Liturgia Pagã

 

Actualização profissional

6º Domingo do tempo comum (ano A)

1ª leitura: Livro de Ben-Sirá, 15,16-21

2ª leitura: 1ª Carta de S. Paulo aos Coríntios, 2, 6-10

Evangelho: S. Mateus, 5,17-37

 

As antigas universidades, perante os bons resultados dos alunos, davam-lhes «licença» para exercer o aprendido e ensinar – e daí vem o nome de «Licenciatura». Deriva do latim «licet» – é lícito, tem valor.

Deus também concede uma espécie de licenciatura, e a 1ª leitura começa por avisar: «Deus não deu licença a ninguém para fazer o mal».  

         As «licenciaturas de Deus» são moderníssimas: só formam voluntários… E como todos os outros, estes «licenciados» têm que se actualizar continuamente: para saber mais, fazer melhor… e fortificar a voluntariedade!

         Porém, cabe aos «licenciados» o direito e o dever de serem criativos e de não se limitarem a repetir o que outros disseram. Também os «licenciados por Deus» correm o risco de só repetirem (quando não papagueiam) as «escrituras». Ainda por cima, dizem que foi o próprio Deus quem as escreveu, para impressionar mais a quem os ouve. Esquecem que as «escrituras» são fundamentalmente um testemunho da abertura do ser humano a Deus.

         Até S. Paulo, que viu reconhecida a sua sabedoria humana, esquece por momentos o habitual discurso carregado de cultura rabínica, para dizer claramente: Falamos da sabedoria de Deus, misteriosa e oculta. Se os importantes deste mundo lhe dessem atenção, não haveria tanta desgraça e injustiça (2ª leitura). O «canudo» «outorgado por Deus» revela-se no compromisso da vida com as causas justas.

         Mas porque é que S. Mateus fala tanto da antiga Lei e dos ódios e adultérios já anichados no nosso coração mesmo sem passar às vias de facto?

            S. Mateus dirigia-se especialmente a judeo-cristãos e por isso defendia a cultura judaica e as raízes religiosas, donde nasceu o cristianismo. Mas várias das suas perspectivas não coincidem com as dos outros evangelistas e muito menos com as de S. Paulo. A aceitação destas diferenças, de texto e de interpretação, pela primitiva Igreja cristã, revela uma autêntica atitude de «ecumenismo» e de discernimento entre o essencial e o secundário. O que interessa é continuar o projecto de Jesus, sem impor formulários e rituais como eternamente e indiscutivelmente válidos. O evangelho de hoje reflecte pontos de vista ora contraditórios ora demasiado dependentes do contexto do evangelista Mateus, e sobre aspectos muito secundários do que era constitutivo do «ser cristão». S. Paulo (mais aberto aos pagãos) «actualiza-se» mais e diz (Rom. 13,8-10): Todos os mandamentos «estão resumidos numa só frase: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo».        

Faltam é cursos de actualização do amor…

O evangelho de hoje assesta as baterias para a raiz de todas as acções condenáveis: alimentar sentimentos de ódio, utilização do outro como mera fonte de prazer ou de dinheiro, estabelecer a confusão para reinar. Precisamos de nos sentir bem neste combate às raízes do mal, e daí a importância da comunidade em que vivemos ou construímos. Precisamos de desabafar, de apreciar a beleza humana e a do mundo inteiro, num ambiente de afecto e de boa vontade. Jesus Cristo manifestou-se contra toda a dor quer física quer psicológica, não oprimindo quem sofria, fosse qual fosse a razão.

Muito mais coisas boas se fariam, muitos crimes deixariam de existir, se nos «actualizássemos» quanto às nossas intenções e conhecimentos.

16-02-2014


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