Liturgia Pagã

 

Homem rico & pobre

 

Epifania do Senhor (ano A)

1ª leitura: Livro de Isaías, 60, 1-6

2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Efésios, 3, 2-6

Evangelho: S. Mateus, 2, 1-12

 

«Epifania» – uma palavra “rica” para um menino pobre. Como os presentes dos Reis Magos. Significa «manifestação», em grego, e desde a antiguidade que se aplica este termo ao aparecimento de deuses e forças sobrenaturais no nosso mundo.

Roupas ricas, palavras e presentes ricos... são maneiras tradicionais de dar importância a um acontecimento. Não se esforçar por isso até seria sinal de pouca educação. Por mais lendários que sejam, os Reis Magos foram disso bom exemplo, pois pelos vistos não se pouparam a esforços para preparar a longa caminhada. Só com muito poder material e político é que poderiam garantir quer os estudos necessários sobre o tempo do novo «rei dos Judeus», quer os contactos influentes para o sucesso da viagem, com segurança de pessoas e bens e mantendo a disponibilidade para meditarem sobre os sinais de coisas novas. Se não fossem tão ricos não teriam encontrado aquele menino tão pobre...

A liturgia de hoje realça como a missão de Jesus vem ao encontro das mais profundas aspirações do povo judeu e como dá sentido a muitos textos religiosos do Antigo Testamento. O sonho dos judeus seria ver Jerusalém como «capital da cultura» de todos os povos, fazendo esquecer os tempos em que foi conquistada e humilhada por outros reinos. Dos quatro evangelistas, S. Mateus é o que mais gosta de sublinhar os pontos de encontro entre a história de Jesus e a história do «Povo de Deus».

E de facto foi com Jesus que todo o mundo começou a voltar os olhos para Jerusalém. Ricos e pobres, poderosos e gente comum, letrados ou não, gente de todos os lugares e condições, perguntam-se como encontrar esse Jesus e quem é esse Jesus que parece vir ao encontro dos sonhos da humanidade. O que importa sublinhar é que esse encontro só é possível se caminharmos unidos: ricos & pobres, poderosos & gente simples, letrados & não letrados, e até crentes & não crentes (mais atentos aos desvios e por vezes os mais sinceros). Quem quer deixar alguém de fora não é digno de o encontrar. E na medida em que deixamos alguém de fora, perdemos ajudas preciosas.

É frequente condenar os ricos e os poderosos. Não é preciso ir às grandes religiões para encontrar a condenação severa dos excessos da ambição humana. A falta de educação e a ambição desmedida confundem a riqueza e o prestígio social com o valor autêntico da pessoa e a sua real importância na construção de uma humanidade mais feliz. Já Platão, 400 anos antes de Cristo, denunciava aqueles que queriam ser políticos apenas ou sobretudo pelo dinheiro e honrarias, e até propunha que os lugares mais importantes não fossem demasiado bem pagos, para que só fossem ocupados por quem se sentia vocacionado para se dedicar ao interesse de toda a nação. Contudo, já então essa ideia teve pouco êxito: a maioria das pessoas precisa da motivação da riqueza e do reconhecimento público.  

O ponto fulcral é sempre o mesmo: utilizar para o bem as qualidades com que nascemos e a riqueza que fazemos florescer. Jesus incentivou-nos a fazer render os nossos «talentos» (Mateus, 25,14-30) e a promover a justiça social com a aplicação avisada do dinheiro (Lucas, 16,9-13). O verdadeiro tesouro não é o dinheiro, mas o bem que com ele se realiza (Mateus, 16,19-24). E quanto mais dispusermos de riqueza e de poder, tanto mais nos será exigido que aumentemos o bem comum (Lucas, 12,41-48). O próprio Jesus se apoiou em gente de posses materiais, intelectualmente bem formada e socialmente bem colocada (mencione-se José de Arimateia e Nicodemos, para além de figuras mais conhecidas, como as citadas em Lucas, 10, 38-42 e Marcos, 14, 3-9, 12-16).      

A tentação da riqueza e do poder poderia ter levado os Reis do Oriente a ficar na corte de Herodes... e deixaria de haver a linda história dos Reis Magos. Mas os que não têm riqueza e poder, ou têm menos, quantas vezes «condenam ao inferno» os «ricos e poderosos», não por estes praticarem o que está mal mas sim por inveja e até por preguiça de se dedicarem ao trabalho?

Nos nossos dias, não faltam especialistas no campo da economia e da ética, pretendendo motivar «os ricos» (até despertando um certo orgulho por fazerem o que a maioria não tem coragem de fazer) a destinar a maior parcela possível dos ganhos para investir (portanto com lucros) claramente a favor dos mais desfavorecidos – o que não é possível sem uma aposta séria na educação própria de um ser humano, criativa e independente, sobre uma base sólida de conhecimentos fundamentais «que não levem ao erro, como as informações de Herodes aos Magos». Um empenho comum na educação, em que «ricos & pobres» se ajudam a aumentar a qualidade de vida pelo trabalho racional e honesto.

É verdade que a riqueza e o poder não reflectem automaticamente a qualidade e merecimento de quem trabalha. A justiça social deve ser uma preocupação contínua da humanidade. Mas se as pessoas põem toda a felicidade na riqueza e no poder, facilmente ficarão desiludidas: ou porque não alcançam esse bem ou porque pagam demasiado caro por ele ou ainda, e sobretudo, porque experimentam que não é isso que pode satisfazer uma pessoa a sério.

A alegria da riqueza e do poder consiste na alegria que semeamos e na gestão honesta dos bens à nossa responsabilidade. Porém, ninguém será um bom gestor se não souber escutar a sabedoria daqueles a quem se costuma dar pouca importância social e económica e donde surgem frequentemente opiniões sábias e os grandes homens do futuro.

Pela mesma razão, ninguém se deve desvalorizar a si próprio, por muito pouco importante que pareça. Todos nós temos capacidade de acção, e frequentemente muito mais do que pensamos. Não podemos deixar o nosso destino nas mãos dos outros, sejam ou não «ricos e poderosos»: devemos manifestar a nossa opinião e não ter medo nem de denunciar a injustiça nem de louvar e ajudar tudo o que é justo e bom.

Quando será que todos nos trataremos por iguais, independentemente da riqueza e importância? Quando é que todos os países serão verdadeiramente considerados como igualmente importantes? Só então se gozará da «paz na terra».

Os Reis Magos reconheceram o valor daquele menino aparentemente vulgar. Voltaram os olhos para Jerusalém como símbolo da cidade perfeita, onde toda a riqueza produzida pela humanidade apenas está ao serviço do maior bem de cada um de nós, onde todas as lâmpadas se iluminam (Mateus, 5, 14-16) e ninguém se engana sobre os tesouros verdadeiros a proteger (Mateus, 13, 44-46).

 04-01-2008


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