Liturgia Pagã

 

Bem prega Frei Tomás

26º Domingo do tempo comum (ano C)

1ª leitura: Profeta Amós, 6, 4-7

2ª leitura: Carta de S. Paulo a Timóteo, 6, 11-16

Evangelho: S. Lucas, 16, 19-31

 

Parecem obsessivas as leituras dos últimos domingos, no ataque aos que vivem no luxo. E no entanto, a riqueza é vista pela Bíblia como fruto de vida honesta – não faltam figuras famosas de quem engrandeceu a nação e aumentou o bem do povo pela boa gestão das muitas riquezas adquiridas sabiamente. O aspecto negativo, confirmado pela longa história da humanidade, é que os homens se embriagam tanto mais facilmente quanto mais saboroso for o vinho.

De facto, a embriaguês do presente acarreta desgraças futuras: por um lado, os «instalados na vida» vivem sob a inquietação de perder as regalias (para não falar de uma justiça para além do tempo…); mas sobretudo podem destruir o bem-estar (fundado na riqueza material e afectiva) de autarquias, nações e até civilizações inteiras. Fazem discursos bonitos, como Frei Tomás, mas para melhor esconderem o egoísmo e a insensatez, totalmente impróprias de quem tem a responsabilidade de cuidar pelo bem-estar de milhões de pessoas.

Por outro lado, é um fenómeno natural ver que muitas pessoas se juntam à sombra de quem é rico – alguns para uma séria competição. E quem não deseja ser rico? Enriquecer é de facto um dos mais eficazes processos de adquirir poder social e através deste o poder político (a história revela que, ao longo dos tempos até hoje, o poder religioso também pode sofrer dos mesmos males).

Mas os ricos de que se fala são os que fecham os ouvidos ao grande e claro grito da humanidade por mais justiça. Não é só o grito daqueles que objectivamente mais sofrem – é também o grito de todos os que sofrem por verem demasiados «freis Tomases» que se desligam dos problemas reais (quando muito, conhecem a realidade «estatisticamente», sem coragem de viver junto das dificuldades reais do povo, sem a sensibilidade que permite procurar soluções a partir dos problemas e não das ideologias dos vários gabinetes).

A leitura de Amós continua a ser actual: é nos chamados «países pobres» que os recursos materiais (por vezes enormes), se concentram nas mãos dos «freis Tomases» e sua pandilha. Até parecem esquecer que o esquecimento do bem-estar dos outros não é só condenável pelo nosso sentido inato de justiça mas é também gerador de outra força inata: a violência. Por não quererem saber que só fazendo os outros felizes é que constroem a sua própria felicidade, atraem a desgraça para todos e propagam as sementes do ódio.

Alguns «Freis Tomases» apregoam que a justiça se fará no outro mundo, e que portanto não devemos perder a esperança. É verdade que, no evangelho, o rico foi castigado porque não foi sensível aos problemas sociais à sua volta. Mas não é grande consolação dizer ao pobre que “irá para o céu” – pois até pode não ir! Ser pobre não é automaticamente ser bom! Como ser rico não é automaticamente ser mau!

Precisamos de olhar para todos os seres humanos como reais colaboradores do bem-estar de povos inteiros, condição essencial para que aumente com segurança o meu bem estar – o que por sua vez dará fruto a partir do nosso pequeno meio mas com repercussões globais.

Como diz a 2ª leitura, temos que ter coragem de «dizer a verdade» e de «praticar a justiça». Felizmente há muitos exemplos de quem recusou atraentes benesses porque causavam injustiças sociais. Deram força ao movimento dos que lutam pelo bem de todos.

 Jesus tinha vários amigos ricos e socialmente importantes. Ser-se pobre ou rico não engrandece ou desmerece alguém: o valor de cada qual reside em pôr a render nem que seja o pequenino talento que lhe foi distribuído. O mundo será o que for a nossa capacidade de gestão em conjunto, construindo assim o famigerado «reino de Deus» – entendido como sociedade que pretende ser justa, consciente de que abrir-se à realidade de Deus é abrir-se à admiração e cuidado do universo inteiro, onde todos nunca somos demais para tirar proveito da sua beleza e fonte de bem estar.

 Jesus viveu confiante de que nem nos maus momentos devemos ter medo, pois «o espírito de Deus» dá-nos a sabedoria para sermos construtores da vida. Segundo a parábola do rico e do pobre, temos ao nosso alcance tudo o que é necessário para saber agir com sabedoria.

«Deus ajuda a quem se ajuda». Mas ninguém se ajuda sozinho. A alegria e bem estar multiplicam-se com o respeito mútuo e amizade. Às vezes, até vale a pena, embora condenando os maus exemplos, atender a certas verdades de Frei Tomás…

26-09-2010


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