Liturgia Pagã

 

«Nossos filhos não são nossos, são filhos e filhas da Vida»

4º domingo do Advento (ano A)

1ª leitura: Livro de Isaías, 7, 10-14

2ª leitura: Carta aos Romanos, 1, 1-7

Evangelho: S. Mateus, 1, 18-24

 

É uma citação do célebre livrinho «O Profeta».

Apesar da decadência religiosa durante o reinado de Acaz, Isaías lembra a promessa de Deus: «O Senhor, por sua conta e risco, vos dará um sinal. Olhai: a jovem (designa, por excelência, a principal mulher de Acaz) está grávida e vai dar à luz um filho, e há-de pôr-lhe o nome de Emanuel». «Emanuel» significa «Deus connosco».

A tradução grega, dois séculos antes de Cristo, em vez de «jovem» usou um termo que pode significar «virgem», o que veio a favorecer a ideia de que o autêntico Messias teria um nascimento fora do comum (como se pode ler nos evangelhos de Lucas e Mateus). Por outro lado, a solenidade desta profecia indica a força com que o profeta sentia a presença do Espírito, que a seu tempo fecundaria a terra, dela nascendo o fruto mais sonhado – o Messias Salvador. Assim começa, entre os vários livros proféticos atribuídos a Isaías, o Livro Da Consolação, também chamado o Livro do Emanuel.

Quando o evangelho de hoje relata a gravidez de Nossa Senhora, cita o texto grego (1ª leitura), mais adaptável à proclamação da vocação extraordinária de Jesus Cristo (a 2ª leitura sintetiza a interpretação não imaginosa da «Força do Espírito» em Jesus).

Falar de «gravidez milagrosa» é realçar a vocação extraordinária da pessoa que irá nascer. De modo muito especial, é o caso de Jesus. O «espírito moderno» tem dificuldade em aceitar o aspecto «misterioso» (isto é, não perceptível dentro dos actuais cânones científicos) de toda a vida. Mas não será verdade que a dignidade da vocação de qualquer ser humano transcende a geração meramente biológica?

Para José, Maria apareceu como mãe solteira, sujeita às condições legais (próprias dos esponsais desse tempo) para divórcio. Porém, o seu amor a Maria era tanto e tão profundamente justo, que Deus como que se “sentiu obrigado” a revelar a José que tudo o que se passava era sinal da chegada de um momento extraordinário para a Humanidade. Significativamente, devido à natural incompreensão dos desígnios de Deus (como se lê em Isaías, 55, 8-9), este ambiente sobrenatural agudiza o quadro dramático entre pessoas que se amam.

E foi José, como lhe competia, que «interpretou» o sentido das Escrituras, dando a esse surpreendente filho o nome não de Emanuel mas de Jesus («o Senhor salva»).

Faz-nos bem olhar para este ambiente de amor entre um casal, de amor a Deus e a toda a Humanidade, não se negando a situações bem difíceis para colaborar com a força do Bem, que é o Espírito de Deus. Aceitaram um filho que lhes deu problemas desde a concepção e que foi sempre muito difícil de compreender.

Mesmo nos filhos com deficiências, ou na morte prematura destes ou de seus pais… mantém-se o convite à colaboração no projecto do Espírito da Vida. É nestas circunstâncias que o nosso amor e responsabilidade são postos à prova, pois tudo parece errado e injusto.

É com esse Espírito da Vida que podemos dar o nosso melhor aos filhos (não só biológicos), de modo a que eles se possam «separar» de nós (Génesis, 2, 24) e seguir a originalidade da sua vocação.

«Nossos filhos não são nossos» – mas são «filhos» de todos nós. Com muita sabedoria e entreajuda, a sociedade pode ser, toda ela, o mais estimulante «berço».

22-12-2013


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