André dos Reis, Aveiro (poesia-versão do italiano), Vol. II, pp. 321-322.

AVEIRO (*)

(VERSÃO DO ITALIANO)

 

Com suas moradias cor de neve;

salinas e canais por toda a banda,

Aveiro relembra, hoje, a quem escreve,

os trechos lagunar's da baixa Holanda.

Terra pacata e do silêncio abrigo!...

Pelas sacadas, o gerânio em flor,

que as embeleza, segundo o uso antigo,

o ambiente asperge de seu forte odor.

Entre as rendas dum fino cortinado,

rosto afável descubro, fugidio,

que se esconde ligeiro, apressurado,

porque, ao vê-lo, contente lhe sorrio.

Na janela, um bichano, que ronrona,

sob a ardência do Sol, posto em repouso,

à mais feliz soneca se abandona,

inocente prazer sentindo e gozo.

Na Ria, de luz cheia e sempre bela,

desliza ágil bateira triunfal

pelos remos imp'lida, e não por vela,

que, actuosos, vão f'rindo o alvo cristal,

enquanto numa praça, algo pequena,

grupos de pescador's, e homens de nau,

duns plátanos fruindo a sombra amena,

em voz alta calculam o bacalhau

da Terra Nova há pouco vindo, agora.

De sardinha aguentando cestos cheios,

velozes calcorreiam estrada fora

as varinas gentis, de fartos seios.

Cintilantes resplendem, luminosas,

à tela brilho dando peregrino,

pirâmides se erguendo majestosas,

sobre as eiras sem fim, de sal marino.

Donde a onde, uma forte ventania,

que do Oceano assopra, em si conduz,

quando perpassa, o cheiro à maresia.

No Convento, chamado de Jesus,

dorme a Beata Joana o eterno sono.

Na palidez da morte ainda sorri,

enlevada no sonho que, do trono,

formosa a arrebatou para até ali...

Diz, oh, Filha dum Rei, de reis oriunda,

porque do mundo às pompas tu fugiste

e vieste buscar, simples, jocunda,

a solidão do Claustro, fria e triste,

nesse Mosteiro humilde aonde a prece

co'o perfume se eleva da verbena,

que modesta entre as flores vive e cresce,

numa ditosa paz, casta e serena?!...

Oh, lírio imaculado, puro e santo,

que de fulgores vãos, fúteis, desdenhas,

desprezando uma c'roa e o áureo manto,

p'ra teu corpo vestires de estamenhas

e ao peito aconchegar's a Cruz de Cristo!

Santa Joana, és lustre, brilho e glória

deste Povo pequeno, tão bemquisto,

que venera, com fé, tua memória,

vívida luz que além nos altos Céus

há-de junto pairar sempre de Deus!

ANDRÉ DOS REIS
 

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(*)Em 1928, esteve em Aveiro o nosso amigo sr. comendador Dr. Guido Battelli, distinto poeta, publicista, e professor na Universidade de Florença, o qual numa poesia, escrita em italiano, registou as suas impressões acerca da nossa terra.
         É uma produção onde se cantam as belezas de Aveiro.
         Só por isto, e a seu pedido, a traduzimos, ressalvando o que a respeito da filha de D. Afonso V escrevemos em os n.os 279-285 no semanário "O Debate".

 

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