Acesso à hierarquia superior.

N.º 2

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1966 

 

O Porto de Aveiro e a sua influência no crescimento económico da região

Pelo Dr. Álvaro Sampaio

Professor do Liceu Nacional de Aveiro,
antigo Presidente da Câmara Municipal de Aveiro

<<<

III

Em 9 de Setembro de 1858, a instâncias de José Estêvão, foi criada por decreto régio, a Junta Administrativa e Fiscal das Obras de Aveiro, e a direcção dos trabalhos confiada ao distinto Eng.º Silvério Augusto Pereira da Silva. Em 1886 foi extinta esta Junta e a administração / 8 / das obras transitou para o Estado. Durante 28 anos, que durou a direcção dos trabalhos do Eng.º Silvério, houve um notável período de renovação. O movimento marítimo animou-se, a indústria salineira prosperou, a agricultura pôde desenvolver-se. Depois daquela data, nada mais se fez de vulto, e o tempo encarregou-se de arruinar o que estava feito.

Perante a comprovada falência da administração do Estado, foi instituída, em 7 de Dezembro de 1921, a pedido das autarquias locais, a Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro. Este organismo veio substituir a Junta Administrativa das Obras da Ria e Barra de Aveiro, criada em 1898, mas que, por falta de receitas e outras razões que não interessa averiguar, deu a alma ao Criador sem deixar vestígios da sua passagem.

Em face do estado calamitoso a que chegara a barra e o aspecto de ruína do molhe sul, as forças vivas da Cidade, Câmara e Associação Comercial, iniciaram nova campanha pela palavra e pela imprensa, campanha secundada por Homem Cristo, Comandante Rocha e Cunha, Dr. Alberto Souto e o Eng.º Fernando de Sousa (Nemo), a fim de chamar a atenção dos governantes para o problema portuário de Aveiro. Isto passava-se em 1925.

O decreto-lei 12 767, de 2 de Dezembro de 1926, mais conhecido por lei dos portos, primeiro diploma legislativo do Estado Novo em matéria de política portuária do País, embora incompleta sob certos aspectos, deixava vislumbrar alguma esperança.

Em 1927, como consequência desta lei, foi concedida autonomia, se bem que muito condicionada, às Juntas Autónomas dos portos, mercê do decreto 14718, de 8 de Dezembro daquele ano. O princípio descentralizador conferido por este diploma foi benéfico e estimulante.

Em 13 de Abril de 1929, o decreto 16728 estabeleceu que o porto de A veiro, considerado de terceira categoria, fosse classificado de 2.ª classe, o que lhe proporcionava, de futuro, comparticipações para obras, por parte do Estado, da ordem dos 40 a 60%.

Em 1930, uma grande comissão de aveirenses, no número dos quais nos incorporámos, acompanhada do Governador Civil de então, deslocou-se a Lisboa a solicitar do Governo providências para que as obras do porto se iniciassem com brevidade, porquanto o Estado havia concedido uma dotação de 21.000 contos pelo decreto 17 421, de 30 de Setembro de 1929, e as formalidades burocráticas embaraçavam a adjudicação das obras.

Foi por essa época que surgiu uma pendência entre os responsáveis das Juntas da Figueira da Foz e de Aveiro. Houve remoques nos jornais, sessões de desagravo no Casino Peninsular e no Teatro Aveirense, uma espécie de guerra do Alecrim e Manjerona, provocada por um certo azedume ciumento. A Junta da Figueira tinha então uma receita de 120 contos; a de Aveiro arrecadava cerca de 1.000. E como a política dos portos se fez à base dos imperativos económicos e não por simpatias de localidades, o Governo entendeu auxiliar primeiramente Aveiro, e esta preferência mais irritou os figueirenses. Veio a verificar-se, já lá vão trinta e seis anos, que o porto da Figueira não tem as possibilidades do de Aveiro. A decisão do Governo estava certa. O ciúme da Figueira ainda perdura, mas não tem o carácter explosivo do de Janeiro de 1930.

Em 1931 as obras do porto foram adjudicadas à firma Valdemar Jara d'Orey, o que trouxe grande regozijo à cidade.

A primeira grande batalha estava ganha. O porto de Aveiro, embora regional, foi considerado dentro da política dos portos; subiu de 3.ª para 2.ª classe; e as obras do porto exterior foram iniciadas em 2 de Março de 1932.

Levou tempo a convencer certas entidades superiores à abandonar o critério de valorizar os portos principais – Lisboa e Porto – em detrimento dos portos secundários, mas conseguiu-se.

Pelo decreto 17 954, de 18 de Fevereiro de 1950, que revogou variada legislação portuária, a Junta passou a denominar-se Junta Autónoma do Porto de Aveiro, designação que ainda hoje mantém.

Em 26 de Maio de 1955, foi publicado o decreto-lei 40 172, que promulgou a lei orgânica da Junta Autónoma, na qual foi feita uma revisão das receitas deste organismo. Pela portaria n.º 15061, de 8 de Novembro daquele ano, foi aprovado o regulamento das tarifas do porto, que ainda vigoram.

 

IV

As receitas da Junta compreendem: as arrecadadas pelo Tesouro, depois de deduzidas de 10% para o Estado; as cobradas directamente pela Junta; as provenientes da Capitania do porto; e os saldos das gerências.

/ 9 / Em 1945 o Estado concedeu uma dotação de 65.000 contos para a construção dos molhes. Os aveirenses, por esse motivo, foram ao Governo Civil em manifestação de reconhecimento pela concessão de tão importante verba. Foram dirigidas palavras de gratidão ao Sr. Presidente do Conselho e ao titular da pasta das Obras Públicas, então o engenheiro Cancela de Abreu, filho do Distrito.

No plano intercalar do fomento para 1965-67, foi atribuída ao porto de Aveiro a dotação de 30.600 contos, destinada à conclusão do cais acostável do porto comercial, de uma doca seca e de equipamento. A Junta comparticipa nestes encargos.

Em cinco anos as receitas arrecadadas pela Junta foram, em milhares de contos, as seguintes:

MAPA COMPARATIVO DAS RECEITAS ARRECADADAS PELA JUNTA DE 1961 A 1965

 
Proveniência das receitas 1961 1962 1963 1964 1965  
Cobradas pelo Tesouro 4.966 5.218 5.590 7.643 7.414  
Cobradas directamente pela Junta 1.224 1.261 1.624 2.693 2.174  
Cobradas pela Capitania do Porto 250 189 246 204 233  

TOTAIS

6.440  6.668 7.460 10.540 9.821 (a)
 
 

(a) Como em 1964 foi necessário incluir 550 contos para a construção de cubas de cimento no armazém de exportação de vinho a granel, na zona industrial, na Mó do Meio, as receitas sofreram uma retracção de cerca de 228 contos, mas a receita real não diminuiu, antes aumentou em cerca de 31 contos, números redondos.

 

As receitas da Junta apresentam uma grande anomalia no que se refere ao imposto sobre o bacalhau. Nos anos de 1964 e 1965 o imposto pago àquele organismo foi, respectivamente, de 363.341$00 e 395.026$00; a pesca costeira menos rica e volumosa, contribuiu naqueles dois anos com 422.009$00 e 363.243$00.

Nos citados anos, os valores do bacalhau verde foram de 88.240.000$00 e 105.424.000$00

(computado o Kg. de bacalhau a 4$00 para efeito de despacho alfandegário); os valores da pesca costeira foram apenas de 30.550.799$00 e 19.364.866$00.

Estes valores monetários fazem grande diferença entre si. Não há dúvida que a disparidade é flagrante. Há qualquer coisa errada na aplicação deste imposto. E a injustiça é tanto maior quanto é certo a Junta Autónoma ter melhorado o porto bacalhoeiro com dragagens, pontes-cais, uma báscula, isto é, ter investido nestes melhoramentos avultadas verbas e não auferir rendimento correspondente. É ainda devido às obras do porto exterior que as empresas de pesca, cujos navios iam aliviar a Leixões, poupam cerca de 200 contos por cada barco.

Compreendemos perfeitamente que a iniciativa particular deve ser ajudada, amparada, estimulada como factor de progresso que é, mas não estamos de acordo com o princípio de quanto mais, melhor. Não. É claro que não.

Dizem os armadores que os maiores lucros ficam nas mãos dos armazenistas. Se assim é, que se estude o problema até ao cerne.

Esta modalidade da indústria de pesca já goza de muitos privilégios. Nem paga à Câmara de Ílhavo o imposto ad valorem!

É no campo do interesse geral que devemos situar os problemas desta natureza e, nesse aspecto fundamental, não supomos que a colectividade aufira vantagens das prerrogativas concedidas a esta indústria. E por que não estender esta protecção às outras pescas, afinal

menos rendosas do que a bacalhoeira? Teremos de invocar o sapateiro de Braga?

Com parando as receitas da Junta, em 1956, com as do ano findo, isto é, no último decénio, verifica-se um progressivo aumento que dá ideia do desenvolvimento do nosso porto.

Em 1956 a Junta arrecadou 4.423 contos

Em 1965 a Junta arrecadou 9.821 contos

Os números que acabamos de ler dispensam comentários.

Era o porto de Aveiro um centro exportador de bajunça?

Deve-se à rara energia de Homem Cristo, que ocupou o cargo de presidente da Junta Autónoma de 10 de Janeiro de 1925 a 10 de Dezembro de 1930, a arrecadação normal das receitas deste organismo. Ninguém queria pagar o imposto estabelecido por lei. Houve reuniões nas Câmaras de vários concelhos para reclamarem da nova contribuição, e houve até um Concelho que ameaçou Aveiro de passar-se para o Porto. Foi uma luta homérica.

Ainda não se fez a justiça devida a este intemerato lutador. Se não fosse a argumentação lúcida, a tenacidade e a energia de Homem / 10 / Cristo aliadas à serenidade, à inteligência e ao saber do Comandante Rocha e Cunha, talvez ainda não tivéssemos o porto que já temos.

Em Homem Cristo só notam defeitos, que os teve como qualquer mortal; mas olvidam os méritos e que eram muitos.

 

V –

As vicissitudes, e muitas foram elas, que a barra e a laguna, isto é, o porto de Aveiro experimentou, reflectiram-se não só na economia da região, mas também no elemento humano.

Assim, em 1422, Aveiro contava 2.769 almas; mas já no primeiro quartel do século XVI, um dos melhores períodos de prosperidade, a população atingiu 14.000 habitantes com 2.500 fogos.

Em 1685, como a abertura da barra estava localizada muito para o sul da laguna, no sítio denominado «Quinta do inglês», próximo da Vagueira, e não dava escoante às águas interiores e era imperceptível o movimento das marés, a população baixou para 10.000 almas, Em 1736 havia 5.300 habitantes; em 1767, baixou para 4.400, em 1797, caiu para 3.500, e no princípio do século XIX atingiu o mínimo: 3;000 habitantes e 900 fogos. Era a ruína, o despovoamento, a miséria.

A partir do meado do século passado, a curva demográfica, na cidade, subiu, ao mesmo tempo que melhoravam as condições da barra.

A evolução da população citadina de 1911 a 1965, foi a que segue:

Anos —— Habitantes

1911 ——— 8.375

1930 ——— 9.525

1940 ——— 11.247

1950 ——— 13.397

1960 ——— 16.011

1965 ——— 18.000 (4)

O acentuado decréscimo populacional que assinalámos atrás (14.000 almas até cair em 3.000) tem a sua explicação na decadência a que chegou a laguna. Com as enormes cheias de 1526, 1575, 1585, 1596, 1644, 1739 (uma das maiores) e a de 1774, como a barra não dava saída às águas represadas, surgiram epidemias que dizimaram a população. Por outro lado, as marinhas ficaram arruinadas por tempos e a agricultura paralisou. A Ria foi então, naqueles períodos, um cemitério.

As pestes de 1469, 1479, 1485, 1524, 1569 e 1580, ilustram o estado calamitoso da região

aveirense. Verificava-se esta coincidência: à medida que a abertura da barra se deslocava para sul, as calamidades recrudesciam.

Em 28 de Fevereiro de 1937, já, portanto, em nossos dias, houve uma grande cheia na Ria. As águas passaram por sobre os muros do cais da cidade, invadiram ruas, entraram nas casas e estabelecimentos comerciais.

Como as obras da barra estavam adiantadas, o escoamento das águas interiores fez-se facilmente.

No século XVI o movimento do porto era intenso. Aveiro aparelhava 150 navios do comércio e da pesca do bacalhau. Foi um período áureo.

A partir de 1.600 a decadência acentuou-se e veio a culminar no século XVIII, mais propriamente no ano de 1756.

Os armamentos de comércio e de pesca desapareceram; a navegação estrangeira foi rareando de ano para ano até paralisar por completo.

O panorama, nesse século, era o seguinte:

Anos             Número de navios

1736 1740 ———  5

1741 1742 ———  3

1743——————— 5

1744——————— 1

17451750 ———   0

Chegou-se à estaca zero.

>>>

páginas 5 a 27

Menu de opções

Página anterior

Página seguinte