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N.º 30

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1982 

«30 anos de Pesca do Bacalhau»

Por Asdrúbal José Sacramento Capote Teiga

INTRÓITO

Em 1980 fomos convidados a assistir e comparticipar na conferência «ENSINO NÁUTICO 80» realizada na ESCOLA NÁUTICA INFANTE D. HENRIQUE (ENIDH) durante os dias 4, 5 e 6 de Junho; vinte e quatro trabalhos cujas cópias escritas foram distribuídas aos convidados anteriormente, foram lidos e discutidos nesses três dias.

Dado que a nossa actividade profissional se desenvolveu quase inteiramente no mar – 30 anos ao serviço da pesca longínqua do bacalhau – achámos que seria dentro dessa temática que nos expressaríamos com o mérito e fidelidade indispensáveis ao cabal desempenho do propósito que havíamos aceitado.

Na hora, verbalmente respondemos aos quesitos postos, esclarecemos as dúvidas suscitadas e declarámos a nossa incapacidade de resposta para o que não estava ao nosso alcance; posteriormente, reduzimos essas respostas a escrito enviando-as à ENIDH.

Apesar da exploração da pesca do bacalhau ter enveredado, a partir de 1980, em grande parte, por caminhos admissíveis e aceitáveis e até por nós defendidos no desenvolvimento que se segue, pelo menos como transitórios, o progressivo apossamento da Indústria por um neo-capitalismo de circunstância onde os pseudo-industriais da experiência que se exige nas andanças do mar, dos navios e da sua racional exploração, mormente no ramo da pesca, apenas conhecem cifras e verbas de deve-haver, apesar do que vamos ouvindo a fontes dignas, creio não estarmos deslocados na hora e no conteúdo do trabalho apresentado em 1980. Pelo contrário: Se o que se vê e ouve nos domínios do estimado e do concreto servem os propósitos de um projecto a média ou a longa distância, devemos reafirmar que as acusações verberadas contra quem, antes e depois do 25 de Abril, em dirigismo totalmente negativo, superintendeu e continua a orientar os destinos das pescas em Portugal, se mantêm de pé com plena actualidade; e assim, as considerações que seguem, com permissiva de um romanceado que se não julga figurativo, antes destacante do carisma humano que torna o homem do mar e o pescador uma entidade própria e bem definem a região que lhe foi berço, têm e terão sempre força de actualidade.

Claro que, a indispensável planificação por que concluímos esse nosso trabalho em Junho de 1980, não pode ser preceituada, por falta de cabimento em muitos aspectos na era actual, uma vez que o figurino das explorações pesqueiras em Portugal, embora, como sempre, indefinido, tenha adquirido novas dimensões de visionamento.

O destino de mais uma achega para o historiado da pesca longínqua do bacalhau que na região Aveirense tem raízes tão profundas, será cobrança mais do que satisfatória para o trabalho que vai seguir-se.

ÍLHAVO, 22 de Março de 1982.

a) ASDRÚBAL CAPOTE TEIGA

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30 ANOS DE PESCA DE BACALHAU

Tem a casa portuguesa uma janela enorme virada ao mar. A imensidão que lhe é panorâmica ora quieta e convidativa, ora revolta e amedrontante, um convite permanente, embora arriscado, ao devassamento e à conquista e assim, foram os portugueses mais que atraídos, empurrados para os oceanos sucedâneos daquele que, enrolando se espraia momento a momento, hora a hora, dia a dia, sob o peitoril dessa grande janela; e os sucessos e promessas banhadas de ouro e sangue foram um nunca acabar.

Ao sabor da aventura, seguiram-se as certezas e realidades de sonhos e projectos e o português fez-se marinheiro, casando o verde da esperança e da vitalidade com o azul das imensas e incertas águas oceânicas, o vermelho do sacrifício e da glória com o negro das crepes e das sombras. A ambição de alargar fronteiras e construir impérios, herança sempre presente na mente das testas coroadas da época e na da elite com quem partilhavam riquezas e glória, a era da cruz e do alfange, do fanatismo e da renúncia, iria motivar os povos que sorviam sal e brisas na grande epopeia marítima e realmente, se criaram impérios e formaram empórios; e, devassados que foram os mistérios dos mares, dobrados cabos e tormentas, desvendados e ultrapassados mistérios e continentes, atingidos os confins do mundo, ora regressando cheios de feitos e magnificências, ora se fixando quais raízes adventícias, na busca e na ida e volta, uma certeza lhes sobrava sempre: a da via cruzada, misteriosa e traiçoeira, é certo, mas aberta ao sulcar de naus portadoras de génio, pedrarias e bens comuns.

Ultrapassada a épica, cuidou-se então de observar as realidades que se ofereciam nessa mole imensa e o desvendar das suas riquezas íntimas mais a vida própria que oferecia em sua fauna e flora imanentes que no então e à distância já se afirmavam fonte onde o homem iria colher os recursos e energias que se adivinhavam viriam a minguar-lhe na terra, um real interesse não isento já de cobiça e poder, nasceu. Primeiro via depois subsistência; e a que nasceu a pesca; a qual foi livre e ao alcance de todas as gentes, manancial, isenta de tributações ao serviço de camadas desfavorecidas, matéria-prima que foi oferta, depois troca e que hoje está sob total controle mercantilista; e, é até já, pomo de discórdia, argumento de persuasão, força de controle. Por temperamento e necessidade, além de marinheiro, também o português se fez pescador... Primeiro à saída da porta e ao alcance da janela e depois por razão de poupança, reserva própria e ainda e sempre a tal índole marinhesca, fez-se ao largo na busca do mais e do melhor, mas não do fácil.

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Uma constante de sempre entre Janeiro e Junho de cada ano; cortando gelo quando não era de ficar bloqueado, como tantas vezes aconteceu.

Ao largo do continente norte-americano, Estados Unidos, Canadá, Terra-Nova, Lavrador, à vista dos imensos glaciares de uma imensa Groenlândia, ao redor de uma agreste e alta costa Islandesa, na imensidão de um Barentz olhando o limite mais setentrional da Europa para logo demandar as praias vermelhos do Spitzberg, ali a dez graus do pólo elevado, sem receios burlescos, antes no respeito pela seara agressiva que amanhavam, rentes e presentes, década após década.

No apreço de quantos lutam nessas águas frígidas e traiçoeiras, no justo render de uma homenagem e gratidão a quantos e tantos foram, pagaram com a vida o tributo devido à sarça ardente que joeiraram, quedemo-nos e apreciemos.

– O HOMEM

Furtando ao rocambolesco a imagem do homem que por vocação ou necessidade, por contrato ou por sentença, por atrevimento ou por renúncia, buscou no mar realização, satisfação, cumprimento, expiação, refrigério e consolo, despindo-o dos enfeites que o tornaram mito ou objecto de repúdio, subsiste a unidade indispensável ao conjunto que é a sociedade-consumo, aquela que no planeamento económico dita leis e orienta os caminhos a percorrer. É na sociedade fascista de base técnico-burocrática onde se verifica a fusão do capitalismo organizado com o Estado Totalitário sob presença de chefes carismáticos que poderão ser instrumento de grupos técnico-burocráticos, que vamos encontrar o homem-peça de máquina produtiva, joeirando vinhas da ira onde o indispensável é subsistir, numa fase metamorfósica que se adivinha breve na indústria da pesca já experimentada em países de técnica evoluída e progressiva.

É o homem pescador de 1950 ao serviço de elites atávicas, soberanas de força que lhes advém da detenção do capital e do proteccionismo escandaloso do Governo; é o homem votado à obrigação de servir e vetado / 11 / ao direito de pensar; é o homem cuja acção é orientada nos serviços de Deus, Pátria e Família e a quem é negada a faculdade de uma acção criadora. Nestes moldes, produzindo sob medidas suasórias, sob controle de um dirigismo inflexível, por força teria que ocupar a cauda da senda revolucionária que os estados piscatórios vinham desenvolvendo nos domínios da construção naval, indústrias paralelas e subsequentes.

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Lugres – «Rainha Santa Isabel» e Senhora da Saúde» (4 mastros), ancorados em frente à Seca da firma Pascoal, Cravo e Vilarinho. Construção: Ano de 1929 – Cale Vila – Gafanha da Nazaré – Ílhavo

Claro que, em primeira mão e como se adivinha sem recorrer ao testemunho visual, in-Ioco, logo a primeira vitima de uma incapacidade criadora e renovadora de uma frota que primava já pelo obsoletismo seria e era o próprio homem em todas as suas dimensões.

Vínhamos insistindo, por indiferença à tributação que ano após ano pagávamos às águas geladas e revoltas de uma Terra-Nova e Groenlândia, na continuidade de um processo de pesca que havia feito época, é certo, mas que ora estava já ultrapassado; por fidelidade à legenda épica que orientou os homens de 1500, para imagem, o luzimento das praxes obrigatórias antes da largada, dentro do porto de Lisboa aonde todos os navios de todas as praças teriam que arribar para uma largada triunfalista a que não faltavam estandartes, trombetas, procissões e bênçãos, promessas e adeuses vestidos de negro como negra seria a roupagem das mães, esposas, pais e irmãos que se ficavam porque se adivinhava, quantas vezes, uma ida sem regresso; por sujeição a um ideal extemporâneo, mais que por razão natural no planejar e orientar de uma laboração que se impunha por necessária à economia e ao gosto de todos os portugueses, continuava-se com sistemas ultrapassados e até, para vergonha de quem militava nas hostes dos oprimidos e tinha por força de obrigações tratar com estrangeiros de assuntos relativos à faina escolhida ou imposta, ouvir comentários justos, mas chocantes, relativos à insistência e persistência em processos condenáveis à presente época.

Esta era a pesca de 1950, este o tipo de pescadores que nela operava. Uma frota em que predominavam as unidades de madeira, algumas delas ainda sulcando mares e demandando pesqueiros só à vela, outras mistas e uns tantos arrastões que haviam tido seu advento por 1935/36.

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Lugre «ILHAVENSE II» – aparelhado para navegar – Na Cale da Vila – Gafanha da Nazaré.

Mas, voltando ainda ao homem e analisando as suas possibilidades económicas à época, mesmo exorbitando com o valor da moeda, verificamos quão baixo era o seu nível de vida, se vida poderia ser chamado ao acto de subsistir.

No meu ÍLHAVO de largas e insignes tradições marítimo-pesqueiras, onde viúvas e órfãos de vivos e mortos eram dominância, onde as sombras da noite tão bem casavam com as vestes do dia dos seus filhos e filhas, onde miséria e tuberculose moravam paredes meias, proliferavam, como anátema à sua condição de humilhados, as casas de «prego» e penhores que bem falavam e atestavam das exíguas e precárias condições de vida dessa gente do mar. Na hora de chegada dos bacalhoeiros vestiam-se galas, reinava a concórdia. Tudo eram regalos e amícias, adiava-se por pouco tempo ameaças e certezas da verdade; ao luzimento, seguiam-se as lamúrias, a desesperança e o velho recurso ao penhorista.

Contra essa situação de penúria e opressão não havia revoltas, apenas lamentações, conformismo, temor do pior; o mais vale assim que pior, gravara-se a ferro e fogo no coração daquela gente boa, humilde e trabalhadora até à exaustão.

Na pesca à linha o pescador ganhava consoante o escalão que atingia, sendo considerados verdes os que não chegavam aos 100 quintais, daqui a 120 segundas linhas e daqui para cima especiais; o valor do quintal variava conforme o escalão, atingindo o seu máximo para os especiais; por volta de 1950 a distribuição era sensivelmente de 30$00 por quintal até 100; 100/120 – 40$00; 120/180 – 60$00 e mais 80$00, isto é, um especial médio / 12 / de 200 quintais, conseguiria um máximo, no complemento de soldada de 16000$00 a juntar à soldada fixa que dava em média cerca de 400$00 por mês.

Obscurantismo, submissão, factos e números, evidência que se impõe e falam de uma época.

– O NAVIO

Naturalmente, através dos tempos, como criação e como herança esse engenho flutuante estruturado em vários materiais e obedecendo a diferentes formas teve, na nossa história marítima uma amplitude na utilização, como é óbvio e por manifesta determinação, a madeira. Matéria-prima ao pé da porta em abundância e facilidade de maneio, por mais barato sob todos os aspectos, respondeu de facto, durante séculos, às necessidades navais portuguesas; e assim, desde o século XV até meados do XX, nos domínios da construção naval, é nesse material que buscamos expansão para o nosso poder construtivo e, consequentemente, alargamento da frota mercante nesta incluindo navios de exploração fluvial, recreio, comércio e pesca. Neste último ramo, tal e qual como para os descobrimentos, consoante necessidades e fins, podendo afirmar-se, segundo estudos legados, ter sido a construção naval portuguesa uma das mais férteis em modelos utilizados, merecem especial referência, barcas, naus, lugres e seus derivados; de formas consentâneas com o rifão que impunha dever «um barco ter cabeça de xarroco e rabo de carapau» para ser bom, de arte redonda, latina ou mista; cedo começaram os nossos veleiros a buscar nas costas e nos mares, agora, não rotas e novas terras, mas sim, uma riqueza que não exigindo paga imediata ou compulsória, de quando em vez requeria a pesada tributação de umas muitas vidas ceifadas. Ao comportamento e à reacção dos navios perante condições desfavoráveis de mar, vento, correntes, nevascas e brumas, muito se ficou a dever, ora na defesa segura das vidas ocultas nos seus bojos, ora na fragilidade cruel com que deixava roubar-lhas, e por isso, impunha-se a evolução constante para melhor, desse celeiro de pão e vidas.

Como não podia deixar de ser, movimentação, resistência, segurança, facilidade e espírito de manobra, seriam condições primordiais a ter em conta no futuro das construções navais de pesca, especialmente longínqua, aquela que nos importa neste desbobinar de imagens de um passado remoto que fez história, um passado próximo que fez campanha de vários tons, um presente que se não discorre e um futuro que se não adivinha.

Para não discorrer sobre assuntos promotores de extensas considerações, e não nos quedarmos sobre motivos e factos de longa e controversa polémica, teremos que submetermo-nos tanto quanto possível objectivamente ao esquema delineado no presente trabalho, que identificou os tipos de navios de pesca em acção em 1950.

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Lugres «Cruz de Malta», «Alcyon», «Ilhavense II» e «Vaz»,  ancorados frente à Seca do Cap. António José dos Santos (Rocheiro) – Cale da Vila – Gafanha da Nazaré – Ílhavo. Construção: ano de 1934. No primeiro plano. bacalhau a secar.

Lugres de madeira na sua maioria de costado forrado a cobre, três a quatro mastros, armando velas latinas triangulares e quadrangulares, envergando em retrancas e caranguejas, entre mastaréus enfoladas de extênsulas, de um modo geral quase todos com máquina propulsora de reduzida cavalagem como auxiliar da navegação; alguns de convés corrido o que facilitava o arrio e embarque dos pequenos dóris distribuídos um a cada pescador; e também muito mais enxovalhados pelo mar revolto e susceptível por tal, de mais perigos e mais avarias, estes dóris eram empilhados ao longo de bombordo e estibordo de cada navio; outros do mesmo tipo, com a diferença de possuírem castelos e extenso poço o que impedia o embarque de mais de dois dóris de cada lado; menos embarque de mar, mas mais dificuldades nas manobras de pesca.

Como exemplo de navios corridos: «Argus», «Creoula», «Manuela», em ferro. Também em ferro, de castelos: «S. Rui», «St.ª Maria Madalena», «Souto Maior».

De madeira, convés corrido: «Novos Mares», «Oliveirense», «Brites». De madeira, com castelos: «Coimbra». «Celeste Maria», «lIhavense».

Os mais pequenos, tipo «Lousado», e «Ana Maria» arriando 22 dóris; os maiores tipo «Madalena», «S. Rui» cerca de 900 Toneladas com cerca de 65 dóris.

As instalações das tripulações, especialmente as dos pescadores ofereciam um negro e triste aspecto, género mansarda prisional.

Com reduzida capacidade de armazenagem de mantimentos em benefício dos porões do peixe salgado, mais se cuidando do fim a que se destinavam, do que das forças vivas que os mantinham; no aspecto instalações e passadio eram um atentado aos direitos do ser humano. Não se julgue porém, que nas construções posteriores a 1950 esse aspecto que poderia ser considerado tipo de construção antiga, tenha sido alterado de maneira a / 13 / merecer encómios, não se respeitando jamais esse condicionalismo da habitabilidade. E a prová-lo, estão os erros, insistências e desinteresse postos nas mais recentes construções porque, habitabilidade de um navio não é só dotá-lo com mais um colchão de espuma, um espelho ou um quarto de banho; é sim estabilidade que garanta repouso capaz a um pessoal que ainda tem nos nossos dias, um horário de trabalho diário mínimo de 12 horas, porque quando a pesca é boa, o que interessa é safar e as horas de canseira aumentam; e, não há sábados, nem domingos, nem feriados, nem festas, e não é com balanços bruscos de 30º graus e mais, que se obtém esse necessário repouso; é conforto que importa a quase uma centena de homens que durante 150 ou 180 dias de tudo se privam e são privados, dar-lhes por direito natural uma sala de estar com biblioteca, máquina de projectar, distracções que motivem e obriguem a um convívio saudável aqueles que fora das horas das suas obrigações ou nos dias em que a pesca mingua ou se emposteia, carecem de uma motivação natural e legítima, um refrigério para os seus anseios; é segurança, física e anímica para veteranos e iniciados oferecida por unidades que seduzam e convidem uma juventude a amar e orgulhar-se da profissão que escolheram e não a sujeitar-se ao ápodo de proscritos de uma sociedade que teima em não reconhecer aos homens do mar como seus iguais e dignos das mais enaltecidas admiração e gratidão.

Em 1935/36 surge o primeiro arrastão na frota bacalhoeira portuguesa: navio em ferro de maior espessura na roda de proa e amuras 16 m/m, restante 13 m/mo.

Propulsão mecânica a gasoil, dois castelos, no da ré uma ponte; equipado com guincho de pesca que permitia o enrolamento de 1200 metros de cabo de aço de 2,5 polegadas.

Monta dois arcos de pesca a BB e EB embora posteriormente o trabalho só se efectue por EB, onde passam os cabos que rebocam o aparelho de pesca, sendo este esquematicamente constituído por portas de arrasto em madeira e ferro, ou só de ferro de 500/600 Kg cada, no começo. Mais tarde 1300 Kg a 1500 Kg cada, rede e saco; destinava-se este tipo de aparelho à pesca demersal, isto é, espécies de fundo como geralmente o é o bacalhau.

A sua autonomia é de cerca de 60 dias e tonelagem bruta de cerca de 1200 Toneladas, traduzido em quintais de bacalhau verde à descarga 18000 quintais e com uma tripulação de 64 homens, descriminados 3 na ponte, 7 na máquina, um na T. S. F., 4 na cozinha e câmaras e 49 incluindo mestrança destinados ao preparo do peixe.

O Capitão é o pescador responsável embora no primeiro arrastão português «St.ª Joana» da praça de Aveiro embarcasse um mestre francês para emprestar o seu saber e experiência. Até 1950 o equipamento da ponte quedar-se-á pela roda do leme e prumo de mão e só a partir desta data com a aplicação da electrónica como ajuda à navegação, surgirão radares, sondas, gónios, lorans, novos equipamentos de Telegrafia e Telefonia.

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Arrastão «Clássico» arrastando entre gelo disperso.

O incremento que já se verificava em frotas estrangeiras, muito vagarosamente será pelos responsáveis portugueses assimilado a despeito dos repetidos avisos dos capitães-pescadores que se viam assim ultrapassados no seu saber, experiência e capacidade, pela evoluída técnica estrangeira filha dessas ajudas electrónicas.

Desde 1936 que as pescas portuguesas estavam subordinadas à planificação e orientação da organização corporativa das Pescas, tendo a encabeçá-la elementos cuja ideologia mais virada às obras de fachada do que à razão, mais embarcada na fantasia de continuidade dos feitos dos Gamas e dos Cabrais do que na evidência e materialização de uma indústria a despertar explosivamente nos países de afinidade marítimas, não atinava em apostarem um futuro que se augurava próspero no domínio das pescas.

A expansão Germânica e pró-Germânica na Europa e sua congénere Japonesa na Ásia impunham-se pela ideologia e pela força. Estávamos em vésperas do grande conflito de 1939 a 1945 que abalou profundamente todas as nações em todos os aspectos; iam testar-se, na vizinha Espanha, armas, poderio, ambições e ideais.

Recordar a posição de Portugal nesses conflitos, que se prolongaram por dez anos, é como evocar uma capitalização ofertada em bandeja de ouro e totalmente renunciada por ser demais para a nossa capacidade; por isso, quedámo-nos no respeito pelas tradições, abstivemo-nos de um lançamento que não oferecia dúvidas nem riscos.

Imaturos como sempre, apesar das alvíssaras de experimentados homens do mar e de um ou outro Armador mais atrevido, tacteando o caminho mais que singrando a todo o pano como se impunha, volvido esse decénio em que as atenções mais se concentraram / 14 / na devastação e no extermínio do que, no progresso e equilíbrio entre as nações, vamos, situando-nos em 1946, encontrar uma frota bacalhoeira portuguesa constituída por 50 navios de linha e apenas 6 arrastões.

Praticamente senhores absolutos dos pesqueiros da Terra-Nova e Groenlândia não soubemos aproveitar essa soberania. Dez anos depois, isto é, em 1956, temos ainda o mesmo numerário de navios de linha, embora com a substituição de 5 de madeira por ferro e 22 arrastões.

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Quando apareceu em força a frota de pesca russa, com vários tipos de navios desde «clássicos» aos evoluídos «popas» e «fábricas».

Apenas na forma, na propulsão e na capacidade estes arrastões diferem do primeiro; repetem-se em séries e a única alteração um tanto revolucionária é a introdução a partir de 1952 de alguns meios electrónicos que muito virão facilitar e incrementar as capturas com destaque para o radar e sondas, o tal rescaldo benéfico das hecatombes que são as guerras; a fúria de matar aguça o engenho.

Outro decénio passará até 1966 e a apatia de todos os nossos responsáveis manter-se-á na rotina das substituições, por perda ou abate de uns tantos de linha por igual número de arrastões. Por vezes, surgirá uma ou outra transformação de uma linha de ferro para arrastão, claro que, deixando de ser um bom navio de linha para passar a ser um mau arrastão e, ainda e sobretudo, não se verificando crescimento na frota. De qualquer modo, em 1956 uma frota de 72 navios; em 1966 os mesmos 72.

Em 1955 surge pela primeira vez entre as grandes frotas estrangeiras, francesas, alemãs e inglesas, o primeiro navio de formas e processos revolucionários: o arrastão de arrasto pela popa, o inglês «Fairtry I». Era já do conhecimento dos capitães portugueses através de revistas de pesca e já se haviam alertado dirigentes e armadores para todas as vantagens que viria o oferecer a pesca por tal sistema. Através de um júri de apreciação estabelecido no Grémio dos Armadores da Pesca do Bacalhau, ouvidos todos os Capitães-Pescadores do arrasto, em consenso quase absoluto, todos foram unânimes em realçar a superioridade desse tipo de navio, prós e contras, a necessidade imediata de propor para as novas construções tal modelo de navio: pois bem: continuaram as transformações, insistiu-se nos arrastões clássicos, propôs-se a construção de parelhas à semelhança das espanholas, alvitram-se navios polivalentes de «Iong-line» e redes de cerco, todo um rosário de idiotices sem qualquer espécie de plano capaz, sem um mínimo de visão realista que os problemas sérios exigem. O capital aparecia através do fundo de fomento e renovação das frotas, para todas as aventuras; foi e é testemunho de algumas delas, o signatário deste trabalho.

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Arrastão-popa «Santa Cristina» da E.P.A. (Empresa de Pesca de Aveiro) na sua primeira viagem, em 1967, no Golfo de S. Lourenço.

Em 1966 surge finalmente o primeiro arrastão português pela popa, o «Cidade de Aveiro», perdido por explosão e incêndio, em viagem de regresso a Portugal no passado ano de 1979.

Claro que, atendendo a todas as vantagens que oferecia tal tipo de arrastão, em 1960 e 1961 era o modelo largamente divulgado entre russos, alemães ocidentais e orientais, polacos, romenos e franceses; algumas frotas, sabia-se, estavam em plena transformação, dado o êxito materializado em números de rendimento da referida modalidade e já se estudavam redes pelágicas e semi-pelágicas a adoptar muito mais funcionalmente a esse tipo de arrastão, aliás, o que em breve era uma realidade.

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O contraste: popa e clássico lado a lado.

À imagem de sempre, seguíamos na cauda do empreendimento, mesmo esgotando todos os adjectivos em favor dos resultados positivos que eram bem conhecidos; mesmo depois de 1966 e, ainda com possibilidades ilimitadas nos domínios das capturas, o nosso progresso, à maneira do costume, continuou lento e, para mais, a partir de 1970, em direcção errada, pois continuou a dar-se primazia ao salgado, quando o aproveitamento integral das espécies capturadas aconselhava a imediato aceleração no sentido do congelado, tal e qual como o vinham fazendo já a totalidade de estrangeiros nas pescas longínquas.

O «arrastão-popa» é um modelo em que o aparelho de pesca sai por uma rampa existente à popa; a ponte é normalmente puxada à vante; há pórticos e bípodos para suspender o saco que abre para uma porta que dá para a coberta de trabalho sob o convés principal; o peixe é trabalhado nessa coberta. Estes navios são normalmente equipados com linhas de montagem de máquinas de descabeçar, escalar ou filetar e máquinas de lavar. O peixe é transportado por passadeiras e apenas a evisceração é manual; tem sistemas congeladores de variados tipos, porões de salga, frigoríficos ou polivalentes.

Matriculam companhas de cerca de 65 homens e o equipamento das pontes é hoje completíssimo. Entre as nações que se dedicam a pescas longínquos, os / 15 / navios de pesca clássicos desapareceram e hoje o processo popa é universal, mesmo até já nas costeiras; a nossa frota, porém, prima ainda por uma maioria tipo convencional, isto, aos nossos dias; sempre na cauda da evolução mesmo com as possibilidades desfrutadas.

– PESCA

As origens da pesca do bacalhau na Terra-Nova remontam aos fins do séc. XV com um período áureo por volta de 1578, anos que nos são transmitidos como sendo a frota portuguesa igual à inglesa. Há depois um longo interregno que se identifica com o desaparecimento quase total da frota e da indústria a incrementar.

Em 1935/36 o governo português outorga-lhe medidas que possibilitem o seu restabelecimento com bases firmes.

De acordo com estatísticas legadas, poderíamos, em síntese, dar uma ideia mais objectiva da pesca do bacalhau aproximada entre os anos de 36 e 70.

 
ANOS N.º de
Navios
Arqueação
(tons.)
Capacidade
de pesca (tons.)
N.º total de tripulantes e pescadores Percentagem em função do consumo

1934

1940

1950

1960

1970

51

47

63

72

63

16 682

19 454

47 857

71 029

72 166

17 274

20 496

44 695

65 707

62 952

2 213

2 228

4 018

5 490

5 200

20 %

 

 

 

80 %

 

Em 1950/51 vinte e duas Empresas do Pesca Longínqua do Bacalhau, organizadas em Grémio dos Armadores do Bacalhau, distribuídas por Viana do Castelo, Porto, Aveiro, Figueira do Foz e Lisboa com os seus 65 navios:

45 navios de linha – 25 532 Tons. de Arqueação

20 arrastões  – 25 401 Tons. de Arqueação

com um total de 4 142 homens, consegue um total de bacalhau verde de 51472 toneladas, seco correspondente 38879 toneladas, que atingem o montante de 402258 contos, valor extraordinariamente relevante para a época.

Mediante estes valores que nos são legados por estatísticas mais ou menos sujeitas a vícios (sabe-se bem a adulteração sempre praticada pelo Armamento para fugir ao fisco e ao pagamento honesto do pessoal do mar), não era difícil colocar tal indústria em plano de destaque especial, mesmo primordial, pois em rápidas transferências para valores actuais rondaria os 8 milhões de contos; isto, só no que se referia à indústria em si, sem relacionamento de valores que implicavam descargas, armazenamentos, transportes, construções, reparações; um mundo de actividades em redor de uma mina que se não soube explorar por crenças de inesgotabilidade.

A pesca do Bacalhau é uma laboração que, pela espécie que captura e seu habitat, pelo esforço e sacrifício que exige daqueles que se doaram a tal faina, pelos meios e artefactos rudes que são usados na captação, merece ser colocada em plano especial de distinção entre as mais violentas profissões exercidas pelo homem no seu amanho pela subsistência.

O bacalhau (gadus callarias) é um peixe de águas frias, ideais entre 0º e 6º graus, ora procurando baixos ora fundos, conforme a salinidade das águas e, também, devido às perseguições intensas que através de tantos anos lhe têm sido movidas; águas obedecendo a tais características só em latitudes superiores a 40º graus Norte, isto é, Terra-Nova, Labrador, Groenlândia, Islândia, Ilhas Faroes, Noruega, Rússia, Ilha dos Ursos até ao Norte do Spitzberg. Para entendidos, nem sequer será necessário fazer referência à dominância dos tempos nestas áreas; o Golfo do México e imediações despejam anualmente cerca de nove ciclones, cujas trajectórias obrigatoriamente atravessam os Mares da Terra-Nova, curvando ora para o Estreito de Davis, ora para o Canal da Dinamarca, flagelando em seus trajectos Labrador e / 16 / Groenlândia, outrossim Islândia, Faroes e Noruega. O estado normal de tais mares, sobretudo em épocas de inverno, as mais férteis em pesca, é de violência e agitação permanentes: ventos rudes, fechados nevoeiros, intensos nevões, temperaturas árcticas de queimar, águas glaciais; claro que nestas condições, impossíveis ao homem sem resguardo, ao homem do dóri, ser-lhe-á suficiente a sobra amena dos seis, três e zero graus das águas dos «Stores» e «Fyllas» ou o rodopio traiçoeiro dos «Virgin Rocks».

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O mau tempo por aqueles mares de Oeste, mares dos bacalhaus, é uma constante.

Anos ricos e pobres se sucederam na pesca do bacalhau, tanto na pesca à linha, como no arrasto e compreende-se, quer pelas condições naturais que fazem ocorrer ou afastar o peixe dos bancos, quer e fatalmente, pelo castigo e perseguições intensivas que lhe eram movidas por centenas e centenas de navios.

As beiradas da Groenlândia no lustre de 54 a 58 e, todo o Labrador desde os cinquenta e dois graus norte aos cinquenta e seis também norte, em 1960, 61, 62 e 63, são marcos de fortes pescarias arrecadadas por centenas de navios alemães, ingleses, franceses, noruegueses, dinamarqueses, faroes, portugueses e espanhóis; no Labrador, há a registar as duas centenas de navios, de todos os tipos e tamanhos, dos russos, o aparecimento de polacos e romenos de um modo geral com uma maioria esmagadora de navios de arrasto pela popa, mesmo navios fábricas com o aproveitamento integral de todo o pescado e seus derivados; é a pesca racional que os portugueses ainda hoje não fazem, além do que, navios de arrasto pela popa só viríamos a apresentar o primeiro em 1966; largos anos para copiar mal, a realidade e a racionalidade.

Fomos alcançados e ultrapassados por países saídos, destroçados de uma guerra quase total; não soubemos ganhar a nossa paz.

– ARTE DA LINHA

É um sistema de pesca atraente que fez uma extensa época sem grandes evoluções, mas que, em determinada altura (1933), se não antes, deveria ter sido posto de parte ou, pelo menos, não se permitir a continuidade no erro e no devaneio.

A justificação de uma captura de melhor qualidade, a ilusória necessidade de mais larga mão de obra, a convicção que durante muito tempo, iludiu responsáveis crentes de uma soberania impossível nos mares onde os navios de linha pretendiam impor o seu ultrapassado processo de pesca, iriam levar a indústria a um lugar humilde, num pretenso equilibrar com similares estrangeiras.

No frágil bote de pouco mais de dois metros, aquele solitário pescador, de pé, como dedo especado a apontar o infinito, Deus se possível, era a imagem de um condenado contra quem é cometido erro judiciário e, no derradeiro momento de seguir para a expiação sem culpa, inconformado, mas impotente, aponta silenciosamente na direcção do seu impávido juiz; mas também lembrava o poder de um soberano, senhor de um feudo, ao qual arrancava pela força dos braços, da experiência e da sorte, o sacio das bocas ávidas que lhe haviam ficado na pátria distante.

Quantas vezes na hora do arrio, ainda não despontara a aurora, no momento do «cai n'água» por manobra apressada, que se estabeleciam despiques, se arriava mais à proa ou à ré e o bote abicando chegava a meter água; então era ouvi-lo, uma mão agarrada ao teque, em defesa, não fosse o diabo tecê-las mesmo ali, à beira do navio, entre blasfémias e imprecações, invectivar, sem distinção os que ficavam a bordo.

– Olhem que desta embarcação, sou eu o Capitão! Aqui, mando eu!

E daí a pouco, arrumado o «estrafêgo», de vela em cima ou a remadas vigorosas, era vê-lo sumir-se no horizonte por vezes a tais distâncias que nem binóculos categorizados o iam buscar; lá ia, ora sobre águas plácidas ora, a maior parte das vezes, sobre mar revolto, lá ia, em boa ou má hora, à sua sorte, em demanda do seu pesqueiro, numa detecção irreal apenas orientada por um sexto sentido que teimava em pertencer aos eleitos, aos especiais, às primeiras linhas; depois, «poita» no fundo, a um e outro bordo sua linha de dois anzóis cada, iscados de capelim, sandilho, carne de gaivina, pombalete ou cagarra, à falta, buchos do próprio peixe, era vê-lo, esquecido, por largas doze horas encurtando e alongando braços num intento de engano e engodo ao peixe que viria a morder, se calhasse; e o quando o peixe não tinha fome, queria brincar e a zagaia era o brinquedo traiçoeiro e mortal que o pescador lhe oferecia. Pelas muitas da tarde, se as condições, tantas vezes escondia a traição, não obrigavam a uma chamada antecipada e urgente, lá regressavam eufóricos, ocultando o cansaço uns, desiludidos, vituperando / 17 / tudo e todos, esmagados por um estéril amanho, outros. A canseira porém, não ficava por ali; engolidos o prato do feijão e a meia caneca de vinho baptizado, quinze ou vinte minutos apenas, esperavam-nos as mesas de trote e escala e o porão onde cresciam canjas e hinos numa obcecação de alargamento do sal.

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Um dia de 35 graus negativos. Pesca quase impraticável.

Era e foi esta a rotina árdua de uma campanha de pesca do bacalhau nos navios de linha: em labuta e esforço, que não em resultados, o dia de ontem igual ao de hoje, este igual ao de amanhã, se mar e tempo permitissem; seis e mais longos meses de canseira num prosseguir de consumo de vidas cujos sonhos eram alimentados pelo sal do mar e das lágrimas; anos seguindo anos, em partidas com e sem regresso, lustres decénios ofertados à exigência do subsistir; até 1960, pelo imperativo da manutenção, depois, pelo ameaçar de uma guerra inglória e injusta.

Naturalmente, que numa arte tão antiga e que se mantinha, algumas inovações iriam ser admitidas mais por força da explosão progressiva que dominava o mundo do que, propriamente, pela exigência dos responsáveis; também vultuosos interesses subjacentes à campanha da modernização estiveram quase sempre em jogo; a introdução do «Iong-line» impôs o isco-sardinha, cavala, lula, capelim e consequentemente a instalação de câmara frigorífica para manutenção desse isco; a actualização das pontes devida ao sucesso electrónico criou disputas e imposições que chegaram ao escândalo; engenhos mecânicos de maior potência permitiram trabalho mais fácil e mais rentável, mas foram pressionamento constante de agentes e fornecedores interessados, muita vez intercessores de gerências sequiosas de proveitos próprios.

Dessa onda de lucros de todo o género, só o pescador não colheu dividendos, ou melhor, o lucro auferido de uma aparente facilidade de trabalho para uma maior captura, de modo nenhum permitia a cobertura de um maior esforço e risco no amanho; é que alar uma linha de 50 metros com dois anzóis, era bem diferente de alar um trol com 1 300 metros e mais de 750 anzóis; submeta-se agora o aparelho à contingência do peixe engatado e veja-se a diferença; o mais grave, porém, sobrevinha quando surgia uma chamada inesperada, devida às más condições que se avizinhavam; ou optavam pelo corte puro e simples do trol, perdendo aparelho, esforço e peixe e, claro, soldada ou, correndo gravíssimos riscos, tentavam a chance de sua recolha, jogando fazenda e vida; este funesto dilema muitas vidas consumiu.

Não foi pois de estranhar que o decorrer dos anos, já pelo arcaísmo do processo, já pela dificuldade cada ano mais acentuada de conseguir pescadores de nível para a modalidade e sobretudo, porque a tentativa das redes de emalhar, menos dependentes das condições de mar e tempo, ao fim e ao cabo mais rendosa, menos exigente de especialização e menos sujeita à contingência de sorte e perigos, motivasse a opção pela experiência positiva das redes.

Hoje da «White Fleet» como terranovenses a crismaram e entre estrangeiros era conhecida, restam os navios adaptados à nova modalidade, uns com lanchas bem equipadas e possantes que arriam, lançando estas milhares de redes que chegam a cobrir áreas de 100 milhas quadradas, outros em operação própria, para o que estão equipados com hélices à proa e à ré para facilidade de manobra, ocupando também similares porções de mar.

O preparado peixe a bordo, porque tais navios permaneceram de um modo geral fieis à salga, é o mesmo de sempre: a esventração (trote), o partir de cabeças, a escala e finalmente a salga. Pelos sistemas, a qualidade de peixe na linha, no long-line e nas redes de emalhar é, regra geral, boa.

Da arte da linha de mão, quando passámos pelos navios que a adoptaram tentando futuro nesse ramo, isentando-a do seu carácter compulsório como meio de ganhar a vida, do destemor porque eram encarados os perigos que a rodeavam, ficou-nos o sabor do entusiasmo desportivo que oferecia.

Foi, a todos os títulos, uma das mais atraentes, embora verberada, experiência porque passámos na vida profissional do mar e dela guardamos recordações prenhes de tragédia, respeito e exaltação.

– ARTE DO ARRASTO

Entre nós, como já foi dito, adoptou-se esta arte há 4 anos. Tendo por base e princípio o reboque de uma rede pelo fundo, rede indicada para as espécies demersais de que o bacalhau é exemplo e está em causa no presente trabalho, atingiu o seu apogeu de produção, a nível mundial, pelo decénio de sessenta para o que muito contribuíram riqueza de bancos, introdução de uma gama vasta de equipamento electrónico, criação / 18 / de fibras sintéticas muito fortes para as redes e aperfeiçoamento de cabos, ferragens e materiais indispensáveis ao bom armamento de um aparelho de pesca completo.

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Virando sacos de uma boa sacada de bacalhau.

Lógica e naturalmente que, pela destruição que vem trazendo à fauna e flora dos bancos, mais tarde ou mais cedo haveriam de conduzir a migração e refúgio das espécies para zonas e águas inacessíveis à faina, ao empobrecimento e até esgotamento dos bancos, se medidas capazes não fossem tomadas; era porém o sistema que se impunha, em segurança não isenta de perigos, em eficácia não sem objecções, em rentabilidade passível de alternâncias.

Mesmo entre nós, seguindo na cauda de uma progressiva evolução se introduziram inovações, filhas, sobretudo, de informações e observações colhidas pelos nossos Capitães-Pescadores junto de frotas estrangeiras.

Mantendo o tradicional arrasto lateral, só em 1965 foi dado o primeiro passo na alternância para o sistema de arrasto pela popa com a construção do «Cidade de Aveiro».

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A nova unidade, além do sistema que tão bons resultados apresentou e das referências a todos os títulos lisonjeiras que são referidas por todos os tripulantes, dadas as melhorias também introduzidas nas instalações das tripulações, quase não representa marco importante na evolução do arrasto. Mesmo sabendo e repetindo-se, as dificuldades criadas ao sistema clássico lateral, pelas condições, mar, tempo, gelos, o maior risco corrido pelas tripulações ante a obrigação de um trabalho totalmente exposto às intempéries nas manobras a que um arrastão clássico é sujeito ao largar, ao arrastar, ao virar na submissão e esses condicionalismos naturais atrás citados, não se verificou aquele movimento de aplauso e incremento que todos esperariam para a nova modalidade.

1967 – Bom ano de pesca. Arrastão Clássico com uma boa sacada de bacalhau a bordo.

Não vamos entrar no domínio das técnicas que militavam em favor da opção arrasto-popa por não ser esse o carácter a imprimir ao presente trabalho; como se vem discorrendo, foram mais as impressões globais que nos feriram, sobre as quais continuamos a manifestar-nos.

A arte de arrasto vem trazer um aumento de produção mais que suficientemente manifesto, para se poder aduzir de todas as suas vantagens. Assim compare-se:

1936 – 50 navios de linha – 1 arrastão clássico – 13000 Tons.

1941/42 – 45 navios de linha – 3 arrastões clássicos – 15257 Tons.

Com uma redução de 5 navios de linha e apenas o acréscimo de mais 2 arrastões, um aumento de 2257 Tons.

1950/51 – 45 navios de linha, 20 arrastões clássicos 49000 T. com os mesmos navios de linha e mais 17 arrastões, 33743 Tons.

Foi bem evidente e significativo o aumento de produção e não exige mais comentários.

1960 – 47 navios de linha, 25 arrastões – 60 0000 Tons.

Mais – 2 navios de linha, mais 5 arrastões – 11 000 Tons.

 

1967 –




31 navios de linha


 

 

33 arrastões



 


madeira 13

 

ferro 18

 

clássicos 27

 

popa 6





 Total – 75 000 Tons.

 

/ 19 / Menos 16 navios de linha, mais 2 arrastões clássicos e o acréscimo de 6 popas – 15 000 Tons.

Pelos dados anteriores se verifica o acentuado incremento na produção, com a introdução, primeiro, de arrastões clássicos em substituição de navios de linha, depois, a preferência para os arrastões-popas, acentuadamente significativa.

Em 1979 fazem a campanha de pesca:

Arrastões popas:

Praça de Aveiro –––––––––––– 2

Perde-se o «Cidade de Aveiro»

Praça de Lisboa –––––––––––– 3

Arrastões clássicos:

Praça de Via na do Castelo ––– 4

Praça de Aveiro ––––––––––– 14

Praça de Lisboa –––––––––––– 5

Polivalentes: (Arrasto e redes de emalhar)

Praça de Aveiro –––––––––––– 2

EVOLUÇÃO

EVOLUÇÃO LENTA; CONSERVANTISMO E INDEFINIÇÃO; MEIOS E INSUFICIÊNCIAS; ESTAGNAÇÃO.

De um modo geral, à medida que fomos expondo o que mais nos chamou a atenção durante a longa experiência de pesca, que foi nossa profissão, sem nos quedarmos na pormenorização, no rigor técnico ou na explanação dilatada que certos assuntos requeriam, seguimos a linha crítica imediata e adequada ao assunto em causa sem a preocupação de um ordenamento que um trabalho pedagógico sempre exige.

No presente capítulo pretender-se-á, em síntese, balancear o disperso pelos capítulos anteriores destacando o positivo e o negativo de um triénio piscatório fértil em flutuações de todo o género e número.

Os governantes anteriores ao 25 de Abril estabeleceram como marco histórico no revigoramento da indústria da pesca longínqua do bacalhau, o ano de 1936; foi a partir desse ano que a organização corporativa das pescas pretendeu planificar e estruturar bases e condutas a seguir; com mais aparato do que efectividade se deu seguimento ao projecto.

Sobre a Europa, onde se localizavam os países mais evoluídos na pesca, pairavam sombras densas e um movimento de recessão despontava no campo das pescas longínquas em preferência à construção e ao desenvolvimento de navios de guerra, comércio e transportes. A neutralidade de Portugal nos conflitos que iriam estalar poderia ter oferecido azada oportunidade de impulso relevante e ordenado nesse campo industrial de vastas possibilidades e largas promessas.

Não há dúvida que se verificou um surto de crescimento, passaram a merecer atenção e crédito as gentes do mar, imprimiu-se à organização um carácter atestador das potencialidades de uma governação estilo empolado e retumbante, fiel à linha política definida e imposta. Será justo reconhecer-se que merece atenção e valimento uma organização cujo cômputo económico se iniciava em 1935/36 com uma produção que equivalia a 11 % das necessidades de consumo do país e 30 anos depois (1965) para a mesma satisfação interna o valor de 70 %; Houve, na realidade, crescimento na frota e respectivas capturas sobretudo, com a adopção e acréscimo do arrasto.

Até onde se poderia ter ido entretanto, é interrogação que não oferece dúvidas a quem viveu essa época dentro do círculo dessa indústria pesqueira, a quem observou as fartas possibilidades abertas e ofertadas, a quem por experiência directa e cuidada não escapou uma promessa que poderia ter-se transformado numa realidade e que nunca se furtou dentro das limitações impostas pelo sistema à época, tal como outros colegas, a proclamar os caminhos imediatos a seguir e objectivos urgentes a alcançar. Mas não, quedados na contemplação da própria obra, em narcisismo que rotula e define bem um programa governativo que teimava por egocentrismo omnisciente e omnipotente em erros e omissões, descuraram a oportunidade embarcando em sonhos quinhentistas.

Às prenhas velas dos lugres, apenas faltavam impressas em destaque as cruzes de Cristo da era epopeica; depois, como justificação de um conservadorismo fanático e incompreensível que imprimia a continuidade numa senda errada, a preferência não oculta, por meios, processos e acções que viriam a ditar o atraso em que persistimos mesmo a despeito de um equilíbrio notório atingido no plano interno.

A insistência na pesca à linha mesmo a despeito das transformações que sofreram navios, meios e processos, descurando a competição futura que era forçoso admitir, as limitações que iriam nascer mais cedo ou mais tarde, a evolução incompatível com futilidades e obstinações, tornou-se ponto assente, premissa de um desígnio a aceitar e a cumprir. Também no arrasto, como já foi dito e se repete, durante cerca de 20 anos, isto é, até 1965/66, nos mantivemos fiéis ao tipo do primeiro arrastão clássico «St.ª Joana», numa prova de mentalidade conservadora totalmente reprovável. Claro que também nesta arte foram introduzidos melhoramentos mas, pelo carácter compulsório que dominava o embarque e comportamento das tripulações sob coacções e regulamentos de pesca ditatoriais até 1960 e, daqui até / 20 / 1974, tornadas então vítimas duma alternativa de fuga e medo, não existindo qualquer espécie de reacção mas aceitação tácita, a evolução positiva, a introdução de novas e diferentes unidades e técnicas, a actualização imperiosa da frota não surgiram, subvertendo-se o programa que se impunha.

Entre 1945, fim do grande conflito que ocupou as nações e 1955, é o despertar em ritmo sempre crescente, em número e qualidade, das frotas desses outros países também virados à riqueza que é a pesca. Saídos duma guerra total, primeiro carecidos de saciar as bocas esfomeadas das suas gentes, depois ambicionando as divisas que uma matéria prima gratuita lhes poderia oferecer, imediatamente cuidaram de aumentar e aperfeiçoar as suas frotas e navios de arrasto, e assiste-se então, ano após ano, ao aparecimento de unidades sempre diferentes, numa ânsia de atingir o melhor para mais fáceis e maiores capturas, à evolução dos navios correspondendo uma actualização nos sistemas e auxiliares da pesca; entre todos se destacaram alemães, ingleses e polacos com navios, por vezes revolucionários. Nem um só dos países se apresentou na pesca do bacalhau na Terra-Nova, Groenlândia, Islândia ou Noruega com qualquer tipo de navio semelhante aos navios de linha portugueses. Nós, porém, a despeito das amostras e da evolução, repetimos e persistimos.

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Um dos «companheiros» habituais nas águas do Lavrador, Terra Nova e Gronelândia (iceberg).

Em 1955 há já em pesca nos bancos navios de arrasto pela popa; só dez anos depois, quando todas as nações interessadas na pesca do bacalhau haviam já optado pelo sistema arrasto-popa ensaiavam redes pelágicas e semi-pelágicas, optavam pelo sistema prático rentável e racional do aproveitamento integral das espécies capturadas, da congelação e frigorificação, a velha frota portuguesa dá o primeiro passo com o arrastão «Cidade de Aveiro»; quanto à congelação generalizada entre arrastões-popas construídos depois de 1965, será preciso esperar até 1976 para se operarem mudanças radicais.

Infelizmente, neste ano de 1980 ainda há navios-popas a transformar a capacidade congeladora e armazenadora que, em 1975 se cifrava por um máximo de 400 toneladas, entre os que tinham congelação. Também alguns de arrasto lateral enveredaram pelo congelado, mantendo-se ainda uma maioria fiel à salga e, por tal, unicamente votados à pesca da espécie bacalhau, isto é, desperdiçando toneladas e toneladas de outros peixes numa altura em que nos debatemos com problemas de quotas, limitações e inspecções impostas pelos países ribeirinhos, senhores de bancos e pesqueiros que antes, demandávamos livremente, não soubemos explorar como se impunha e continuámos a frequentar num desrespeito às leis naturais de que nada se deve desperdiçar, numa natureza de recursos a minguar acentuadamente, o que tantas preocupações causa conforme comunicam os organismos que regem o consenso das nações.

É difícil encontrar uma explicação e justificação aceitáveis para a evolução lenta observada na nossa frota bacalhoeira, quando estabelecido o confronto com similares estrangeiras, como é difícil aceitar a dúvida da sua rentabilidade desde sempre, face ao crescimento e vulto que tomaram as empresas que à indústria se dedicavam. O surto de crescimento de armazéns, secas, câmaras frigoríficas, oficinas, estaleiros, observando ao longo dos cais bacalhoeiros do porto de Aveiro, falam por si e atestam o florescimento através de sempre, dessa mesma indústria a despeito das lamúrias de mais de meio século das sociedades e gerências, que, desse modo, sempre têm procurado iludir os mais directamente implicados na exploração: Os pescadores e trabalhadores da pesca.

Desde sempre, a indústria da pesca do bacalhau constituída em império e empório restringido a pequeno círculo de bafejados por herança ou compadrio, tem vindo a afastar poderosos interessados na admissão a ela numa prova mais que suficiente de não desejar repartir dividendos.

Dos nossos dias, numa arrogância herdada de muitos anos de posse e senhorio, atente-se no descaro com que são divididas as quotas atribuídas pelos países detentores dos pesqueiros, a Portugal; se é um quinhão ofertado à nação Portuguesa, porquê ao critério de um grupo – Associação de Armadores – a sua divisão e não ao organismo próprio do governo, eleito e credenciado pelo povo? Mas tudo foi sempre assim e continua a ser em Portugal; o povo outorga foros a escolhidos e depois é um grupo reduzido e fechado, armado de esporões, que põe e dispõe; por tal motivo, os erros e atropelos sucedem-se e depois, arca o país com o nefasto dos resultados.

Numa apreciação honesta que se impõe, falta recapitular em síntese o que foi feito e nos foi legado no sector humano durante o período de 1936/74. Com os / 21 / defeitos e erros inerentes a projectos e obras que primavam pelo aparato da fachada, será justo lembrar a obra da Junta Central da Casa dos Pescadores no campo da assistência no mar e em terra; aqui, com creches, asilos, escolas, postos clínicos, maternidades e bairros económicos para pescadores; acolá, com o devido apreço à ideia, a obra de apoio dispensada pelo nosso Hospital «Gil Eanes» mandado construir para auxílio à frota de pesca e na instalação dum centro de convívio para pescadores, quando à terra fossem, em St. John's da Terra-Nova.

Se é certo que em tão longo tempo, 44 anos, não foi montada uma indústria como se impunha, o que teria sido fácil dada a abundância, o preço e a liberdade de exploração da matéria-prima, antes se procurando dentro e além fronteiras a projecção de uma obra que evidenciasse a capacidade pretensiosa duma governação, sobrar-nos-á a pergunta para a qual ainda não achámos resposta que não seja a continuação de acérrimas críticas: e depois de 1974?

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«Boiou»! Mais uma grande sacada de peixe vermelho (Red-fish), vulgo «comunista...» para deitar fora.

Dois e três anos depois, uma natural e admissível confusão, nada a organizar, nada a construir, nada a solucionar, porque era necessário, primeiro, observar e apreciar o bem supremo que é a liberdade, depois... a filha desta, a democracia. Mas depois?

Nos domínios da governação, a incompetência, no campo das realizações, a estagnação, no âmbito das possibilidades, o desinteresse.

É certo que as unidades de trabalho, com a soberana indiferença de sempre, em heterogénea mistura, linha, arrasto-convencional e arrasto-popa, numa fidelidade ao saudosismo onde os portugueses são pródigos e numa retracção ao progresso a que são avessos, os navios, lá vão indo e vindo, ora carregados uns, os congeladores, em cumprimento de uma profecia que só agora se fez opção, meias cargas e menos os salgadores em obediência ao paladar de gerações que não dispensam o fiel amigo mas, bastará o vaivém desses portadores de riqueza para justificar a falta de uma planificação com vista ao futuro?

 

PERSPECTIVAS FUTURAS

Todas as questões antes abordadas, mais ou menos superficialmente, dada extensão que um estudo técnico-crítico envolveria e exigiria deixaram, entretanto, ficar por demais evidente, a mediocridade directiva e governativa dos responsáveis pela pesca longínqua do bacalhau, especialmente de 1936 a 1974. Erros sobre erros se amontoaram e, ainda que se julgue ser injustificável a crítica fácil à distância, embora o relembrar de erros cometidos seria muitas vezes para reflectir sobre eles, não os repetir e, sobretudo emendar, vale-nos pelo destaque que vai imprimir à conclusão a que poderemos chegar no apreço à obra depois de 1974.

Antes a senda errada que se alicerçava na omnisciência e omnipotência de um senhor e sua corte de aduladores; depois, por um lado, a ignorância dos escolhidos ou impostos para certas cátedras, por outro, a insistência e manutenção de uma continuidade podre.

Antes de 1974 cuidou se do presente com os olhos no passado; depois de 1974, nem passado, nem presente e, que futuro?

São volvidos seis anos sobre o 25 de Abril.

Aceitamos que os primeiros dois fossem de euforia e instabilidade. Mas depois, que novas e seguras directrizes para a pesca longínqua do bacalhau?

Numa planificação que se impunha e que nunca, por princípio, para não regressar aos erros do passado, poderia dispensar a presença de homens experientes e sabedores ligados ao ramo – que os havia – seria apreciada toda a polivalência que a pesca exige; primeiro, a matéria-prima, onde ir por ela e as negociações que tal implica; segundo, os meios e modos de exploração; terceiro, tratando-se de um bem comum e indispensável a todos os portugueses, a sua distribuição justa de fronteira a fronteira, sem interferência de terceiros, um cancro que persiste na sociedade portuguesa.

Não se esconde a complexidade da questão quando depois fosse diferenciada, os impedimentos e protestos que se levantariam, possivelmente e, como se verifica em outras questões, doutros e sabedores políticos em fecunda oratória fazendo cair o «Carmo e Trindade» pelas melhores soluções que um seu grupo ofertaria.

Mas era assim, que teria de iniciar-se uma nova etapa na pesca longínqua; e a verdade é que, houve uma tentativa!

Fracassou, mas fracassou por impedimentos que se chamaram incompetência, medo e desonestidade.

Não há dúvida que é difícil, quase impossível, vencer tais barreiras mas, se ao menos a última for contrariada, é meio caminho andado, é revigor, é meta à vista. / 22 /

Perdeu-se a oportunidade e agora, com os impedimentos que são levantados ao direito da livre pesca de antanho, zonas económicas alargadas, quotas reduzidas, direitos de inspecção e fiscalização quase permanentes a redes e pescado, limitação de áreas de faina, impostos sobre peixe pescado, além das onerações que sobrecarregam a indústria agora, que possível e razoável solução para vencer uma crise que se adivinha? Sim, crise de produção e crise de trabalho, esta última porém, muito mais a ponderar e exigir solução capaz e imediata, quando chegar.

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O «scanner» do radar, devido à acumulação de gelo, parou. Tem que se proceder com vapor ao seu descongelamento.

A hipótese reconversão, possível e até relativamente fácil noutro tipo de indústria, surge aqui, numa exploração que absorve e transforma caracteres intelectuais e morfológicos, como mezinha ou panaceia curativa para atavismo que o homem do mar, especialmente o pescador, herda e, por isso de total rejeição. Para homens habituados ao anzol, à rede a amanhar, escalar, filetar, salgar peixe, com dez e mais anos de mar, trinta ou quarenta de idade, que nova profissão e que nova adaptação? Fazer deles emigrantes, à boa maneira do passado, quando obrigatoriamente, em alternativa se sujeitavam às sete viagens ao bacalhau, sem remuneração compensadora, entretanto se profissionalizando e bem, para depois ir dar o seu melhor em continuidade no mar a alemães, canadianos e franceses?

Colhemos pessoalmente os malefícios dessa errada política corporativa e não advogamos soluções que preconizem mutações profissionais, a não ser que se pretenda pagar bem uma má produção. Esta seria a tentativa de aparente fácil solução.

Para a de difícil, mantendo a continuidade da indústria optaríamos em nosso ponto de vista:

1 – Imediata transformação de todos os navios salgadores que o merecessem, em congeladores; novas construções a substituir os abatidos.

2 – Conversações de elevado nível, conduzidos ou assistidas por técnicos capazes, independentes da cor política, com todos os países possuidores de expressão portuguesa com costas ricas em peixe, incluindo o Brasil.

3 – Manter conversações actualizadas com o Canadá e Noruega com vista à absorção total das quotas que hoje nos são atribuídas por esses países, tendo em vista o futuro com uma recuperação dos bancos e possível aumento de quotas. Recuperar através e directamente com a Groenlândia e a Dinamarca a quota perdida nas costas da primeira.

4 – Estudo imediato de sociedades mistas, com abstenção dos lucros fabulosos a que armadores e armazenistas estão habituados, em vista à manutenção dos postos de trabalho; incremento à marinha de pesca e proibição do abate de navios, como já se preconiza.

5 – Pelo Governo: bonificação devidamente fiscalizada à indústria, redução de preço do gasóleo para os navios, isenção do imposto sobre o pescado, revisão de seguros, comparticipação em novas construções.

6 – Estruturação dum Secretariado das Pescas que dependa única e exclusivamente do Secretário das ditas assessorado por um Conselho Técnico de comprovada competência e experiência – Oficiais da Marinha Mercante especializados nas pescas.

7 – Criação na Escola Náutica de cursos de especialização em Construção Naval e Pesca, Gestão de Empresas de Pesca, Negociações de Pesca a nível internacional, técnicos da indústria conserveira delegados junto de indústrias afins.

8 – Obrigatoriedade de admissão pelas Empresas, Sociedades e Organismos dos técnicos estabelecidos em 7.

Não julgamos, nem ambicioso nem complexo o plano, em linhas gerais, apresentado anteriormente; talvez sim, tardio.

Não posso eu impô-lo mas todos poderemos trabalhar no sentido da concretização deste ou de um similar.

Até hoje não me foi dado conhecer para a pesca qualquer estruturação e quanto à chamada de homens abalizados não consta e nem sequer aos Capitães-Pescadores são pedidos relatórios concernentes à pesca, onde se buscassem opiniões, críticas, ideias construtivas; no passado era obrigatório, hoje nem facultativo porque se não deseja o diálogo que tanto se preconiza ou preconizou. Longo e talvez fastidioso se tornaria o conjunto de observações que acabamos de relatar se nos quedássemos em enumerar dados e técnicas, em transcrever estatísticas ou diagramas que obrigariam a longas pesquisas; rebuscamos na memória e nos muitos apontamentos que para sempre ficam e sobram ao homem do mar.

Lisboa, 6-5-1980.

 

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