Acesso à hierarquia superior.

N.º 1

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Janeiro de 1966 

   
  O DISTRITO
 

  NA DIVISÃO ADMINISTRATIVA

Por Alfredo José Alves Rodrigues

 

A divisão administrativa é o sistema segundo o qual se cinde o território do Estado em fracções, em ordem a instituir-se em cada uma órgãos próprios da Administração.

A cada uma das fracções do território assim dividido chama-se CIRCUNSCRIÇÃO ADMINISTRATIVA.

As circunscrições administrativas nalguns casos servem de base a uma autarquia, ou delimitam a competência de um órgão local de administração geral, podendo a mesma circunscrição desempenhar ambos os papéis.

Existem várias divisões do território; o próprio Código Administrativo, independentemente da divisão administrativa autárquica, de que nos vamos ocupar, insere outras divisões: Para efeito do serviço de incêndios está o País dividido em duas Zonas. Zona Norte (abrangendo os distritos de Viana do Castelo, Braga, Bragança, Vila Real, Porto, A veiro, Viseu, Guarda e Coimbra) e Zona Sul – (Distritos de Castelo Branco, Leiria, Santarém, Lisboa, Setúbal, Portalegre, Évora, Beja e Faro).

Também a área de jurisdição das Auditorias Administrativas (alterada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 30571, de 14 de Outubro de 1941) nos dá outra forma de divisão territorial.

Além da divisão fundamental, há outras para fins especiais: divisão administrativa militar, a marítima, a industrial, a agrícola, a florestal, a hidráulica, etc.

Outra divisão ainda e mais recente se vai enraizando lentamente; referimo-nos às Regiões de Turismo, criadas para resolução dos problemas turísticos, em termo que, transcendendo os interesses estritamente locais, não alcançam todavia o plano nacional.

Interessa-nos, principalmente, a divisão administrativa fundamental, isto é, aquela que dá origem às autarquias locais.

Segundo determina o artigo 1.º do Código Administrativo, o território do continente divide-se em CONCELHOS que se formam de FREGUESIAS e se agrupam em DISTRITOS.

Concelho, freguesia e distrito são AUTARQUIAS (1), «pessoas colectivas de direito público, constituídas pelo agregado de cidadãos, residentes em certa circunscrição do território do Estado, cujos interesses comuns são prosseguidos por órgãos próprios, dotados de autonomia dentro dos limites da Lei (2)».

Convém não confundir a circunscrição – simples parcela do território, «elemento espacial da autarquia» com / 44 / a própria autarquia – comunidade de indivíduos com seus interesses e seus órgãos, formando uma pessoa colectiva.

Há uma nítida diferença entre circunscrição administrativa e autarquia, embora ambas tenham um elemento comum: a parcela de território. Mais: a autarquia tem a individualizá-la os órgãos próprios para a prossecução dos interesses comuns; a circunscrição administrativa simples, não tem mais do que o elemento espacial.

A cidade de Aveiro, como um Bairro Administrativo são circunscrições simples, que não autárquicas pois faltam-lhes os órgãos próprios.

O artigo 13.º do Código, citado, define a autarquia concelho: é o agregado de pessoas residentes na circunscrição municipal, com interesses comuns prosseguidos por órgãos próprios. Igualmente, o artigo 196.º preceitua que a autarquia freguesia é o agregado de famílias que, dentro do território municipal desenvolve uma acção social comum por intermédio de órgãos próprios. Quanto à autarquia distrito, na redacção actual do Código Administrativo, não se encontra qualquer definição. O art.º 284.º limita-se tão-somente a conferir-lhe a qualidade de pessoa moral de direito público, que, também, o mesmo Diploma consigna relativamente às demais autarquias, não obstante, quanto a estas, inserir a definição.

O mesmo artigo, o 284.º, antes da alteração que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 42 536, de 28 de Setembro de 1959, preceituava: PROVÍNCIA é a associação de concelhos com afinidades geográficas, económicas e sociais, dotados de órgãos próprios para o prosseguimento de interesses comuns.

Do confronto da redacção anterior com a actual, do preceito citado, parece concluir-se ter havido a intenção de não fazer a adaptação da definição de província ao distrito. Este, como aquela, é formado por concelhos, também agora, como então, com certas afinidades geográficas, económicas e sociais.

O Código Administrativo refere-se à criação de novos concelhos e freguesias, enumerando as condições a observar para o efeito. É, porém, omisso no que respeita à criação de novos distritos, como já o era, anteriormente, quanto à criação de novas províncias.

Não deriva, daqui, porém, que esteja vedada a criação de novos distritos. É certo que a respectiva criação tem de ser encarada com cuidada ponderação, atendendo além do mais, aos pesados encargos que para o Estado representa a manutenção dos serviços distritais: governo civil, direcção de finanças, direcção de urbanização, direcção escolar, delegação de saúde, etc.

Por outro lado, sendo hoje os distritos uma realidade política e administrativa, e tendo-se criado certas afinidades entre os concelhos que os constituem, com as respectivas sedes a servir de ponto de convergência, é muito melindroso o problema. Por este motivo é que data de há mais de um século a criação do último Distrito (Setúbal).

A carta de lei de 25 de Abril de 1835 é o primeiro documento legislativo que fala da circunscrição administrativa do Distrito.

Aí se diz:

«Haverá no Reino até dezassete Distritos Administrativos. / 45 / Cada distrito será administrado por um Magistrado de Nomeação n.º 23, competiam às Juntas de Distrito Electiva que terá as mesmas atribuições que, pelo Decreto de 16 de Maio de 1832, n.º 23, competiam às juntas de Províncias. Os Distritos Administrativos serão divididos em concelhos...».

O referido Decreto n.º 23, de 16 de Maio de 1832, – célebre diploma que motivou renhida discussão em volta da divisão territorial que Mousinho da Silveira imaginara –, não fala no distrito, mas coloca à frente de toda a Administração Provincial o Prefeito, que é o Delegado de Autoridade do Rei e para quanto é do bem estar e comodidade dos Povos... etc., e, nestes mesmos termos, aproximadamente, se referem os Códigos posteriores, do Governador Civil do Distrito (3).

«No período, já centenário, de duração da divisão distrital podem-se assinalar as seguintes fases:

A 1.ª fase vai desde a sua criação até 1878: o distrito tem um órgão administrativo (a junta geral) que a partir de 1840 passou a ser eleito pelas câmaras e conselhos municipais. A junta não era um órgão autárquico, tanto mais que estava reservada ao governador civil a execução das suas deliberações e que este presidia ao Conselho de Distrito, órgão permanente de tutela e do contencioso. A posição do governador civil era, pois, preponderante e, senão de direito, pelo menos de facto, o distrito é simples circunscrição de administração do Estado.

Inicia-se a 2.ª fase com o Código de 1878. As juntas gerais recebem numerosas e importantes atribuições de fomento e assistência, meios financeiros para as exercer, a faculdade de executar as suas deliberações mediante comissões executivas permanentes, por elas eleitas e independentes do governador civil e do Conselho do Distrito. O distrito passa, pois, a ser, de direito e de facto, autarquia local, e como tal se mantém no Código de 1886.

A 3.ª fase vai de 1892 a 1913. O distrito deixa de ter personalidade jurídica, desaparecem as juntas gerais e ficam apenas existindo comissões distritais junto do governador civil, que é a única autoridade na circunscrição e o único representante dos respectivos interesses.

Uma 4.ª fase vai de 1913 a 1937, em que o distrito volta a ser autarquia local, como na 2.ª fase.

Nos termos da Constituição de 1933, a Lei n.º 1940, base XXI, e o Código de 1936 consagraram o regime da 3.ª fase, mais acentuado, reduzindo o distrito a círculo de administração geral despido de todo o carácter autárquico.

Pela reforma sofrida pelo Código Administrativo em 1959 (Decreto-Lei n.º 42 536, de 26 de Setembro) inicia-se a 6.ª fase, de regime semelhante às 2.ª e 4.ª.

A administração distrital tem oscilado entre os dois sistemas: / 46 /

– a administração de interesses gerais entregue a um magistrado, delegado do Governo, aconselhado e assistido, ou não, por uma comissão local (1835 a 1878),1892 a 1913, 1937 a 1959);

– a administração de interesses gerais, a cargo do governador civil, de par com a administração de interesses distritais sob a forma autárquica por meio de um órgão próprio e eleito, dotado dos poderes de deliberação e execução (1878 a 1892,1913 a 1937 e desde 1960)».

É sabido que a divisão administrativa do Estado é uma criação do legislador. Para Orlando (4) as circunscrições territoriais apresentam-se com carácter natural, quando encaradas sob o ponto de vista abstracto e são uma criação artificial sob o ponto de vista do direito positivo. Afirma o mesmo Administrativista «que os acidentes geográficos determinam nos habitantes diversidade de usos, de desenvolvimento intelectual, moral e económico e outros caracteres próprios que provocam uma autonomia natural. É o ponto de vista abstracto. Sob o ponto de vista do direito positivo, não sofre dúvida que as circunscrições territoriais devem a sua existência jurídica ao reconhecimento por parte do Estado; mas a questão do fundamento natural deve guiar o legislador. Neste sentido, Orlando considera excelentes as circunscrições que se harmonizam inteiramente com as condições naturais e históricas do território do Estado e péssimas as que prescindem destes elementos» (5).

Comentando aquela opinião, o Ex.mo Sr. Dr. António Pedrosa Pires de Lima, diz o seguinte: «Supomos que a questão deve pôr-se com mais realidade nos seguintes termos: As circunscrições territoriais são criadas pelo legislador. Mas o legislador não cria arbitrariamente. As leis não se impõem apenas pela ameaça de sanções, mas também em consciência. O Estado, sob pena de se trair a si próprio, tem de considerar os factores naturais, que se lhe impõe, como a qualquer outra entidade. Assim, quando divide o território em circunscrições, não pode o Estado abstrair dos factores naturais que, sem dúvida, imprimem certo carácter. Mas ao Estado compete conjugar estes factores, mais ou menos imprecisos, com as conveniências da administração, que devem prevalecer sobre considerações de qualquer outra ordem.

É necessário não perder de vista que a divisão administrativa – aquela que interessa a este estudo – se destina a conceder autonomia às fracções do território e que, para gozo dessa autonomia administrativa, não basta ter em vista factores naturais; impõe-se também, e antes de tudo, que as circunscrições tenham capacidade económica e administrativa, para que os seus órgãos próprios possam desempenhar-se das funções que a lei lhes atribui e que são – insistimos – a sua razão de ser. Por outro lado, não admitimos que a diversidade dos factores geográficos implique necessariamente diversidade e usos, de desenvolvimento intelectual, moral e económico e, menos ainda, que essa diversidade, por mais evidente que / 47 / seja, dê origem, só por si, à capacidade económica e administrativa necessária à autarquia. O que é natural não se altera facilmente; ao passo que as condições económicas e administrativas, de que depende, principalmente, a concessão da autonomia, embora recebam influência dos factores naturais, dependem também das circunstâncias gerais, de outros factores, estranhos ao meio local, e encontram-se, por isso, sujeitas a evolução que nem sempre é lenta. Como observa o Prof. Marcello Caetano «o homem não é produto fatal do meio geográfico: reage, por milagre da sua razão, sobre ele, adapta-se, transforma e modifica as condições naturais», o que faz com que «a economia tome o passo à geografia», o mesmo sucedendo com os laços sociais e espirituais». Já se vê, pois, que não podemos concordar que a excelência da divisão administrativa consista na sua harmonia perfeita com as condições naturais e históricas do território. Se a existência das circunscrições administrativas não se funda apenas, nem mesmo principalmente, em factores naturais, importa concluir que as respectivas populações não podem arrogar-se o direito da sua existência.

Só ao Estado pertence apreciar os factores que influem na divisão administrativa e decidir sobre a criação, alteração ou extinção das autarquias locais». (6)

Justificam-se, assim, as mutações operadas quanto ao distrito, filho legítimo da Tradição Portuguesa ou de origem espúria.

No Parecer sobre o projecto de lei n.º 73, que autorizava o Governo a publicar um Código Administrativo, consta, com referência ao distrito: «Já sabemos que o distrito perdeu, por força da Constituição, a categoria de Autarquia local, para conservar, apenas, a sua natureza de circunscrição administrativa, não autárquica. A seu respeito, limita-se a proposta (base XII) a dizer que «em cada distrito haverá um Magistrado Administrativo, imediato representante do Governo, com a designação de Governador. A proposta, mantendo à frente do distrito um Magistrado Administrativo e dando-lhe o nome de Governador Civil, conservou-se fiel à tradição, quer da Monarquia quer da República».

A coexistência das duas divisões administrativas – Província e Distrito – não foi recebida pacificamente por todos.

Já no citado parecer da Câmara Corporativa se insinuava ao tratar-se da Província: «Grave seria para esta Câmara condenar a sua existência como grave seria ainda condenar a morte do Distrito como autarquia».

A Revista de Administração Pública emitiu a autorizada opinião do seu Director sobre o assunto, nos seguintes termos: «Quanto a nós, se mantemos com sincera convicção o critério de que não devem coexistir as duas divisões, não hesitamos também em afirmar que não quebramos hoje lanças por uma ou por outra». Preferem-se os distritos? Tudo se passará mais ou menos como dantes.

Continuariam a existir os Governos Civis, tendo a seu lado um corpo colectivo / 48 / distrital – como é da tradição portuguesa – e, naturalmente, em pouco ou nada se alteraria o seu número.

E todos – ou quase todos – ficariam contentes.

Preferem-se as Províncias?

«Nada nos repugna aceitar hoje uma divisão administrativa em que as suas circunscrições de grau superior abranjam uma área territorial de maior extensão».

Ao Professor Doutor Marcello Caetano, mereceu a nova divisão administrativa o comentário seguinte:

«A situação resultante do Código Administrativo não nos parece que seja a do distrito agonizante a assistir às auroras provinciais.

O que existia até aqui era uma circunscrição distrital onde o Governador Civil tudo mandava e a junta geral nada fazia (salvo raras excepções).

Agora deixou-se no distrito o Governador Civil e reduziu-se o número das juntas gerais, modificando-se a organização destas e alterando-se a sua função, de modo a torná-las órgãos coordenadores da acção municipal.

O distrito guardou a sua importância.

A província é convidada a prestar as suas provas. Saberá dá-las?». (7)

A resposta consta da Acta da Câmara Corporativa, a seguir transcrita. (Parecer N.º 10/VII, de 10 de Abril de 1959).

«Tendo-se criado, quanto à instauração da província como circunscrição administrativa e como autarquia, um paralelismo de opiniões e de sentimentos entre as duas correntes do pensamento político nacional mais divergentes, não é de estranhar que cedo se inscrevesse no programa de realizações administrativas do Estado Novo o regresso à divisão provincial. Se, na verdade, o ideário republicano histórico fazia parte a volta à província, o Integralismo não reivindicava menos um retorno às circunscrições e autarquias provinciais, dotadas de ampla autonomia.

Logo em 1930, por portaria de 17 de Outubro, o Governo nomeia uma comissão encarregada de proceder à remodelação provincial do País, de que saiu um projecto de divisão do território do continente em onze províncias. E em 1933, finalmente, a província ascende ao plano da Constituição, dispondo o seu art.º 125.º que «o território do continente divide-se em concelhos, que se formam de freguesias e se agrupam em distritos e províncias, estabelecendo a lei os limites de todas as circunscrições». O artigo seguinte, em que se prescreve que «os corpos administrativos são as câmaras municipais, as juntas de freguesia e as juntas de província» (conselhos de província, no texto primitivo) deixou perceber que, enquanto a província passava a ser uma autarquia local, o distrito seria, daí em diante (ou logo que se legislasse sobre a organização administrativa local), uma simples circunscrição administrativa, tendo à sua frente, para efeitos de administração geral, uma autoridade delegada do Poder Central.

Quando se votaram as bases a que se subordinaria o Código Administrativo a publicar e se elaborou este diploma, não deixou naturalmente de se respeitar o preceituado na Constituição, / 49 / aí surgindo a província como autarquia local e o distrito como mera circunscrição da administração comum do Estado, tendo à frente um magistrado administrativo, imediato representante do Governo, com a designação de Governador Civil.

Não tardou que se suscitasse polémica sobre os méritos relativos do distrito e da província (e, consequentemente, sobre os méritos dos respectivos corpos administrativos). Polémica acesa, em que entraram as armas do sentimento (quando não do ressentimento daqueles que não viram a cidade capital do seu distrito tornada capital de província...), as da história e da erudição e, finalmente, as da geografia humana e suas ciências auxiliares. O sentimentalismo repartiu-se pelos dois campos. A geografia humana e as ciências suas auxiliares estiveram especialmente ao lado dos defensores da província, evidenciando – dizia-se – que a divisão provincial oferece, muito melhor que a divisão em distritos, satisfação às exigências, aspirações e necessidades das populações, dada a pretendida concorrência dessa divisão com as condições fisiográficas, sociais e económicas do País, entrando em linha de conta com as afinidades naturais as indicações antropogeográficas, os interesses da produção e da troca, as relações tradicionais, a facilidade das comunicações, o valor económico das regiões, o interesse geral, em suma. É justo mencionar-se aqui o nome de um grande paladino da divisão provincial, que argumentou no plano da geografia humana: O Prof. Doutor Amorim Girão.

O período de experiência que vai decorrido desde 1937, em que se deu efectivação, pela entrada em vigor do Código Administrativo, ao pensamento constitucional quanto à instauração da nova autarquia, não provou francamente a favor dela.

Não se nega que as províncias instituídas com a Constituição e o novo Código Administrativo correspondam às grandes unidades regionais do território português continental; noutras palavras, não se nega que se tenha dado assim consagração legal à província-região, entendendo por região uma unidade territorial definida por características geográficas, geomanas e geoeconómicas diferenciadas.

Simplesmente, estas regiões não possuem hoje, ao contrário do que se imaginou, interesses comuns, no plano económico, cultural e de assistência, que possam explicar a sua personalização e a consequente atribuição de uma orgânica adequada à prossecução de tais interesses em bases autonómicas. A região, em suma, não tem de ter, necessariamente, uma expressão administrativa, embora seja de facto uma realidade.

Os interesses económicos regionais não têm praticamente relevância no plano da administração comum descentralizada – e a prova está em que as juntas de província nunca exerceram ou só exerceram muito discretamente, as suas atribuições e competência legais em matéria de fomento e coordenação económica.

Sem dados seguros e completos sobre o seu activo no domínio das suas finalidades culturais, presumimos que a sua actuação em tal sector foi, no / 50 / geral, também muito modesta: não há portanto, parece, verdadeiros interesses provinciais comuns, no sector cultural, pelo menos que tenham de ser geridos no plano da administração local autárquica.

Quanto finalmente, às atribuições de assistência, a legislação posterior no Código Administrativo pôs os respectivos problemas em planos tão diferentes e deu-lhes soluções tão afastadas da competência das juntas de província (no que se não deixou, certamente, de ter em conta a, em geral, deficiente e ineficaz acção destes órgãos da administração provincial nesse domínio) que não pode hoje pretender-se que a acção assistencial tenha uma base regional expressa em entes autárquicos deste tipo. Assim como não tem sentido, no plano da administração comum, um regionalismo económico e cultural, também deixou de o ter, se já o tivera, um regionalismo assistencial, uma ou outra junta de província se distingue nunca foi mais do que a consequência de substanciais contribuições do Estado ou de beneméritos particulares.

Bem se pode concluir, com o Prof. M. Caetano (Manual, 4.ª edição, p. 404) que «a autarquia provincial, nos moldes em que foi instituída, é simples homenagem a um regionalismo ineficiente».

Se tem de haver uma autarquia local de grau superior ao concelho, que exprima a solidariedade e cooperação dos municípios na realização de interesses comuns dos povos de uma área mais extensa que a circunscrição municipal, parece que essa autarquia só pode ser hoje o distrito, por muito verdade que seja ter este surgido entre nós como uma instituição artificial e importada.

O distrito, não obstante ter subsistido desde 1937 como simples circunscrição administrativa, mantém-se como verdadeira comunidade de interesses, de conveniências, de afinidades e de sentimentos das populações e dos municípios, como realidade mais ou menos viva que – parece – não deve desprezar-se. Corno se disse numa das declarações de voto ao parecer sobre o projecto de Querubim Guimarães (D. S., n.º 187, de 21-4-1938), a divisão provincial, longe de haver melhorado a administração local, veio complicá-la e torná-la mais dispendiosa e menos eficiente. A divisão distrital está mais de harmonia com as realidades.

Como corpo administrativo do distrito prevê a proposta ao órgão a que se dá a designação de junta distrital, em vez de junta geral, como tradicionalmente foi conhecida. A questão é irrelevante e não custa por isso concordar com a denominação proposta.

Em hora a província não tenha tradição entre nós como circunscrição administrativa e como autarquia local, o certo é que, mais ou menos oficial, houve desde cedo uma nomenclatura geográfica para as regiões do País a que os coreógrafos portugueses desde os fins do séc. XVI, passaram a chamar «províncias». Estas são, portanto, verdadeiras realidades geográficas e históricas. Já por exemplo em tempos de D. Dinis se falava em Antre Tejo e Odiana, Estremadura, Antre Douro e Mondego, Beira, Trallos Montes, etc. No início do constitucionalismo as províncias em que o País se considerava dividido eram cinco, além do reino do Algarve».

______________________
 

(1) A palavra autarquia foi importada da Itália para a nossa terminologia administrativa, Zanobini, Corso I, pág, 142, define-a: «a capacidade, reconhecida pelo Direito aos entes cujos fins coincidem com alguns fins do Estado, de desenvolver uma actividade administrativa com a mesma natureza e os mesmos efeitos da administração directa do Estado».

A expressão «autarquia local» foi consagrada pela Constituição de 1933, Parte Primeira, Titulo 5.º e Parte Segunda, Titulo 6.º.

(2) ManuaI de Direito Administrativo, 6.º edição, pág, 134.

(3) O Distrito, 2.ª edição, pág. 19.

(4) Principii de Diritto Administrativo, 2.ª edição, 1892, págs. 135 e segs.

(5) A Tutela Administrativa nas Autarquias Locais, pág. 14.

(6) A Tutela Administrativa nas Autarquias Locais, págs, 15 e 16.

(7) O Direito, Ano 69.º.

 

páginas 43 a 50

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