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N.º 7

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1969 

A data da inauguração da igreja de

Nossa Senhora da Apresentação, de Aveiro

Por Francisco Ferreira Neves

Antigo professor efectivo do Liceu Nacional de Aveiro

Director da Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro»

 

 

A actual igreja de Nossa Senhora da Apresentação, em Aveiro, concluída pouco tempo depois do ano de 1606, teve inicialmente a denominação de igreja de Nossa Senhora das Candeias e também a de São Gonçalo, e as mesmas invocações tinha a freguesia criada em 1572 e de que esta igreja veio a ser matriz, em substituição da antiga ermida de São Gonçalo, muito próxima da rua de São Roque.

Diz o sr. coronel Diamantino Antunes do Amaral (1) que viu pela primeira vez as designações «freguesia de Nossa Senhora da Apresentação e igreja de Nossa Senhora da Apresentação» no termo de abertura do «Livro 2 dos Bautizados», começado em 5 de Julho de 1624, tendo sido feito este termo pelo vigário frei Jerónimo Galvão e este livro assim designado:

Livro de Bautizados desta igreja de Nossa Senhora da Apresentação da vila de Aveiro

Afirma também que a referida freguesia começou a ter esta denominação a partir de 1624. Diz, no entanto, que a actual igreja de Nossa Senhora da Apresentação ou de São Gonçalo, que substituiu a velha ermida de São Gonçalo nas suas funções paroquiais, foi concluída em 1627 e só neste ano começou a ser utilizada neste serviço. (2)

Contestei estas duas afirmações, apresentando as razões que me levaram a admitir que a nova igreja tinha sido concluída em 1516, e que as suas funções de igreja matriz tinham começado no ano de 1617. (3)

O sr. coronel Antunes Ammal não aceitou as minhas conclusões e insistiu na sua opinião de que a igreja de Nossa Senhora da Apresentação foi concluída e posta ao serviço paroquial em 1627, baseando-se em assentos de óbitos e principalmente no de 16 de Setembro de 1627, no qual se menciona pela primeira vez a Igreja Nova.

Reproduzo estes assentos tais como o sr. coronel Amaral os extractou do Livro de defuntos iniciado em 1624: (4)

Isabel, solteira, que faleceu em 6 de Julho de 1624, e foi sepultada na Ermida de S. Gonçalo que é anexa desta igreja de Nossa Senhora da Apresentação.

Em 25 de Agosto de 1624, faleceu Mateus André. Está sepultado na Ermida de S. Gonçalo que é anexa desta igreja de Nossa Senhora da Apresentação.

Em 9 de Setembro de 624, faleceu Margarida Gonçalves. Está sepultada nesta Igreja.

Em 21 de Julho de 1625, faleceu Domingos, solteira. Está sepultada na ermida de S. Gonçalo.

Em 1 de Agosto de 625 faleceu Inês, solteira. Está sepultada na ermida de S. Gonçalo.

Em 1 de Agosto de 1625, faleceu André Lopes. Está sepultado na igreja de S. Gonçalo.

Em 1 de Agosto de 1625 faleceu Maria. Está enterrada na igreja de S. Gonçalo, desta freguesia.

Em 9 de Outubro de 1625, faleceu Diogo Gonçalves. Está na igreja de Nossa Senhora da Apresentação.

Em 20 de Janeiro de 1626, faleceu Afonsina Jorge. Está enterrada na igreja de Nossa Senhora das Candeias. Em 27 de Março de 1626 faleceu um filho de Roque André. Sepultado na igreja de Nossa Senhora da Apresentação.

«Em 16 de Setembro de 627 faleceu Maria Pinheiro, mulher do vianês. Está sepultada em a igreja Nova, morreu abintestada. Em fé do que fiz este termo dia, mês e ano ut supra».

/ 50 / Os assentos de óbitos provam que a igreja de Nossa Senhora da Apresentação já tinha serviço de culto em 1624.

O sr. coronel Antunes Amaral, comentando estes assentos de óbitos, diz que há uma igreja que o vigário frei Jerónimo Galvão em 1624, 1625 e 1626, designou por «igreja de Nossa Senhora da Apresentação»; e que há outra igreja que o mesmo vigário, em 1627, designa por «igreja nova», mantendo-se esta designação até 1633.

E inteiramente dominado por esta designação, o sr. coronel Amaral conclui: 

«Assim, torna-se evidente que a designação de «Igreja de Nossa Senhora da Apresentação» adoptada pelo vigário frei Jerónimo Galvão até 1627, queria significar, não a actual igreja, porque essa passou a designá-Ia desde 1627 até 1633, por «Igreja Nova», mas a antiga Ermida de Nossa Senhora das Candeias, ou de S. Gonçalo». (5)

E o vigário assim a designou «desde o dia em que pôde, pela primeira vez, ali realizar serviço paroquial, pelo menos enterramentos».

Mas como os assentos de óbitos mencionam alguns enterramentos feitos na igreja de Nossa Senhora da Apresentação antes de 1627, o sr. coronel Amaral viu-se obrigado a identificar a igreja com a ermida de São Gonçalo, o que por forma nenhuma podia fazer, porque a ermida nunca teve a invocação da Nossa Senhora da Apresentação, e por a tal se oporem terminantemente os dois primeiros assentos de óbitos que mencionou, um de Julho e outro de Agosto de 1624.

Com efeito, eles dizem que se fizeram enterramentos na ermida, e que a ermida de São Gonçalo é anexa desta igreja de Nossa Senhora da Apresentação.

Daqui se conclui que em 1624 existia a ermida de São Gonçalo, e já existia a igreja de Nossa Senhora da Apresentação em serviço paroquial. A ermida tinha deixado de servir de igreja matriz, e era agora anexa desta igreja, isto é, estava sob a jurisdição da igreja de Nossa Senhora da Apresentação. E faziam-se enterramentos simultaneamente na igreja e na ermida.

A igreja de Nossa Senhora da Apresentação não foi, portanto, inaugurada em 1627, como afirmou o sr. coronel Antunes Amaral, mas foi inaugurada antes de 1624.

 

Prova-se pelo Livro das Visitações que a igreja nova de São Gonçalo já era a igreja matriz da freguesia no ano de 1624.

 

A carta de visitação da igreja de São Gonçalo da vila de Aveiro, de 15 de Novembro de 1624 prova inteiramente que a velha ermida de Nossa Senhora das Candeias, ou de São Gonçalo, já não servia de igreja matriz no ano de 1627, e que neste ano já servia de igreja matriz a nova igreja de São Gonçalo ou de Nossa Senhora da Apresentação.

Neste ano de 1624 tinha entrado como novo vigário da freguesia de São Gonçalo frei Jerónimo Galvão, cargo que exerceu até 1634.

É de notar que as cartas das visitações feitas até o ano de 1634 mencionavam sempre a igreja com a invocação de São Gonçalo, e uma ou outra vez com a de Nossa Senhora das Candeias, mas o vigário Galvão, nos seus certificados de publicação das ditas visitações, intitula-se sempre vigário na igreja de Nossa Senhora da Apresentação.

A visitação anual à igreja e freguesia de São Gonçalo da vila de Aveiro no dia 15 de Novembro do ano de 1624 foi feita pelo Ldo. Simão Pinto, cónego na Sé de Coimbra, mas esta visitação serviu também para 1625. Não havia então bispo em Coimbra.

Ele examinou a igreja, notou as faltas que nela havia tanto no espiritual como no temporal, recebeu as informações e queixas que lhe foram apresentadas a respeito do serviço paroquial, e fez lavrar a respectiva carta de visitação no Livro das Visitações, do qual traslado o início da carta: 

O Ldo. Symão pinto Conego na sé de Coimbra e Visitador pellos siíes Deam dignidades Conegos e Cabido da dita Cidade sé vacante etc. Aos que esta minha Carta de Visitação virem saude em nosso sõr Jesu xpo. Faço saber que visitando eu esta igreja de são Gcº. da Villa de Aurº. em prezença do Rdo. Vig.ro e parte dos freguezes della, ordenei pera serviço de nosso sõr as cousas seguintes.

E indica as várias providências que era necessário tomar, «para serviço de Nosso Senhor».

Nesta carta de visitação em 1624 há a prova indubitável de que a igreja paroquial de São Gonçalo, ou de Nossa Senhora da Apresentação em serviço nesta data, era a igreja nova, isto é, a que tinha sido começada em 1606, (ou talvez antes) e já estava praticamente concluída em 1613.

Com efeito, o visitador diz na sua carta que na ermida de São Gonçalo se enterravam muitas pessoas da freguesia e nela faziam a sua sepultura, mas que o procurador da igreja queria que as esmolas das covas da ermida fossem aplicadas na fábrica da igreja e não na da ermida. / 51 /

O visitador, cónego Simão Pinto, não concordou com esta proposta do procurador e ordenou que as ditas esmolas fossem gastas na conservação da ermida de São Gonçalo, visto que muitas pessoas tinham devoção de nela se mandarem enterrar por ter sido já matriz desta freguesia.

Vou transcrever da carta de visitação de 1624 o passo referente a este assunto:

«Fui informado que na hirmida de São G.lo se enterrão muitas pessoas desta freg.ª e nella fazem sua sepultura, e que as esmolas das couas queria o procurador da igreja aplicalas a fabrica della, o que me parece sem razão, pello que prouendo nisto mando que as ditas esmolas se apliquem pera ajuda da fabrica da dita hirmida pera que sempre esteja com o concerto necessario pois nella tem m.tas pessoas deuação de mandar enterrar pois foi ia matris desta freg.ª, e se sobre isto ha algü mandado em contrario de superior, antes que dee a execução este cap.lo mo mostrarão pera fazer o que me parecer justiça e em quanto o não ouver ficara este cap.lo em seu vigor».

A igreja de Nossa Senhora da Apresentação não foi, pois, inaugurada em 1627, visto que ela já estava em pleno serviço paroquial em 1624, como mais uma vez provei com o documento coevo de que transcrevi a parte que mais interessava ao assunto em causa.

O mesmo documento nos prova que, mesmo depois da transferência das funções paroquiais da ermida de São Gonçalo para a nova igreja matriz, ainda continuaram a fazer-se enterramentos na ermida, simultaneamente com os que passaram a fazer-se na igreja da Nossa Senhora da Apresentação ou de São Gonçalo. E podemos afirmar que houve enterramentos na ermida de São Gonçalo até o ano de 1670.

 

Certificado da visitação de 1624

 

Enquanto foi vigário da freguesia de S. Gonçalo (1624-1634) frei Jerónimo Galvão, em discordância com a invocação tradicional da freguesia e igreja, denomina esta de Nossa Senhora da Apresentação, talvez porque tivesse sido determinado que a padroeira da igreja nova fosse Nossa Senhora da Apresentação que lá tinha, e ainda tem hoje, o seu altar com uma bela imagem.

Vejamos o termo da visitação à igreja de... em 1624 que ele lançou no livro das visitações, e análogo a todos os outros que fez:

«Certifico eu frei Hieronimo Galvam freire conventual do Conv.to de Sam Bento de Auys, e Vig.ro na Ig.ª de Nossa S.ra da Aprezentassão desta Villa d Aueiro q passa na verdade q eu publiquei a Vizitassão atraz na forma q nella se contem em fee do q fiz este termo em 10 de Dezembro de 624 annos.

            Hieronymo Galvam

Frei Jerónimo Galvão ainda publicou o certificado da visitação de 17 de Julho de 1634.

Em 1635 já não era vigário da igreja de Nossa Senhora da Apresentação.

A partir de 1656 o vigário foi André Rodrigues.

 

A visitação da igreja de São Gonçalo, de Aveiro, em 1626

 

Não houve visitação à igreja de São Gonçalo ou de Nossa Senhora da Apresentação no ano de 1625 porque os efeitos da tardia visitação de 1624 estendiam-se ao ano de 1625.

Vou dar uma breve informação respeitante à visitação de 1626, para se saber como decorriam os serviços paroquiais, na igreja matriz, nesta data.

Visitou a igreia o novo bispo de Coimbra D. João Manuel, (1625-1633) no dia 12 de Junho de 1626.

Transcrevo do Livro das Visitações a parte inicial da carta de visitação de 1626: 

Dom João Manuel por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica Bispo deste Bispado de Coimbra, conde de Arganil e do Conselho de S. Majestade etc.:

Fazemos saber que visitando nós pessoalmente a igreja de S. Gonçalo desta vila de Aveiro presente o reverendo Vigário, e grande parte dos fregueses depois de andar em procissão sobre os defuntos e visitar o Santíssimo Sacramento, pia baptismal, e os Santos óleos, nos pareceu que para o bem espiritual e temporal desta igreja deviamos prover o seguinte:...

Continua a carta com a enumeração das providências que o bispo entendeu serem necessárias ao serviço paroquial.

Encontrou a igreja ainda sem sinos e o adro por concluir, e por isso ordenou que este concluísse em termo de três meses, e que os fregueses da igreja pusessem nela um sino pequeno.

 

O serviço paroquial na igreja de Nossa Senhora da Apresentação começou alguns anos antes de 1624.

 

Vimos que a nova igreja matriz de São Gonçalo já estava em pleno serviço no ano de 1624, e por isso é inadmissível que tenha sido inaugurada em 1627. / 52 /

O serviço paroquial foi estabelecido na dita igreja alguns anos antes de 1624, e admiti por várias razões que foi estabelecido no ano de 1617. Mas há ainda motivos que levam a admitir que a igreja nova tenha entrado em serviço do culto por volta de 1615, como se vê pelas seguintes notas extraídas do Livro das Visitações:

1613 - A igreja estava, nesta data, a bem dizer, construída, pois o visitador mandou acabar de todo a Igreja.

1614 - O visitador mandou comprar um missal grande e um manual.

1615 - A igreja ainda não tinha sino; e por isso o visitador ordenou ao procurador da igreja que comprasse uma campainha grande e a pusesse no campanário, para dar sinal da hora a que o vigário entra para a missa, enquanto não for possível fundir um sino para a Igrela.

Diz a carta de visitação de 1615:

«E porque esta freguesia é grande e tem necessidade de saber as horas a que o vigário entra à missa, terá cuidado o dito procurador da igreja de comprar uma campaínha de tamanha quantidade que posta no campanário se possa ouvir, e dar sinal a que a gente acuda enquanto não há possibilidade para se fundir o sino, o que cumprirá dentro de dois meses por ser muito necessário, sob pena de dois mil reis».

 

1616 - O visitador renova a ordem para os vereadores mandarem acabar de todo o igreja, dentro de breve prazo.

1617 - O visitador mandou encadernar o missal grande, e comprar um livro de quatro mãos de papel para assentar os nomes dos baptizados, casados e defuntos.

1618 - O visitador ordena que sejam feitos os sinos para a igreja.

__________________________

(1) – Aveiro e o seu Distrito, n.º 4, pág. 36.

(2) – Idem, n.º 1, pág. 32.

(3) – Idem, n.º 3, pág. 18.

(4) – Idem, n.º 4, pág. 37.

(5) – Aveiro e o seu Distrito, n.º 4, pág, 37.

 

páginas 49 a 52

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