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N.º 1

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Janeiro de 1966 

TEMAS AGRÁRIOS

Por N. N.

 

A crise agrícola dos nossos dias está prestes a atingir um tal grau de intensidade que, estamos convencidos, virá a breve prazo produzir transformações profundas na sua própria estruturação.

Com efeito, atendendo aos seus elementos fundamentais – o capital-terra, e o trabalho-mão de obra – aquela conclusão impõe-se categoricamente.

Acrescentaremos, os homens de todas as hierarquias do pensamento e do trabalho reconhecem e afirmam essa realidade repetidamente, todos estudam e alvitram soluções; é um facto notório desde há largos anos, mas tudo permanece na mesma; as circunstâncias em nada são modificadas e as realidades desta actividade económica mantêm-se olimpicamente inalteráveis.

Parece que todos vivemos sob o signo de uma lei fatal e catastrófica e que nos encontramos irremediavelmente condenados a sermos perdidos na sua voragem, a não ser que, mais cedo ou mais tarde, como consequência da tragédia e desencadeado o processo revolucionário indispensável, possamos respirar e possamos exclamar, em tom de alívio, na sabedoria inata do povo, o adágio: há males que vêm por bem!

Mas detenhamo-nos um pouco na apreciação das premissas que estão na base das nossas verificações.

Vamos abordar, aliás com ligeireza, e nem o nosso propósito é outro, alguns aspectos do problema agrário que é problema económico, eivado de manifestas consequências sociais, e logo nos ocorre perguntar: como se patenteia o referido e aos quatro ventos repetidamente proclamado estado de coisas, estado de crise?

Tal pergunta não envolve de modo algum um mínimo de dúvida sobre a sua existência.

Surge mais ao nosso espírito tão somente como desejo de mais vincada e detalhadamente

chamar a nossa atenção para a conjuntura da realidade.

A realidade palpável do manifesto desequilíbrio entre os elementos do fenómeno económico em apreço constitui-se numa situação inconveniente e incómoda de todos os seus elementos intervenientes; tanto nos elementos naturais – o capital-terra, como nos elementos da acção – o trabalho, com todas as incidências humanas e são estas que contam fundamentalmente no juízo dos homens.

Para o equilíbrio do fenómeno económico, em cada momento, hão-de concorrer os vários factures em si intervenientes e conducentes à produção de um juízo de valor em que o homem se sinta tranquilo e satisfeito ao emiti-lo.

Esses factores são: o valor do capital investido, o esforço-trabalho produzido, o fruto-rendimento obtido, as necessidades satisfeitas, o preço, o custo, o valor – conduzindo ao juízo do interessado, factor estritamente humano.

Quando, ponderados todos os elementos ou factores intervenientes no fenómeno, o homem, ao emitir o seu juízo de valor, não se sente tranquilo e satisfeito, nos seus legítimos direitos, necessidades e desejos, reconhecendo e encontrando entre eles estados de desequilíbrio, surge um estado de crise.

Alguma vez o homem proferiu um juízo de valor de plena satisfação, no campo das suas necessidades económicas? – parece-nos lícito e oportuno perguntar.

A resposta, que não pode deixar de ser negativa – as necessidades do homem multiplicam-se e sucedem-se em cadeia – conduz-nos apressadamente à conclusão de que o estado de crise é inelutável o permanente e se traduz num estado de ansiedade por se obterem mais e melhores resultados, no desenvolvimento e progressão dos fenómenos económicos.

Consequentemente há que aceitar como uma realidade fundamental da vida e não como uma lei fatal e catastrófica demolidora de todos os sentimentos humanos de acção e reacção.

Tal estado de ansiedade humana, será mesmo um factor estimulante de acção no sentido da satisfação das nossas necessidades, será mesmo um ardente desejo de se procurar conquistar mais e melhor, é um motor de arranque / 58 / que nos lança para diante, lei natural e divina da vida.

Mas porque assim é, ou pelo menos porque estamos convencidos que esta é a realidade da vida, sentimo-nos no dever de estudar o fenómeno em algumas das suas facetas mais evidentes e palpáveis, para determinarmos o modo e a forma de o encaminharmos para soluções mais favoráveis ao homem.

Na agricultura o elemento primário – fundamental – é a terra com todos os seus inerentes fenómenos naturais.

Elementos secundários, embora também essenciais, existem muitos outros, que nós podemos enquadrar no âmbito da acção, trabalho do homem; no campo económico, têm em vista procurara satisfação das necessidades próprias com o mínimo de esforço na produção de bens para tal necessários.

É o conhecido princípio hedonista.

E é na apreciação do esforço despendido na produção dos bens, na obtenção da produtividade, na formação da riqueza, que o homem começa a emitir os seus juízos de valor a respeito do fenómeno económico.

Reconhecido o resultado desfavorável – é este que agora nos preocupa – do esforço humano, há que determinar as suas causas, as razões do baixo rendimento do trabalho, da produtividade do binómio terra-acção humana.

Todo o trabalho se produz em cada momento sobre determinada coisa e em determinado lugar.

Importa analisar cada um destes factores para verificarmos em relação ao momento, se este é oportuno ou inoportuno; em relação à coisa, se esta é naturalmente favorável ou desfavorável; em relação ao lugar, se este é adequado ou inadequado ao conveniente processo económico.

Deixando para outra altura, admitindo que o possamos vir a fazer, o estudo respeitante ao modo como o trabalho é, admitindo que o homem escolheu perfeitamente o momento e o lugar de realizar o fenómeno, a sua actividade económica com vista à conveniente produção de bens para a satisfação das suas necessidades, vamos tão somente encarar restringindo a nossa observação dos problemas inerentes à «coisa» sobre que vai incidir a acção do homem: o capital-terra – elemento primário e fundamental da agricultura.

Primeiro que tudo impõe ao homem a necessidade indispensável de conhecer a natureza da terra que vai trabalhar: para escolher a cultura adequada, para escolher a época conveniente de a fazer, para determinar as ferramentas apropriadas, enfim, um sem número de problemas que o homem deve equacionar antes de «pôr mãos à obra».

De igual modo se lhe impõe a necessidade de conhecer e considerar a dimensão da terra, para dosear o trabalho a utilizar. Este será tanto mais proveitoso quanto mais harmonioso for o binómio – terra-trabalho. A dimensão de um e de outro devem corresponder inteiramente. Desta realidade resultará de fácil compreensão que os valores do binómio historicamente têm sido variáveis mas sempre correspondentes para um equilíbrio, tanto quanto possível, na produção da riqueza. Tal equilíbrio pretendido é sempre mais possível na correlação directa das dimensões da conjuntura económica. À medida que esta se desenvolve, mais fácil e evidente pode ser o desequilíbrio dos elementos.

Temos, pois, como indispensável a um favorável fenómeno económico agrícola que o elemento-terra se encontre dimensionado em termos propícios a um frutuoso trabalho a executar, condição base de uma útil rentabilidade do esforço humano.

E neste momento afigura-se-nos de novo legítimo perguntar: existe esse conveniente dimensionamento na agricultura portuguesa?

A resposta negativa é do conhecimento de todos.

Esse conveniente dimensionamento não existe por excesso e por defeito.

Os números que vamos referir, colhidos ao acaso nas diferentes regiões do país, são verdadeiramente elucidativos para perfeita apreciação do dimensionamento da propriedade rústica e demasiadamente claros para que alguém procure justificar, seriamente, a dispensabilidade de se considerar realidade tão / 59 / evidente e de tão magna incidência no fenómeno do problema agrário da produção.

Dispensam-nos de outras considerações, as realidades implícitas na relação área do concelho – número de artigos das matrizes prediais rústicas de cada autarquia, (referidos quanto a estes em números aproximados, aquelas são exactas) área média por concelho dos artigos das matrizes prediais rústicas em m2.

 

 

 
  Área
em Km
2
Art.ºs da matrícula
rústica
Área média
dos art.ºs
das matrizes
em m
2

Mirandela
Vale de Cambra

Sever do Vouga

Mealhada

Ansião

Constância

Chamusca

Coruche

Lourinhã

Arruda dos Vinhos

Vila Velha de Ródão

Odemira

S. Brás de Alportel

674

148

131,52

119

170

76,4

780

1093

146

77

361

1 727,3

139,6

69 800

96 300

56 900

75 000

70 000

1 554

4 810

3 720

28 250

6 120

23 250

9 176

16 215

9 641

1 537

2 311

1 587

2 428

49 163

162 161

293 818

5 169

12 511

15 514

188 242

8 609

 

 

Expostos os números aos olhos dos nossos leitores que por certo não deixarão de se encontrar admirados com tão desigual relatividade entre a superfície dos concelhos e os números médios das propriedades rústicas (e nós acrescentaremos ainda que em alguns dos referidos concelhos é corrente encontrarem-se artigos da matriz predial rústica com área inferior a uma dezena de metros quadrados) ressalta logo à nossa vista uma panorâmica do dimensionamento da agricultura no continente.

Vemos pois que o território nacional europeu, no ponto de vista da actividade agrícola, se encontra repartido em zonas dimensionais inteiramente distintas e consequentemente fácil é de admitir que produzam incidências económicas bem diferentes e fundamentais.

No juízo de valor que emitamos sobre a significado dos números apresentados não podemos também deixar de considerar a natureza e a aptidão do solo.

Se este é propício ou desfavorável às culturais arbóreas, cereaIíferas, pascigo, horticultura, florestação, etc., etc. A natureza arenosa, argilosa, xistosa ou rochosa tem decisiva influência na exploração da terra como é de todos sabido e, por outro lado, a abundância ou carência de água é factor primordial que não pode ser esquecido na apreciação que fizermos.

Temos, portanto, na nossa mente, diante de nossos olhos interiores, uma panorâmica suficientemente desenvolvida para que nos possamos arriscar a emitir, com fundamentos reais e sérios, um juízo de apreço sobre a conjuntura agrícola.

Encontramos, pois, na agricultura de Trás-os-Montes um dimensionamento médio que se aproxima dos 10000 m2 por artigo da matriz. O mesmo se verifica no extremo oposto do país, na província do Algarve.

Com diferenças que rondam os 50% para mais e para menos se exprimem as regiões da Beira-Baixa (Vila Velha de Ródão) e as do lado oposto, da Estremadura (Lourinhã).

Antes de mais anotaremos já que naquela província de Trás-os-Montes predomina a cultura dos cereais e na do Algarve as culturas hortícolas e frutícolas.

Na Beira-Baixa a florestação é senhora e na Estremadura a vinha é a riqueza maior.

A grandeza do rio Tejo parece que muito influenciou no dimensionamento da agricultura as suas vizinhanças. E é natural que assim suceda.

O Tejo, sob o ponto de vista orográfico e hidrográfico, é verdadeiramente uma linha divisória de duas regiões distintas.

Ao norte, e com pequenas excepções correspondentes às bacias de alguns rios, nas proximidades da foz, predomina uma orografia montanhosa, serrana, alcantilada e por vezes agreste. É aqui que se encontram os pontos mais altos do País.

Ao sul do Tejo a planura perde-se fugindo na imensidão do horizonte que se divisa dos pequenos montes que a salpicam avaramente.

Por outro lado, enquanto que a hidrografia encontra do Tejo para norte os seus maiores expoentes, para sul a abundância de água só / 60 / poderá vir a resultar do grande e dispendioso esforço humano, como aquele que ali, no presente, se processa e se conta por milhões.

É, pois, nesta região à roda do Tejo ou nas suas vizinhanças mais longínquas, que o dimensionamento da propriedade agrícola, no Portugal europeu, é grande em relação às demais zonas.

Propriedades de dezenas ou centenas de hectares são correntes.

E o que se passa nas outras regiões ainda não citadas e que são abrangidas por toda a corda do Minho ao Lis e numa largura de mais de metade do País, marcado de Norte a Sul, onde a densidade demográfica atinge as expressões mais elevadas?

Os números do nosso quadro atrás patenteado respondem por si, tal o minguado da dimensão agrícola.

Quem sabe se aqui há tanta gente por não poder morrer, já que não terá onde cair morta?

Esta pequena graça não deixará de ter o seu cabimento.

Por tudo isto, façamos ainda algumas considerações que se nos afiguram decorrentes na apreciação do fenómeno económico agrário.

É ponto assente e aceite que o dimensionamento da empresa, seja industrial, comercial ou agrícola, e só esta agora nos interessa, tem incidências fundamentais na sua rentabilidade.

Sendo assim, importa tornar o dimensionamento da empresa agrícola compatível com uma justa rentabilidade, semelhante à que se verifica nas empresas de outra natureza.

Desde que se aceite como indiscutível a conclusão posta, há portanto, que procurar o caminho, o modo, a forma de a realizar.

É, sem dúvida, este, um novo problema e muito grave.

E é muito grave porque sobre si já não incidem e predominam somente factores de ordem económica, mas muitos outros de outra espécie, desde os sociais aos sentimentais.

Estes últimos afiguram-se-nos os piores!

O dimensionamento da terra, significando unidade económica agrária, quer dizer dimensão da unidade de produção, propriedade agrícola, economicamente rentável.

E então o nosso juízo, perante as realidades apontadas, poderá dirigir-se no sentido de que, em algumas regiões, o dimensionamento da agricultura estará certo, noutras será elevado e noutras insuficiente.

Posto de lado o primeiro, diremos em relação ao segundo que a medianização da actividade agrícola e as novas condições de exploração que o homem se esforça por criar conduzirão a um equilíbrio homem-terra aceitável.

E em relação ao último?

Deverão estabelecer-se regimes de co-propriedade ou de associação de exploração, voluntária ou forçadamente?

Ou deverá forçar-se a formação de propriedade individual de dimensão rentável, se não for realizada voluntariamente pelos interessados?

Isto é: deveremos seguir na direcção de um cooperativismo voluntário ou forçado ou o caminho do emparcelamento voluntário ou obrigatório será a única solução que levará a soluções económicas rentáveis?

Nós diremos que enquanto não se modificar a mentalidade dos nossos homens do campo importa ter presente estas realidades:

O homem da terra, no seu juízo egoísta e simplista, sabe sempre melhor do que o seu vizinho cultivar a sua horta, a sua courela, a época da sementeira, a época das podas, dos tratamentos e adubações e até das colheitas.

Só por isto se levanta de madrugada, apanha torreiras de sol, fica encharcado em chuva e vai às romarias para pagar promessas.

Os técnicos para ele são ainda uns senhores que trata com acanhamento e cerimoniosamente.

Por outro lado, o sentimento individualista da propriedade e até, no presente, sentimento inalienável, virtuoso e patriótico do nosso povo, do nosso homem da terra. É garantia das suas obrigações.

Na forma colectiva de exploração da terra, seja ela qual for, alguns daqueles sentimentos e, acrescentaremos, virtudes se perdem, com toda a certeza.

Para onde irá e para que servirá a iniciativa privada prevista na nossa Constituição Política?

O fenómeno económico agrícola do Portugal europeu tem muito que meditar.

 

páginas 57 a 60

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