data de 1758 o confirma, porque o Teodósio Tomaz Correia de Sá era, nesse ano, Tabelião nesta vila da Feira, (já o era em 1754, como já referimos) e porque a Maria Madalena de S. Pedro Rosa devia ser a enfiteuta do prédio e nessa qualidade fez a venda, o que é confirmado pela seguinte referência feita por Huette (cit. ob., pág. 85-v.º) «A vendedora diz nesta escritura, q.e pede ao direito Snr, q.e lhe authorize esta venda, e aceite por Caseyro ao Comprador, ao qual nomea nas vidas, ou vida em q.e se achar o prazo; se bem q.e ela nunca pagou nada, nem sabe q.e a dita terra tenha direito Sñr. algum, mas q.e por cautela o diz» esclarecendo, ainda, que «esta compra suposto se fes em nome do Snr. Fernando Botelho, nada tem nela, por q.e só afizerão em seu nome, por conta da Siza, cudo Eu, porem minha sogra a Snr.ª D. Josefa foi a que pagou tudo do seu dinheiro».

Deste modo se fez o agregado misto de que resultou a propriedade que Huette, a fls. 19 e 19-v.º da sua cit. ob., descreveu e confrontou, como existente no seu tempo e de sua mulher, com referência a 1774, data que consta na capa do aludido livro de Huette Bacelar.

«Na Praça da Villa da Feyra, tenho as minhas cazas, que constarão de quatro janelas rasgadas, e para tras tem ortas, pumares, e uma grande Ribeyra, com suas agoas de rega, e nativas. Pegado a esta morada de cazas, á outra mais pequenita, que tem tres janelas de peitoril, e ficão para o norte, fazendo quina á Travesa, que vay para a Quinta de Rolaens, e para o Montinho, são Dizemas a Deos, umas e outras, e abaixo direi das suas compras, e do que dellas se paga; oje estão com as portas abertas, para serem comonicaveis, indo que em outro tempo, estavão sem esta comonicação, porque as trazião alugados. Estas cazas he onde viverão sempre os Pais, e Avos de minha mulher, a senhora D. Vitória de Lacerda, forão compras, que os Avos forão fazendo de cazas, mais ordinarias, que depois reduzirão aesta morada grande, e ao circuito de terra, que tem nas costas das cazas».

Para conhecimento da localização e extensão da parte rústica da propriedade de que as referidas casas faziam parte, quando Huette Bacelar escreveu o seu trabalho, transcreve-se o que nele diz a fls. 19-v.º e seguintes.

«Tem estas cazas, pela parte posterior, uma Quinta, que se compoem de pumares, ortas, e mais terras Lavradias, cujo rendimento é incerto, por ser de ordinario a cultura da caza; hé cercada pela parte do Norte, e sobredita travessa, com um muro, e pela banda do Sul, parte com as Quintas de Fijô, e da Fontoura, que servem de divizam humas, ás outras; e pela parte do nascente, he cercada de hum Rio, que a devide de varios Quintaes, de muitos donos; tem esta Quinta huma Ribeyra, cujo pedaço de terra se acha demarcada por marcos, e logo aqui abayxo se descreverá hum titulo que á sobre o que nisso houve, e no Tombo que se fez do Castelo desta Vila, de cujo pedaço de terra se paga hum senso serrado, de dez alqueires de trigo, cada hum anno aos Religiozos de S. João Evangelista, desta mesma Villa; E tem também, huma piquena caza, chamada da Eyra, por nella estar pegada, que também hé foreira aos Religiozos Cruzios, do Convento de Grijó, com o foro de setenta reis em cada hum anno, e nam sei se algum pedaço della, ao pe da caza. Tem esta Quinta o regalo de huma boa fonte dentro, e hum excelente posso com sua bomba, no pateo ao pe da cozinha, e alem desta utilidade, tem o mimo de ser toda regada de Verão, e coberta de agoa de Inverno, mimo que a faz tam abundante nos frutos, que produz, como copioza nas ervas que cria, nos lameyros que tem, e primeiro que este nascente de agoa, chegue a beneficiar esta Quinta passa pelas de Rolaens, esse entra para ella, por huma porta, que puzerão no muro, por ficar assim mais vedada a dita Quinta, dando huma chave, para que todas as vezes. que fosse precizo hir-se á conduçam da dita agoa, o poder fazer, com toda a liberdade, e de José Pinto Tavares, oje de seu Genro Pedro Jozé Vabo Md.º da Sylva e Bulhones, e sua m.er D. Ana Victoria de Sá Pereyra Tavares Pinto, moradores na Quinta de Pereyra, junto a Vila Nova de Famelicão, sem q.e hum, nem outro donos, posão empedir apassajem, não só da agoa, mas tombem dos criados, e cazeyros, que a forem conduzir, e Limpar os Regos, ou aquedutos, quando for necessário pelas suas mesmas propriedades, cujo posse tem esta caza muito antiga, e havendo já nisto diferenças, se decedio a favor della, como abaixo / 64 / se apontarão as Sentenças, que acho, se bem que neste anno de 1768 (vê-se que o trabalho foi iniciado pelo menos em 1768, pois estes dizeres são a pág. 21) se deu huma força do Abbade de Espargo, pela imbaraçar, e privar os criados o hila conduzir pela Quinta, que é da sobrinha, m.er desse Pedro Vabo, e do que se julgar, se dirá depois tambem: sahio a favor a Sentença, abaixo o digo. Tem este nascente, a sua origem em uma fonte, chamada de João Pirão, por nesse tempo sêr o possuidor da propriedade, em que está esse posta, em hum campo, cito no Lugar das Eyras desta Villa, onde he morador o dono delle, que se chamava António de Pinho, mas oje o possue sem que porem este, sem embargo de ser senhor do dito campo, possa de nenhuma sorte uzar delIa nem devertila em tempo algum de verão, e menos neste tempo empedir aos criados, e cazeyros desta Caza o hir busca Ia athe o proprio nascente, onde só de Inverno não podem hir tirarlha, por lhe estar concedida nesse tempo, e puder merujar com ela, só o dito Campo onde nase, sem poder devertila, para outro qualquer, por nam impedir as vertentes que cavam em os mesmos aquedutos, para virem da mesma sorte beneficiar esta Quinta, em o dito tempo de Inverno, em o qual não podem os criados, e cazeiros desta caza, hir buscala, se não the o fim do dito campo, por não impedir lhe este benefício, de que não podem utilizarse de verão, por ser toda, toda desta caza, como se acha julgado, nesta Relação em quatro de Mayo de mil settecentos quarenta, e sinco annos, como abaixo se apontará a dita Sentença.»

Como vimos, as casas que estavam junto às grades, localizavam-se logo a seguir a estas desenvolvendo-se até «á viela que vay para Rolães e Montinho».

Já faceando esta viela e «pegadas mesmo» àquelas, havia umas outras casas que, por detrás, estavam «partindo mesmo com a Eyra», casas que estavam aforadas ao cónego de S. João Evangelista de Santo Eloi da Vila da Feira – o P.e João de Santo António Cruz, assistente no seu convento (donde era boticário), pela quantia anual de um tostão.

Estas casas foram doadas, em 17 de Dezembro de 1662, por Antónia do Amaral Tavares (que foi casada, em Cimo do Douro, com Manuel da Mota Pereira do lugar do Vale, do concelho de Penaguião) a sua sobrinha D. Antónia de Vasconcelos Amaral, avó da D. Victória de Lacerda.

«Na travesa, q.e vay da Rua, p.ª Rulaens e o Montinho, á umas Cazas pegadas mesmo, ás q.e se comprarão na Quinta. e estão unidas, ás minhas grandes, cujas cazas da travesa, por detraz estão partindo mesmo com a Eyra, minha, e dela se me pagão, cem reis em dinheiro «Huette cit. ob. pág. 133».

Destas casas foi senhorio directo Huette Bacelar e sua mulher D. Victória, por sucessão dos maiores desta.

Delas foram senhorios directos em tempos antigos, os já mencionados António Moreira de Vasconcelos e mulher D. Maria do Couto de Vasconcelos (5.os avós da D. Victória de Lacerda), pais que foram do aludido Diogo Moreira de Vasconcelos «O Velho» tendo, por inventário, a que se procedeu por morte deles, em 22 de Fevereiro de 1609, ficado o correspondente foro a pertencer a sua referida filha D. Antónia do Amaral Tavares.

Então era foreiro um tal Salvador Gonçalves, da Vila da Feira. Como ela não teve filhos, deixou os seus bens, incluindo o direito ao dito senhorio directo, por doação feita em 17 de Dezembro de 1662, a sua sobrinha D. Antónia de Vasconcelos do Amaral, casada com seu primo direito António Leite do Amaral (terceiros avós da D. Victória de Lacerda). Por essa doação se verifica que era, então, foreira Mariana Carneiro, em sucessão de seu pai Manuel Carneiro.

«E dis a Verba da dita Duação asim = o q.e paga Manuel Carneyro, desta Vila, agora sua Filha Mariana Carneyra, cem reis, pelas Cazas em q.e vive, q.e pertensem a este legado, e outros cem reis à Confraria do St.º nome» cit. ob. fls. 133-v.º.

Depois daquela Mariana ou Maria Carneyro, pagou o foro Madalena de Soares Aguiar e depois, a filha desta, Madalena de S. Pedro Rosa que, em declaração feita por escrito de 10 de Fevereiro de 1759, reconheceu que «as cazas em q.e vivo, da mesma Viela, q.e forão de minha May, Madalena Soares de Aguiar, pagão ele foro, á Snr.ª D. Josefa Violante de Vasc.os e ao Snr. Bernardo Moreyra de Vasc.os (respectivamente mãe e avô paterno de D. Victória de Lacerda), um tostão de foro, de cada um ano, por dia de S. Miguel e este se lhe paga á m.tos anos» (Huette cit. ob. pág. 134).

Esta Madalena de S. Pedro da Rosa, por sua vez, deixou o que tinha ao referido Cónego de S. João Evangelista, o Padre João de Santo António Cruz. Este deixou de pagar o foro e foi demandado, em 12 de Dezembro de 1771, por Huette Bacelar que venceu a causa pelo que o dito Cónego foi condenado a pagar-lhe o referido foro anual de cem reis apesar de o Cónego se ter defendido «com mil tulices, costume do seu letrado».

Acrescenta Huette em seu comentário (cit. ob. pág. 144-v.º) «sempre se pagou o dito tostão, aos pasados da caza de m.a m.er. Antes erão = 200 = porém derão os seus pasados 100 á Confraria do St.º Nome e ficarão com o outro».

Deste modo, foi-nos possível reconstituir, tal como existia em 1774, todo o prédio da D. Victória de Lacerda e de seu marido Huette Bacelar, encabeçado pela antiga Casa da Praça implantada imediatamente a norte / 65 / do edifício da Cadeia, bem como a sua história desde meados do século XVI, propriedade que, em resumo, era formada pelas casas que se reuniram na mão da família, edificações que se sucediam desde a dita cadeia à viela ou travessa que de Rolães decorria até ao Montinho, com eira e sua casa, hortas, pomares e uma grande Ribeira, incluindo o pedaço de terra agregado pela já citada escritura de 2 de Novembro de 1758, ocupando tudo uma área dilatada que, para melhor compreensão, em relação ao que ainda foi conhecido em nossos dias, se pode confrontar nos seguintes limites:

A parte urbana: do nascente com a Praça e Rua Direita até à viela de Rolães (hoje largo de S. João de Vêr tomando-se em consideração o seu traçado primitivo como adiante vai referido, do norte com esta viela e seu prolongamento para Rolães e Montinho; do sul com o edifício da cadeia e com o rústico e do poente com o rústico, notando-se que, integrado neste conjunto, estava a casa de que D. Victória e Huette eram apenas senhorios directos, pertencendo o domínio útil ao referido Cónego de S. João Evangelista José de Santo António Cruz, casa esta que se situava na esquina da viela de Rolães, nas suas duas faces nascente e norte.

A parte rústica: de nascente com a parte urbana, e as traseiras do edifício da cadeia e com os quintais das casas da Rua Direita, que da mesma Praça se desenvolvia, e ainda se desenvolve, para sul, até à Igreja de S. Nicolau e com o rio, do sul com as quintas de Fijô e do Fontoura, do poente com a Quinta de Rolães e do norte com a parte urbana e viela de Rolães ao Montinho e casa de que foi enfiteuta o referido Cónego Cruz.

Huette Bacelar, se viveu nestas casas depois do seu casamento com D. Victória, não o foi com permanência, pois averiguei que em 1762 – (Huette cit. ob. pág. 322-v.º e 326) ele e sua mulher viviam no Porto, vivendo, na Vila da Feira, a mãe de D. Victória, Josefa Valente de Vasconcelos e sua avó Bernarda Sofia de Leão.

D. Victória de Lacerda Cardoso Botelho de Pinho Pereira e Lourenço Huette Bacelar de Sotto Mavor tiveram muitos filhos (doze) sendo o primogénito, Duarte Cláudio Huette, nascido a 7 de Outubro de 1756, casado, em 2 de Outubro de 1771, com D. Ana Joaquina Guedes de Carvalho e Menezes, tendo havido deste casamento, vários filhos, pelo menos Lourenço Huette Bacelar, nascido a 29 de Janeiro de 1773, D. Leonor Guedes, nascida a 19 de Outubro do mesmo ano e João (que foi para o Brasil com a família real em 1807).

Duarte Cláudio casou segunda vez com Custódia Luísa Bacelar de que teve uma filha de nome Maria Eduarda Bacelar Huette que, segundo refere o Dr. Vaz Ferreira no seu «Ferro Velho» intitulado «A Casa Huett» ("Correio da Feira", n.º 2608, de 4 de Dezembro de 1948) nasceu uns dezasseis anos depois do irmão mais velho (e, por isso, cerca de 1789).

Segundo diz o mesmo articulista há quem afirme que D. Custódia não foi mulher legítima do Cláudio Duarte, lembrando, contudo, que ela figura como avó no registo de casamento de sua neta (Maria José), filha daquela Maria Eduarda, casamento que teve lugar, na Casa da Praça, em 18 de Julho de 1855, e, como mãe, no registo de óbito daquela sua filha ocorrido em 24 de Novembro de 1862 (o que tudo também verifiquei).

Esta D. Maria Eduarda casou com um capitão que, por decreto de 22 de Julho de 1824 (Ordem do dia 26 do mesmo mês) foi transferido do Batalhão de Caçadores n.º 12 (10) para o Batalhão de Caçadores n.º 11, então aquartelado na Vila da Feira, de nome José Joaquim da Silva Pereira, irmão do que foi Conde das Antas. Foi administrador Geral substituto de Aveiro, deputado de 1834 a 1842 e de 1851 a 1856 e chegou a Marechal de Campo graduado (11); era filho de Francisco Xavier da Silva Pereira e de D. Antónia Josefa de Abreu, da Vila de Valença.

Este Marechal foi, sem dúvida, dono da aludida Casa da Praça e nela viveu (pois aqui fez toda a sua ascensão militar até Marechal, não lhe sendo conhecido qualquer feito militar).

É de crer, o que apenas apresento como hipótese muito verosímil, que a referida Maria Eduarda, quer fosse filha legítima, ilegítima ou legitimada do Duarte Cláudio tivesse herdado a casa de seu pai, pois os filhos do Duarte Cláudio Huette, de nomes Lourenço e António, apareceram como sucessores, sucessivamente, do chamado Morgadio da Lavandeira (e não da Casa da Praça), propriedade que margina a rua do mesmo nome, que parte da Praça para nascente inflectindo depois para norte, morgadio em que depois sucedeu (como refere o Dr. Voz Ferreira) João Huette Bacelar casado com D. Maria Brízida de Vasconcelos, pais do «morgadinho» Duarte Huette Bacelar, casado com D. Ana Pinto da Cunha e Abreu, da casa do Carrapeto, que, por sua vez, foram os pais do Dr. Gonçalo Huette Bacelar, por morte de quem, a quinta da Lavandeira, foi vendida, pertencendo hoje a Júlio César Alves Moreira, filho do já referido Dr. Gaspar Alves Moreira.

Verifiquei, através de uma matriz provisória da freguesia da Feira, feita em 1854, existente na Biblioteca Municipal da Feira, que nesta data, o prédio ainda estava inscrito em nome do mencionado José Joaquim da Silva Pereira sob o n.º 14 com a seguinte descrição: «1 Uma morada de casas com lojas e 1.º andar, sitas na Rua – 2) Um campo lavradio contíguo às mesmas cazas com arvores de vinho» com a anotação de que / 66 / este n.º 2, em 1857, teve o n.º 12, assim se mantendo em 1859.

A D. Maria Eduarda (que, como se disse, faleceu na casa da Praça, a 24 de Novembro de 1862) deixou uma filha de nome D. Maria José Huette Bacelar da Silva Pereira que, em 16 de Julho de 1855, casou no Oratório da Casa da Praça, com o Conselheiro Dr. Francisco de Castro Matoso da Silva Corte Real (que foram senhores da referida Casa da Praça), nascido a 23 de Novembro de 1832 (12) e foi Delegado do Procurador Régio nesta comarca e Procurador Régio no Porto, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, falecido em 16 de Agosto de 1905: era irmão do Conselheiro Dr. José Luciano de Castro. Tiveram 2 filhos Francisco e Fernando que foram os últimos descendentes do Marechal Silva Pereira.

A espada deste está arrecadada no Museu Municipal desta vila, conforme a dá como identificada o Dr. Vaz Ferreira. Aquela casa e Quinta da Praça foram descritas na Conservatória do Registo Predial da Comarca da Feira sob o n.º 1792, a fls. 26-v.º do L-B-9, em Dezembro de 1869, a favor do referido Dr. Francisco de Castro Matoso Pereira Corte Real, por força da escritura pública de esponsais e dote lavrada, em 28 de Dezembro de 1854, pelo Tabelião que foi da Vila da Feira, Joaquim Vaz de Oliveira Júnior e outra de partilha amigável, em 11 de Novembro de 1865, lavrada por Francisco Guilherme de Brito, da cidade de Lisboa e de uma certidão com data de 1 de Março de 1866 de uns autos cíveis de posse que correram seus termos no Tribunal da comarca da Feira, a requerimento do dito Dr. Francisco Matoso, constante dessa descrição: «Prédio urbano e rustico de casas e Quinta denominada da Praça que se compõe de casas de habitação, cavallariças, currais, casa da eira, tanque, fonte, pomares, de caroço e de espinho, terras lavradias, pateo, água chamada de João Pirão, situada na Praça Velha desta Vila e freguesia da Feira, a confrontar do nascente com a Praça Velha e Paços do concelho, poente com o Padre António Joaquim Ferreira e Quinta de Fijô dos herdeiros de João Ferreira da Silva da cidade do Porto, norte com Francisco José Pinto; caminho e viela de Rolaens (13) e do sul com a Cadeia e Quintal dos Paços do Concelho, Francisco José de Oliveira e Rio». Por morte do Conselheiro Matoso ficou esta propriedade para seu dito filho Dr. Fernando, de apelidos Castro Matoso, Juiz Ouvidor da Junta de Crédito Público e sua mulher D. Alice Martins de Sousa de Castro Matoso, os quais, por escritura de 16 de Outubro de 1908, lavrada nas notas do notário de Lisboa, Carlos Alberto Scola, a venderam a António Bernardo Coimbra, casado com D. Emília Resende Coimbra. Por falecimento daquele ficou para a viúva e seus filhos Alberto Coimbra, casado com D. Maria Emília de Mello Toscano Coimbra, Conselheiro Dr. Eduardo Coimbra, Dr. Elísio Coimbra e Vitorino Coimbra: por escritura de 7 de Junho de 1941 venderam-na a Domingos Gomes da Silva. Nesta escritura, o prédio foi desdobrado em duas parcelas, a saber: / 67 /


Esquerda – Casa que foi de D. Victória de Lacerda. Direita – Casa que foi designada por Alqueive das Sizas ou da Almotaçaria. (Segundo quartel do séc. XX)

a) Casa de habitação de um andar e rés do chão, com quintal e mais pertenças, sita na Praça do Doutor Gaspar Moreira, a confinar do nascente com a mesma Praça, do norte com herdeiros de Manuel Ferreira Dias de Oliveira e Largo, do poente com o prédio abaixo descrito e do sul com os Paços do Concelho inscrito na matriz predial urbana no artigo 69.º.

b) Prédio de casas de habitação, currais, eira, canastro e casa junta para indústria, terras lavradias juntas, tanques, pomares, deveza, ramadas e mais pertenças, denominada Quinta de Rolaes, sita neste lugar, a confinar do nascente com os Paços do Concelho e outro, do norte com a estrada, do poente com o Dr. Domingos Caetano de Sousa e outro e do sul com o rio, inscrito na matriz nos artigos 313 da urbana e 1312 da rústica.

Ambos formavam o já falado prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1 792.

Na matriz predial anterior à actual o prédio esteve inscrito, sucessivamente, em nome de Francisco de Castro Matoso (Dr.), António Bernardo Coimbra e Domingos Gomes da Silva, nos artigos 344 Urbana e 1 312 rústica com os números de polícia 117, 119, 121 e 123.

Na madrugada de 23 de Novembro de 1948 foi a casa consumida por um incêndio e depois, as suas ruínas e terreno onde esteve implantado, foram vendidas, por aquele Domingos Gomes da Silva, por escritura de 10 de Maio de 1950, à Câmara Municipal da Feira que a mandou demolir para dar lugar à urbanização hoje existente – de que resultou o alargamento do largo dos Condes de S. João de Vêr: a parte da casa que, pelo lado sul estava incrustada nos Paços do Concelho, foi então, agregada a este edifício.


A Rua Dr. Victorino de Sá, vendo-se, ao fundo, a Rua da Lavandeira – 1957

Os terrenos da Quinta foram também vendidos em parte, à Câmara Municipal da Feira, por escrituras de 14 de Setembro e 30 de Novembro de 1953 e, as outras parcelas, a particulares, dando, assim, lugar, à urbanização da Vila de onde resultaram arruamentos, como a rua da Índia Portuguesa, alargamento da Rua Dr. Vitorino de Sá e dito largo dos Condes de S. João de Vêr, áreas onde hoje se encontram construídos diversos edifícios, entre os quais se contam os do Mercado Municipal, Correios e Caixa Geral de Depósitos, além de muitas casas particulares.

B

Casa que foi de Manuel José Godinho

No século passado existia, junto à rua Direita, a confinar pelo norte com a Rua de Rolães, uma casa que foi pertença de Manuel José Godinho (14) que foi recebedor do concelho e pessoa muito abastada, desta vila, tendo sido Presidente da Câmara Municipal da Feira no exercício de 1874-75 e em 1878 e Conselheiro Municipal no exercício de 1876-77 e ainda Provedor da Santa Casa da Misericórdia da Feira.

Deixou todos os seus bens à Santa Casa da Misericórdia do Porto. No inventário a que se procedeu por seu óbito, essa casa foi posta à venda, em hasta pública, sendo arrematada pela Câmara Municipal, por 600000 réis em Junho de 1901, a fim de ser demolida para proporcionar o largo que foi designado por D. Pedro V e veio, mais tarde, em Abril de 1940, a receber a denominação de «Condes de S. João de Ver, tendo contribuído para o seu pagamento os proprietários vizinhos a quem interessava a sua demolição: – o Desembargador, e Par do Reino, Francisco de Castro Matoso, o recebedor do concelho Artur Guilherme Bandeira de Castro, o advogado Dr. Manuel Augusto Correia Bandeira, o escrivão-notário José Vieira de Sousa, o farmacêutico Joaquim Pinto de Araújo, o comerciante Francisco Plácido Alves e os herdeiros do grande proprietário e capitalista João Leite de Sousa.

Esta casa foi arrematada com a condição de só ser demolida após Outubro seguinte, visto estar arrendada, até esse mês, ao comerciante José Maria Martins.

Este prédio, que era formado por rés-do-chão, 1.º andar e águas furtadas, estava situado na Rua Direita, fazendo esquina para a viela de Rolães e para a rua de Rolães e segundo informação da época, era, pelas suas linhas características e patine, um dos prédios antigos da Vila.

Foi descrito na Conservatória do Registo Predial desta comarca, em 1868, sob o n.º 591 a fls. 262-v.º do L-B-4.

«Prédio urbano que consta de casas de sobrado com lojas por baixo, situado na Rua da Praça desta freguesia e Vila da Feira, com os números de polícia, para a rua, 114, 116, 118 e 119 e para a viela de Rolaens 410, 411 e 412 a confrontar do nascente com a Rua da Praça, do poente e sul com a viela de Rolaens e do norte com a rua D. Pedro V».

/ 68 / Esteve inscrita na matriz predial – enquanto ainda não havia a distinção entre urbana e rústica – no n.º 1 314, correspondendo aos n.ºs de polícia 125, 127, 129 e 131 – tudo em nome daquele Manuel José Godinho e só por acórdão de 1910 foi tal número eliminado na matriz por ter sido demolida a casa. Esta demolição teve lugar em 1903, depois de terem sido postos em arrematação os seus materiais em diversas praças, a primeira das quais teve lugar em 3 de Abril de 1902, arrematação que veio a fazer-se pela quantia de 150$00 em 19 de Março de 1903. Esta casa esteve arrendada a uma mulher, a Joana Barbeira, muito conhecida no tempo, por nela ter instalado um estabelecimento de mercearia, muito popular, que era viúva e veio a casar, pela 2.ª vez, com José Maria Martins, vindo de Trancoso de onde trouxe, para a sua companhia, dois sobrinhos, João Aires Ferreira e Laura Martins.

Na mencionada matriz provisória de 1854 este prédio está descrito em nome de António José Correia da Silva Telles, sob n.º 15, como sito na Rua e formado por morada de casas com lojas, 1.º andar e quintal sitas na rua: este quintal deve referir-se a um pequeno logradouro que tinha para poente, com telheiro, a facear com a viela de Rolãens que a Joana Barbeira utilizava para depósito de castanhas.

Esta casa pertenceu a Manuel José da Silva Teles, casado com Maria Angelina Carneiro de Lima (falecida em 2 de Fevereiro de 1849) que, por escritura de 1 de Fevereiro de 1845, a hipotecou. Tendo falecido em 8 de Maio de 1849 ela veio a pertencer a seu filho, o aludido António José Correia da Silva Teles, que a manteve em sua mão até que, em 12 de Julho de 1885, foi arrematada em hasta pública pelo referido Manuel José Godinho em processo de execução movido contra aquele António da Silva Teles. Ainda não consegui apurar como ela veio à posse do Manuel da Silva Teles – assim como não consegui identificar esta Casa no Tombo da Casa da Feira (Infantado) na relação dos obrigados ao pagamento do portado, mas não resta dúvida que também o pagava por ter porta para a rua.

A existência desta casa veio levantar dificuldades para o meu estudo em virtude da localização, já averiguada, da casa de Huette Bacelar que, como dissemos, foi formada pela que estava contígua à cadeia e pela que lhe estava ligada imediatamente para norte, comprada por Diogo Moreira Cardoso de Vasconcelos, por escritura de 1738, a Francisco Xavier de Freitas e suas cunhadas, casas que, como também já referimos, formaram, pela ligação feita, interiormente, entre elas, um todo na mão do dito Diogo Moreira Cardoso de Vasconcelos (15).


Esquerda – Casa que foi de D. Victória de Lacerda. Direita Casa que foi designada por Alqueive das Sisas ou da Almotaçaria. (Segundo quartel do séc. XX)

Esta última casa, que Huette chama «outra pequenita» pegada àquela que confinava directamente com a cadeia, nada tem que ver com a que pertenceu ao António José da Silva Teles, pois esta estava desligada daquele conjunto (formado pelas duas aludidas casas) por uma travessa que a circundava – pelo sul e poente, desde a rua Direita até à Rua de Rolães, o que formava, então, a viela do mesmo nome ou da Praça, separando-a, assim, pelo lado poente, da casa que passaremos a falar como pertencente a João Leite de Sousa, o que está esclarecido pelas confrontações dadas na referida descrição na Conservatória.

O que nos chegou a intrigar foi a confrontação dada àquela casa pequenita, que ficava para norte, «fazendo quina para a Travessa», como diz Huette Bacelar no seu referido trabalho a fls. 19, quando a casa de António da Silva Teles (que depois foi do Manuel José Godinho) faceando com a rua Direita, também confinava com a referida viela de Rolães.

A dúvida que se levantava resolvi-a à face de um contrato que consta da acta das sessões da Câmara Municipal da Feira de 2 de Setembro de 1859. Dele se conclui que, até então, a viela de Rolães seguia por detrás da casa do Telles e desembocava na rua Direita, entre esta casa e a do Marechal Silva Pereira, pois a casa do Telles, então estava ligada à que se / 69 / lhe seguia para norte, pertencente a José Maria Cochofel Pinto Leitão e sua mulher D. Antónia Júlio Pinto de Magalhães Cochofel, da Lagariça e, ao tempo, assistentes na Vila da Feira. Pelo mencionado contrato aquele Cochofel e sua mulher venderam, à Câmara Municipal da Feira, uma faixa da sua casa que ligava com a do Telles, de modo a entre ambos se formar uma nova saída da viela de Rolães para a rua Direita, viela que ficou marginal, pelo norte, com a restante parte da casa do Cochofel e do sul com a casa do Telles. E, deste modo, a viela de Rolães ficou com dois acessos para a rua Direita imediatamente contíguos à casa do Telles, um do norte e outro do sul: este manteve a designação de viela da Praça e aquele deu início à Rua de Rolães ou de D. Pedro V.


Rua Direita e, ao lado direito, a entrada para o antigo Largo de D. Pedro V.

Do mencionado contrato consta que os referidos vendedores cederam à Câmara Municipal «terreno da casa que nesta villa possuiam com os numeros setenta e um e setenta e dois na Rua Direita para se abrir no terreno, que a mesma ocupa, uma Rua e entroncar na viela de Rolaens e seguindo ao Montinho, cujo terreno tem de comprido pela parte do norte a medir da esquina da casa nova (16) deles cedentes até além das portarias de carro que esta no muro do quintal das mesmas casas dez braças (17) pela parte do sul. principiando a medição na outra esquina do visinho a seguir paralela com a casa deles cedentes seis braças e meia, e de largo em todo o terreno duas braças e palmo e meio, fora a parede do visinho, que pertence metade a elles cedentes e que também por este contrato a cedem a esta Câmara, e tudo com as seguintes condições: Primeira que esta Câmara lhe dará pelo terreno expropriado e amigavelmente cedido a quantia de cento e noventa e dois mil reis em metal sonante, pagos no acto da assignação deste contrato: Segundo – que esta Camara não consentirá, que o visinho António José da Silva Telles, abra janela ou portas, na meação da parede que elles cedentes cedem a esta Camara, salvo pagando o dito Telles, ou sucessores, uma quantia igual aquela que eles cedentes recebem desta para ser aplicada metade em obras municipais e outra metade no Hospital (18) que se vai criar nesta Villa, caso se leve a effeito a sua creação, do contrário será esta dita metade para elles cedentes...»


Rua Direita. Ao fundo, a Praça do Dr. Gaspar Moreira e, à direita,
o Largo dos Condes de S. João de Vêr em 1952.

 C

Casa que foi de João Leite de Sousa

Para trás da casa do Godinho, para poente e separada desta pela mesma travessa, existia uma outra casa, que foi pertença do proprietário e capitalista João Leite de Sousa.

Esta casa deve ser aquela a que me referi, pertencente ao património de Huette Bacelar – que estava aforada ao Cónego de S. João Evangelista de Santo Eloi – o Padre João de Santo António Cruz, isto porque, de facto era ela que tinha, por trás, a Eira e casa da Eira da casa nobre do Huette Bacelar e que veio ao património da família de sua mulher, por doação, feita em 17 de Dezembro de 1662, por D. Antónia do Amaral Tavares a sua sobrinha D. Antónia de Vasconcelos Amaral casa que, como diz Huette na sua citada obra a fls. 133 e já foi referido, estava implantada na travessa que ia da Rua para Rolães e Montinho «cazas pegadas mesmo, ás q.e se comprarão na Quina, e estão unidas, ás minhas grandes cujas cazas da travessa, por detras, estão partindo mesmo com a Eyra, minha».

Ora estas casas eram exactamente as que estavam ligadas com as traseiras da casa grande, quando é certo que as do Godinho estavam separadas desta por uma travessa.

Como já dissemos, foi enfiteuta desta casa Madalena Soares de Aguiar, mãe da Madalena de S. Pedro Rosa, que, por sua vez, a deixou ao aludido Padre João de Santo António Cruz. Em 30 de Dezembro de 1754 aquela Madalena Soares de Aguiar reconheceu à Casa da Feira (Infantado) a obrigação do pagamento do portado, como se vê do Tombo desta Casa a fls. 86, com a seguinte inscrição: «Reconhecimento de huma galinha sem ovos que fazem Madalena de Aguiar Soares viuva que ficou de José Fernandes e Maria de Aguiar Soares moradores na viella desta Villa pelo portado de casas em que vivem».


A casa que foi de João Leite de Sousa, quando se iniciou a sua demolição e o
alargamento da Praça dos Condes de S. João de Vêr – 1957

A localização dada na viela que é, sem dúvida, a de Rolães vem confirmar o que vimos referindo.

Assim, a casa pertenceu, e tendo em atenção o que atrás foi referido com desenvolvimento, em senhorio directo desde António Moreira de Vasconcelos (5.º avô de D. Victória de Lacerda) que viveu entre os anos de 1596 e 1609 e a sua mulher D. Maria do Couto de Vasconcelos, que sobreviveu a seu marido, sendo enfiteutas (19) em 1609, um tal Salvador Gonçalves e, sucessivamente, Manuel Carneiro, sua filha Mariana Carneiro (esta em 1662) e mais tarde a mencionada Madalena Soares de Aguiar – ou Madalena Aguiar Soares (em 1754) sucedendo-lhe sua filha Madalena de S. Pedro Rosa (1758) de quem foi herdeiro o referido Cónego de S. João Evangelista, o Padre João de Santo António Cruz (1771). Posteriormente, só conhecemos a casa na posse de Francisco José Pinto (matriz de 1854) que adiante será referido. Desconheço, porém, quem a possuiu entre os referidos anos de 1771 a 1854 e quando se deixou de pagar foro, passando os enfiteutas a possuí-las em plena propriedade, mas pelo que atrás já foi dito, quando nos referimos à venda feita pela Madalena de S. Pedro Rosa e Fernando Botelho Pinho Pereira Vasconcelos e Lacerda, esta Madalena em 1758 só era senhora em propriedade plena de terra vendida, pois, como aí se / 70 / disse, ela «nem sabe que a dita terra tenha direito Snr. algum».

Creio, que, assim, tudo se reconstitui com verdade. Esta casa aforada é que, depois de demolida a do Godinho, ficou a facear, pelo poente, o dito largo dos Condes de S. João de Vêr (no centro do qual existiu uma linda olaia que foi derrubada quando se procedeu à expropriação da casa e à urbanização do local), que, pelo sul, tinha a casa grande que foi do Huette Bacelar e ficou a confrontar do nascente com o referido largo e pelo norte com a rua de Rolaens ou de D. Pedro V que, depois de várias transformações, veio a formar a rua Dr. Victorino de Sá – transformações que constituíram no seu alargamento, regularização e pavimentação, quando foram presidentes da Câmara Municipal da Feira este Dr. Victorino de Sá e Dr. António Pinto da Mota.

Verifiquei, através da já referida matriz provisória de 1854, que então era dono do aludido prédio o Francisco José Pinto, pai de Maria Luciana Brandão (nascida em 20 de Dezembro de 1849), irmã de Henrique e Alexandre Brandão, que foram sócios fundadores da Fábrica de Espinho, Brandão Gomes & C.ª, que se casou com João Leite de Sousa, em primeiras núpcias deste, não tendo havido descendência deste casamento.

Aquele Francisco José Pinto, que era filho de António José Pinto e de Maria Joaquina, foi casado com Maria Josefa de Jesus, do Castelo, filha de Sebastião Pinto e Josefa Joaquina.

A casa, em seguida, veio a pertencer ao João Leite de Sousa, por certo por força do seu casamento com a Maria Luciana.

Naquela matriz de 1854 a casa recebeu o n.º 5 do artigo 362 com a seguinte descrição: «Uma morada de casas com lojas e 1.º andar sitas na viela da Rua com o n.º...».

Em 15 de Dezembro de 1869 ainda a casa pertencia ao Francisco José Pinto, como se pode ver pelas confrontações dadas na descrição feita do prédio que foi do Huette de Bacelar, na Conservatória do Registo Predial desta comarca, a quando do seu registo a favor do Conselheiro Dr. Francisco de Castro Matoso Pereira Corte Real, como já referi. Por óbito do Francisco José Pinto, de apelido também Brandão, procedeu-se a inventário, cujas partilhas foram julgadas por sentença de 1 de Janeiro de 1885.

A mesma casa, depois da morte daquele João Leite de Sousa, que ainda vivia em 1901, transmitiu-se aos filhos do seu segundo casamento com uma mulher de Vila Boa, lugar da freguesia da Feira, de nomes Fernando Leite de Sousa e João Leite de Sousa, transmitindo-se, depois deste, para Manuel Ferreira Dias de Oliveira, filho de Francisco Ferreira Dias de Oliveira e de Josefa Maria Soares, casado com Ana Cristina da Costa Milheiro e para um seu sobrinho de nome Joaquim Resende para, em seguida, ser propriedade exclusiva daquele Manuel e mulher.

Por morte deste ficou para a viúva e para seus filhos, filha e genro Carlos Alberto Ferreira Milheiro, Arménio Milheiro de Oliveira, Licínio Milheiro de Oliveira e Maria Otília Milheiro Ferreira casada com José Valente de Pinho Leão e, por força do inventário a que se procedeu em 1936 ficou todo o prédio a pertencer à viúva. / 71 /

A mesma casa esteve inscrita, na matriz predial urbana, no artigo 345 e na rústica no artigo 1 313 e tinha os números de polícia 693 e 694. Mais tarde recebeu o n.º 312 da urbana.

Em 1956 foi o prédio expropriado, por utilidade pública, pela Câmara Municipal para efeito da aludida urbanização da zona – atribuindo-se-lhe a área de 185,42 m2 e o valor de 211 00$00, preço por que foi expropriada.

Estava descrita na Conservatória da comarca sob n.º 46505 a fls, 88-v.º do L-B-120 – tendo, em 1947, a seguinte descrição: «Prédio formado por casas terreas e de sobrado com o seu pateo, sito na rua, a confrontar do nascente com o largo D. Pedro V, do poente e sul com herdeiros de António Bernardo Coimbra. e do norte com a rua de Rolaens e tem 2 andares – com lojas no seu baixo.»

Quando foi expropriado, destinavam-se, os altos, a pensão denominada «Ferreira», que hoje está instalada na rua Dr. Victorino de Sá e, os baixos, a um estabelecimento comercial de venda de vinhos. mercearia e águas minerais.

De todo o exposto verifica-se que, hoje, não existe nenhuma das casas referidas nesta alínea 1).


As traseiras da casa que foi de João Leite de Sousa, quando se iniciou a sua demolição – 1957

D

NOTAS CURIOSAS

a) Àquela casa de Huette Bacelar. que estava junto à cadeia. refere-se Alberto Pimentel no seu livro «A Guerrilha de Frei Simão», escrito no ano de 1895.

Simão de Vasconcelos. da casa dos Vasconcelos, de Cesar, professou na ordem de S. Bernardo e foi conhecido por Frei Simão de Vasconcelos.

Aderindo à causa liberal, organizou e comandou guerrilhas nesta região, até que, em dado passo da sua actividade guerrilheira, foi preso e enclausurado na aludida cadeia da Vila da Feira, sita na Praça Velha.

Frei Simão, que estava preso numa cela que ocupava no último andar, havia catorze meses, conseguiu, com a cumplicidade do carcereiro, fugir «subindo ao telhado da cadeia, e passando ao da casa visinha» (a casa da Praça em causa, então na posse do Marechal Silva Pereira) e «De telhado em telhado, pela viela de Rolães, foram os dois fugitivos descer à Eira» (cit. ob. fls. 221) (esta eira é a que atrás ficou mencionada).

b) O falado Diogo Moreira Cardoso de Vasconcelos (Pai da D. Victória de Lacerda) bem como seus pais, referidos Bernardo Moreira Cardoso de Vasconcelos e sua mulher D. Bernarda Sofia de Leão Pinho Pereira «e os mais passados» (como refere Huette Bacelar cit. ob. fls. 23-v.º) estão sepultados na Igreja Matriz desta Vila da Feira, no corpo da Igreja, junto às grades do Cruzeiro na primeira fila número 5 em sepultura de Diogo Vaz Pinho, abade de Esmoriz, que era tio direito de Fernando Botelho de Pinho, casado com D. Isabel Soares de Lacerda (Bisavós de D. Victória de Lacerda e pais da aludida D. Bernarda Sofia de Leão).

Em anotação, Huette Bacelar esclarece: «He mesmo a primeira sepultura, que esta ao deser das grades. tem a sua pedra magnífica, com armas e Letreiro».

Da mesma casa existem, na referida Igreja, mais duas sepulturas: uma na fila n.º 5, de Belchior Lopes, abade de Romariz, parente pela mesma parte e outra na sexta fiada, número 2, de Fernando Dias e seus herdeiros.

Segundo Huette, estas informações foram-lhe dadas, conforme seu dizer «as quais se acham declaradas, por um Religioso, que ha no dito Convento, em que formou em hum livro, que os ditos Padres tem, o pavimento da Igreja com a forma das sepulturas em ós e descreveo dentro dos ditos ós, os nomes das pessoas de quem forão, e a que tocavão oje, o qual Padre mesmo deu a clareza pela sua letra, que tenho, e esta com o título desta coza...» (cit. ob. fls. 23-v.º).

__________________________________ 

NOTAS:

(1) – Esta genealogia é uma colectânea de manuscritos genealógicos e de outros documentos que interessam à história da família Soares Barbosa, reunidos em volume com 189 folhas, precedidos de uma certidão passada pelo escrivão da Câmara de Vila da Feira. extraída do Livro de Registo Geral. referente ao Brazão d'Armas de Thomé Joaquim Nunes Pereira de Resende, a requerimento do Bacharel João de Melo Leite, da Casa da Bargia (hoje conhecida por Varsia) de S. João do Madeira.

(2) – Estes tombos existem na Biblioteca da Câmara Municipal da Feira. Quando fui Presidente desta Câmara, tomei conhecimento do sua existência, em condições de abandono, na Direcção de Finanças de Aveiro e solicitei ao Director Geral da Fazenda Pública, – cargo que então era exercido pelo senhor Dr. António Luís Gomes, a sua cedência à mesma Biblioteca no que fui gentilmente atendido. Assim, foram entregues, o Tombo da Casa da Feira (Infantado) constituído por 13 / 72 / volumes, em Outubro de 1939 e o do Convento de S. João Evangelista da Vila da Feira, com excepção do volume 6.º, em Fevereiro e Maio de 1940.

(3) – Além destes tiveram os seguintes filhos: – Pedro Soares de Vasconcelos, casado com Maria Borges; Bernarda Coelho, casada com o licenciado João Borges de Cambra; Madalena Soares, casada com Lucas Pinto Coelho (a quem Gayo também chama Luis a fls 103 T. II) e Leonor Meirelles Soares, casada com Amador de Aguiar.

(4) – Cunhado do Diogo Moreira de Vasconcelos por ter casado com uma irmã deste de nome Madalena Moreira. Estes eram filhos de António Moreira de Vasconcelos e Maia do Couto Vasconcelos e netos paternos de Marcos Moreira e de Leonor Caldeira da Principal. Este Marcos Moreira, como refere Felgueiras Gayo, cit. Ob. Tomo XXI pág. 55, «viveo na terra da Feira no tempo d'El Rey D. M.el foi Fidaigo da Caza do Infante D. Luiz achou-se na Tomada de Tunes era parente de Heytor Moreira o Velho mas isto não se sabe com certeza. Cazou na terra da Feira com Leonor Caldeira da Principal gente daquella vila e depois de viver ali alguns annos e ter seis filhos foi p.ª a India com dois q levou consigo e se meterão na Companhia de Jezus, e farão Martires».

(5) – Este Lopo vivia em 1549, pois em 19 de Julho desse ano tirou Brasão de Armas (Felg. Gayo – cit. ob. Tomo XXVII, pág.110, §11, n.º 11).

(6) – Esta quinta de Frei também se denominou de Farey, e estava situada na terra da Feira: era «prazo da Comenda de Roças (Felg. Gayo T. X, pág. 109, § 316) que deve ser a actual freguesia de Arouca e, por isso, embora da terra da Feira, era multo distante da Vila da Feira.

(7) – Designação que já vem no citado Foral concedido por D. Manuel I quando declara foreiros ...«os chãos da feira aa ponte detras as casas da cadea traz Lopo Affonsso e outros herdeiros...» (Arquivo do Distrito de Aveiro – VoI. V, pág. 18).

(8) – Esta água ainda é designada pela da «Fonte do João Pirão» em descritos no Conservatório do Registo Predial desta comarca.

(9) – Este portado (que no Tombo é designado por foro geral) era pago à Casa da Feira pelos proprietários ou posseiros como enfiteutas, dos referidos prédios que na rua deitavam para a via pública – e neles fizessem «fogo» como consta do Foral concedido à Feira de Santa Maria, pelo rei D. Manuel I. «E pagam todallas as pessoas que fizerem fogo no lugar da Feira que tiverem porta para a Rua cada hu sua galinha sem ovos» – Arquivo do Distrito de Aveiro – Vol. V, pág. 19.

(10) – Esboço Histórico de Caçadores n.º 11 mais tarde Regimento de Caçadores n.º 11 e depois Regimento de Infantaria n.º 26, por Rodrigo Álvares Pereira, Capitão de infantaria (fls. 80).

(11) – Marechal de campo era o posto acima de Brigadeiro (comandante de brigada que, por sua vez, era imediatamente superior a coronel). Tinha como postos superiores os oficiais generais (tenente-general, capitão-general e general), marechal do exército e Marechal geral (o maior posto militar de Portugal). O generalíssimo era o Chefe dos exércitos, não subordinado a outra autoridade, a não ser ao rei. (Novo Dic. da Língua Portuguesa, por Eduardo Faria, 1849).

(12) – Era filho de Francisco Joaquim de Castro Pereira Corte Real e D. Maria Augusta de Menezes e Silva de Castro, da freguesia de Oliveirinha, neto paterno de João de Castro da Rocha Corte Real e D. Ana Luísa de Matos Corte Real do lugar de Fijô, desta Vila da Feira e materno do Morgado António Venâncio de Almeida Matoso e Vasconcelos e de D. Maria Albertina Henriqueta Alvares Pereira de Mello, da mesma freguesia de Oliveirinha.

(13) – É curiosa a referência a «caminho e viela de Rolaens»: aquele deve corresponder à rua de Rolães depois chamada de D. Pedro V, já com a sua saída para a Rua Direita, depois da abertura feita pela Câmara Municipal quando adquiriu parte da casa de José Maria Cochofel Pinto Leitão, e esta à travesso que ia da Rua Direita à de Rolães. o que tudo adiante será referido na alínea B deste número 1.

(14) – Do registo do seu óbito, na freguesia de S. Nicolau da Vila da Feira, consta que faleceu em 13 de Fevereiro de 1898, com a idade de 84 anos pouco mais ou menos, que era natural da freguesia de S. Tiago de Riba Ul, concelho de Oliveira de Azeméis, e que era filho legítimo de João José Godinho, natural desta freguesia de Riba UI e de Maria Joaquina de Vasconcelos, natural da freguesia e concelho de Oliveira de Azeméis.

(15) – A que confinava com a cadeia, como já vimos, tinha «4 janelas rasgadas» quando a que existia no fim do século passado já se nos apresentava com 6 sacadas, o que resultou da sua junção com o «outro pequenito».

(16) – Por este passo verifica-se que a casa que hoje aí existe e faceia a Praça dos Condes de S. João de Vêr, pelo lado norte foi feita, então, de novo.

(17) – Em sessão de Câmara de 3 de Janeiro de 1859, com a presença do Administrador do Concelho e do Alferes de Infantaria José António da Silva, em comissão de Inspecção Geral de pesos e medidas, foi estabelecida a comparação dos pesos e medidas, então em vigor no concelho, com os padrões dos pesos e medidas do sistema decimai sendo fixada a vara em 1,124 m.

(18) – Na época havia o convencimento da criação do Hospital no Convento, por assim o ter deliberado a Câmara em sessão de 3 de Março de 1859, tendo nessa sessão aprovado uma postura sobre licenças a conceder na abertura de poços e minas nos caminhos e montados públicos, cujo produto se destinava à dotação do projectado Hospital.

(19) – O foro de início foi de 200 réis anuais, mas em determinado momento os senhorios directos deram metade da pensão à Confraria do Santíssimo, ficando a casa de Huette a receber a outra metade, como já se disse.

 

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