Um animador da natação aveirense - Homenagem efectuada em Novembro de 1992.


Conversa de café

O ATITA, de fato de treino, entrou no "Grin's", levantou o braço direito, deu um berro de saudação, os clientes, desprevenidos, assustaram-se e, depois de galhofar, chegou-se a mim.

— Então, quantos tipos já salvaste hoje? — Perguntei-lhe.

Ele aí pôs a euforia de lado e, com o ar mais sério deste mundo, respondeu­-me:

— Hoje não salvei ninguém mas, ao longo da minha vida, já salvei trinta vidas.

— Ena pá! A continuares assim ainda chegas a Ministro da Natação! — comentei a sorrir. — Já agora... Ainda te lembras do primeiro salvamento que fizeste?

— Oh, yes!

— Então conta lá.

— Tinha eu à volta dos 17 anos. Lembro-me muito bem que estava na Barra e ao almoço ia comer a sopa a casa do Sr. António Ramires, que mora no Alboi, mas nessa altura tinha (e tem hoje) uma casa na Barra. Comia lá a sopa porque os meus pais eram pobres. Claro que havia sempre qualquer coisita para comer, mas a sopa era a tranca da barriga e eu estava a crescer...

— E cresceste muito bem! — Interrompi, com ar gozão, medindo-o dos pés à cabeça.

— Um dia, —- prosseguiu — "o Sr. António Ramires, sabendo que eu andava a treinar para a travessia do DOURO, pediu-me para eu levar o filho mais velho, o Tó, para o ensinar a nadar. E levei-o, prá "Biarritz" (Costa Nova). O Tó tinha 7 anos e gostava da água. Ensinei-lhe as primeiras braçadas e depois disse para ele se sentar na areia, a brincar, pois eu ia fazer o meu treino. Atirei-me à água, liguei o "turbo" e quando já estava bem distanciado da margem senti qualquer coisa de sobrenatural que me chamava... ATITA... ATITA... alguém está em perigo!

Parei de nadar e instintivamente olhei para o areal. Não vi o Tó! Olhei para a margem e então vi nitidamente o corpo ser arrastado pela corrente. A mesma voz oculta que me chamou ordenou-me que eu fosse salvar a vida do rapaz. Nadei contra a corrente com tal velocidade e a força que o S. Gonçalinho me deu que consegui agarrar-lhe o braço salvando-o duma morte certa.

— Ah, grande ATITA! — desabafei empolgado com o relato do campeão.

— E tu já viste com que cara eu chegava depois a casa do Sr. António Ramires e lhe dizia que o filho tinha morrido afogado?

 

O ATITA, ainda com uma lágrima traiçoeira nos olhos, recordava o seu primeiro salvamento. O Tó, hoje o Eng.º Ramires Ferreira, nem lhe passa pela cabeça que o ATITA, com a força que o S. Gonçalinho lhe deu, foi o seu salvador, num dia em que foi atraído pelo encanto da Ria.

A. Carlos Souto


 

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