Liturgia Pagã

 

Quem disse que não vale empurrar?

Domingo 31 do tempo comum (ano C)

1ª leitura: Livro da Sabedoria, 11, 22- 12, 2

2 ª leitura: 2ª Carta de S. Paulo aos Tessalonicenses, 1, 11-2,2

Evangelho: S. Lucas, 19, 1-10

 

Hoje é o dia do nosso herói que dá o nome a estas reflexões de domingo – e eu não consigo deixar de personalizar a história.

E lá me vejo a correr atrás daquele atropelo de gente, pelo menos para saber a razão de tanta correria e vozeamento. O tamanho não me ajuda, a artrose empanca-me as pernas e as vertigens impedem acrobacias… Lá descubro um atalho mais livre. Mas tentar trepar uma daquelas árvores mais à frente? Só a ideia já me faz ver aos trambolhões artríticos e vertiginosos pelo tronco abaixo…

Aproximo-me de novo da barreira da multidão, e dou o melhor para converter artroses e vertigens em força de ascensão – e qual não é o meu espanto ao dar comigo encavalitado num ramo mesmo a jeito, empurrado tronco acima pelos cegos e poderosos encontrões daquela gente que passava coladinha a mim?

Uf! Lá me dei uns momentitos para acalmar e ver bem o que se passava.

Tudo parecia mentira – sobretudo quando oiço o meu nome claramente chamado por uma voz decidida. E era a voz daquele homem que fazia correr meio mundo! Não me inchou o peito porque a caixa torácica também não ajudava, mas os meus ouvidos não perdiam pitada da modulada sonoridade dessa voz que me fez crescer cá por dentro. Juro que ouvi claramente: Zaqueu, desce depressa (esta «pressa» deu-me alguma ansiedade) e prepara a tua casa para que eu lá possa ficar!

Eu nem sabia o que dizia, porque me pus a prometer todas as boas acções possíveis, como acontece à gente quando sonha que nos sai o euro-milhões…

Mas ele nem me pediu espécie alguma de talão. Mostrou-se contentíssimo e falou de uma coisa que a gente ouve e quer muito mas que não sabe muito bem o que é: que a «salvação» tinha chegado.

O resto da história é que puxei de um banquito e até consegui uma coisa rara: pensei!

Por exemplo: Que é bom não desistir; Que eu não merecia mais do que os outros, mas que fui escolhido para ajudar os outros a fazer bem (parece que um apóstolo Paulo disse quase o mesmo); Que Deus não classifica pelo tamanho nem pela chamada «importância social»; que tanto se acolhe em minha casa como em casa de um fariseu, de um pobre ou rico, mas que em qualquer das casas não deixa de dizer aquilo que é mesmo importante, que é verdade e pode fazer doer (acho que não é fácil fazer o mesmo quando se é convidado para almoçar com certos políticos ou outros seres semelhantes…); Que ao falar, leva os seres humanos a sentir a força da esperança que nos leva à acção, uma acção prudente e amiga, que não esgaça a cana rachada – como profetizou Isaías (42,3) e o sábio que adoptou o nome de Salomão (para se dar importância, aliás merecida, mas que viveu uns cem anos, apenas, antes desta aventura).

Deus não se deixa enganar com as medidas humanas e manifestações de honrarias. Quando o profeta Samuel procurava um homem bom que substituísse o rei Saul, ficou muito impressionado com um dos irmãos do futuro rei David. «Mas o Senhor disse a Samuel: Que não te impressione o seu belo aspecto, nem a sua alta estatura... o homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração» (1º livro de Samuel, 16, 7). E escolheu o irmão mais novo, que andava no monte com os rebanhos.

E aprendi que não podemos perder as ocasiões, mesmo com artroses nas pernas e na cabeça… e que Deus não é um estraga-vidas, pois, como diz «o sábio», ama tudo o que existe e não quer que nada desapareça: para Ele, todo o universo é uma canastrada de preciosidades, a que deixou preso «o seu espírito incorruptível».

Com um optimismo deste calibre, a gente até acha que vale empurrar: para que se trepe com mais segurança, mesmo sem as «medidas» mais mediáticas, e possam olhar bem a toda a volta, procurar o que é mais importante e seguir a estratégia mais sábia.

30-10-2010


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