Acesso à hierarquia superior.

N.º 23/25

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

1977/1978

Descentralização e regionalização

Por Cunha Amaral

I – CONSIDERAÇÕES GERAIS

O muito que se tem escrito e discutido acerca da regionalização e descentralização é uma prova de que todos, governantes e governados, sentem que as estruturas antiquadas que regem a vida do país já não correspondem às necessidades e formas de vida da nossa época.

Há, no entanto, que distinguir dois aspectos que se nos afiguram fundamentais e que, na óptica pessoal de encarar o problema, informam toda a nossa concepção acerca da problemática em causa e suas possíveis soluções.

Assim, de imediato nos referiremos a esses aspectos que condicionarão todo o trabalho que se apresenta.

No nosso modo de ver, teremos de considerar uma problemática de planeamento e uma problemática de gestão administrativa; salvo melhor opinião, são coisas distintas que conduzirão a formas e limites de regionalização não coincidentes, embora complementando-se mutuamente.

O planeamento regional deverá abarcar áreas, por vezes difíceis de definir, mas onde certamente será possível encontrar certas afinidades e uma certa homogeneidade, que darão ao conjunto desse território uma evidente unidade. Factores geológicos, climáticos, geográficos, de cultura das populações, agrológicos e outros, que seria fastidioso citar, correndo-se sempre o risco de não os mencionar todos, são factores, dizíamos, que moldam a unidade duma região, sobre a qual incide o chamado «planeamento regional».

O planeamento nacional será um tipo de planeamento em escala mais elevada que influenciará o planeamento regional, mas que também por ele será influenciado.

Julga-se que do planeamento nestes dois escalões, nacional e regional, se poderá dizer que constituem um estudo em que se utiliza um método semelhante ao de «aproximações sucessivas». Com efeito, um planeamento nacional, embora em linhas muito gerais, vai condicionar o planeamento regional, mas os desenvolvimentos deste vão certamente reflectir-se, por sua vez, no planeamento nacional, introduzindo nele correcções ou mesmo alterações.

Por outro lado, na nossa maneira de ver, o planeamento quer nacional, quer regional, não poderá ser estático; terá de ser suficientemente elástico para poder fazer face à permanente evolução das condições da vida humana sejam elas quais forem.

Como corolário desta concepção, resulta a necessidade de órgãos de estudo ou planeamento, quer em escalão nacional, quer em escalão regional.

É natural perguntar-se se existem já tais órgãos, capazes de planear.

Com designações em que entra a palavra «planeamento», julgamos haver muitos órgãos a nível nacional, e até, possivelmente, a nível regional.

Serão eles capazes de realizar planeamento, no verdadeiro sentido? Cremos bem que não, até porque muitos deles, embora com designações em que figura, como dissemos, a palavra «planeamento», foram concebidos para acções que nada têm que ver com o tipo de planeamento que temos em vista.

Tem-se utilizado tanto a palavra «planeamento» – talvez por não ocorrer outra mais apropriada – em sentidos tão diferentes, que de forma alguma coincidem com o sentido global em que aqui a empregamos.

O planeamento que temos em vista é um planeamento global do território que tenha em conta não só a ocupação e utilização física do solo, mas também os aspectos económicos e ambientais a ele ligados.

É evidente que os gabinetes de Planeamento dos Ministérios e Direcções-Gerais, não correspondem de forma alguma a esta concepção global de planeamento. / 59 /

Poderá parecer que desta concepção de planeamento global resultariam órgãos de dimensões exageradas, onde praticamente se concentrariam todas as técnicas dispersas pelos actuais gabinetes.

Sem excluir a possibilidade e até a conveniência de muitos desses técnicos serem deslocados para os órgãos de planeamento que antevemos, será de pôr de parte a ideia da concentração acima referida.

Os órgãos de planeamento que concebemos são órgãos que, embora realizem estudos de planeamento propriamente dito, desempenham outra missão não menos importante; serão também órgãos coordenadores de estudos e actividades doutros departamentos.

Alguns exemplos vão ajudar a esclarecer em que consiste esta coordenação que tão necessária se nos afigura.

Sucede em geral que os departamentos que especificamente têm a seu cargo sectores de actividade, vias de comunicação, hidráulica, agricultura, pecuária, urbanização, hospitais, escolas, etc., estudam os problemas somente nos aspectos específicos que lhes competem, esquecendo ou ignorando muitas vezes as consequências que, para outros sectores possam resultar das opções que tomem.

O aproveitamento do solo para fins de desenvolvimento urbano não deverá fazer-se sem se ter em conta a capacidade desses solos para outros fins, entre estes a agricultura.

Uma estrada, por exemplo, não deveria ser considerada somente sob os aspectos de tráfego entre os dois pontos a ligar. Uma obra de arte, como a nova ponte da barra e seus acessos, não é apenas uma obra de transposição da Ria. Uma obra como esta vai causar um forte impacto em toda a região influenciada, tanto podendo ser benéficas como maléficas as consequências deste impacto. Tudo dependerá das medidas preventivas que se tomem como resultado duma correcta coordenação, ou se não tomem, deixando para mais tarde a improvisação de soluções, para problemas que já não podendo solucionar-se correctamente, terão de ser solucionados sofrivelmente, se as más soluções ainda forem evitáveis.

Diremos que o planeamento global será a arte de encontrar as melhores soluções para a problemática em causa, sacrificando-se harmoniosamente alguma coisa na solução dos problemas específicos que constituem a problemática geral.

Quer isto dizer que o planeamento não poderá realizar-se como um puzle, em que se ajustam as soluções óptimas dos problemas específicos a cargo de cada departamento.

Um planeamento global correcto afigura-se-nos ser, portanto, aquele que, tendo em conta as soluções dos problemas específicos, por vezes em franca oposição entre si, permite obter o maior benefício geral para a região a que se destina. É um problema que se nos afigura ser perfeitamente quantificável, desde que o modelo que o represente seja elaborado correctamente e com bom senso, considerando que, aqui, a análise matemática do problema será um guia e não uma receita infalível.

Os órgãos de planeamento regional, que poderíamos designar por «Gabinetes de Planeamento Global e Coordenação», exigirão equipas numerosas de técnicos especializados nos vários ramos de actividades.

Estes técnicos são necessários, não só para preparação dos estudos gerais que constituirão o planeamento, mas também para o diálogo com os departamentos aos quais caiba a missão de desenvolver os estudos específicos transformando-os em projectos de realização.

Seria através destes contactos Gabinetes-Departamentos, que se estabeleceria a coordenação indispensável.

Como deverão as populações participar no planeamento, por muito geral que seja, já que ele, o planeamento, se destina à melhoria da forma de vida dessas populações?

Afigura-se-nos que num primeiro contacto com as populações interessadas, se deverá levá-las a tomar consciência da sua situação presente, procurando-se que elas próprias sintam a necessidade de, através dum planeamento, modificar o estado de coisas em que se encontram. Na nossa opinião, este acto de esclarecer, para que seja útil, deverá atingir o maior número possível de pessoas. Através de publicações em jornais, da rádio e da T. V. será possível atingir as massas, esclarecendo-as de forma a adquirirem uma correcta consciência da situação em que se encontram. Cremos que esta acção de esclarecimento bem conduzida será como que uma óptima preparação da terra para que a sementeira que se seguirá possa produzir frutos. Dentre os vários meios de actuação, cremos que a T. V. será, por excelência, o que permitirá atingir o maior número de pessoas.

Julgamos que esta fase de esclarecimento prévio é indispensável para que as populações possam participar conscientemente na preparação do seu futuro.

Note-se bem que nesta fase não estão em causa orientações futuras ou possíveis opções.

Desenvolvendo-se o planeamento através de acções de esclarecimento e consulta, diremos que esta primeira fase é uma acção de esclarecimento preparatória para as acções seguintes.

Estas acções preparatórias de esclarecimento, sendo indispensáveis quanto às populações, também serão certamente de grande utilidade para os seus representantes que, muitas vezes acerca da situação têm ideias / 60 / erradas, ou, pelo menos, vistas através duma óptica muito pessoal.

Parece-nos haver interesse em que esta acção de esclarecimento, uma acção pedagógica, seja permanente, já que os factores que condicionam a situação poderão variar e assim novos motivos de esclarecimento surgirem no decorrer do processo.

Mas à medida que os estudos forem progredindo, até à fase das opções que ditarão o futuro da região, o diálogo e as consultas deveriam prosseguir com os representantes eleitos pelas populações para os diferentes níveis administrativos, representantes estes que, deste modo, ficarão ligados às decisões finais que venham a tomar-se no mais alto escalão administrativo.
 

II – REGIÕES DE PLANEAMENTO

A REGIÃO DO VOUGA «REGIÃO DE PLANEAMENTO»?

Cremos haver quem seja de opinião de que as regiões de planeamento deveriam coincidir com as bacias hidrográficas e com as próprias regiões administrativas.

Que uma região de planeamento possa coincidir com a bacia hidrográfica dum rio, achamos perfeitamente natural. Já discordamos, e atrás o dissemos, que os limites duma região administrativa coincidam forçadamente com os limites duma região de planeamento. Diga-se, desde já, que se nos afigura perfeitamente aceitável, que os limites da região de planeamento, ultrapassem ou não os limites duma bacia hidrográfica. É evidente que, em muitos casos, a unidade duma região de planeamento não se caracterizará somente pelo facto de constituir uma bacia hidrográfica. A região banhada por um curso de água que pertenceu a uma certa bacia hidrográfica e foi capturada para outra bacia, pode manter características da bacia a que pertenceu, devendo assim fazer parte como elemento integrante duma região de planeamento constituída por esta bacia hidrográfica.

Julga-se que, dum modo geral, as bacias hidrográficas contêm em si muitos dos factores que formam as regiões homogéneas de planeamento a que atrás nos referimos.

É pelos vales dos rios que mais facilmente se lançam as vias de comunicação e é, nas suas proximidades, que os aglomerados se fixam e desenvolvem.

Geologicamente também nas bacias hidrográficas se encontra uma certa unidade, embora o trabalho erosivo e de sedimentação tenha diversificado as características dos solos; mas esta diversificação talvez até contribua para cimentar uma certa unidade, através da complementaridade de utilizações que ela possibilita.

Julga-se assim que as bacias hidrográficas contêm, se não tudo o que deva caracterizar as regiões de planeamento, pelo menos muitos dos elementos indispensáveis a esta caracterização.

Julgamos possível que na prática não haja bacias hidrográficas contendo em si todos os elementos que teoricamente caracterizem uma região homogénea de planeamento.

Afigura-se-nos também que as regiões de planeamento poderão ultrapassar os limites das bacias hidrográficas. Parece-nos constituir um exemplo característico, o facto das terras de Mira que, não pertencendo à bacia do Vouga, são, sem dúvida, parte integrante duma região de planeamento que, além da bacia hidrográfica do Vouga, abrange também a região da Ria de Aveiro.

O mesmo poderíamos dizer da região de Estarreja e Ovar, que se integra na área envolvente da Ria de Aveiro.

Mas outros factores poderão certamente conduzir a que uma determinada região, que não pertence à bacia hidrográfica dum rio, seja incluída numa região de planeamento formada por uma certa bacia hidrográfica.

Estamos perante um problema de fronteiras que não pode ser solucionado rigidamente. Ao fim e ao cabo, trata-se dum problema fortemente condicionado por interesses humanos e, assim, a inclusão ou não deste território, numa região de planeamento, parece-nos dever ser ditada pelo bom senso capaz de encontrar a solução de equilíbrio entre possíveis elementos antagónicos.

Vamos procurar se, na região do Vouga, ou seja, na sua bacia hidrográfica, e no território para além dela, existem elementos que possam caracterizar esta região como região de planeamento, mais ou menos homogénea.

É inegável que o porto de Aveiro é o porto de natural saída para o mar, duma vasta região de que poderemos considerar, como eixo nascente-poente, a Estrada Viseu-Aveiro.

Seja qual for o traçado da futura rodovia Aveiro-Viseu, ela andará certamente mais ou menos encaixada no Vale do Vouga, ou se quisermos, dentro da sua bacia hidrográfica.

Mas a influência deste porto não vai somente até Viseu; parece-nos não ser exagero se dissermos que ela se estenderá mesmo para além da fronteira.

Temos assim um grande eixo rodoviário ligando a zona fronteiriça à auto-estrada do norte e ao porto de Aveiro.

Não sou especialista em matéria portuária, mas afigura-se-me não exagerar dizendo ser este porto um / 61 / elemento de grande peso na economia duma região e, consequentemente, na economia do país.

Com efeito, o papel do porto de Aveiro ultrapassará uma função meramente regional, para, num futuro próximo, vir a desempenhar um papel em escala nacional.

A saturação do porto de Leixões levará, mais tarde ou mais cedo, a ver-se no porto de Aveiro a melhor alternativa para lhe suceder, absorvendo assim uma parte do tráfego de mercadorias destinadas a Leixões, mas que então terão de se repartir pelos portos situados a norte e a sul daquele.

Outro elemento a considerar e que se nos afigura ser fundamental na definição desta região de planeamento é a Ria de Aveiro.

A Ria de Aveiro é, na verdade, um acidente geográfico e geológico ímpar na costa portuguesa. Nela desaguam vários pequenos rios, além do Rio Vouga que é o mais extenso e com maior bacia hidrográfica. A lagoa de Mira e alguns pequenos tributários também lançam as suas águas na Ria de Aveiro.

Parece-nos que a região envolvente da Ria de Aveiro, com as bacias hidrográficas que dela são tributárias, poderão integrar-se nesta região de planeamento. Assim, esta seria definida, no litoral, por uma larga frente que englobaria a Ria de Aveiro, estendendo-se para sul até às terras de Mira.

Até onde esta área de planeamento poderia estender-se para nascente, não estamos em condições de o dizer seguramente.

Afigura-se-nos, no entanto, que há duas infra-estruturas fundamentais que poderão ditar até onde esta região de planeamento poderá realmente estender-se. Temos em mente o porto de Aveiro e a entrada Aveiro – Auto-Estrada do Norte – Viseu – Vilar Formoso.
 

III – DESCENTRALlZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Antes de apresentarmos as nossas próprias ideias, vamos tentar, embora resumidamente, fazer uma análise crítica do projecto de «ADMINISTRAÇÃO REGIONAL», apresentado ao país pelo M.A.I., para estudo e discussão.

Poderemos sintetizar em três grandes linhas ou princípios o conteúdo deste projecto:

a) Descentralização de competências, com definição de três níveis de intervenção: nacional, regional e local;

b) Criação de órgãos de administração local e regional com capacidade de acção nos campos político, técnico e financeiro;

c) Unidades geográficas com dimensionamento espacial adequado para os seus níveis de responsabilidade.

Na página VII da Nota de Apresentação pode ler-se que «A delimitação proposta mantém os actuais concelhos e abandona os limites dos distritos por se considerarem claramente ultrapassados pelas realidades económicas e sociais, além de nunca terem tido outra realidade que a de circunscrições eleitorais e de área de actuação dum comissário político do Governo».

Discordamos francamente desta opinião acerca dos distritos, no que somos acompanhados por numerosas pessoas.

Destrói-se assim, numa penada, uma realidade administrativa que, embora necessitando certamente de correcções, vem revelando uma certa unidade desde há longos anos. A esta realidade está ligada a existência de cidades que são as capitais de distrito.

Se muitas destas capitais de distrito não se desenvolveram nem atingiram um nível desejável, isso se deve, não à divisão administrativa nem aos seus possíveis defeitos, mas antes à ausência dum correcto planeamento integral que conduziu às conhecidas assimetrias de desenvolvimento e à excessiva centralização administrativa, na capital do país.

Por outro lado, que será de esperar da divisão provincial proposta? Que critérios presidiram à sua constituição?

Quando vemos o concelho de Ovar, que, sem dúvida, faz parte duma unidade que é a região do Vouga e Ria de Aveiro, ser integrada na província do Minho, Douro e Trás-os-Montes, são legítimas as dúvidas acerca do valor dos critérios que presidiram à elaboração do projecto da nova divisão administrativa.

Se, por um lado, o projecto não prevê a eliminação ou criação de novos concelhos, por o julgar desaconselhável numa primeira fase, por outro lado, encara a extinção do distrito como unidade administrativa.

Da leitura do projecto parece-nos poder inferir-se a preocupação de se fazer coincidir as regiões de planeamento, com as regiões administrativas.

Salvo melhor opinião, parece-nos não haver qualquer vantagem nesta coincidência, que não é necessária.

Afigura-se-nos que as dimensões do distrito como região administrativa, em que se centraliza o poder regional, apresenta dimensões convenientes, nem pequenas, nem grandes.

Criar grandes regiões administrativas, como, por exemplo, a província da Beira com a capital em Coimbra, não nos parece que traga quaisquer vantagens para as populações. / 62 /

Será até de temer que as actuais capitais distritais, em lugar de progredirem, retrogradem para níveis de desenvolvidamente mais baixos do que os já atingidos.

Por outro Iado, pode perguntar-se que papel caberá às Direcções-Gerais através das quais hoje se exerce, em grande parte, o poder central.

Neste aspecto, parece-nos ser o projecto omisso, pois que definindo os órgãos de administração regional, nada diz acerca do destino ou papel daqueles clássicos órgãos – as Direcções-Gerais – por meio dos quais o poder central exerce a sua acção.

São dois os órgãos de administração provincial que o projecto prevê:

a) Conselho Provincial;

b) Comissão Executiva.

Passaremos em claro o primeiro, para fazer incidir um pouco a nossa atenção no 2.º.

Do artigo 5.º ao 10.º, especificam-se as amplas atribuições dos órgãos administrativos, mormente da Comissão Executiva.

Como vai compatibilizar-se esta gama de atribuições executivas e de planeamento com as possibilidades práticas de actuação da Comissão Executiva?

Como vai ela coordenar os diversos Serviços Públicos, se eles se mantiverem nas capitais de Distrito? Reduz-se, ou minimiza-se a actividade daqueles, empolando-se o campo de acção e competência dos Serviços Públicos Regionais, naturalmente com sede na capital regional?

Que papel, que funções terão neste modelo as Direcções-Gerais? Como será possível uma coordenação a nível regional, se as Direcções-Gerais se mantiverem tal qual são hoje? Mas se as Direcções-Gerais tiverem de sofrer profundas alterações, como se explica que estejamos a assistir a profundas reestruturações das existentes e à criação de novas Direcções-Gerais, sem sabermos qual será o modelo definitivo de regionalização?

Mas se se mantiverem os Serviços Distritais, como vai ser feita a coordenação? Pela Administração Regional? Pelas Direcções-Gerais melhor ou pior reestruturadas?

Como será assim possível uma coordenação, dispersando-se os serviços por numerosas zonas de competência (Direcções-Gerais)? Que descentralização real e eficiente será assim possível?

Note-se que, sendo a nossa crítica quase exclusivamente técnica, e não de ordem política, abstemo-nos de fazer qualquer referência ao facto dos presidentes, vice-presidentes e vogais da Comissão Executiva serem nomeados e não eleitos.

Porque não pretendemos fazer uma crítica exaustiva, limitamo-nos ao que se disse.

Cabe, no entanto, fazer ainda uma referência ao projectado, e julgo desejável, agrupamento de concelhos.

É uma tarefa difícil, mas que, com tempo e paciência, poderá até conduzir, em alguns casos, à extinção de concelhos que, por si só, não justificam a manutenção dum serviço administrativo independente.

A experiência dos G. A. T., embora realizada num campo onde o agrupamento se afigura mais fácil é, na realidade, um começo de que poderão resultar consequências positivas; tudo dependerá do modo como estes G. A. T. funcionarem e forem orientados.

Concluindo, afigura-se-nos que o projecto de regionalização administrativa é incompleto e omisso em vários aspectos, e, o que é mais importante, embora descentralizando o poder de decisão que em grande parte passa da capital do país para a capital regional, não atingirá os seus objectivos de fomentar o desenvolvimento das regiões mais atrasadas, não se conseguindo, assim, eliminar as assimetrias de desenvolvimento que poderão, possivelmente, até agravar-se.
 

REGIONALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA SEGUNDO OS PONTOS DE VISTA DO AUTOR

Já antes do 25 de Abril que o signatário destas linhas se debruçou na análise desta problemática e, diga-se desde já, que as alterações que, inevitavelmente, o 25 de Abril veio introduzir no modo como a encara, não são de grande monta, pois as linhas fundamentais mantêm-se.

Nesse estudo inicial entendíamos que as estruturas administrativas que fundamentalmente necessitavam de alterações eram as estruturas Administrativas do Estado. Mas não deixámos de procurar meio de articular a Administração Estatal com a Administração Autárquica.

Fundamentalmente orientou-nos a busca de novas formas que representassem uma real descentralização do poder central, transferindo-o para a região.

Tivemos em vista que a acção do poder central se exerce sempre através das chamadas Direcções-Gerais. Nesta estrutura administrativa, a liberdade de acção das Direcções Regionais (Distritais) embora diferindo entre si, é diminuta, não tendo assim a capacidade de resposta necessária ao dinamismo da nossa época. Através desse estudo, procuramos demonstrar que a falta de operacionalidade dos Serviços Estatais resultou fundamentalmente da centralização crescente, a partir do advento do Salazarismo

Essa centralização conduziu a um empolamento dos Serviços Centrais que, à medida que o rendimento / 63 / diminuía, melhor dizendo, à medida que diminuía a eficiência dos Serviços, recorriam ao expediente de compensar a falta de eficiência. Este crescimento numérico dos trabalhadores da função pública conduziu a um progressivo desnivelamento de salários em relação às actividades privadas, empresas, bancos, etc. Este desnivelamento salarial contribuiu por sua vez para baixar a eficiência dos Serviços, já que os trabalhadores da função pública, para sobreviverem, se viam na necessidade de procurar, fora do serviço do Estado, o suplemento necessário à sua sobrevivência.

A agravar tudo isto, uma máquina administrativa defeituosamente centralizada, com gestores muitas vezes escolhidos, não pela sua capacidade de trabalho e competência, mas por outros motivos, às vezes por ser o único à mão para o cargo.

É inevitável que uma máquina administrativa deste género não é operacional, traduzindo-se a sua acção por uma baixa rentabilidade.

Daqui parece poder inferir-se que a situação só poderá melhorar através duma reestruturação de toda a Administração Pública, e não através da criação de Direcções-Gerais, ou da reestruturação das existentes.

Salvo melhor opinião, este empolamento do número de Direcções-Gerais conduzirá até ao agravamento da situação.

A reestruturação que preconizamos deveria fundamentar-se em quatro grandes linhas de actuação.

a) Descentralização em relação ao poder central, personificado nas várias Direcções-Gerais;

b) Integração ou fusão, dentro da região (o Distrito) dos diversos Serviços dum mesmo Ministério, de forma a obter-se uma autêntica coordenação e melhor aproveitamento dos elementos que imaginei;

Presentemente, há serviços que, embora pertencentes a diferentes Ministérios – O. P. e M. H. U. C. – poderiam fundir-se no organismo – Direcção de Obras Públicas do Distrito.

c) Melhor pagamento aos trabalhadores da função pública, equiparando-os neste aspecto aos das actividades privadas, muitas das quais hoje, ou são empresas públicas ou empresas nacionalizadas;

d) Redução numérica dos trabalhadores da função pública, que se nos afigura existirem em número elevado no momento que passa.

Afigura-se-nos perfeitamente possível uma integração análoga à referida em b) nos organismos doutros Ministérios.

De acordo com este modo de encarar o problema, isto implica uma forte descentralização do poder de decisão que é transferido para a região; conduzirá assim a uma tal redução do papel das Direcções-Gerais na Administração Pública, que bem poderíamos dizer, equivale ao seu desaparecimento.

A ligação ou articulação com os respectivos Ministérios far-se-ia através das Secretarias-Gerais para isso devidamente reestruturadas.

No que diga respeito à Administração Autárquica, afigura-se-nos que, uma vez assegurada a sua real autonomia em relação às Direcções-Gerais de que hoje dependam, ficariam ligadas à Administração Regional (distrital) através dum Conselho Distrital, constituído à semelhança do projecto do M. A. I. por representantes dos municípios, pelos diversos Serviços Distritais e pelo Governador Civil que presidiria.

Além deste Conselho, julgo que deveria haver um outro equivalente à Comissão Executiva do projecto do M. A. I.

A base regional desta estrutura deverá ser, na nossa opinião, o Distrito, que se nos afigura ser já uma forte realidade socio-económica e cultural que não pode ser ignorada, mas antes devendo ser reforçada.

Afigura-se-nos que um projecto como este contém em si possibilidades que julgamos de indiscutível interesse.

Vai dinamizar e incrementar o desenvolvimento das cidades portuguesas que, dum modo geral, são as capitais dos distritos.

Tememos que o projecto do M. A. I. com uma só capital regional conduza, não ao progressivo desenvolvimento daquelas cidades, mas antes ao seu progressivo definhamento.
 

CONCLUSÕES

Concluindo, poderíamos sintetizar o nosso pensamento como segue:

1) Urge proceder-se a uma descentralização administrativa Estatal, criando órgãos regionais de administração e decisão que perfeitamente dispensem as Direcções-Gerais. Os contactos com os Ministérios seriam estabelecidos, não através das Direcções-Gerais, mas sim através das Secretarias-Gerais e Gabinetes de controlo, devidamente estruturados. A existência das Direcções-Gerais, na sua forma actual, é absolutamente incompatível com uma real descentralização; / 64 /

2) Considera-se que, como Região Administrativa, se deveria manter o distrito, salvo alguns ajustamentos, pois só assim se nos afigura possível dinamizar e desenvolver as cidades portuguesas, que, na sua esmagadora maioria, são as capitais de Distrito;

3) Julga-se indispensável que, dentro da Região Administrativa, se proceda a uma fusão ou integração de Serviços, do mesmo Ministério, ou mesmo de Ministérios diferentes;

4) Deverá procurar-se pelos meios sugeridos, ou outros, uma íntima articulação entre a Administração Regional Estatal e as Administrações Autárquicas existentes no Distrito;

5) Esta articulação poderia realizar-se através duma Assembleia Distrital em que estivessem representados todos os Serviços do Estado existentes no Distrito e a Administração Autárquica por Intermédio dos representantes de todos os municípios. Esta Assembleia, antevêmo-Ia como um plenário dos actuais G. C. O. M. em que também teria assento o Governador Civil e em que o âmbito da competência seria alargado.

Além desta Assembleia Distrital, julga-se necessária a existência duma Comissão Executiva, que poderia ser presidida pelo Governador Civil, como representante do Governo Central. A esta Comissão executiva, à semelhança do projecto do M. A. I., caberia a missão de coordenar e orientar a acção dos diferentes organismos Distritais;

6) Julga-se necessário e urgente criar Regiões de Planeamento baseadas em critérios sólidos que permitam, tanto quanto possível, que essas regiões sejam homogéneas. Cremos que o critério que desenvolvemos merece, pelo menos, que se atente nele. De forma alguma os limites da Região de Planeamento deverão coincidir forçadamente com os limites da Região Administrativa, no caso proposto, o distrito.

 

páginas 58 a 64

Menu de opções

Página anterior

Página seguinte