Liturgia Pagã

 

Vá-se lá a gente entender...

1º domingo do Advento (ano A)

1ª leitura: Livro de Isaías, 2, 1-5

2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Romanos, 13, 11-14

Evangelho: S. Mateus, 24, 37-44

  

Já a contarmos com um cheirinho a Natal – e Mateus só fala de um futuro de meter medo! Enche 2 grandes capítulos (24 e 25) quase só com cenas aterrorizantes, juízos severos, guerras, perseguições, angústia… Até as estrelas, a luz e todos os astros do céu serão abalados.       

É o profeta Isaías que nos deixa respirar um bocadinho. Fala-nos de espadas que se transformam em arados, lanças que se transformam em foices, e de uma Jerusalém renovada.

Jerusalém como símbolo do «centro do mundo», onde Deus se manifesta especialmente, onde brilha a palavra divina. E a palavra repetida pelos profetas ao longo de muitas centenas de anos (muitos mais, se contarmos os profetas cristãos com o calibre de João XXIII ou o Papa Francisco) é a de uma paz para sempre. Mas esta paz exige que os seres humanos, criados livres à semelhança de Deus, se disponham a coordenar as forças e o saber para construir uma «nova Jerusalém». Certamente que a reconstrução exige sacrifícios, traz a dor do desprendimento, a angústia perante as transformações, o receio do futuro. Tanto mais que este futuro parece marcado por uma presença pouco desejada e bastante temida, que atrapalha os nossos projectos e sentimentos. Ainda não podemos saber claramente quem é. Provisoriamente, baseados no étimo indo-europeu, damos-lhe o nome de «Deus» («aquele que brilha»).

Na perspectiva judaico-cristã, a história tem um fim e sofre convulsões – mas é destinada a um final feliz.

S. Paulo, como a esmagadora maioria dos primeiros cristãos, acreditava mesmo que essa convulsão final estava iminente – e que por isso não valia a pena preocuparmo-nos muito com as coisas deste mundo, por boas que fossem (1ª carta aos Coríntios,7,32-35). Corrigiu esta perspectiva de iminência e entendeu que o grande Juiz, sem hora prevista de chegada, é Jesus como «o Cristo» («Messias») de Deus, partilhando da glória divina.  Pela íntima união com Deus na vida e na morte, «Deus o exaltou e lhe deu um nome acima de todo o nome» (Filipenses,2,9) – um nome novo. Com razão é que os primeiros cristãos viram na ressurreição o começo da grande transformação do universo criado.

Não podemos pois adormecer, com preguiça de colaborar.

Se ficarmos demasiado distraídos com as tarefas rotineiras, como aconteceu com a maioria das pessoas do tempo de Noé (o evangelho não fala em vidas pecaminosas!), pode-nos acontecer que não tenhamos tempo para entrar na «arca da salvação», simbolizada pela «arca de Noé». O mesmo aviso é dado nas parábolas do mordomo infiel (24,45-41) ou das cinco virgens doidivanas (25,1-13). Na continuação destas parábolas, Mateus apresenta a dos talentos: «as boas contas fazem os bons amigos» – temos que mostrar quanto valemos.

Aquando da chegada do verdadeiro Juiz, diz ainda o evangelho de hoje coisas estranhas como esta: «de duas mulheres que trabalhem na moagem, uma será tomada e a outra deixada». O significado dos dois últimos termos é discutível, mas o sentido é claro: o Juiz vê que uma delas está preparada, mas a outra não. A grande lição é que não conta o que estamos a fazer, seja uma profissão mais ou menos «digna», seja muito ou pouco remunerada: para este Juiz, conhecido como «o luminoso» («Deus»), não está escondido o verdadeiro valor de cada pessoa.

Felizmente, haverá sempre gente que, em tudo o que faça, saberá amar, dedicar-se, ser amigo, divertir-se… Gente para quem a guerra se pode transformar em paz. Gente que aprende a não ter medo da grande «mudança» da Páscoa («passagem») – que é para os cristãos o grande sinal positivo da «transformação» do mundo.

O Natal lembra que tudo começa com o nascimento. Temos a esperança de acompanhar «o ressuscitado» porque ele é um de nós. E assim a gente lá se vai entendendo…

01-12-2013


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