Liturgia Pagã

 

De «fato domingueiro»

3º Domingo do Advento  (ano B)

1ª leitura: Livro de Isaías, 61,1-2ª.10-11

2ª leitura: 1ª Carta de S. Paulo aos Tessalonicenses, 5,16-24

Evangelho: S. João, 1,6-8.19-28

        

Não digo que ter que ir à missa fosse mesmo uma festa. Mas lá que a gente se vestia bem, vestia (pelos anos 50 do séc. XX…). Os rapazes até se enchiam de importância como «homenzinhos» já «conquistadores». E na noite de Natal, era o «menino Jesus» quem lhes trazia um fato a rigor. Por isso, o domingo era dia de festa, mesmo que só vestíssemos por uma hora «o fato de ver a Deus». E essa hora, mesmo se por vezes aborrecida, nunca deixava de dar uma espécie de toque de magia ao dia inteiro: sentia-se que Deus estava do nosso lado e do lado da alegria.

Também Isaías exultou de alegria, vendo-se com a «nova roupagem» própria do «dia do Senhor» («domingueira»), adequada à festa da Justiça (1ª leitura). Também ele se sentiu «importante» junto de Deus, que o enviou «a anunciar a boa nova»: que o plano de Deus é a libertação de tudo o que nos oprime, de toda a nossa fragilidade. Está seguro de que age com o espírito de Deus – porque não despreza os pobres, antes lhes abre novos horizontes; porque não passa ao lado de quem sofre, antes lhe dá conforto com a presença e com as palavras de sabedoria que libertam o dinamismo e o sentido dos sonhos mais profundos.

Quando Jesus foi convidado a comentar um texto bíblico na sinagoga de Nazaré (Lucas,4,18-19), utilizou esta citação de Isaías. E mais tarde, quando João Baptista, já na prisão de Herodes, mandou perguntar a Jesus se ele era mesmo «aquele que deve vir» (Mateus,11,2-6), Jesus reafirma a sua missão com o mesmo texto.

O evangelho mostra claramente a preocupação de João Baptista e de muitos crentes sobre qual era o seu papel e o de Jesus na libertação progressiva da Humanidade.

É que não podemos confiar levianamente em ninguém. A leviandade impede uma relação séria. Temos que identificar correctamente o próprio Jesus Cristo, para que o nosso seguimento não seja pouco sério ou leviano («confessar» que se é cristão apenas por palavras ou por atitudes fundamentalistas – são dois extremos de leviandade). Mas também não podemos ser levianos connosco, reconhecendo honestamente o que somos.

No seguimento de João Baptista, S. Paulo reconhece a missão de Jesus – com quem nos devemos encontrar usando «o fato de ver a Deus», a condizer com a dignidade da «confissão» séria de que queremos alinhar com as obras de justiça. E o critério de avaliação é claramente dito por Isaías (60,17): «A Paz será a tua inspectora; a Justiça, a tua regra suprema».

A vitória final do bem sobre o mal pertence ao núcleo histórico da fé cristã. A esta vitória alude a expressão muito usada por S. Paulo: a «futura vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo», simbolizando o êxito da união entre Deus e a Humanidade e o ambiente festivo de um bom entendimento entre amigos que se ajudam a levar a vida para a frente.

No tempo de Natal, Deus surge como «habitando entre nós»: presente nas crianças que nascem e que morrem, nos adultos com sucesso e sem sucesso, na alegria e no sofrimento. Um Deus próximo, para quem cada ano da vida pode ser um ano de mais profunda amizade (com todos porque com Ele também). Um amigo que nos acompanha e com quem podemos falar, tanto no auge da angústia como no auge do prazer. Não é um Deus que nos quer «beatos», ou para quem «certas coisas que fazemos» são «feias», e que exige um culto pouco ou nada alegre. É um Deus para quem tudo o que fazemos na vida pode ser bom – sob uma única condição: fazer coincidir o nosso bem com o bem dos outros – e de «fato domingueiro»…

14-12-2014


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