Liturgia Pagã

 

A Sinfonia do Novo Mundo

33º Domingo do tempo comum (ano C)

1ª leitura: Livro do profeta Malaquias, 3, 19-20

2ª leitura: 2ª Carta de S. Paulo aos Tessalonicenses, 3, 7-12

Evangelho: S. Lucas, 21, 5-19

 

Foi composta pelo checo Dvorak, quando vivia em Nova Iorque, no final do séc. XIX. Com o ritmo e melodias desse “novo mundo”, transformou a velha saudade do seu velho mundo europeu, resultando numa das mais célebres sinfonias da história da música.

Também os textos litúrgicos dos últimos domingos nos falam de um novo mundo, anunciado pelos profetas e por Jesus, ora em termos suaves ora por cenários violentos e mesmo aterradores. Não sentimos tudo isso, nos nossos dias? Não o sentiu toda a Humanidade, ao longo da sua história?

Sabemos que as imagens apocalípticas apenas nos pretendem chamar a atenção para o simbolismo da sua mensagem.

Aconteça o que acontecer e como vai acontecendo, o que importa é mostrar que a nossa fé não é só da boca para fora, mas que vivemos com ela tão naturalmente, com tanta coerência, que as nossas palavras e acções nascem da nossa sede de justiça.

Como se diz num pequeno livro de Jürgen Moltmann («Quem é Cristo para nós, hoje?»), não faz sentido falar do “fim dos tempos” sem falar da ressurreição. Tudo começou com a ressurreição de Jesus – justamente aquilo que, na vida de Jesus, não pode de modo algum ser considerado um facto segundo os critérios da história, embora tenha provocado inegáveis consequências da mais alta importância: entre elas, o surgimento de uma pergunta radicalmente nova para a Humanidade, e que não tem deixado de provocar os homens de todos os tempos – a pergunta sobre o sentido da vida e de toda a Criação.

Na linguagem bíblica, como na linguagem primordial de várias religiões, o Homem e a natureza estão necessariamente ligados. Mas pertence à riqueza do ser humano descobrir em si mesmo o desejo de todo o universo por se transformar num mundo novo sem catástrofes naturais e humanas. Este desejo ganhou mais consistência, com o fenómeno da «ressurreição» de Jesus, experienciada desde os primeiros tempos até aos nossos dias, como esperança de uma árvore carregada de frutos. Da «ressurreição» em si não há testemunhas: de Cristo vivo – isso sim, sempre houve e há testemunhas.  

A unidade, cada vez mais comprovada, do Homem com a natureza, não permite a redenção de uma parte sem a outra. Podemos dizer que ressuscitamos para um mundo «ecologicamente» novo. Com a «ressurreição» de Cristo, experimentamos não só que todas as coisas no mundo se vão alterando, mas que a própria vida – para nós «a coisa» mais preciosa – já começa a transformar-nos em con-criadores dos novos céus e da nova terra. A «ressurreição» passa assim a ser o acto mais profundo da Criação, cujo objectivo é a expressão da glória de Deus na felicidade do universo – é o cosmos inteiro num processo de renascimento.

A morte de Cristo é passagem, transfiguração, e não uma ruptura com o universo da nossa experiência. A vida eterna não deixa de ser vida; o renascimento não deixa de ser a alegria do nascimento. E a sabedoria de Deus (evangelho) é que nos ensina a trabalhar para que haja mais vida (2ª leitura). Contemplação (mesmo a que se diz amorosa) não pode ser preguiça.

Quem ama a vida expõe-se à dor e à morte, mas com a esperança da vitória universal sobre tudo o que é morte. Amando nesta nossa vida, experimentamos já a ressurreição no acto de amor. O amor é mais forte do que a morte, porque aposta na sua própria força de vida.

A morte é a desagregação, a desunião. A vida é unificação. Temos disto experiência quer nas nossas relações humanas quer no mundo biofísico. E não é este o sentimento de unidade e de vida de dois amantes quando se fazem um só?

Com o Espírito da ressurreição, posso viver, amar e morrer, sabendo que com tudo isso estou a construir a sinfonia de um novo mundo.

17-11-2010


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