Tomás Tavares de Sousa, Os moliços, Vol. II, pp. 177-190.

OS MOLIÇOS

FLORA DOS MOLIÇOS; LOCALIZAÇÃO DE

PRODUÇÃO DAS VÁRIAS ESPÉCIES

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É bem diferente do resto do país o modo como se faz agricultura em toda a região marginal da Ria de Aveiro.

Toda a actividade agrícola deste torrão reside nos estrumes produzidos quer nos fundos quer, nos barros da Ria.

Estes são os matos, compostos em alta percentagem pelo Juncus maritimus, Lam, e já em menor por Spartina Duriaei, Parl., Paspalum vaginatum, Sn., Scirpus maritimus, L. var. macrostachys, Bss., etc., que geralmente são empregados depois de sofrerem uma pequena curtimenta. Mais raramente se estrumam as terras com mato sem sofrer qualquer curtimenta, o qual é enterrado quando da lavoura para a sementeira do milho.

Zostera nana, Roth

Mas o caso que agora mais nos interessa é o dos adubos chamados moliços.

Que eu saiba, até à data ainda não foram estudados sob o ponto de vista agrícola. Botanicamente existem algumas listas de plantas da Ria de Aveiro; e dessas, as que vivem submersas são mais algas do que fanerogâmicas. E suponho que deve ser daí que vem o erro de se encontrar escrito, em / 178 / muito boa letra, em qualquer livro que fale de moliços, que estas são algas.

Ao botânico interessam simplesmente colecções ricas em espécies, dando mais valor a esta característica do que à massa ou frequência com que cada uma aparece em determinada região; apesar do número de espécies de algas que entram nos moliços ser muito superior ao de fanerogâmicas que quase totalmente os formam, não podemos dizer que estes são algas.

     
 

Zostera nana, Roth (ramos frutíferos)

 

Potamogeton pectinatus, L. var. tenuifolius,. Mert et Koch.

 

Se tais escritores, que lhes chamam algas, tivessem consultado, conjuntamente com a lista das espécies, um número de amostras de moliço que lhes pudesse dar nitidamente ideia da massa com que cada uma das espécies entra no mesmo, não se atreveriam a sair do campo da botânica para pôr tal a correr em voga.

Quem tal lê, e eu até fiquei surpreendido quando soube que a Zostera era uma fanerogâmica julga que os moliços são só compostos de algas; pois nem só destas nem de fanerogâmicas; mas quantitativamente muitíssimo mais destas últimas.

Onde as algas entram em maior quantidade é no moliço dos viveiros das salinas ou colhidos mesmo junto à Barra, o que também não constitui regra para se dizer que os moliços / 179 / são formados de algas, pois tais moliços representam uma parte mínima destes «despojos» que anualmente se arrancam ao fundo da Ria.

Ora, as algas que entram nestes moliços em quantidade apreciável dentro da classe, bem entendido pertencem aos géneros Chara, Ulva e Enteromorfa, e a Trapa ou Papeira que talvez pertença à família das Sifonaceas (1). Encontram-se espécies pertencentes a outros géneros, como Fucus, Ceramium, Geledium, etc., mas que são criados mesmo na barra ou trazidos para dentro pelas águas nas preamares.

     
 

Ruppia spiralis, Dumort

 

Zostera marina, L.

 

As plantas que mais abundam nos moliços são, em primeiro lugar, a Zostera nana, Roth., da qual são na maior parte formados e que é colhida em águas salgadas ou salobras, isto é, no litoral, desde Torrão de Lameiro nas Quintas da Torreira até próximo do Areão no Canal de Mira; para o interior, até próximo de Vagos no Canal de Ílhavo, e a poente de uma linha que parte do Canal das Pirâmides em Aveiro, passa a nascente / 180 / de Testada e vai até ao Esteiro de Veiros no Canal de Estarreja.

De mistura com a Zostera nana, Roth, que abunda em toda a área de águas compreendida entre os limites indicados, há também, em quantidade apreciável, a Ruppia spiralis, Dumort, a Ruppia rostellata, Koch., a Zostera marina, L. e ainda a Chara flexilis, Ag. e Chora aspera, Willd; e já mais próximo destas linhas, dum e doutro lado, encontra-se o Potamogeton pectinatus, L. var. tenuifolius, Mert et Koch., o qual para além destes limites, nos extremos da Ria, se encontra bastante misturado com o Myriophyllum spicatum, L.

     
 

Chara flexilis, Ag.

 

Chara aspera, Willd.

 

A Ruppia, L. e o Potamogeton, L, que abundam nos sítios de águas salobras encontram-se também nas áreas onde predomina a Zostera, L e onde predomina o Myriophyllum, L.

A Trapa ou Papeira abunda em todos os canais onde as águas são pouco agitadas pelos ventos, isto é, nos braços estreitos da Ria, abrigados pelas margens e sua vegetação.

Damos a seguir a lista das principais plantas que entram nos moliços, por ordem decrescente da sua importância: / 181 /   [Vol. Il - N.º 7 - 1936]

Zostera nana, Roth.

Musgo, Sirgo, Seba

Potamogeton pectinatus, L. var. tenuifolius, Mert. et Koch.

Rabos

Ruppia spiralis, Dumort.

Erva, Erva de arganel, Sirgo

Ruppia rostellata, Koch.

Erva, Erva de arganel, Sirgo

Zostera marina, L.

Fita

Chara flexilis, Ag.

Pinheira, Gorga

Chara aspera, Willd.

Pinheira, Gorga

Myriophyllum spicatum, L.

Pojos

Sifonacea ?

Trapa, Mormo

UIva

Folha

Enteromorfa

Limo

COMPOSIÇÃO QUÍMICA DOS MOLIÇOS

Que eu conheça, foi MOTA PREGO quem primeiramente abordou o assunto que vamos tratar no presente capítulo. Para a realização da sua vasta obra teve que recorrer a autores mais antigos; mas como até antes dele ninguém tinha tocado em tal matéria, nem sequer ao de leve, serviu-se de dados de autores provavelmente franceses, que trataram dum produto da costa que não é idêntico ao da Ria de Aveiro.

Não pretendo refutar a obra do saudoso Mestre nem tão pouco discuti-la, mas simplesmente tornar conhecido o que vi e o que observei.

Os números apresentados e as hipóteses formuladas por antigos autores estão bastante longe do que tem sido observado.

Como atrás se deixou transparecer, do mesmo modo que se tem dito até aqui que os moliços são formados de algas sem se ter atendido às fanerogâmicas que contém, posso dizer que duma maneira geral são formados de fanerogâmicas dando pouca importância às algas que neles entram, embora em número específico bastante superior; e por isto os citados números das análises se afastam bastante dos agora encontrados.

O que se segue, como aliás todo este trabalho, não passa duma simples contribuição para o estudo dos moliços; nem 'nunca pretendemos fazer um estudo completo, porque, além de / 182 / não estar ao nosso alcance, seria tarefa que demandaria bastante tempo de atenta observação e estudo.

O que apresentamos aqui e grande parte do assunto dos outros capítulos é, como já tive ocasião de dizer, fruto de observações «in loco» e da mais fácil compreensão e interpretação de certos fenómenos, por eu ser natural da região e ter chegado ao termo do meu curso.

Não é de hoje para amanhã que se podem fazer afirmações categóricas. Poucas coisas há que sejam mais contingentes que as relacionadas com a terra.

Anos há em que as colheitas são melhores, outros em que no princípio as praias estão piores que para o fim, certos sítios que criam mais ou menos tal ou qual espécie consoante o clima, eu sei lá; assim, por exemplo, em Junho os fundos apresentavam-se bastante nus, em virtude do inverno e parte da primavera frios e secos não permitirem a criação do «musgo» ou «seba» e «erva» ou «sirgo». Pouco antes da permissão a praia encontrava-se coberta duma felpa devida aos calores da última quinzena do mês de Maio. Só nos sítios mais abrigados e onde as águas são mais fundas, não contando as cales, é que se conseguia encontrar «rabos» completamente desenvolvidos.

Facto interessante, e que também é devido às mesmas causas, é este ano não se encontrarem nenhuns «pojos», a não ser mesmo junto às fozes, porque os rios e ribeiros que desaguam na Ria pouco contribuíram para o adoçamento das suas águas.

A maior ou menor quantidade de lodos que os moliços trazem não significa menor ou maior valor porque os há mais lodosos de certas partes, que valem mais que os menos de outras: os lodos dos moliços do princípio da safra são em regra maus porque, não tendo sido ainda remexido o fundo da praia, são bastante plásticos e depois fazem como que presa, e secando alguma coisa, permanecem enterroados. Mais tarde já são bons porque além de estarem muitíssimo desagregados pelos suces'sivos cortes dos dentes dos ancinhos e sendo o resultado da deposição contínua dos sedimentos em virtude do remeximento dos fundos, formam uma mistura bastante homogénea com a matéria orgânica a que estão ligados.

O que também contribui para a sua bondade são as transformações químicas a que dá lugar o grande estado de divisão.

Em absoluto não se pode dizer que os lodos de tal ou qual sítio são melhores que os de outro; durante o primeiro período de colheita os lodos do lado do cordão litoral são melhores que os do lado de «terra»; lá mais para diante, no Outono e Inverno, são os desta parte os preferidos.

As análises químicas que adiante veremos não dizem nada a este respeito, porque as colheitas donde foram tiradas as amostras não foram especificadas neste sentido, nem foram feitas / 183 / em determinado local tido por dar melhores ou piores moliços. O que mais atrai o moliceiro é sempre a massa de plantas, porque onde quer há lama.

Todas as amostras foram colhidas de marés. Como nos interessava de momento avaliar a riqueza dos moliços e não a composição química das espécies vegetais que neles entram, colhemos amostras que, segundo o nosso critério, traduzissem o conjunto do lote donde foram tiradas, pois é a esse conjunto que se chama moliço e é tal qual se emprega na lavoura.

Torna-se desnecessário e até seria enfadonho e aborrecido descrever os métodos de análise que empregámos, bastando dizer-se que a determinação do azote e dos cloretos foi sobre a substância, e o licor químico foi feito com as cinzas e resíduos terrosos que restaram da determinação da matéria orgânica.

Contudo não deixaremos de chamar a atenção para certas particularidades e justificar certas maneiras de proceder.

Sendo difícil transportar ao laboratório amostras completamente frescas para pelo menos ajuizarmos da quantidade de água que o moliço transporta na altura da colheita, e também porque não possuíamos na região estufa que grosseiramente nos desse uma ideia do seu teor em humidade, achamos por bem suprimir os números desta determinação, referindo todos os outros à substância seca a 100º, o que aliás achamos correcto para fazermos o estudo comparativo da riqueza em elementos fertilizantes. Mais adiante, quando nos referirmos ao valor dos moliços em função da sua riqueza química comparado com os elementos fertilizantes do comércio, faremos um cálculo da quantidade de água que cada barcada pode transportar até ao cais da descarga, baseando-nos nos estudos de AMÉRICO VIANA DE LEMOS. Por agora limitar-me-ei a dizer que as amostras ao entrarem no laboratório acusavam um máximo de 30,23% e um mínimo de 6,9% de humidade. Estas amostras tinham sido secas ao ar durante mais de um mês.

A matéria orgânica foi determinada por ignição duma parte aliquota da amostra; e por este processo na matéria inorgânica tornar-se-ia difícil dosear as cinzas e o resíduo terroso. Também para o caso que estamos tratando pouco interesse isso representaria. Não digo nenhum, porque as coisas mudariam de figura no caso de se querer corrigir uma porção de duna com lamas em relativamente curto espaço de tempo. Neste caso talvez fossem preferidos os moliços com pouca ou mediana matéria orgânica, e que apresentassem mais elevado teor em elementos fertilizantes.

Como se vê, em regra a percentagem destes é proporcional à quantidade de matéria orgânica.

A percentagem de cálcio relativamente elevada que se encontra nestes estrumes é em grande parte devida a numerosas / 184 / conchas de Berbigão (Cardium edule, L.) e a algumas incrustações de certos animais nas folhas das plantas.

Um barco moliceiro trabalhando.

Não nos limitamos somente a analisar os elementos nobres, fomos mais adiante: os cloretos que os moliços transportam podem ter, como de facto têm, importância cultural; nas terras sempre adubadas com moliços e com pouco dreno, e ainda onde as águas das cheias podem tocar, as culturas ressentem-se deste facto, como, por exemplo, a do feijão.

Para fazer esta análise procedi do seguinte modo: tomei uma porção de substância correspondente a um grama de matéria seca a 100º, numa cápsula pequena, juntei-lhe uma porção de água destilada, 50 cc., e aqueci até à ebulição. Vasei todo o conteúdo da cápsula para um balão de 100 cc., tendo vasado igualmente as águas de lavagem da cápsula; depois de frio, perfiz o volume de 100 cc., agitei, filtrei e fiz o ensaio sobre 50 cc. correspondentes a 0,5 gramas de matéria seca, pelo método de Mohr, para a determinação dos cloretos.

Como autores modernos dão um lugar de destaque ao enxofre entre os fertilizantes, também nos prendeu a atenção a pesquisa da quantidade em que ele entra nos moliços.

Os resultados das análises estão expressos, como é costume, da seguinte maneira: Azote, Az.; Fósforo em anidrido fosfórico, P2O5; Potássio em óxido de potássio, K2 O; Cálcio em óxido de cálcio, Ca O; Magnésio em óxido de magnésio, Mg O; Ferro e alumínio em sesquióxido de ferro, Fe2 O3; e de alumínio, Al2 O3; Enxofre em anidrido sulfúrico, SO3; e Cloro em cloreto de sódio, CI Na.

Segue-se o resultado das análises de 17 amostras que, embora dando-nos uma ideia do que valem os moliços como adubos, não traduzem o seu valor médio exacto, pois para esse fim seria necessário colher um número de amostras que representasse essa média numa dada época, e este trabalho se repetisse 3 ou 4 vezes durante os períodos de colheita com intervalos que fossem função da intensidade da apanha. Contudo, indicar-se-ão as médias dos resultados destas 17 análises. / 185 /

/ 186 /

VALOR COMPARADO DOS MOLIÇOS

A nossa ideia a este respeito já ficou bem explícita nos capítulos anteriores. Não nos devíamos ocupar deste assunto, por quanto a terra que pisamos é um pouco frouxa; mas para que se não julgue que tudo está estudado e sabido, fazendo-se fé por meras hipóteses que se têm arquitectado umas sobre as outras, somos a dizer que o estudo do problema agro-económico desta região está completamente por fazer, não havendo aproximação possível com o de outras regiões do País.

Como todo este trabalho não passa duma contribuição para um estudo, que por sua vez poderá contribuir para outros, não fica descabida a apresentação de mais uma hipótese com certo fundamento.

As primeiras análises de moliços tornadas conhecidas foram as de AMÉRICO VIANA DE LEMOS, apenas com quatro determinações: azoto, anidrido fosfórico, potassa e cal. As análises foram em número de 22 com as seguintes médias:

 

Azoto

1,46

Anidrido fosfórico

0,31

Potassa

1,97

Cal

6,04
 

Das que fiz, em número de dezassete, destaquemos as seguintes médias comparáveis:

 

Azoto

0,502

Anidrido fosfórico

0,255

Potassa

1,274

Cal

2,988

 

O facto destes últimos números apresentados serem baixos deve encontrar explicação no seguinte: as amostras cujos números das análises deram origem às médias, continham bastante matéria inorgânica, havendo uma só que não continha lodo nenhum, embora apresentasse alguma areia, a número 6.

As amostras foram colhidas em diferentes lugares e datas, e com a seguinte composição qualitativa:

N.º 1 Esteiro do Bunheiro, 5-9-1932 Pinheira, Rabos, Trapa e lodo.

N.º 2 Quintas da Torreira, 20-9-1932 Musgo, Erva e lodo.

N.º 3 Almundazel Torreira, 22-9-1932 Musgo e lodo.   / 187 /

N.º 4 Almundazel Torreira, 22-9-1932 Musgo e lodo.

N.º 5 Lagoa Bestida, 28-9-1932 Musgo e lodo.

N.º 6 Torreira, 28-9-1932 Moliço «arrolado» Musgo.

N.º 7 Varela Torreira, 28-9-1932 Musgo, Erva e lodo.

N.º 8 Foz do Vouga, Janeiro de 1933 Limos, Folha, Erva, Rabos e muito pouco lodo.

N.º 9 Foz do Vouga, Janeiro de 1933 Erva, Folha, Rabos, Limos e lodo.

N.º 10 Canal de S. Jacinto, 20-8-1933 Musgo e lodo.

N.º 11 Bico da Gaga Torreira, 20-8-1933 Musgo e lodo.

N.º 12 S. Jacinto Almundazel, 20-8-1933-Musgo e lodo.

N.º 13 Canal de Ovar Marinha Nova, 26-8-1933 Pojos, Rabos, Pinheira e lodo.

N.º 14 Canal de Ovar, 26-8-1933 Rabos, Erva, Pinheira e lodo.

N.º 15 Praias particulares próximas de Testada, 3-11-1933 Rabos, Trapa, Erva e lodo.

N.º 16 Canal do Desertas Costa Nova, 8-1-1934 Limo, Trapa, Folha, Fita e lodo.

N.º 17 Canal de Ílhavo, 8-1-1934 Musgo e lodo.

Para fazermos uma ideia do que valem estes adubos, comparemo-los com os adubos químicos contendo os elementos nobres enunciados e que são de emprego mais vulgar: sulfato de amónio, surperfosfato, sulfato de potássio e cal.

O sulfato de amónio contém 20 a 21% de azoto e custa 85$00 cada 100 quilos, calculando-se o preço de cada quilo de azoto sob a média de 20,5% em 4$14(6); o superfosfato a 12% custa 35$00 cada 100 quilos, sendo o preço de cada quilo de ácido fosfórico 2$91(6); o sulfato de potássio contém 50% de potassa e custa 120$00 cada 100 quilos, sendo o preço de cada quilo de potassa 2$40; e a cal custa 10$00 cada 100 quilos, ou seja a $10 cada quilo.

É sobre esta base que assentarão os nossos cálculos.

AMÉRICO VIANA DE LEMOS calcula a quantidade de água que o moliço arrasta, quando é descarregado dos barcos, em 60 a 82%.

A média das duas médias de análises apresentadas e a média destes dois últimos números é que hão de servir ao que nos propomos. Portanto, uma tonelada de moliço seco pode conter:

9,81 quilos de azoto
2,82 quilos de anidrido fosfórico
16,22 quilos de potassa
45,39 quilos de cal

E uma tonelada de moliço ao sair do barco pode ter:  / 188 /

710 quilos de água
2,84 quilos de azoto
0,82 quilos de anidrido fosfórico
4,70 quilos de potassa
13,16 quilos de cal

Portanto, as 400.000 toneladas em que calculamos a colheita de 1933-34 continham:

1.136.000 quilos de azoto
328.000 quilos de anidrido fosfórico
1.880.000 quilos de potassa
5.264.000 quilos de cal

Sendo assim, em função do custo dos adubos químicos atrás enunciados, os moliços da última colheita podiam valer:

 

pelo azoto

4.709.856$00

pelo fósforo

956.448$00

pelo potássio

4.512.000$00

pela cal

526.400$00

Total

10.704.704$00

 

equivalendo a:

 

Sulfato de amónio

5.541.463 quilos

Superfosfato a 12%

2.733.333 quilos

Sulfato de potássio

3.760.000 quilos

Cal

5.264.000 quilos

 


A LAVOURA E O REGULAMENTO DA RIA

A classe agrícola, ou aquela que mais directamente tem os seus interesses ligados com ela, encontra-se bastante prejudicada com o actual Regulamento da Ria.

Diz-se que antigamente, quando não havia uma tamanha época de defeso e esta era em Julho, a praia dava melhor e mais abundante moliço. A este propósito podemos invocar os tais dados que referimos atrás e de que discordamos, como tendo-se calculado a quantidade de moliços que noutros tempos se arrancavam à Ria em quantidade superior à que actualmente calculei. Poderia produzir-se melhor, mas, mais quantidade do que actualmente, não me parece possível. / 189 /

A fiscalização do defeso estava entregue aos regedores das freguesias a que a Ria pertence.

No Boco − Um barco de moliço seco

O benefício que então a lavoura tirava dos moliços era muito superior ao de hoje, diz-se, e é de crer que assim fosse. Várias razões se apresentam a favor dos Interessados, dentre as quais exporemos as que achamos mais importantes.

Apontam primeiramente a falta de adubos para o milho que seria remediada se o defeso não fosse estabelecido precisamente na época em que se semeia; e depois, em Agosto e Setembro, tinham melhores moliços para estrumar as terras em cobertura, em virtude de se terem criado num mês de intensos calores e sobre um fundo bastante remexido.

Há um princípio agronómico que, por várias razões, manda enterrar os estrumes. Pois, a maior parte dos moliços, que hoje quase totalmente são empregados como adubos de cobertura, seria enterrada logo a seguir à apanha, se esta fosse feita em época própria, tendo a aplicação do dito princípio mais razões a seu favor do que as habitualmente invocadas na sua / 190 / defesa: levaria à terra uma certa porção de água, e constituiria uma camada protectora da humidade do solo; os moliços colhidos em épocas em que a salinidade das águas estaria longe de ser máxima, como é no verão e no outono, a quantidade de cloreto de sódio que transportariam para as terras onde haviam de ser aplicados, não causariam tantos prejuízos; embora as chuvas arrastem esse sal, a muito custo deve sair dos terrenos, havendo portanto necessidade de lhes diminuir a salinidade.

No Carregal − Moliço aguardando a ocasião de ser empregado.

Por outro lado, as enormes percas que se dão com o amontoamento dos moliços à espera de serem aplicados em cobertura depois da colheita dos milhos e sementeira das pastagens de inverno, também é razão para ponderar.

A colheita dos moliços para secar principia sempre mais tarde, de Setembro em diante.

A modificação do regime actual de defeso para que fosse estabelecido outro mais de harmonia com os interesses agrícolas da região, beneficiaria à agricultura debaixo de todos os seus aspectos.

Não deixa de ser interessante notar-se que os autores do relatório que precede o actual Regulamento da Ria de Aveiro reconheceram superioridade à produção de «algas» comparada com a do peixe, apesar de não terem feito quase nenhum caso da exploração dos moliços. A produção do peixe em 1911 está calculada, aproximadamente, em 54.000$00 e a produção do moliço num valor superior a 270.000$00.

Nestes dois últimos anos, sob o pretexto da crise, o defeso tem começado um mês depois, em Abril, tendo assim uma duração de dois meses.

Pois bem; visto não haver inconveniente para a piscicultura e para a criação de plantas submersas na redução do defeso em um mês por causas sociais de interesse local de ordem superior, a hipótese da modificação da época do defeso conservando-se com a duração de dois meses e meio, desde 1 de Junho até 15 de Agosto, supondo que o «depauperamento» das pescarias não fosse tão grande que não seria compensado pelos benefícios que daí adviriam para a região pelo lado agrícola, interessaria social e economicamente a todos os povos da Beira-Marinha, atingindo mesmo a economia da NAÇÃO.

TOMÁS TAVARES DE SOUSA

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(1) AMÉRICO VIANA DE LEMOS em «O Moliço da Ria de Aveiro» (Revista da Faculdade de Ciências, voI. IlI n.º 4 Coimbra, 1933) dá como duvidosa a família a que pertence esta planta.

 

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