P.e Miguel de Oliveira, A vila de Ovar. Subsídios para a sua história até ao séc. XVI, Vol. 2, pp. 111-118.

A VILA DE OVAR

SUBSÍDIOS PARA A SUA HISTÓRIA

ATÉ AO SÉCULO XVI

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QUASE não há, entre Douro e Vouga, monte nem regato que não venha mencionado em vélhos documentos. Como, porém, escasseiam elementos históricos para o estudo da Ria de Aveiro e das povoações ribeirinhas, importa recolher cuidadosamente todas as referências que possam esclarecer a sua evolução. Sobreleva naturalmente em interesse a documentação relativa às salinas e à pesca.

 

AS SALINAS DE OVAR

As marinhas portuguesas de que temos mais remota notícia eram situadas no limite do actual concelho de Ovar, na vila Dagaredi (Válega). Em 31 de Agosto do ano de 929, o monge Toresário vendeu parte delas ao abade Viliulfo, do convento de Moreira, por 6 soldos galegãos. O respectivo documento, publicado nos P. M. H. D. et Ch., com o n.º 35, regista os seguintes pormenores:

 

«uendimus salinas nostras proprias quam auemus in uilla dagaredi et auent iacentia ipsas salinas in loco predicto quod uocitant capetello iuxta corte salinas ariani de parte stario fontanella uendimus uobis medietate de ipsa corte ab intecrum cum suis muris et maris uel suis uasis omnia uobis uendimus et de parte monte uendimus uobis ibidem suos muros petrineos et suo casare uel suo exito et suas fontes et de parte maris suos cepales et terreno pro salinas facere».

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Em 953 aparecem mencionadas pela primeira vez as marinhas de Vila do Conde e em 959 as de Aveiro. A exploração salineira ao norte do Douro, circunscrita segundo parece à foz dos rios Ave e Leça, continuou por todo, o século XI, para entrar em declínio logo a seguir, pois no princípio do reinado de D. Afonso II já o Minho se abastecia com sal de Aveiro. Verifica-se a sucessiva extinção das salinas de norte para sul no litoral português, e dentro da Ria uma notável redução da sua área com o decorrer dos tempos.

As marinhas de sal do termo de Ovar desapareceram talvez há mais de 500 anos, sem deixarem lembrança na própria tradição popular. Por felicidade, a documentação a elas respeitante permite-nos concluir que eram muito vastas e constituíram apreciável elemento de prosperidade para este povo.

Como vimos, um documento de 1026 já inclui três moios de sal num resgate de pessoas pago aos Normandos em Ovar(1), e outro de 1101 fala de salinas anexas a uma propriedade de S. Donato. Para não alongar este trabalho, limito-me agora a apresentar por ordem cronológica extractos de vários outros documentos.

 

Ano de 1125 «Ego menendo gonsaluiz et mater mea eldonca aluariz et meos filios [...] uobis garsea pelaiz et gundisaluo garsea et bona garsea [...] kartula uendicionis et firmitudinis de hereditate nostra propria una marina que habemus de parente meo discurrente ribulo ouar subtus monte longara. Damus uobis adque concedimus pro qua accepimus de uos in precio XVI bragales». Era de 1163, a 10 das calendas de fevereiro (Livro Baio Ferrado de Grijó, fI. 81 v.).

Ano de 1126«Ego menendus ramiriz. una cum uxore mea guntina menendiz uobis nuno suariz et uxori uestre eluire gomez et ipsi monasterio sancti saluatoris ecclesiole. facimus kartam de ipsa hereditate quam habemus in uilla dicta uermui . et in ipsas marinas . quattuor talios iuxta ipsam marinam de tructesindo brandiaz . subtus monte castro recarei . discurrente riuulo uuar . territorio portugalensi . sub opido sancte marie de ciuitate prope littus marinum [...] pro pretio quod nobis dedistis L modios». Era de 1164, a 16 das calendas de fevereiro (Baio Ferrado, fI. 80 v.).

Ano de 1163 «Ego gunsaluus garsia consensu mee uxoris bruili petriz . fatio kartam uobis preposito ecclesiole dompno petro et priori dompno godino et omni conuentui canonicorum ecclesiole . de quarta parte de illa marina de / 113 / [Vol. II - N.º 6 - 1936]  longara que fuit de meo patre . pro pretio quod a uobis accepi XlIII modios . uel solidos».Era de 1201, no mês de fevereiro (Baio Ferrado, fI. 80).

Ano de 1298 Stevam Ferreiro e sua mulher Gontia Johanes, Giral Martins dicto do Paaçó e sua mulher Margarida Pires, Christovam do Paaçó e sua mulher Domingas Martins, e Martim Amado fazem «carta de doaçom e de perduravel firmidoem» ao Mosteiro de Grijó «da marinha nossa do talladoiro» que pegava com outra já pertencente ao Mosteiro. ...«em Cabanães sete dias andados de Setembro era mil trezentos e trinta e seis» (Tombo do Mosteiro de Grijó, voI. I, fI. 245 v.).

Ano de 1315 «Gonçalo Eannes vezinho e morador de cabanães filho que ffoi de Joam Mendis do dito Logo mando ffazer [carta de doaçom e perduravil ffirmidoem] a vos Dom Pero Pires Priol do Moesteiro de Igrijoo pera o dito Moesteiro duum talho de marinha que eu hei no lugar que chamom a Toussa o qual talho foi de Joham Garouvio que jas a par do Curbo per tal preito e per tal condiçom que eu e mha mulher ajamos em dias de nossa vida dambos e demos ende em cada hum anno ao dito Moesteiro por conhecimento duas carregas de sal de seix buzcões e depos nossa morte dambos deve fficar o dito talho eisentamente ao dito Moesteiro [... ] feito foi em o Moesteiro de Igrijoo tres dias de Janeiro era de mil e trezentos e sincoenta e tres annos» (Tombo do Mosteiro de Grijó, voI. I, fI. 234).

Depois do ano de 1315, não encontro documento que fale das salinas de Ovar. Há uma carta de aforamento duma marinha «em aueiro que jaz no puxadoiro» datada de 15 de Maio de 1433 (Liv. 2 da Chanc. de D. João I, fl. 91 v.), mas não consta com certeza que se trate do Puxadouro de Válega. A data do Foral (10 de Fevereiro de 1514), todas as marinhas eram de certo extintas, embora se conservasse o pagamento de direitos em sal pelos terrenos em que tinham sido exploradas:

 

«Item paga o moesteiro de grijo polIos casaaes e herdades que tem na marinha douar e de cabanoões em cada hum anno sesemta alqueires de sal polla medida que atee agora pagou».

Os documentos que ficam extractados não são, todavia, os únicos que se referem às salinas de Ovar, nem sequer os mais importantes. Têm especial interesse as Inquirições que mais adiante se reproduzem e cuja integridade não vale a pena sacrificar à cronologia ou à exposição lógica dos assuntos. / 114 /
 

 A PESCA EM OVAR

Contemporânea da indústria salineira deve ser a da pesca,  mas ainda aqui não abundam informações documentais.

Como veremos, nas inquirições tiradas em 1251 na Terra de Santa Maria, já se encontra imposta uma contribuição em peixe aos moradores de Cabanões «no dia em que o rei estiver na Feira, se fôr dia de pesca». Lembram esse imposto as inquirições posteriores, e há uma carta de D. Dinis, datada de 1292, a fixar os direitos do pescado neste concelho. Falam os documentos em pinaças, caravelas e barcas, e das espécies citam a balea, o yrez, a sibha...

Contribuição semelhante à do julgado de Cabanões, pagavam os moradores do de Figueiredo quando o rei estivesse no paço que lá tinha, como consta de diversas inquirições. Registe-se também o que se diz, relativamente ao rio Vouga, na inquirição feita no julgado de Sever a 11 de Julho de 1284:

 

«Item disseron todalas testemuyas que EIRey perde muytos dos seus dereytos de Rio de uouga pelos canaes que seran o Rio que fazen danbalas partes do Rio e non corren os sauaes nenas lanpreas porque serran o Rio no Juygado de Vouga e de Seuer en muytos logares. E disseron se orrio fosse aberto per hu a augua est mais grossa per quanto podesse ir huma barca que matarian mais pescado e aueria ende EIRey o terço e as premediuas de cada cabeça que fosse ao Rio e seeria grande sa parte. Item disseron que ha y muytos logares que teen canaaes en Vouga e non dan ende a elRey nada».

Os documentos de Cabanões falam em pesca do mar, e não se pode facilmente admitir a vinda de baleias a uma ria, embora diferente da actual e com largas entradas marítimas.

Convém, no entanto, notar que os velhos documentos não têm designação própria para este acidente do nosso litoral. No ano de 1103, o presbítero Sueiro doa a D. Maurício, bispo de Coimbra, quanto possui «in uilla quam appellant Isgeira que habet iacencia secus foce Uauca prope littora maris» (Livro Preto, fI. 162 v.). Nas Bulas de Pascoal II (ano de 1115) e Calixto II (1120), delimitam-se os bispados do Porto e de Coimbra pelo rio Antoã «sicut descendit ad mare oceanum». Em carta de doação duns casais da «vila» de Rexico (Fermelã) ao mosteiro de Grijó, no ano de 1182, o tabelião, com pretensões a estilista, situa-os «in liture maris oceani, Vauga flumine discorrente, ipsaque villa introitum ejus in mare ab Orientali parte non multum eminius intuente». A moderna designação de «ria» não entrou até agora / 115 / no falar comum: o nosso povo dá-lhe hoje o nome de rio; os antigos consideravam-na ainda mar...

Além dos curiosos depoimentos das Inquirições, apresentarei adiante outras particularidades sobre pesca e direitos de pescado neste concelho, durante o período que me propus estudar. Mas vai já antecipada a informação de que D. Manuel, por carta passada em Almeirim, a 15 de Abril de 1510, faz mercê a D. Manuel Pereira (depois Conde da Feira) «daqui em diamte em dias de sua vida de todollos dereictos que a nos pertençem ou per quallquer maneira pertemçer possam assi dizimas como quaaes quer outros de toda a pescaria que se fizer na costa do mar da foz despinho atee a foz de Vouga tirando ssoomente a sissa que se arecadara pera nos» (Liv. 13 da Estremadura, fI. 104).

P.e MIGUEL A. DE OLIVEIRA

Continua na pág. 309 ►►►

 

INQUIRIÇÕES RELATIVAS A OVAR E CABANÕES

O documento respeitante às inquirições relativas a Ovar e Cabanões efectuadas por D. Afonso II (ano de 1220?) e D. Afonso III (1251) e ainda uma inquirição especial de 1260 tem de ser reproduzido em formato PDF, devido à existência de caracteres difíceis (para não dizer impossíveis) de replicar nos sistemas informáticos.


DOCUMENTO EM PDF
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(1) −  Além dos autores citados, ver também: JÚLIO DE CASTlLHO, Lisboa Antiga, voI. II, pág. 47, ed. de 1935.

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