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N.º 19

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1975 

Última Visita de Pangloss

Pelo Dr. José Tavares

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ACTO II

Corrida a cortina, segue-se um pano com caracteres que dizem: [ Ovos Moles ]. A orquestra executa uma rápida sinfonia com motivos do hino de José Estêvão. A seguir, sobe o pano e aparece vista de jardim. Passados instantes, entram por um lado aveirenses de ambos os sexos, dançando e cantando a marcha popular da autoria de D. Gabriela Ferreira Viterbo:

Haja calor e haja alegria;

dancemos todos até estoirar,

pois que chegou

            e se mostrou

o homem que nos há-de salvar.

 

Soltemos todos vivas em barda

a Pangloss, a nossa guarda!

Vamos lá vê-lo

todos, todos a correr,

depressa, mui açodados,

que ele aqui há-de apar’cer!

            (Repete-se a estrofe anterior)

 

(Saem pelo lado oposto, soltando vivas. Entram Pangloss e Aveiro)

PANGLOSS – Esta gente continua a ser muito alegre. Não mudou.

AVEIRO – Sim, Sr. Doutor. Eu sou, de meu natural, muito alegre, muito expansiva. Pois esta marcha, tão viva e saltitante, compô-la a meu pedido uma Senhora, uma aveirense. Traduz perfeitamente a viveza deste povo, Dr. Pangloss. Para o quadro ser completo, só faltam os foguetes do Zé Parracho.

PANGLOSS – Eu não gosto de foguetes. (Sorrindo) Mas... Verdade seja que, se os não houvesse, também não havia fogueteiros,

AVEIRO – Pois há-de ouvi-los. Eu sou, em todo o país, a terra em que mais dinheiro se gasta em artigos pirotécnicos: começa a matraqueação em Janeiro, pelo São Gonçalinho, e pelo S. Sebastião, e só acaba em Dezembro com as primeiras entregas de ramos.

PANGLOSS – Eu sei! Eu sei! (Pausa) Bonito, este jardim. Como se chama? Já não me lembro.

AVEIRO – É o antigo «Jardim das Delícias», que V. Ex.ª conheceu em 1924, quando da primeira visita que me fez. Mudou de nome: agora chama-se «Ovos Moles».

PANGLOSS – Muito bem – Ovos moles também são delícia. Gosto muito. (Ouve-se a marcha do começo) Outra vez?!

AVEIRO – Andam à procura de V. Ex.ª (Regressa o grupo, cantando e dançando)

*

PANGLOSS – (Ouvindo o seu nome) – Ah! Ah! Eu não quero isto! Não quero.

AVEIRO (Para o grupo) – Este Senhor não é o Dr. Pangloss. Perceberam? É que ele viaja incógnito e não quer maçadas de recepções, discursos, jantares, entrevistas, etc., etc. Podem aplaudi-lo agora, mas não espalhem a nova da sua visita. (Pausa) Mas vamos a saber: quem vos deu a novidade?

UM POPULAR – Foi um pescador, que assistiu em S. Jacinto à chegada do avião que o trouxe.

UMA TRICANA – Disse que com ele vinham dois estudantes do Liceu, uma estudante e um velhote que parece que há anos foi criado no Arcada e tem estado na Alemanha.

AVEIRO – Bom! Bom! Agora, é preciso desmentir o boato. Para sossego do nosso hóspede. Não o quero fatigar.

TODOS – Viva o Dr. Pangloss! Viva! Viva! (Vão saindo enquanto a orquestra toca alguns compassos da marcha)

AVEIRO – Desculpe, meu amigo. A partir de hoje ninguém o incomodará.

PANGLOSS – Muito obrigado! Muito obrigado! (Vendo entrar Contraditória) Quem é?

*

AVEIRO – Este tipo já V. Ex.ª conhece, Não mudou nada durante estes vinte e tal anos. Vai ouvi-lo. / 72 /

CONTRADITÓRIO (Aproximando-se) – Bons dias!

PANGLOSS – Bons dias! Guten Tag!

CONTRADITÓRIO (Para Aveiro) – É estrangeiro?

AVEIRO – Talvez...

CONTRADITÓRIO – Pela cara, mata-se logo. Veio ver os seus progressos, D. Aveiro? São frescos os tais progressos! (Para Pangloss) Pois, Senhor, em meia dúzia de palavras, vou pô-lo ao corrente do que nestes últimos tempos se tem feito por cá. Já viu a beleza da ponte-praça? Podem limpar as mãos à parede! Um horror!

PANGLOSS – Não acho!

CONTRADITÓRIO – Não acha?! Pois aquele óculo, ali no meio, vale uma dinheirama – Já viu a avenida? Um horroríssimol Aquelas árvores! Aqueles passeios e placas das pedrinhas pretas e brancas, com desenhos futuristas e picassianos. Pode haver maior chochice? (Pausa) Não acha de bestial mau-gosto mostrarem-se as casas todas limpas e caiadas? É uma monotonia confrangedora. (Para Aveiro) Não era Vossa Aveireza muito mais linda ostentando variedade de cores nas habitações e demais edifícios – brancas umas, negras outras, outras amarelas? Sem dúvida!

PANGLOSS – Deixe lá! Assim sempre está melhor.

CONTRADITÓRIO – Discordo! (Pausa) E dizer-se que para tudo isto, e para muito mais que eu não digo para o não maçar, foi mister ir à Torreira, como se não houvesse, cá na terra, quem fizesse mais e melhor!

AVEIRO – À Torreira?!

CONTRADITÓRIO – Pois claro! Tudo isto é obra do S. Paio. Ora o S. Paio é da Torreira! Ou não é?

PANGLOSS (Baixo, para Aveiro) – Mas este cavalheiro, afinal, é o Má-língua!

CONTRADITÓRIO (Que ouviu) – Má-Língua?! Isso... mais devagar. Eu não sou o Má-Língua. Sou mas é o Contraditório.

PANGLOSS – Porquê?

CONTRADITÓRIO – Porquê?! Porque estou sempre em contradição com toda a gente. Mas ao menos, confesso-o: não sou como tantos, que são uma coisa e aparentam outra, muito diferente. Isso, não falando na grande caterva dos que andam sempre em contradição consigo próprios e aos quais poderei chamar – contraditórios permanentes.

PANGLOSS – Como assim?

CONTRADITÓRIO – Sim, Senhor! Ouça. Todos conhecem Leais de uma deslealdade a toda a prova, e muitos Cordeiros a quem assentaria como luva o apelido de leão. Quem poderá estar livre de se cruzar com algum Peixe que não saiba nadar, ou tenha mesmo medo da água? – Há Silvas que não arranham; há Brutos inteligentíssimos e Vivos que já há muito dormem na sepultura.

PANGLOSS – Está boa!

CONTRADITÓRIO – Que se dirá de um Pato campeão de pedestrianismo? – Quantos Corteses, incapazes de uma amabilidade! Quantos Belos e Bonitos feios como bodes, e quantos Feios aptos a ganhar o primeiro prémio em qualquer concurso de beleza!

AVEIRO – Ainda mais?!

CONTRADITÓRIO – Há Benvindas e Benvindos que ninguém tolera, e Valentes sempre a darem provas da sua incomensurável covardia. – Não são muito frequentes, mas existem Pios e Bentos nada piedosos. Pode haver AIegres sorumbáticos, Serenos ultra-assomadiços, Pimentas e Vinagres nada cáusticos. – Já encontrei um Barão e um Conde, coitados, de humílima condição, a pedir pelas portas o panem nostrum quotidianum, e um Custódio a cujas mãos se pegavam, com incrível facilidade, os objectos e o dinheiro do próximo. Olarilas! – Mas o cúmulo, o cumulíssimo, é poder haver Reis republicanos e até talvez – quem sabe? – comunistas (Pausa) Aí tem o amigo. De forma que eu sou, e com muito gosto, o Contraditório. – E agora, adeusinho, que estou com alguma pressa. Olhe. Aí vem outra contradição desta vida aveirense. É o... «fado que foste fado»... (Sai. Entra uma tricana)

*

ANTlFADO – Não. «Fado que foste fado», não. Pretendo ser... Como direi? – É tão difícil arranjar o nome!... Pretendo ser o... o Antifado. Antifado, sim! Adoptarei provisoriamente esta designação (Pausa) Com tendência nata para o canto ligeiro, aspiro a tornar-me célebre, conhecida em todo o Portugal, incluídas, é claro, suas ilhas e províncias do Ultramar, e no Mundo, e talvez a conquistar o lindo e supremo epíteto da divina, que dá muita fama e dá muito proveito. Ora, como eu não tolero o fado, lanço mão do respectivo antídoto – o antifado. Querem ouvir? Espevitem as atenções. (Toma atitude, e a Orquestra preludia. Avança um pouco e canta)

                 I

Chamam ao fado canção

e dizem que é nacional;

mas em minha opinião

tudo isto está mal

 

O fado antigo

não ‘stá comigo / 73 /

 

                 II

Quem canta seu mal espanta;

por isso quero cantar;

mas a esta cançãozinha

fado não quero eu chamar.

 

O fado triste

já não existe.

 

                 III

Portanto, se solto as mágoas,

as sérias, as verdadeiras,

é prás lançar bem ao longe,

sem os ais das cantadeiras.

 

Fado castiço...

Não uso disso!

 

                (Inclina-se para o público e sai)


PANGLOSS – Muito curiosa esta cachopa!

AVEIRO – É melhor irmos para outro ponto do jardim. (Apaga-se a luz; e, passados momentos, mostra-se outra vista do jardim. Num banco estão sentados um velho e uma velha)

*

PANGLOSS – (Apontando-os) - O passado!

AVEIRO – É verdade. Estão com certeza, recordando coisas antigas. Ouçamos dali, para que não nos vejam e falem à vontade. (Saem)

*

Imagem antiga de Aveiro (não incluída no Boletim 19) designada na peça por «Praça do Pão». Clicar para ampliar.

VELHO (Como que continuando uma conversa) – Lá estás tu com as tuas teimas! Se eu te digo que era na Praça do Pão, junto da fonte dos Arcos, que os charlatães se instalavam, a impingir as suas especialidades!...

VELHA – Sim; mas eu ia jurar que também os vi algumas vezes junto do mercado de Manuel Firmino.

VELHO – Aí?! Estás tola, mulher! Que espaço teriam eles para isso? O mercado – bem engraçado que ele era! – ficava onde agora estão os Armazéns de Aveiro e os edifícios que se seguem até alturas do actual Café Avenida. Em frente, era aquele terreno maninho, cheio de erva, cercado – estou a vê-lo – de vedação de arame farpado e silvas. Passagem bastante apertada... Onde querias tu que eles falassem? Não, mulher! Tinham ali, perto dos Arcos, local mais apropriado. Parece que estou a ouvir um deles, a fazer o reclame de uma pasta para dentes. Ia a passar, parei e ouvi isto. (Continua a falar. Entra a figura evocada)

*

CHARLATÃO (Toma posição. Os velhos continuam a falar. Dirigindo-se a um suposto público) – Meus Senhores! (Outro tom) Quando digo – meus Senhores –, é claro que também abranjo as Senhoras aqui presentes. A minha consideração, como é natural, vai, até, primeiro para elas do que para os meus colegas de sexo... (No tom inicial) Meus Senhores! Vou-lhes agora apresentar um produto que é o supra-sumo dos produtos, e mais científico e afamado de todos quantos merecem a honra da minha modesta propaganda. Conhecido, meus Senhores, desde o pólo árctico, que fica lá para as brumas do Norte, até ao pólo antárctico, que ocupa o ponto rigorosamente seu antípoda no globo que habitamos. Quero referir-me, meus Senhores, à pasta odentalina italiana, premiada com trinta medalhas de oiro e quinze de prata em várias exposições em que foi exibida. Extraída cientificamente das lavas do Vesúvio, esse vulcão que se encontra perto de Nápoles, na Itália, onde se forma devido à grande força eléctrica que existe no centro de gravidade. (Dirigindo-se a um suposto espectador) O cavalheiro ri-se?! Pode rir-se à vontadinha, porque o riso, como as lágrimas, é livre. Pois talvez o seu riso se transformasse em choro convulso, se atacado por uma valente dor de dentes, não tivesse à mão, para lenitivo do seu sofrimento, um simples tubo desse maravilhoso produto que ando vendendo ao desbarato. por conta da casa concessionária, em tubos grandes, de três tostões cada, e em tubos mais pequenos, de dois tostões. Posso garantir a V. Ex.as, meus Senhores, que quem aplicar todos os dias, ao fazer a sua «toilette» bucal, a pasta odentilina italiana, premiada com trinta medalhas de oiro e quinze de prata em várias exposições em que foi exibida – estará livre, perfeita e definitivamente, dessas enfadonhas dores que eu não desejaria para ninguém, nem mesmo para a minha sogra, e que, não matando, nem por isso deixam de molestar. (Pausa) Uma coisa lhes posso garantir sob minha palavra de honra: os outros dentes podem doer; mas aquele que for tratado com a minha pasta – minha é claro, porque lhe ando a fazer a propaganda –; aquele dente, dizia eu, que for tratado com a minha gloriosa pasta odentilina italiana vai prá terra e nunca mais torna a doer! Não tenho a mínima dúvida, repito, em empenhar nisto a minha palavra de honra. (Pausa) – Queiram, pois, aproveitar, meus Senhores, porque eu já amanhã me retiro desta encantadora terra. Três tostões o tubo grande! Dois tostões o tubo pequeno! Dois grandes, cinco tostões! Dois pequenos, somente três tostões! É um pau por um olho, meus Senhores! É um pau por / 14 / um olho! (Tira um lenço e limpa o suor. Passados instantes sai)

*

Clicar para ampliar.
Ao fundo, tendo na frente árvores frondosas, o antigo mercado Manuel Firmino. Esta e a imagem anterior não figuram no Boletim 19.

VELHA (Continuando a conversa) – Ai, meu homem! Com a nossa idade muito temos que contar!

VELHO – Falta ele de quê! Que de pessoas e de coisas têm desaparecido! Quantas reviravoltas se têm dado! Olha: onde vês tu hoje, por exemplo, um gabão? Não obstante, era no nosso tempo agasalho vulgaríssimo dos pobres e ricos. Tão vulgar, que os velhos da nossa mocidade ainda se lembravam de ter visto, debaixo dos Arcos, embrulhados neles, José Estêvão, Mendes Leite e outros grandes cá da terra. (Pausa) Recordas-te também daqueles varredores que todos os dias vinham das aldeias, de manhãzinha, para limpar as ruas, – antes de a Câmara ter para isso empregados seus? Recordas-te? Tudo desaparece.

VELHA – Não me lembro eu doutra coisa!... (Continuam a falar. Entra um sujeito, de gabão, e um tipo de varredor, este com o respectivo cesto, pá e vassoirinha)

*

GABÃO (Cantando)

Eu fui o gabão cá de Aveiro

que há muito larguei a palma.

Agora, já não existo:

rezem-me todos por alma.

VARREDOR –

Também já tive importância,

quando andava na limpeza;

depois das inovações,

cá pra mim veio a tristeza.

GABÃO –

Fui alguém, prestei serviços;

a todos agasalhei;

tive aqui o meu reinado,

té que em nada me tornei.

VARREDOR –

Belos tempos eram esses,

em que eu dia após dia,

limpava todas as ruas,

livrando-as da porcaria.

AMBOS –

Só estou no pensamento

dos saudosos do passado;

fui esquecido de todos:

raras vezes sou lembrado.

(Saem. Entram Pangloss e Aveiro)

*

AVEIRO (Para os Velhos) – Bons dias!

VELHO e VELHA – Bons dias, meus Senhores.

AVEIRO – Então? Caturrando, não é verdade?

VELHO – Sim, e não, minha Senhora. Estávamos a falar dos velhos tempos, daquilo que para sempre desapareceu e só vive na nossa saudade: Mas a minha mulher por vezes, contraria-me. (Outro tom) Coitada! Está muito velha e esquecida. E é de uma teimosia! Coisas do caruncho...

VELHA – E tu? E tu? Ai, meu Senhor! Aqui onde o vêem, custa-me muito aturá-lo. Perricento, teimoso... Ele antigamente não era assim! Às vezes, não o posso aturar e apetece-me fugir!

VELHO – Lá estás tu! Lá estás tu! Sabes que mais? Vamos embora, que estes Senhores não têm obrigação de se maçar com os teus disparates.

VELHA – Nem eu com os teus. (Pausa) Desculpem, meus Senhores. Vamos; vamos lá.

VELHO – Muito bons dias.

AVEIRO – Adeus. Não se zanguem!...

PANGLOSS – Bons dias. (Saem os velhos. Entram o Litoral e o Correio do Vouga)

*

LITORAL – Senhora minha...

CORREIO – Minha senhora...

PANGLOSS (Para Aveiro) – Quem são?

LITORAL – Cristo dos Santos, um criado de V. Ex.ª.

CORREIO – Fidalgo Magalhães.

PANGLOSS – Muito prazer... (Aperta-lhes as mãos e fica a falar com Aveiro)

LITORAL e CORREIO (Cantando) –

                   I

Nós somos os dois pilares

– dois pilares

de diversa qualidade;

– qualidade

mas à uma batalhamos

            – batalhamos

pelo bem desta cidade.

            – da cidade.

/ 75 /

(Entram rapazes do 1.º e 2.º ano, que cantam este estribilho)

           I

Ao «Litoral»

mais ao «Correio»

temo-los no rol

e entre os bons amigos

do querido futebol.

 

           II

De acordo não estaremos

            – estaremos

em tudo quanto se faz;

            – cá se faz

mas sempre nos esforçamos

– esforçamos

por que entre nós haja paz.

            – haja paz

 

           III

Estes dois vossos pilares

            – os pilares

cada um tem o seu tentâmen

            – seu tentâmen

Quando o «Litoral» afirma,

            – ai afirma

entoa o outro o seu ámen

            – o seu ámen

 

           IV

Uma coisa há, em suma,

            – em suma

que nos traz sempre a terreiro;

            – a terreiro;

é o bem desta cidade,

            – da cidade

da sempre risonha Aveiro.

            Viva Aveiro!

PANGLOSS – Muito bem! Boa orientação a destes esteios do progresso, D. Aveiro.

LITORAL – É que nós, bem como os outros agentes da imprensa Iocal – os Aurélios, Cerqueiras, Amadeus, etc., etc. – seguimos, invariavelmente, a filosofia do optimismo, aqui implantada em Aveiro, entre 1924 e 1930, por aquele ilustre sábio alemão. – muito mais célebre do que o famigerado Dr. Tópsius do nosso Eça de Queirós –: o Dr. Pangloss! Graças a ele e à sua benéfica doutrina, a cidade transformou-se completamente e é hoje a admiração dos que nos visitam.

PANGLOSS – Não é isso o que diz o Contraditório.

CORREIO – Vossa Excelência conhece-o? (Gesto de desdém) Pois eu faço minhas as palavras do Litoral. Diz muito bem!

LITORAL (Ouvindo sussurro) – Que será isto? (Entra Ernesto com estudantes, uns de capa e batina, outros com farda da M. P. – Pangloss puxa-lhe por um braço e sai com ele)

ESTUDANTE – Viva, viva o Dr. Pangloss! (Em seguida cantam, com música do hino da M. P.)

«Cá vimos, cantando e rindo»,

para o sábio saudar;

temos já bem a certeza

de que nos há-de salvar.

 

Viva, viva Pangloss,

que é dos sábios primor...

AVEIRO (Interrompendo) – Atenção, amigos! Temos entre nós o famoso sábio, mas quer conservar-se incógnito. (Para o «Litoral» e «Correio») Viram como ele desapareceu Iogo que se começaram a ouvir aclamações?

LITORAL – O quê? Pois este velhote que acompanhava Vossa Aveireza era Pangloss?!

AVEIRO – Em carne e osso!

LITORAL e CORREIO – Que pena!

UM ESTUDANTE – Não faz mal. Iremos ao seu encontro, para que não deixe de estar connosco...

AVEIRO – O vosso colega Sabe-Tudo, que o trouxe da Alemanha, tem no seu programa levá-lo ao liceu, sob rigoroso. incógnito. Não se amofinem.

LITORAL – E nós depois nos encarregaremos de fazer uma reportagem muito bem feita.

CORREIO – Uma reportagem com todos os matadores.

UM ESTUDANTE – Rapazes! Viva Aveiro e os sustentáculos e propagandistas do seu progresso! Saudemos a bela cidade!

LITORAL e CORREIO – Viva! Viva!

ESTUDANTE – Eu sou Aveirense pelo nascimento. Vós podeis sê-lo pelo coração. Entoai comigo três das estrofes dum hino, embora de tom romântico, hoje completamente em desuso, – composta por um antigo vate, meu conterrâneo.

(Coro final, com Aveiro no meio de Litoral e Correio)

«Pátria minha idolatrada,

onde primeiro gemi;

terra minha tão querida, / 76 /

bela terra em que nasci,

gentil terra, onde primeiro

ao Mundo os olhos abri;

 

venho hoje, em pobre canto,

tua beleza exaltar;

venho ver se posso ainda

singelo canto ofertar

à terra que tanto amei,

que indo amo e hei-de amar.

 

Amei-te, porque, pra mim,

eras terra sem rival,

e indo hoje não conheço

no mundo beleza igual.

Hei-de ama-te porque és

a minha terra natal»
 

Cai o pano

Fim do 2º acto

 

páginas 67 a 81

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