Acesso à hierarquia superior.

N.º 9

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1970 

Para a História de Ovar

Pelo Padre Aires de Amorim

 

1. – CABANÕES E OVAR

Primeiro chamou-se paróquia de Cabanões e mais tarde de Ovar. Quando apareceria o segundo topónimo a ofuscar o primeiro? Apontam-se algumas datas:

1539 – «igreja de Cabanões» e «igreja de S. Cristóvão de Cabanões» (1).

1550 – em 2 de Julho, o Cónego António Leite tomou posse, em nome do Cabido da Sé do Porto, da ilha do Corvo, como pertença da sua «Igreja de Sam Xpristouão douar» ou «Igreja douar», expressões estas repetidas uma vez. Não se fala na Igreja de Cabanões (2).

1588 – Começou uma demanda entre o Cabido da Sé do Porto e o «Reitor da Parrochial de Sam Xpristouão de Cabanões», por causa da «porção» que lhe era devida. Aparecem dois recibos de pagamento, em que este se declara «Vigario de Sam Xpristouão de ouar»(3).

1597 – em 25 de Agosto, fizeram uma fiança os P.P. António Rodrigues e Valentim Dias, por causa dumas Bulas. Menciona-se «são cristovão dovar» três vezes, «são cristovão de cabanois da villa dovar» uma e «são cristovão de cabanois morador na dita villa dovar» também uma (4).

1630 – na demarcação entre Ovar e Arada, fala-se duas vezes na «freguesia de Ovar» (5). Em outro documento, na sentença do Cabido contra Pero da Silva sobre o casal de Cabanões, aparece «Vila do Var», «Igreja de São Christovão de Cabanoens», «Igreja d'Ovar» ou «Igreja do var» (6).

Não obstante Ovar ter sido elevada a Vila, e não Cabanões, mesmo assim, ainda se diz, indiferentemente, em 1630, Igreja de São Cristovão de Ovar e Igreja de São Cristovão de Cabanões.

 

2. – IGREJA

Em 7 de Agosto de 1762, nas notas do tabelião Luís José Coelho de Almeida, do Porto, foi feita uma escritura de contrato entre o Cabido e os moradores de Ovar, para a reedificação da Capela-Mor e sacristia da Igreja.

O Cabido fez-se representar pelo seu Procurador, P.e Manuel da Costa Moreira, e o Juiz e Eleitos da Igreja (Licenciado Francisco Ferraz da Cruz, Juiz, P.e José Rodrigues da Graça, Escrivão, Manuel da Costa Mendes, Procurador, e mais sete Eleitos) fizeram seus Procuradores o P.e Dr. António José Pereira Pinto, de Ovar, e Francisco Luís de Oliveira.

A Capela-Mor, então existente, media de comprido, do nascente a poente, 34 palmos e, de largo, do norte a sul, 43. E a sacristia, de comprido, tinha, de nascente a poente, 34 palmos e, de largo, de norte a sul, 21 e, de altura, 15. Todavia a Capela-Mor, «por se achar arruinada, e incapaz», precisava ser reedificada e aumentada em comprimento. O Cabido combinou dar 400$000 reis e os Mesários fariam a obra (7).

Por uma comunicação de 17 de Março do ano seguinte, dirigida ao Cabido, verifica-se que reinava o entusiasmo, pois se achava «a nossa obra da Capella mor, e Sanchristia mais de mera feita», pedia-se para a mandar examinar, «com toda a brevidade, porque a queremos concluída», para poder vir «o resto do nosso ajuste» (8).

Verificou-se mais tarde ter havido erro de medição, pelo que, em 15 de Fevereiro de 1765, no mesmo tabelião, foi feita uma escritura de declaração, segundo a qual a Capela-Mor antiga media, de comprido, não 34 palmos, mas 45 e um quarto, e tinha sido acrescentada em mais 30 e um quarto, ficando, pois, com 75,5 palmos (9).

 

3. – PORÇÃO

A contribuição que o Cabido dava ao Vigário para a sua côngrua sustentação não era demasiada. E assim o Fr. Marcos de Lisboa, Bispo do Porto, ao visitar canonicamente Ovar, ordenou se acrescentasse mais um carro de pão de segunda e 5$000 reis à dita contribuição ou / 25 / porção. A causa foi a tribunal, sendo condenado o Cabido, no Juízo eclesiástico do Porto, em pagar os 5$000 reis, e não o carro de pão, pois já estava o Vigário a receber, de porção, antes da Visitação, 30 alqueires de trigo e 15 de pão de segunda. Sentindo-se em sua razão, o Cabido apelou para Braga, sendo confirmada a sentença dos 5$000 reis e pagaria mais o carro de pão da Visitação, desde o tempo em que era Vigário da dita igreja o réu. Pretendeu ainda o Cabido recorrer para a Santa Sé, mas como a demanda era duvidosa, preferiu compor-se com a outra parte. O contrato foi elaborado em 16 de Setembro de 1588, entre os seus Procuradores, o Dr. Manuel de Faria, do Desembargo Real e Arcediago do Porto, o Licenciado Melchior Caldeira, Cónego prebendado da Sé, e o «Senhor Antonio Rodriguez», Vigário ou Reitor de Cabanões. Pagaria os 5$000 reis; quanto ao carro de pão, dá-lo-ia, enquanto este Vigário estivesse à frente da igreja, mas a partir do ano seguinte de 1589 (10).

Novo contrato de composição foi feito em 13 de Outubro de 1591, entre as duas partes, sendo agora representado o Cabido pelos Cónegos prebendados e Licenciados Miguel de Figueiroa, Vigário Geral, e Melchior Caldeira, Provisor do Bispado. Quanto ao Vigário António Rodrigues, «hauia duuidas e letigio sobre a sua porsão que tinha nos pasais da dita igreja de que estaua de posse de receber em cada hum anno trinta alqueires de triguo, pela rrasa uelha e outrosi cinquo alqueires de centeio e cinquo de ceuada, tudo pela rrasa uelha, e alendisso, quatro galinhas». Por si e seus sucessores, desiste do direito de acção que podia ter nos passais, deixa de receber, como o faziam os seus antecessores, a porção da mão dos caseiros e será o Rendeiro a pagar-lhe «os dittos trita alqueires de triguo e cinquo de centeio e cinquo de milho e cinquo de ceuada, pela medida atras ditta e quoatro gualinhas (11).

Os passais andavam emprazados e pagavam, de foro e pensão, 58 alqueires e uma quarta de trigo, 16 de pão meado, 2,5 de cevada, 24 galinhas e $400 reis, além dos direitos de lutuosa e laudémio (12).

 

4. – USOS E COSTUMES EM 1780

«De couheçença da Quaresma he pagar os moradores da Ruela, Villa, Ribeira, Ponte Nova, Ponte Reada cada fogo sendo cazado 100 Reis; veuvos 50 Reis, Solteiros 25 Reis. E os moradores da Lagoa, Colhal, Assoens, Granja, S. João, Barreiros, Cabanoens, Salgueiral, Simo de Villa, Sande, S. Duado, Guilhovai, Sobral, hum alqueire de milho groço, ou meio de trigo sendo cazado; veuvos meio alqueire de milho, ou huma 4.ª de trigo; Solteiros uma 4.ª de milho, ou meia de trigo.

He tambem uzo pagar /digo/ dar de folar 20 Reis em dinheiro, e por liberalidade o que quizerem. Também tem o Parocho de cada cabeçeira, que morre sendo cazado e primeira cabeça 8 alqueires de trigo, Segunda 4 alqueires, o que se recebe em espeçia, ou dinheiro, Solteiros nada enquanto a este uzo.

Tem mais as ofertas de todos os acompanhamentos de pessoas de maior 200 Reis em dinheiro e huma vella de sera branca de quarta, ou 100 Reis, e tem a mesma oferta em cada hum dos tres offiçios sendo pessoa de maior legitimada. Sendo filho familias maior de 14 annos hum officio prezente, e hum noturno de 4 Padres, e se ementa por tempo de seis mezes, 500 Reis, e pessoas de maior hum anno 1000, e no domingo seguinte tem de oferta 50 Reis.

Se o acompanhamento do defunto he alto continuado com offiçio prezente tem o Parocho de ofertas em dinheiro 200 Reis, e huma bella de 4.ª de Sera porem sendo actos separados tem a mesma oferta dobrada.

Nos acompanhamentos tem cada clerigo 50 Reis e 200 Reis por cada, officio, excepto nas Irmandades que se pagam as offertas do Parocho comforme os estatutos que tem.

Nas festas que se fazem he uzo darem ao Parocho duas gualinhas na vespora, 300 (?) Reis em dinheiro da Missa cantada.

Nos baptizados tem 100 Reis ou huma bella de 4.ª, oferta do padrinho e de prata, ou mais ou menos.

Nos reçebimentos, na vespora costumão dar em satisfação dos banhos, ou uma couza ou outra comforme o arbitrio, ou galinha, ou peixe, ou dinheiro, e no tempo do reçebimento uma oferta de prata. Estes ção os uzos que achei no libro de uzos, e costumes desta freguesia a que me reporto. hoje 20 do mes de outubro de 1780.

 

O Encomendado Jacinto de Oliveira Fontes

Declaro tem fogos........... 2698

Pessoas maiores............ 7031

Menores...........................0837

O que consta do Rol desta freguesia do prezente anno a que me reporto. era ut supra.

O Encomendado Jacinto de Oliveira Fontes (13)».

 

5. – ALGUNS DOS SEUS PÁROCOS

1 500 – o Cabido apresentou, para ser colado, Fernando Vazo

Março de 1512 – foi colado João Pinto, por se ter demitido António Machado.

Maio de 1514 – foi apresentado João Pais, Cónego de Cedofeita, por se ter demitido Manuel de Sá.

Maio de 1573 – foi apresentado António Fernandes Louro, por morte de Francisco Rodrigues.

21 de Maio de 1586 – era Vigário António Rodrigues. Ainda cá estava em Outubro de 1 591. / 26 /

16 de Janeiro de 1624 – tinha falecido em Janeiro deste ano Valentim Dias, sendo, naquela data, apresentado o Bacharel Pantaleão Dias Salvado, beneficiado da Sé, filho de Gonçalo Dias e Maria Salvada. Tendo, depois, renunciado, sucedeu-lhe André Vaz de Pinho.

Janeiro de 1650 – por morte do dito André Vaz de Pinho, foi apresentado Gaspar Ferraz, que depois renunciou, em favor de seu irmão Domingos Ferraz.

1667 – foi apresentado Francisco Barbosa Coelho, por ter falecido Domingos Ferraz (14).

1781 – tendo morrido o Vigário João de São Bernardino Leite, da Póvoa do Varzim, foi o benefício a concurso público. Pretenderam-no António Barreto, depois abade de Vermoim, o Dr. Caseta, Reitor de Paramos (sic), Francisco José de Campos Pirralho, Reitor de Fânzeres, João Sequeira Monterroso e Melo, clérigo minorista, António Martins Sampaio e o Reitor de Azurara (irmão do Cónego Joaquim Pereira Caxeta).

Foi apresentado pelo Cabido e provido na igreja de Ovar, não por concurso, mas por eleição, João Sequeira Monterroso e Melo, de Oliveira de Azeméis, licenciado em Cânones, pela Universidade de Coimbra, e irmão do Cónego Bento Sequeira.

Esperava-se fosse, antes, apresentado o Reitor de Fânzeres. A pedido deste, em Julho do dito ano de 1781, foi lido à Missa conventual, em três dias festivos, um aviso nas igrejas de Santo Ildefonso, Vitória, S. Nicolau e Miragaia, em como João Sequeira tinha sido provido por suborno e simonia, e daí instaurar-lhe um processo de nulidade. Nos autos, também aparecem testemunhas a dizer que o dito Reitor de Fânzeres, ao pretender Ovar, usara, igualmente, de suborno e simonia (15).

Monterroso e Melo conseguiu da Santa Sé Bula de confirmação para a igreja de Ovar. Outro tanto tinha alcançado Campos Pirralho. De ambas, foi nomeado Juiz executor delegado o Arcebispo de Braga, que, por sua vez, cometeu os seus poderes ao Provisor do Arcebispado. Monterroso e Melo requereu-lhe, então, em Janeiro de 1782, não se entregasse a igreja em disputa a Campos Pirralho, sem, primeiro, o contendor mostrar a legitimidade do seu título em Tribunal. O Provisor citou o Sacristão e, sob pena de excomunhão, suspensão e prisão, o Encomendado da dita Igreja, para a não entregar, nem dar posse, sem ordem sua, a Campos Pirralho. A Mitra do Porto entendeu que estas duas citações judiciais, em território seu, sem ter, antes, o Delegado da Santa Sé apresentado a Bula com o respectivo Beneplácito Régio, era intromissão, «força e violencia» e, por isso, recorreu em 4 de Fevereiro seguinte ao Tribunal da Coroa contra o referido Provisor de Braga. A sentença foi proferida, a favor do Porto, em 4 de Junho (16).

1829 – em Julho, foi o Abade Joaquim de Sequeira Monterroso e Melo processado pelo Desembargador Promotor Fiscal da Justiça Eclesiástica, Dr. José Francisco Valente. Era acusado de não cumprir a legislação eclesiástica sobre casamentos, de insultar, da cadeira paroquial, os seus freguezes, de negligência em atender moribundos.

No fundo, parece tratar-se de desinteligência e inimizade entre o Abade e os denunciantes, P.P. Manuel de Almeida Pinto e António Lopes Vinga, seus freguezes. O Tribunal mandou em 2 de Dezembro seguinte «se imponha silencio nos autos», o Abade pague as custas e ambas as partes vão reconciliar-se perante o Vigário de Vara e Abade de Avanca, P.e Francisco de Paula de Sá Farinha (17).

 

6. – CONSOADA

Pertencendo os dízimos ao Cabido, tinha este, entre outras obrigações, de dar aos fregueses de Ovar a Consoada, na noite de Natal, constante de dois alqueires de trigo, dois de castanha, um de tremoços e dois almudes de vinho, paga pelo seu Rendeiro.

Havia este costume «hen todas as igrejas da Terra da Feira ahomde quen lIeuaua os dizimos, daua as ditas consoadas».

Acontecia que a população ia aumentando e os dízimos, pelo que entendiam os fregueses também a consoada devia crescer. Na verdade, diziam, estava acomodada à freguesia, quando tinha, apenas, 120 fogos, mas agora, já há anos, contava mais de 400, com 1000 pessoas de comunhão e 300 de Confissão. Além disso, sendo Visitador o licenciado João Alves Moutinho, abade de S. Jorge, no ano de 1599, mandou passasse a consoada a ser de seis alqueires de trigo, quatro de castanhas, três de tremoços e seis almudes de vinho. E, no ano imediato, sendo Visitador o próprio Bispo, D. Jerónimo de Meneses, ordenou se guardasse o estabelecido na visitação anterior.

Em face de tal, os fregueses de Ovar processaram o Cabido, pedindo fosse condenado em lhes dar a Consoada taxada nas visitações. Respondeu este que, sendo imemorial determinada consoada, não podia o Visitador aumentá-Ia, sem consentimento daquele. A causa foi julgada pelo Vigário Geral, o licenciado Francisco Vaz, em 20 de Dezembro de 1601, sendo absolvido o Cabido (18).

 

7. – MULTA E QUARTILHO DE AZEITE

Por costume antiquíssimo e de consentimento do povo, pagava-se, em 1759, 120 reis de cada casal (ou 60 de meio casal), a que se chamava finta ou multa. Com esta verba, reparavam-se a igreja, do arco cruzeiro para baixo, e 11 Capelas que havia na freguesia, pagava-se ao Sineiro e ao Pregador da Quaresma, ocorria-se às despesas da Semana Santa, Endoenças e outras. / 27 /

Aconteceu, porém, que António da Silva, Cristóvão de Resende, João da Costa Monteiro, Francisco da Costa Monteiro e outros dirigiram-se ao Rei D. José, dizendo que a freguesia tinha mais de 2.000 fogos e ignorava-se o destino do dinheiro da multa. Não obstante ter este mandado saber a verdade e informado de que o Visitador, já havia anos, quando procedia à Visita canónica, costumava tomar as contas, ordenou, em carta de 5 de Fevereiro de 1759, dirigida ao Provedor da Comarca de Esgueira, que, pertencia ao Juizo secular a sua aprovação, como também a cobrança, pelo que as contas deviam passar a ser tomadas pela Provedoria.

Também por outro costume antiquíssimo, que ainda vigorava em 24 de Dezembro de 1817, a Câmara Municipal de Ovar dava o padrão das medidas do azeite à Confraria do Senhor da igreja paroquial, para que os almocreves que quisessem ir a Ovar vender azeite só o pudessem medir por aquela medida, dando de esmola à Confraria um quartilho de cada carga (19).

 

8. – DESENVOLVIMENTO DA LAVOURA – AS LEZÍRIAS

Elaborou-se, em 12 de Maio de 1525, um «instrumento de Contente e amigável Compozisão», nas notas do Protonotário Apostólico, Bacharel Afonso de Melres, entre os Cónegos prebendados, Chantre, Dr. Pero Rodrigues, Protonotário Dom Martinho Correia, Mestre-Escola, Pero da Silva, Tesoureiro e Arcediago do Porto, Manuel de Sá, Protonotário e Arcediago de Oliveira, Dom António Fernandes, Francisco Vieira, Rodrigo Afonso, Gonçalo Luís, Pero Lourenço, Jorge Ribeiro, João Alvares Pais, Jerónimo Afonso, Manuel de Lemos e Álvaro Ferreira, «juntos em Cabido e Cabido fazendo por som de Campatangida», e o Conde da Feira, Dom Manuel Pereira. Dizia este tinha semeado, no passado ano de 1524 algumas lezírias em Ovar, colhendo o Cabido, por inteiro, os dízimos e premícias, sem desconto algum. Ora, como tais terrenos, por estarem alagados, traziam, para serem cultivados, grande despesa, punha em dúvida fabricar outras mais, se os Senhores do Cabido «lhe não fizessem alguma quita e compadecessem ao trabalho».

Ficou combinado se pagaria, por inteiro, o dízimo das lezírias fabricadas, anteriormente a este contrato. Quanto a outras que viessem a lavrar-se, concedia o Cabido a quarta parte dos dízimos, pagando o Conde o restante e as premícias. Esta «quita e graça» seria para a Casa da Feira e seus descendentes em linha recta e não poderia dar a outra pessoa as terras que cultivasse até à foz de Aveiro. Quem rompesse este contrato, a confirmar pelo Papa, à custa do Conde, pagaria à outra parte 1.000 cruzados de ouro.

Logo a seguir, no dia 22, o Conde recebia, no seu Paço, em Ovar, os Procuradores do Cabido, Cónegos Tristão Pinto e João Alvares Pais, que vinham ver as lezírias. Concordou-se que da Togosa, Espinhosela, Talhadouro e Fozelhas se pagariam todos os dízimos e do Monte Salgueiro, Pau, Torrão do Lameiro e quaisquer outras que mandasse abrir ficaria o Conde com a quarta parte dos dízimos para suas despesas, pagando-se o restante ao Cabido (20).

9. – PESCADORES

Desde longa data, sentiram os homens de Ovar o apelo das ondas, chamando-os à faina da pesca. Em alguns pontos do litoral, ficou marcada a sua passagem. De 1725 a 1734, morando em Ovar, encontramo-los no Rio Douro «com todo o genero de redes (...) sendo tambem pescadores no Mar» (21). A última vez que os vemos no Douro é em 1759 (22).

Porque se furtavam ao pagamento dos dízimos, que pertenciam ao Cabido, houve este, várias vezes, de defender seu direito.

Tinham de pagar o direito da dízima na banca da Praça da Ribeira – a que não faltavam – e também solver aos rendeiros do Cabido o dízimo do pescado em Ovar ou em V. Nova de Gaia, consoante o caso – e aqui principiava a questão.

Pertence «o dizimo do peixe que pescão no mar fora da Barra de S. João da Fós, e na veya de agoa do Rio Douro, e do peixe meudo que arrastão para a terra, a esta dita freguezia de Ouar, aonde são freguezes, e moradores como também o Dizimo do peixe de Corso que uem a ser Sauel, e Lamprea que arrastão nas prayas, e arinhos dentro dos lemites da freguezia de Vila Noua de Gaya, a Igreja da dita freguezia de Uilla Noua (23)».

Às vezes, aparece notícia duma pesca famosa: assim em 1731, pescaram no Douro, num só lanço 600 sáveis!

Até 1725, bem pagaram os marmoteiros – eram assim comummente chamados – «sem repugnancia alguma» os dízimos, mas não daí em diante, pelo que o Cabido lhes pôs, em 7 de Janeiro de 1726, um libelo em tribunal, sendo condenados, em 2 de Janeiro de 1732, a pagar as custas dos autos e os dízimos em dívida.

A sentença tinha sido contra «Manoel Rodrigues Brandam, e seus filhos, Antonio Pinto, e seus companheiros, Valentim Soares, e seus companheiros...».

Ao todo nomeiam-se 22 pescadores «e seus companheiros», parecendo tratar-se de 22 companhas. Além destes, cujos nomes se mencionam, foram condenados todos «os mais pescadores da freiguezia de Ouar chamados Marmoteiros que pescão no Rio Douro e mar deste destrito do Porto». É que só pagavam os dízimos, quando estava presente o Rendeiro. Do que pescavam no mar, deviam pagar em Ovar, mas lá diziam que o tinham feito no Porto... e nem numa ou noutra parte o faziam. Vendiam o peixe no Porto, S. João da Foz, Vila do Conde e outros lados. / 28 /

Quando viriam os marmoteiros para o Douro? Em 1726, dizia-se tinham começado a pescar aqui, há menos de vinte anos. Eles, porém, afirmavam que, pescando ali, havia mais de quarenta anos, nunca pagaram ao Bispo mais que a primeira lampreia e o primeiro sável (24).

Convencidos a pagar os dízimos, fez o Cabido representado pelo Procurador, o Vigário de Ovar, P.e António de Sousa Cirne, em 18 de Janeiro de 1734, um contrato de composição «com todos os pescadores moradores» nesta sua freguesia. Reuniram-se, então, na Capela de Santo António, com o Pároco, 127 marmoteiros, dos quais 88 eram lampreeiros no Douro e 39 pescavam com chinchorro, no mesmo rio. Presentes também 92 mulheres. Ao todo, pois, 219 pessoas, dedicadas à pesca no Douro (25). Mas não eram ainda todos. Passada uma semana, em 25 de Janeiro, mais 30 apareceram ao Pároco, para fazerem idêntico contrato. Quiseram obrigar-se, como os mais, já que a sentença de 2 de Janeiro de 1732 tinha sido contra todos os pescadores de Ovar (26).

Neste contrato, o Cabido desobrigava-os do pagamento das custas dos autos referidos, que foram 8$123 reis, e dos dízimos em dúvida, pela «suma mizeria dos Reos».

A última vez que, pelo mesmo motivo, foram processados foi em 6 de Novembro de 1760. Ao todo, nomeiam-se 43 pescadores. Estavam em falta os dízimos de 1757 a 1759 (27).

Não será, de todo, despiciendo apontar-se os nomes completos dos pescadores réus, cujos apelidos sejam mais significativos, como ajuda para outros estudos, relacionados com as gentes do mar.

1734: – Manuel Rodrigues Brandão, António André Bitó, Manuel Rodrigues Ouriço, Manuel André, filho do Arrais do Ourré, Manuel de Oliveira Camossa, Francisco de Oliveira Trongaia, Manuel Rodrigues Manteiro, Manuel Rodrigues Ovelha, Manuel Rodrigues Cassaco, Manuel Gomes Faia, Manuel de Oliveira Vinagre, Manuel de Oliveira Rã, António Pinto Chorre, António Rodrigues Tátaro – deve estar por Tártaro, José Rodrigues Faneco, Francisco Gomes Preto, João de Oliveira Belo, Manuel Rodrigues Sarassa – talvez o mesmo que Sarça, Manuel de Oliveira Cação, Manuel Fernandes Castelhano, João de Oliveira Cação, Manuel Fernandes Castelhano, João Rodrigues Serena, Manuel de Oliveira Manão, Manuel de Oliveira, genro de Diogo da Ligeira, Fernando de Oliveira, genro do Cotuludo, Manuel Pinto, genro do Garrido da Praça, Francisco Pinto França, Manuel da Silva Parracho, Manuel Fernandes da Graça, João Lopes Cossário – deve estar por Corsário, João Rodrigues Formigal, Francisco, filho do Glórias, Ventura de Oliveira Cadamolho, Francisco Pinto Ramalhadeiro, António de Oliveira Neto e Gabriel Rodrigues His.

1760: – Ventura Rodrigues Sereno, Gabriel da Silva Índio, Bernardo Gomes Cascarejo, José Rodrigues Zagalo, Manuel de Oliveira Massarrão, Manuel André Dornas, João de Oliveira Meireles e Francisco de Oliveira Muge.

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NOTAS:

(1) – Arq. Distrital do Porto – Cabido, 777, fls. 66 e segs.

(2) – Idem, 763, fls. 194 e segs.

(3) – Idem, fls. 207 e segs.

(4) – A. D. Porto – PO. – 2, n.º 9, fls. 27 v.

(5) – Cab., 777, fls. 107 e segs.

(6) – Cab., 777, fls. 22 e segs.

(7) – Cab. 725, fls. 154 e segs.

(8) – Ibid., fls. 172 e segs.

(9) – A. D. Porto – Mitra, 192, maço 4.º.

(10) – Cab. 763, fls. 207 e segs.

(11) – Ibid., fls. 218 e segs.

(12) – Cab., 10, fls. 19V – 20.

(13) – Mitra, 192, maço 4.º.

(14) – Idem, 757, fls. 1 e segs.; 758, fls. 296 e segs.

(15) – Mitra, 192, maço 4; Cabo 786, fls. 215 e segs.

(16) – Mitra, 213.

(17) – Idem, 211.

(18) – Cab., 763, fls. 41 e segs.

(19) – Mitra, 192, maço 4.º.

(20) – Cab. 799, fls. 55 e segs. No «Arq. do Distrito de Aveiro» de 1938, pgs. 68, dá Mons. Miguel de Oliveira um resumo do documento nas suas longas e preciosas notas sobre «A Vila de Ovar – Subsídios para a sua história até o século XVI».

(21) – Cab., 758, fls. 163 V.

(22) - Ibíd., fls. 258 - 265.

(23) – Ibid., fls. 161 v.

(24) – Ibid., fls. 229-266

(25) – Ibid., fls. 157-171 v.

(26) – Ibid., fls. 253-256 v

(27) – Ibid., fls 258-265

 

páginas 24 a 28

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