Acesso à hierarquia superior.

N.º 14

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1972 

 

Vária


 

O novo Internato Distrital de Aveiro, estabelecimento assistencial para rapazes, foi inaugurado no passado dia 12 de Novembro.

Clicar para ampliar.
A Senhora Dr.ª D. Maria Teresa Lobo proferindo o seu brilhante discurso.

A sessão solene que precedeu a inauguração, realizou-se no Salão Nobre da Junta Distrital. Presidiu a Senhora Dr.ª D. Maria Teresa lobo, ilustre Secretário de Estado da Saúde e Assistência. Ladearam aquele membro do Governo, entre outros, o Governador Civil, Director-Geral dos Serviços de Urbanização, Presidente da Junta Distrital e da Câmara Municipal de Aveiro, Presidente da Comissão Distrital da Acção Nacional Popular, Juiz Corregedor e Deputados.

Aberta a sessão usou da palavra o Sr. Eng.º José Gamelas Júnior, Presidente da Junta Distrital, que proferiu brilhante discurso. Dada a importância de que o mesmo se reveste, constituindo documento de manifesto valor no historial de tão importante Obra de Assistência, transcreve-se integralmente.

Clicar para ampliar.
Inauguração do Internato Distrital de Aveiro.

«É honra para nós a visita de V. Ex.ª, Senhor Subsecretário de Estado da Assistência, a Aveiro e a esta Junta Distrital; honra que é orgulho e também responsabilidade, porque em consciência obrigados nos sentimos a corresponder, pelo menos de algum modo, à especial deferência com que nos distingue.

Eu penso que as coisas da vida se conduzem de forma a que a vida das coisas seja ou tenda para harmonia e equilíbrio. E se assim é, será exemplo que servirá de apoio ao conceito franciscano de que para receber é preciso dar.

E que poderemos nós oferecer a V. Ex.ª, pobrezinhos que somos? Pelo menos, duas coisas, à maneira ou com o sentido do «óbolo da viúva»: hospitalidade e apresentação de um empreendimento útil que lhe possa agradar.

Hospitalidade autêntica e franca, porque bem sentida. Bem desejaríamos que bem se sentisse, como se em casa sua estivesse, em ambiente de família e sem formalismos, em espírito de amizade, porque nos atrai e une o pensamento vivo e comum de solidariedade e de doação ao próximo.

Rodeiam-na aqui pessoas e entidades que desejam render-lhe preito de homenagem e manifestar-lhe a sua amizade. É o Dr. Vale Guimarães que, mesmo que não fosse Governador Civil nem o obrigasse a função pública, aqui estaria como ilustre aveirense, como primeiro aveirense no amor à terra que lhe foi / 102 / berço, como anfitrião qualificado em quem, nós outros, encontramos sempre arguta visão de toda a problemática distrital, confiança serena na mareação da grande e complexa nau que lhe está entregue e forte arrimo nas horas menos boas ou más. Perdoe-nos V. Ex.ª este à vontade no dizer das coisas, que não significa elogio fácil, porque é antes a tradução da verdade em linguagem clara e simples; é que com o Dr. Vale Guimarães sentimos que está tudo previsto e tudo corre bem, neste jeito e ambiente de liberdade, em que cada um é o que é e dá o que tem.

Clicar para ampliar.
Inauguração do Internato Distrital de Aveiro – Sessão solene.

São os deputados, hoje autênticos representantes de todo o Distrito de Aveiro na Assembleia Nacional. Nesta hora de boas vindas, tem V. Ex.ª aqui homens do mais / 103 / alto valor, sobre cujos ombros cai a pesada responsabilidade de intérpretes fiéis do pensamento e sentido dinâmico de todo um povo que rejeita o estatismo, porque é retrogradação comprometedora, e deseja e se atira operosamente para a frente, a partir de medidas que revelam o afã de uma evolução que dê resposta às solicitações de uma vida económico-social cada vez mais exigente.

E não faltam as comissões Distrital e Concelhia da Acção Nacional Popular. A presença dos Drs. Fernando de Oliveira e Manuel Soares, Presidentes de uma e de outra, revela, para além do simples acto de cortesia que encerra, a preocupação que lhes merece o desenvolvimento do mecanismo da assistência, como elemento motivador importante da justiça e tranquilidade social, indispensável a uma vivência cívica susceptível de preparar ou pré-anunciar coordenadas mais seguras de uma vida política evolutiva e atractiva das massas populacionais.

É também a Câmara Municipal de Aveiro, de quem temos recebido inestimável colaboração e ajuda, representada pelo seu ilustre Presidente, que rejubila e se engalaneia por ver hoje dentro dos seus muros conceIhios, a representação do Governo num dos seus elementos mais distintos, arauto de novas concepções e novas perspectivas susceptíveis de uma objectivação do sector da assistência em termos mais realistas e dinâmicos.

Clicar para ampliar.
Lápide respeitante à inauguração do Internato Distrital de Aveiro.

E são também as restantes Câmaras Municipais do Distrito de Aveiro, para quem os problemas da assistência estão na primeira linha das suas preocupações, e em relação às quais também a Junta Distrital, mantendo uma colaboração aberta, pretende melhorá-Ia pelo desenvolvimento do seu sector do fomento.

Vê ainda V. Ex.ª as autoridades civis e militares, numa atitude de encorajamento ao responsável de uma política que não pode admitir afrouxamentos que ponham em risco o equilíbrio social.

E conta com o povo aveirense, que arde em anseios de promoção, que acolhe de braços abertos todos quantos se debruçam dedicadamente e realizam obra útil à comunidade para uma vida melhor, que valha a pena ser vivida.

Esta casa que modestamente a recebe, casa do Distrito de Aveiro que ao Distrito se estende em atribuições de fomento, de cultura e assistência, pretende ser uma célula de apoio à política de V. Ex.ª, Senhor Subsecretário de Estado da Assistência, em primeiro lugar por estar identificada com a orientação que nos trouxe e definiu aquando da sua recente visita a Aveiro, traduzida já em valioso estímulo através de uma comparticipação extra de 873 750$00 e da ajuda significativa contida no acordo de cooperação; e também porque a própria pessoa de V. Ex.ª merece esse apoio, pela forma tão rasgada como definiu uma nova política de assistência, em que o sentido esmola foi completamente banido e em consequência considerado o carecido de amparo como pessoa humana. / 104 /

Clicar para ampliar.
A Senhora Dr.ª D. Maria Teresa Lobo abraça o «maioral» do Internato: Feliciano Neves.

Ainda merece o apoio de todos pelo propósito sempre manifestado de se não perder tempo, e, por essa via, recuperarmos muito tempo perdido. A Junta Distrital de Aveiro está pronta a colaborar na obra que se vai erguendo pelo país inteiro no domínio da assistência social, que tanto ficará a marcar a era de Marcelo Caetano.

E a propósito, na pessoa do Director-Geral dos Serviços de Urbanização, Senhor Eng.º Horácio de Moura, cuja presença agradecemos, também uma palavra de reconhecimento pela comparticipação concedida à obra que se inaugura e valioso auxílio dispensado aos Serviços Técnicos de Fomento deste Corpo Administrativo.

Finalmente – os últimos são sempre os primeiros – tem V. Ex.ª aqui ao lado o Sr. Vigário Geral da Diocese, em representação do Bispo de Aveiro, Sr. D. Manuel de Almeida Trindade, figura que veneramos e consideramos com filial afecto: na bênção que vai lançar sobre todos nós, também a desejará distinguir como filha dilecta da comunidade a que hoje se associa.

Esta é a comitiva que em Aveiro presta justa homenagem a V. Ex.ª. Regozijo-me por supor que a hospitalidade está garantida, num ambiente de significativa representação, de caloroso afecto e de sincero espírito de amizade.

Todos agora estarão a pensar na realização, com valimento suficiente, que não desmereça dos propósitos que nos animam e valha ser apresentada à alta consideração de V. Ex.ª.

Pois será o Internato novo que vive hoje dia de gala, porque se inaugura. Sonho permanente de mandatos anteriores da Junta Distrital, teve a sua corporização no da presidência do Dr. Fernando de Oliveira.

Clicar para ampliar.
Internato – Refeitório

Aí se erguem as suas paredes. Já acabadas e enquadradas em linhas geométricas, a sua alvura esconde hoje as preocupações, as dificuldades, os desânimos e a persistência que acompanharam a sua planificação e construção.

Eu penso que na resolução de grande parte das nossas coisas públicas, há frequentemente uma excessiva influência da tecnocracia. Não é que seja antagonista ao uso da técnica. Eu sou técnico, e, talvez por isso, permito-me justificadamente ter esta afirmação. A técnica é rectilínea nos seus conceitos algébricos, mas terá que amornar a sua frieza se quiser ser verdadeiramente útil ao homem que dela se serve, principalmente nos aspectos políticos e sociais.

Este Internato levou anos a projectar, até que se tivesse chegado à última concepção. Sempre à procura do último modelo e com adaptações sucessivas a ideias diferentes colhidas no estrangeiro, nem sempre ajustáveis às características lusitanas, sucederam-se os anteprojectos e perdeu-se tempo, que é tão precioso. Perda de tempo que não aproveitou a ninguém: nem à sociedade, que assim viu demorar o aparecimento de um edifício que lhe era útil; nem à Junta Distrital, que foi obrigada a despender na sua construção talvez o dobro do que estava previsto; nem ao próprio Governo / 105 / que foi arrastado para comparticipações mais vultuosas.

E nem por isso, nem por se ter demorado, se conseguiu uma solução isenta de defeitos; para além dos erros que saltam à vista a quem o visita, com frequência outros surgem agora, de natureza funcional, que oneram a sua administração e prejudicam inclusivamente a missão educacional. É cedo para termos indicadores de gestão, mas permitimo-nos prever, com a experiência obtida no mês de Outubro, que as despesas aumentarão de 1/3, o que equivale a dizer que teremos uns encargos mensais da ordem dos 130 a 140 contos.

Daquele condicionalismo haveria de resultar todo um ambiente de dúvida que durou anos, em razão de um mar de complicações acompanhadas por ideias sucessivamente renovadas e de trabalhos em cadeia, estéreis em grande parte, que pôs inequivocamente à prova as qualidades de força de vontade e de persistência do mandato da presidência do Dr. Fernando de Oliveira. Merece aqui, por isso, uma palavra especial pelo que fez. Eu julgo que na vida dos homens, o que mais importa e o que poderá servir de padrão, são as obras que praticam. E este mandato realizou o seu objectivo, porque, para além do que soube aguentar apresenta agora uma obra bem patente a perpetuar uma ideia louvável e da maior utilidade social.

De qualquer modo, e isso é o que interessará, apareceram os alicerces, ergueram-se as paredes, compartimentou-se o espaço, deram-se condições de vida, e aí está agora o edifício pronto para exercer a sua função. Os erros e deficiências existentes não chegam para anular ou ofuscar o seu real e inequívoco valimento: é instrumento precioso que rasga as brumas de um passado medieval e se projecta à luz do sol para uma vida moderna, onde a dignidade, o respeito pelos valores humanos e cristãos e a liberdade responsável hão-de ser, e são já, vectores constantes na preparação dos homens de amanhã.

Vai hoje ser inaugurado o Internato desta Junta Distrital. Pois que o seja em boa hora.

Mas eu suponho que ainda posso oferecer mais alguma coisa a V. Ex.ª, que certamente lhe agradará: é o trabalho pedagógico em curso no Internato.

Primeiro que tudo, impunha-se definir sem tibieza o critério de educação a adoptar, o objectivo que nos haveria de motivar. Sem se fixar um destino, não se inicia a abertura de um caminho, nem mesmo de simples vereda.

Tinha-se, é certo, a percepção de que seria a «Obra da Rua», do Padre Américo, o modelo a seguir. Era, todavia, uma ideia apoiada apenas em aspectos de natureza geral, na base de um conhecimento livresco e num ou outro contacto esporádico com rapazes ali educados. Tornava-se indispensável, por isso, pormenorizar o assunto, ir ao essencial e escolher as formas de actuação adaptáveis ao nosso caso.

Para esse efeito, com a concordância, aliás, de V. Ex.ª, Senhor Subsecretário de Estado da Assistência, / 106 / em troca de impressões havida em Março último, quando pela primeira vez nos visitou, destacámos a encarregada geral do Internato para fazer pequenos estágios em diversos estabelecimentos similares. E foi a Paços de Sousa, e às casas filhas da «Obra da Rua» do Lar do Gaiato, no Porto, e Lar de S. Domingos, em Lamego; esteve nas oficinas de S. José, em Guimarães; na Casa Pia, em Lisboa, nas suas secções de Pina Manique e Nun’Álvares; nas Aldeias S. O. S. em Sintra; e em dois Lares da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mais propriamente em Carcavelos e Campo de Ourique.

Clicar para ampliar.
Visita às novas instalações do Internato.

Colhidos e apreciados os elementos de vivência destas diversas fontes, concluímos que, na verdade, todos os estabelecimentos visitados haviam bebido o essencial na mesma origem: a «Obra da Rua» do Padre Américo. Era evidente que só nos restava juntarmo-nos a eles: agora, porém, com mais conhecimento do assunto.

Sabíamos já o que queríamos, sabíamos já para onde ir com segurança. E desde Maio último entrou-se afoita e progressivamente naquilo a que bem posso chamar reforma do Internato.

Muito se fez nestes cinco meses, Santo Deus!... Mas muitíssimo ainda falta fazer! E é tarefa que nunca mais acaba.

Entendeu-se começar por atacar aspectos que designaremos de natureza física. E assim é que, em seguimento do que já estava planeado no anterior mandato:

a) Foi revisto o regime e dieta alimentar, de forma a torná-Ia mais eficiente à saúde e crescimento das crianças;

b) se adoptou o critério destas intervirem na escolha do vestuário e calçado, dentro de índices que não ofendessem uma sã economia;

c) se deixou que o corte do cabelo, embora sem exageros, fosse ao seu gosto, medida simples que se revelou da maior valia no psiquismo da comunidade;

d) se fez uma inspecção médica quase total à saúde dos internados, que descobriu a agudeza de problemas sérios, traduzida em muitas radiografias tiradas e intervenções cirúrgicas, para já não falar de casos frequentes de anemia, avitaminose e debilidade física.

Não admirava que isto acontecesse, dada a miséria, física e moral, do meio donde a maioria destes rapazes veio.

Pensávamos que, preparado o rapaz dentro destes evangélicos princípios, mais receptivo se tornaria ao trabalho profundo de educação que se avizinhava. A experiência dar-nos-ia razão.

Tudo então se orientou no sentido de haver espírito de comunidade cada vez mais reforçado. A partir de reuniões sucessivas com os internados, lentamente vão-se despindo da timidez e de complexos para intervirem efectivamente na resolução dos problemas da casa. É a participação activa e séria, fundamental para que ganhem confiança em si próprios e nos outros.

Confiar, confiar, confiar... e arriscar. É norma magnífica que estimula a tomada de responsabilidade, educa o rapaz como elemento humano e infunde dignidade.

E vieram as eleições, eleições livres e autênticas para a escolha dos diversos chefes de secção. Que consciência de valores e de justiça não revelaram aqui os rapazes! No dizer do Sr. Padre Carlos, sucessor do Padre Américo, aqui presente e a quem cumprimento com o maior respeito e amizade, uma sociedade assim formada, não podia estar perdida, e merecia, com satisfação, a nossa dedicação e os nossos cuidados. E veio a ocupação dos tempos livres por trabalhos adequados, que a ociosidade é mãe de todos os vícios. E vieram os tribunais, onde eles próprios se julgam e ditam sentença: tão ricos de conteúdo psíquico, que extraordinário valor têm no equilíbrio da vida comunitária! E veio a organização da limpeza do Internato, das saídas nocturnas, da vigilância aos mais pequenos, etc., tudo feito por eles. E apareceu toda uma estrutura / 107 / virada ao ensino, também preocupação que já vinha de trás, a qual pensamos deva ser o primeiro objectivo, a primeira preocupação desta casai e monta-se já um serviço que conduza ao controle e orientação do rapaz que trabalha com o respectivo patrão e ao conhecimento indispensável da vida do maior número possível dos agregados familiares de cada um.

Clicar para ampliar.
O Senhor Governador Civil no uso da palavra.

Mais do que pelas palavras, V. Ex.ª poderá ver e analisar no próprio Internato o que ali se passa. É obra que não tem fim. Vive-se ali totalmente em regime de porta aberta, em que a liberdade é dom apreciado, sem que se negue a responsabilidade como fonte de equilíbrio. E o que é certo é que os casos de fugas desceram espectacularmente, quase vieram para o zero, o que para nós é indicador da maior valia.

Há quem não compreenda este estilo de vida. Respeitamos a opinião de toda a gente, mas também pedimos que aceitem os nossos propósitos e a nossa sinceridade quando afirmamos, sem menosprezo por qualquer outro método válido, que nos parece estarmos em bom caminho, porque é nossa convicção que este regime forja homens para amanhã de forma a integrarem-se no meio social com dignidade e sem complexos depressores.

Notam-se defeitos ou erros na vivência do dia a dia? Pois é evidente que existem e não se escondem. Há ali o homem ou o futuro homem com as suas imperfeições, e onde há o homem é utópico falar em perfeição absoluta. Diremos até que os erros são indispensáveis para servirem de experiência e a correcções, que fundamentam uma evolução ascensional, que é sempre aspiração humana.

No fundo, toda esta orgânica se desenvolve no dia a dia através de uma autogestão educacional: é toda uma comunidade que aceita, por automatismo natural, os princípios morais e de convivência humana que servem de alicerce à nossa sociedade cristã e se controla e procura o equilíbrio de vivência a partir de factores correctivos que a própria vida lhe fornece.

A acção do educador tenderá então para uma orientação de equilíbrio, estimulando iniciativas, fazendo sobressair os casos que mereçam servir de exemplo, aproveitando com oportunidade os erros cometidos para sua discussão em comunidade e possível julgamento e para consequentes correcções. E por cima de tudo isto, é nota importante que tudo deve ser feito com amor, com muito amor.

A diferença, quanto a nós, a grande diferença que existe entre os métodos clássicos e este em curso, reside no facto daqueles se apoiarem numa orientação pedagógica e disciplinar dirigida de cima para baixo, enquanto que este se estrutura o mais possível no aproveitamento de tudo quanto venha de baixo para cima, devidamente ponderado e filtrado por educadores e educandos.

Apesar da desordem, que é aparente, que alguns espíritos mais exigentes em disciplina quererão fazer notar, por entenderem haver excesso de condescendência, afigura-se-nos estarmos a montar uma escola de homens e ser apropriada a legenda que já existe no / 108 / Internato: Pão, abrigo e amor para os homens de amanhã.

A doutrina ali hoje vivida deu escândalo e fez sofrer, sofrer muito a todos quantos, em época ainda recente, por ela se entusiasmaram e lutaram. E nem admira, porque buliu com o estatismo cómodo dos princípios ortodoxos; porque foi uma reforma pragmática, quase convulsiva, que fez vibrar as consciências e também estremecer as de muita gente socialmente responsável, que haviam moldado um Deus ao seu jeito, à sua imagem e semelhança.

Padre Américo, num dos seus últimos escritos, dizia ao seu Bispo que não tinha conhecido na vida o suor de sangue; mas sabia, isso sim, o que era o martírio em toda a sua plenitude.

Vai V. Ex.ª inaugurar o Internato novo da Junta Distrital de Aveiro e tem já conhecimento do que ali se está a fazer.

Não constituirá ele um elo, embora minúsculo, da cadeia incomensurável de iniciativas e de valores que interessam fomentar e desenvolver para a promoção da autêntica justiça social e cristã, a que os portugueses aspiram? Não é ele uma instituição que bem se enquadra no plano do Estado Social de Marcelo Caetano, que aqui respeitosamente saúdo e presto a minha homenagem, como português que continua a ter nele confiança, confiança na sua inteligência esclarecida e na sua dedicação à causa pública para um Portugal mais digno e mais equitativo na distribuição das riquezas?

Eu suponho que sim, porque chega até nós, o reforçar esta ideia, a política rasgada e de vanguarda de V. Ex.ª, Senhor Subsecretário de Estado da Assistência, de quem esperamos o apoio indispensável que garanta a nossa missão.

Permita-me agora V. Ex.ª distinguir aqui o apoio estimulante que desde a primeira hora temos recebido do Sr. Padre Carlos, pela orientação que nos dispensou e dispensa através de frequentes contactos e por nos ter possibilitado a estadia em Paços de Sousa de levas de rapazes nossos, que assim melhor se vão climatizando com esta concepção de vida, ajudando depois à evolução da nossa casa. E também aos serviços de V. Ex.ª, na pessoa da Sr.ª D. Ana Maria Chichorro, pela abertura de diálogo, conselho amigo e apoio valioso que nos concedeu. Ela própria, pelo que viu no Internato já se entusiasmou pela nossa causa. Bem desejaríamos que este entusiasmo se pudesse estender a V. Ex.ª, porque dele bem necessitamos para a concretização do nosso objectivo.

Clicar para ampliar.
O Senhor Presidente da Junta Distrital com todos os funcionários da Junta.

E se me é lícito, julgamos também que este momento é o próprio para louvar a dedicação a esta obra de todos os serviços desta Junta Distrital: ao sector do Fomento, a cujo responsável, Eng.º Basílio Tavares Lebre, eu agradeço o esforço, todo o esforço, competência e desejo de bem servir patenteados com persistência ao longo de anos; à secretaria, na pessoa do Sr. Alfredo José Rodrigues, seu digno e brioso chefe, sempre em permanente alerta na defesa dos interesses da Junta Distrital, sobre quem se apoiou todo o mecanismo e / 109 / vigilância administrativa; e, especialmente, à Senhora D. Maria Idalina Araújo da Silva, que, por uma doação total a esta causa, espírito de sacrifício que é justo assinalar, e competência provada, soube concretizar tão rapidamente, com o nosso apoio, toda a programação atrás exposta.

E uma última palavra de louvor e também de orgulho para os rapazes do Internato. Muitos deles eram tidos como irrecuperáveis e têm dado a satisfação de uma conduta humanamente digna, com um sentido de adaptação e espírito de colaboração notáveis. Na pessoa do maioral, Feliciano das Neves, eu saúdo e dou esta nota de muito regozijo aos rapazes do internato. Atrevo-me mesmo a dizer que são eles os heróis mais destacados a apontar nesta reforma de mentalidades em curso.

Dizia um antigo filósofo chinês que as coisas moles e fracas davam mais garantia de vitória que as duras e poderosas. É o gosto dos paradoxos.

Enquanto a cana se verga à passagem do vento impalpável e furioso, a árvore altiva não resiste à tempestade ciclónica. A areia fina do mar, que escorre por entre os dedos da nossa mão, prolonga-se no tempo depois da morte da rocha altaneira e secular que lhe deu origem. A montanha bruta foi lentamente pulverizada, e um punhado de areia revela-nos a história de todo o universo.

Eu desejaria ver a criança nesta imagem: frágil como o grão de areia, que lentamente se desagregou da célula familiar para sucessão das gerações. Mas mais ainda me faz lembrar a criança abandonada ou prematuramente desvinculada do convívio do pai ou da mãe, ou por infortúnio dos dois ou ainda cruelmente escorraçada como ser incómodo.

Tal como o grão de areia, este ser humano, tão cedo provado numa vida madrasta, encontra no Internato a força da fragilidade, que está, mais do que na união com os outros, no acordo livre de viver em comunidade, e na experiência vivida num mundo duro e adverso, que fez varrer sobre ele os ventos impiedosos da fome e da miséria e tantas vezes da incompreensão humana ou mesmo do desprezo.

Que cada um seja o grão de areia de uma argamassa que sirva de alicerce a uma sociedade digna.

Tenho dito.»

O Sr. Dr. Vale Guimarães foi o orador seguinte.

Em apropriado improviso aludiu às carências do Distrito no campo da assistência, enumerou as consideráveis importâncias dispendidas pelo Estado através dos Ministérios das Obras Públicas e da Saúde e Assistência e preconizou a urgente cobertura no sector social e no capítulo da criança em toda a região do Furadouro até Esmoriz.

A finalizar, o primeiro Magistrado Administrativo do Distrito lembrou os Homens que ajudaram a erguer a importante Obra agora inaugurada, a quem teceu os maiores encómios e rendeu o mais vivo reconhecimento. / 110 / Lembrou os Drs. António Rodrigues e Belchior Cardoso da Costa, respectivamente Presidente e Vice-Presidente no primeiro mandato; lembrou com profunda saudade o malogrado Dr. Aulácio Rodrigues de Almeida, Presidente no segundo mandato e, também, grande entusiasta da construção agora concretizada que, vitimado por brutal acidente de viação, continua retido no leito de dor; recordou os Vice-Presidentes Drs. Paulo Catarino e Humberto Leitão, este ilustre Aveirense que presidiu aos destinos da autarquia distrital por mais de dois anos; lembrou o Dr. Fernando de Oliveira, Presidente no terceiro mandato, também grande entusiasta na construção do Internato e, finalmente, o actual Presidente, Eng.º José Gamelas Júnior, a quem coube o grato ensejo de ultimar a desejada e necessária obra assistencial.

A encerrar a sessão, a Senhora Dr.ª D. Maria Teresa Lobo brindou a numerosa e distinta assistência com importante trabalho que constitui profunda análise ao sector social, principalmente no que respeita à criança, carecida de assistência.

«É a segunda vez que venho ao distrito de Aveiro. Tenho assim presente os grandes e graves problemas que assolam esta região em franco desenvolvimento.»

O Internato de Aveiro, como o de Arouca – disse – deveria ser piloto, servindo de espécie de campo de estágio e apoio para obras similares. O económico e o social constituem um binómio que não pode dissociar-se. É necessário desenvolver todos os homens e todo o homem. Nada substitui a família – acrescentou – mas nem sempre há família ou a família não está em posição de exercer o seu papel fundamental. Daí, a necessidade de instituições como a de Aveiro, que Aveiro deve considerar como sua. Nelas, a lei do amor. Para formar homens. Porque o homem tem uma grande profissão: a de ser homem. E ser homem é ser bom, responsável, generoso, patriota, ter fé, construir».

Clicar para ampliar.
Antigos membros da Junta Distrital na visita realizada ao novo Internato por amável convite do novo presidente.

Encerrada a sessão teve lugar a inauguração. O Prelado da Diocese lançou a bênção ao novo Internato, dizendo que ela mais se dirigia às pessoas do que aos edifícios. E a seguir: «Se há lugar onde me sinto bem e onde a bênção de Deus tem pleno cabimento, é numa casa como esta». O Senhor D. Manuel de Almeida Trindade manifestou o seu contentamento por estar a dirigir aquela Obra Assistencial uma Senhora que é mãe e por a mesma Obra se orientar pelos métodos do Padre Américo.

Seguiu-se a visita às instalações. Ambiente acolhedor, mesmo familiar. O maioral, Feliciano Fernandes das Neves, disse uma palavra de saudação e de agradecimento à Subsecretária de Estado.

Vida nova no Internato novo. Que o Internato saiba e possa cumprir a pesada e grata missão que lhe pertence de modelar homens que saibam, em verdade, exercer a grande profissão: o de ser homens.

ANTIGOS MEMBROS DA JUNTA DISTRITAL

Por louvável e oportuno convite do actual Presidente da Junta Distrital, Eng.º José Gamelas Júnior, antes da inauguração oficial, os antigos Membros da Junta / 111 / Distrital visitaram as novas instalações do Internato.

Estiveram presentes o Dr. António Rodrigues, primeiro presidente da Junta Distrital de Aveiro e os Vogais no mesmo mandato, Dr. Manuel Soares e Pedro Grangeon Ribeiro Lopes.

Vimos, também, os Drs. Humberto Leitão e Paulo Catarino, Vice-Presidentes no segundo mandato, Drs. Joaquim de Sousa Rios, Francisco Lourenço da Costa e Eng.os Alberto Branco Lopes e António Manuel Pascoal, vogais no segundo mandato e, ainda, o Sr. Dr. Fernando de Oliveira, Presidente da Junta Distrital no terceiro mandato, Dr. Luís Carlos da Conceição e Eng.º Paulo Seabra, Vogais no mesmo mandato. Todos os ilustres visitantes foram recebidos pelo actual Presidente. Após demorada visita às instalações foi servido um beberete aos antigos membros da Junta Distrital, sendo de alegria o clima vivido pela concretização da obra por todos tão desejada e à qual todos deram o seu entusiasmo e o seu esforço.

Também por cativante convite do actual Presidente da Junta Distrital, todos os serventuários do Corpo Administrativo do Distrito, visitaram as novas instalações do Internato. Após prolongada visita às instalações, o Sr. Presidente da Junta Distrital ofereceu um beberete aos funcionários. Foi da mais sã camaradagem o ambiente vivido pela já grande Família constituída pelos dirigentes e pessoal da Junta Distrital de Aveiro. 

CONSELHO DO DISTRITO

No passado dia 5 de Dezembro teve lugar a sessão ordinária do Conselho do Distrito.

Foram aprovadas, por unanimidade, as bases do orçamento e o plano de actividade para o próximo ano. Entre os cometimentos que este importante documento insere, destaca-se a construção do Arquivo Distrital de Aveiro no terreno anexo à sede da Junta Distrital.

Dada a importância da obra que se pretende levar a cabo – presentemente o Arquivo Distrital funciona, a título precário, num anexo da Biblioteca Municipal –, espera-se, com o mais vivo interesse, que a mencionada construção tenha lugar no próximo ano.

 

páginas 101 a 111

Menu de opções

Página anterior

Página seguinte