Liturgia Pagã

 

Ir ao fundo em 1ª classe

 

32º Domingo do Tempo Comum (ano A)

1ª leitura: Livro da Sabedoria, 6, 12-16

2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Tessalonicenses, 4, 13-18

Evangelho: S. Mateus, 25, 1-13

  

No filme «Titanic», vemos a cena impressionante de uma mãe adormecendo a filha, apesar  do célebre navio já se encontrar praticamente inundado pelas águas. E nos dias que antecederam a independência da antiga Rodésia, podia-se ler num periódico local o seguinte título a toda a página: «We go down, but we go down first class».

Duas maneiras semelhantes de encarar uma grave situação, e contudo com diferenças fundamentais:

Podemos adormecer confiados em que fizemos tudo o que tínhamos a fazer na luta contra o mal e a sua tristeza; como podemos recusar-nos a alterar uma situação cómoda, queimando até ao fim os cartuchos duma boa caçada que sabemos ir acabar muito mal.

A primeira atitude é difícil, como são difíceis todos os actos humanos em que se revela a excelência da dignidade humana.

A segunda atitude é muito mais comum. Tudo fazemos por ignorar o tempo das vacas magras, por ignorar o sempre iminente fim temporal bem como as exigências do futuro.

A primeira atitude abre caminho à Sabedoria (1ª leitura), como que forçando Deus a sentar-se à nossa porta, esperando pelo nosso regresso de aventuras muitas vezes perigosas e desalentadoras. Porque, durante toda a viagem, nos preparámos para enfrentar desertos, precipícios e salteadores, nunca desistindo de elaborar projectos e de os transformar ou até eliminar, movidos pela vontade do que vale mesmo a pena.

A segunda atitude é própria de quem não tem coragem para projectos assentes na vontade pessoal, indo atrás do que está na moda quanto a sucesso e bem-estar. Nem sequer nos damos tempo para perguntar em que consiste de verdade e se fundamenta essa ideia de sucesso que nos impingem e nos fazem pagar. Comportamo-nos como uma manada de búfalos exibindo robustez e velocidade na corrida cega para um abismo.

A primeira atitude é compatível com a exibição de robustez e velocidade, com todo o prazer dos bons momentos e com a satisfação pela eficiência do trabalho. Porque sabe a medida certa de todas essas coisas boas.

A segunda atitude até as coisas boas acaba por estragar, como quem perde o direito à garantia devido ao mau uso do bem pretendido.

A história das dez moças, atribuída a Jesus, preparadas para a despedida de solteiro do noivo, dá exemplo destas duas atitudes. Metade delas só tinha a cabeça no ar. Se é verdade que todas elas se divertiam à espera do noivo, só as bem avisadas é que se divertiram até ao fim. Puderam dançar a noite inteira, porque tinham levado a sério os preparativos da festa, sem medo que lhes faltasse a luz das candeias ou o dinheiro para as comidas e bebidas.

As moças tontinhas, de certeza as que davam mais nas vistas (pelo que a gente vê nas grandes notícias da sociedade…), contavam com a ajuda das outras para situações de emergência. Também sabemos mais que bem como os «espertos» se aproveitam dos honestos! Mas Jesus lembrou outra face da moeda: tantas vezes vai o cântaro à fonte…

E há sempre, sempre, aquele momento a quem ninguém escapa, frequentemente anunciado por muita coisa que nos faz sofrer e angustia. Vale a pena arriscar uma multa pesada só para não nos darmos ao trabalho ou ao preço de um lugar protegido? Não é verdade que, deixando as coisas em ordem, vamos muito mais à vontade para o trabalho ou para o divertimento? Até temos melhor disposição para fazer do trabalho uma festa, dando o ambiente de quem está à espera de um futuro melhor.

Entre danças e conversas, quanto tempo não se terá perdido com as discussões, caprichos e mau génio das moças tolinhas! Divertiram-se «em primeira», e «em primeira» foram ao fundo.

E por pouco que não arrastavam o grupo das «fixes», tal o jeitinho e lamechice com que se fizeram desgraçadinhas.

Se todas aquelas moças se tivessem mesmo preparado para se divertir, que grande festa não seria! Antes e depois do noivo chegar!

 

 9-11-2008


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