Liturgia Pagã

 

«Big bang»

2º Domingo da Páscoa (ano A)

1ª leitura: Actos dos Apóstolos, 2, 42-47

2ª leitura: 1ª Carta de S. Pedro, 1, 3-9

Evangelho: S. João, 20, 19-31

 

Por muito que a gente sofra para começar o que quer que seja, vivemos entusiasmados por uma «força genesíaca», predispostos a dar o nosso melhor para que surja algo de novo.

Nos Actos dos Apóstolos, sentimos como, depois dos dias pesados da Paixão, se manifesta a necessidade de sair de casa e a espalhar a alegria de um «mundo novo». Para todos sorrimos, mesmo para aqueles que nos importunam, e não há pedra traiçoeira que nos faça desistir de correr alegremente.

Então não é que o Mestre está mesmo vivo e maravilhosamente amigo? Será então mesmo verdade que a gente não desaparece com a morte e que Deus é mesmo Pai? Afinal, apesar de tudo, vale mesmo a pena viver?

Com o Mestre, os discípulos compreenderam que o fruto da vida é dar mais vida. Compreenderam que a semente, se não morre, não pode dar fruto. Mas que morre apenas o aspecto exterior e não a vida da semente.

S. Lucas, no livro dos Actos, deixa-se levar pelo entusiasmo ao descrever, de modo muito idealista, as características mais importantes do estilo de vida das primeiras comunidades cristãs, quase pintando um paraíso na terra (e por isto, o modo de viver aí descrito não se pode tomar como normativo: o que importa sublinhar e desenvolver é a disponibilidade para nos ajudarmos uns aos outros. Quantas vezes damos esmola para não nos comprometermos a sério…).

Desta leitura ressalta ainda que a ressurreição de Jesus continua a afirmar-se e a experimentar-se na vida de todos os dias e, mais conscientemente, nas reuniões dos «cristãos», descobrindo que a vida divina (ou «vida brilhante», etimologicamente) é a perfeição da vida humana, o desenvolvimento mais perfeito das nossas capacidades.

O valor da vida de Jesus continua assim na vida das comunidades, com as suas discussões, as suas dúvidas, más escolhas e até desvios graves. A história do Cristianismo é uma contínua sucessão de pinceladas brancas e negras. E S. Tomé, «o incrédulo», mostra como é difícil aceitar que está vivo aquele que tinha sido crucificado.

A 2ª leitura também retrata o ambiente de pioneiros. Mas qual será «a finalidade da nossa fé»? Seria mais exacto dizer que o fim da nossa fé é a salvação da nossa vida em vez de «a salvação das nossas almas». O termo grego aqui usado («psyché») significa a vida pessoal, que luta contra a morte, o eu profundo de cada qual que não se destrói como o corpo actual. Deus é uma Pessoa viva a interessar-se por pessoas vivas (Mateus, 22, 32).

Se é verdade que uma andorinha não faz primavera, também é verdade que as tempestades não destroem a primavera. Se o sofrimento físico e moral debilita a vida, também nos faz questionar a vida, como sucedeu com Job e de algum modo com todos os seres humanos. As coisas serão só o que vemos? Será que vemos o que é mais importante? Libertar-se de preconceitos, mais ou menos científicos, faz doer…

 É próprio de um «Big Bang» marcar o início de uma contínua evolução. Mas a do Cristianismo depende de liberdades que pensam e escolhem.

01-05-2011


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