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N.º 13

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

jUNHo de 1972 

Eça de Queirós em Oliveira de Azeméis

Pelo Prof. António Magalhães

Apesar de desaparecida do número dos vivos há longos anos, a «Senhora Teresinha» de Vilar, ridente subúrbio de Oliveira de Azeméis, continua presente na memória de muitos: dos mais velhos, porque dela escutaram descrições encantadoras das terras de França, nos tempos em que se contavam pelos dedos os que teriam atravessado Os Pirinéus; dos mais novos, porque a cada passo ouvem referências saudosas à veneranda velhinha que falava francês e que fora ama dos filhos de um homem importante que escrevera muitos livros.

Teresa da Costa se chamou a senhora oliveirense que foi ama de alguns dos filhos de Eça de Queirós, e principalmente da Senhora D. Maria de Eça de Queirós de Castro, falecida recentemente. Aliás, a fotografia que ilustra estes apontamentos, e que muito gentilmente me facultaram os familiares da «Senhora Teresinha», foi oferecida à ama dedicada por aquela ilustre filha do autor de «A Cidade e as Serras». Testemunha a oferta o autógrafo ainda bem visível.

Teresa da Costa acompanhou, ao que consta, a família de Eça de Queirós quando este, em 1889, foi para Paris em missão diplomática; antes estivera já ao serviço dos seus amos em Londres e Bristol.

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Foto oferecida pela Sr.ª D. Maria Eça de Queirós a sua ama, a Sr.ª Teresinha do Vilar (1908)

E mesmo após a sua morte, ocorrida na residência de Neully, no ano de 1900, continuou, durante alguns anos, ao serviço da família. Mais tarde foi para o Brasil, chamada por uns parentes, vindo a terminar a sua existência em Vilar, onde tinha nascido.

Como teria surgido o contacto inicial entre a família de Eça de Queirós e a «Senhora Teresinha», foi interrogação posta a si próprio, quantas vezes, pelo autor destes apontamentos. A resposta viria a dar-ma o opúsculo publicado pelo investigador Alberto Couto, que em Oliveira de Azeméis passou longos anos da sua vida de exemplar funcionário e criou profundas amizades e simpatias.

Nesse opúsculo, com o título «Eça de Queirós e Oliveira de Azeméis, escreve a certa altura Alberto Couto: «Embora não me fosse dado encontrar documentos que falem da permanência de Eça de Queirós em Oliveira de Azeméis, tenho como prova respeitável – e suficiente – o testemunho solene da tradição oral, que conta ter sido o autor de «O Primo Basílio» visita assídua do solar do Côvo, a pouco mais de um quilómetro da vila, à margem esquerda da estrada que segue até Vale de Cambra». / 6 /

«Nos agitados tempos da mocidade, foi companheiro de Eça, na histórica viagem ao Oriente, D. Luís de Castro PampIona, conde de Resende, e tal viagem é deveras elucidativa quanto à cordial amizade que os ligava. Acontece, ainda, que o conde de Resende mantinha as melhores relações de amizade com seus primos D. Gaspar Maria de Castro Lemos Magalhães e Meneses Pamplona, conde do Côvo, e seu irmão, D. António de Castro e Meneses Pamplona. (...) A condessa do Côvo, D. Sofia Adelaide Ferreira Alves de Castro Lemos, esposa de D. Gaspar, havia de ser, mais tarde, uma das testemunhas do matrimónio de José Maria Eça de Queirós com D. Emília de Castro Pamplona, irmã do conde de Resende.»

«Há, pois, sobejas razões para acreditar na assiduidade de Eça em visitar o nobre solar do Côvo, que, nem sei porquê, me arrasta o pensamento para o paço de Santa Ireneia, a ilustre casa de Ramires... Destas relações, resultou uma viva simpatia, logo transformada em amizade, entre Eça e o irmão do conde do Côvo, D. António de Castro.»

Continuando a estabelecer traços de ligação entre Eça e Oliveira de Azeméis, Alberto Couto refere-se então a personagens, cenas e paisagens de «A Ilustre Casa de Ramires» e de «A Capital»:

«Atingindo este ponto, compete-me revelar que a tradição assevera ter Eça aproveitado a figura de D. António de Castro para criar uma das personagens mais humanas da sua galeria famosa: D. António de Villalobos, o possante amigo de Gonçalo Mendes Ramires. E não é só o que conta a roda de oliveirenses mais apegados a estes assuntos de belas-letras. Diz-me o actual senhor das terras do Côvo que já os antepassadas murmuravam a quase certeza de que o D. António de Villalobos era, nem mais nem menos, que seu tio D. António de Castro, invocando de início, a portentosa razão que vem da coincidência de a personagem de Eça ter o apodo de «Titó», enquanto o fidalgo do Côvo era conhecido, entre a gente da casa, por «Pitó». Convenhamos em que a coincidência é extraordinária e faz admitir, plenamente, as mais ousadas convicções».

Depois de, referindo várias citações de Eça, estabelecer «evidentes aproximações físicas e psicológicas» entre D. António de Villalobos e D. António de Castro, Alberto Couto volta-se para «A Capital» e escreve:

«Tão depressa foi lançada à voracidade do público a edição de «A Capital», logo os oliveirenses descobriram, ou julgavam descobrir, sob a figura de Vasco Pedroso, a personalidade inconfundível e popularíssima de Joaquim Ferreira de Araújo e Silva, o «Joaquim da Botica», estabelecido que fora numa casa já demolida e que existiu no local onde hoje está uma loja de ourives, à esquina da estrada para a estação do caminho de ferro. O estabelecimento do «Joaquim da Botica» era muito frequentado pela rapaziada estudiosa da Universidade de Coimbra que por ali se demorava, em tempo de férias, a manter dois dedos de conversa com fidalgos da região ou desfrutar o proverbial mau génio do velho boticário com partidas sem conta. É inteiramente crível, portanto, que Eça tenha conhecido o «Joaquim da Botica», pois que D. António de Castro também emparceirava na tertúlia.»

Muitos outros traços de união estabelece Alberto Couto, mas as limitações de espaço não me permitem a sua transcrição; repare-se finalmente, nas referências de «A Capital» (pág. 46) à maravilha da «fábrica de vidro» e as visitas de Corvelo «à fábrica de vidro do Côvo» – a fábrica onde pontificava D. António de Castro, que se esmerara na composição de fórmulas vidreiras.

Parece, de facto, não restarem dúvidas das visitas de Eça de Queirós ao solar do Côvo; e porque do Côvo a Vilar distam umas escassas centenas de metros, facilmente se descobre por que razão foi ama da filha de Eça a «senhora Teresinha» de Vilar, hoje figura quase lendária.

 

páginas 5 e 6

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