Liturgia Pagã

 

Sintomas de embriaguez

26º Domingo do tempo comum (ano C)

1ª leitura: Profeta Amós, 6, 4-7

2ª leitura: Carta de S. Paulo a Timóteo, 6, 11-16

Evangelho: S. Lucas, 16, 19-31 

           

Parecem obsessivas as leituras dos últimos domingos, no ataque aos que vivem no luxo. E no entanto, a riqueza é vista pela Bíblia como fruto de vida honesta – não faltam figuras famosas de quem engrandeceu a nação e aumentou o bem do povo pela boa gestão das muitas riquezas adquiridas sabiamente. O aspecto negativo, confirmado pela longa história da humanidade, é que os homens se embriagam tanto mais facilmente quanto mais saboroso for o vinho. Pior: há quem saboreie o vinho sem pagar a quem trabalhou deveras para o produzir.

De facto, a embriaguez de alguns «bem instalados na vida» pode destruir o bem estar desde municípios a civilizações inteiras. Ao serem exemplo de baixo nível cultural, favorecem atitudes de comodismo, de falta de vontade para trabalhar, de insensibilidade perante os problemas sociais e de catastrófica falta de senso, levando as multidões a exigir direitos sem deveres e impedindo estudos objectivos.

Por outro lado, é um fenómeno natural ver que muitas pessoas se juntam à sombra de quem «vive muito bem». Enriquecer é um dos mais eficazes processos de adquirir poder social e poder político – e a história revela que, ao longo dos tempos até hoje, o poder religioso também sofre dos mesmos males.

 Mas os ricos de que se fala são os que fecham os ouvidos ao grande e claro grito da humanidade por mais justiça. Não é só o grito daqueles que objectivamente mais sofrem – é também o grito de todos os que sofrem por verem a insensatez daqueles poderosos que fecham os olhos aos problemas reais, sem coragem de escutar a sério e procurar compreender as razões do «cidadão comum». Pois não basta conhecer a realidade «estatisticamente» e pior ainda interpretar as estatísticas segundo os preconceitos das ideologias de gabinete, longe da procura de soluções honestamente fundamentadas.

A leitura de Amós continua a ser actual: é nos chamados «países pobres» que os recursos materiais (por vezes enormes), mais se concentram nas mãos dos referidos «embriagados». O esquecimento do bem estar dos outros não é só condenável pelo sentido inato de justiça mas é também gerador de outra força inata: a violência.

Outra maneira de fugir a este problema é apregoar que a justiça se fará no outro mundo, e que portanto não devemos perder a esperança. É verdade que, no evangelho, o rico foi castigado porque não foi sensível aos problemas sociais à sua volta. Mas não é grande consolação dizer ao pobre que “irá para o céu” – pois até pode não ir! Ser pobre não é automaticamente ser bom! Como ser rico não é automaticamente ser mau! Dizer que o que interessa é «salvar almas» é remeter-se ao dito comodismo, que não ataca a injustiça, destruindo assim as bases da esperança e do próprio amor.

Felizmente há muitos exemplos de quem recusou atraentes benesses porque causavam injustiças sociais.

Jesus tinha vários amigos ricos e socialmente importantes. Ser-se pobre ou rico não engrandece ou desmerece alguém: o valor de cada qual reside em pôr a render o mais pequenino talento que possui. O mundo será o que for a nossa capacidade de gestão em conjunto, construindo assim o famigerado «reino de Deus» – entendido como sociedade que pretende ser justa, consciente de que abrir-se à realidade de Deus é abrir-se à admiração e cuidado do universo inteiro, onde todos nunca somos demais para tirar proveito da sua beleza e fonte de bem estar. Deste modo é que Deus se manifesta como fonte da vida.

Segundo a parábola do rico e do pobre, cada um tem ao seu alcance tudo o que é necessário para saber agir com sabedoria.

29-09-2013


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