Liturgia Pagã

 

O perfume do 1º lugar

22º Domingo do tempo comum (ano C)

1ª leitura: Livro de Ben-Sirá, 3, 19-21, 30-31

2ª leitura: Carta aos Hebreus, 12, 18-24

Evangelho: S. Lucas, 14, 7-14

 

Não faltam filmes em que os homens são arrastados pelo perfume feminino; e a realidade dia-a-dia mostra bem como nos sentimos atraídos seja pelo perfume das flores seja mesmo de produtos sintéticos. Há perfumes como o dos livros antigos, o perfume do mar ou ainda o inconfundível perfume de alguém muito amado.

E não há também o perfume da sabedoria e o perfume da amizade?      

É destes perfumes que fala a 1ª leitura. Não se requer olfacto apurado – mas sim um olfacto não estragado pela poluição. O «cheiro» do poder ou da arrogância não passam de contrafacção bem rasca do perfume genuíno – e o efeito poluidor acaba por ser fatal. «A árvore da maldade cria raízes no soberbo» (1ª leitura).

Há quem dê o «1º lugar» ao perfume da sabedoria e se apresse a ficar perto dos sábios. Porém, os sábios não precisam do «1º lugar», porque lugar nenhum garante a sabedoria. Ser sábio é dar o exemplo de se querer aproximar da verdade e do bem.

Ouvir a sabedoria é a virtude da obediência. Nisto consiste a verdadeira humildade: não ter vergonha nem receio de escutar (sentido etimológico da palavra obedecer = pôr o ouvido à escuta).

A avidez pelos primeiros lugares tira-nos a paz de espírito para ouvir as coisas sábias que porventura serão ditas tanto nos lugares mais nobres como nos mais vulgares. E sem praticarmos esta capacidade de ouvir, com particular atenção para com aqueles que estão «no fundo da sala» e falam livremente sem se preocuparem com lisonjas, pomos em risco a imprescindível prudência na gestão de relações humanas. Só quem escuta os outros, com honestidade e calma, é que pode tomar e propor o remédio conveniente.

Jesus louva a boa educação (e sugere um truque!) que nos garante o perfume de 1ª qualidade: «Quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar, e quando vier aquele que te convidou, dirá: amigo, sobe mais para cima».

Porém, até a quem mereceu o primeiro lugar por ser honesto, verdadeiro, dedicado ao bem comum, espreita a tentação de subverter a sabedoria e de transformar as relações humanas num jogo meramente calculista e escorregadiamente criminoso. Por outro lado, os socialmente desfavorecidos continuam eternamente no último lugar – se é que não são expulsos como indignos ou subversivos… Talvez por isso, Jesus dá um conselho, que hoje em dia passa por “técnica de charme”: «quando ofereceres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos». Mas nada de cair na tentação de “caça aos votos”: «pois serás feliz por eles não terem com que retribuir-te» (Evangelho).

Jesus utiliza frequentemente o banquete como imagem do «reino de Deus». Quando, no «Pai nosso», pedimos a Deus: «que o teu reino se estabeleça entre nós» – manifestamos o desejo da justiça perfeita, própria de Deus. De nada valem os acotovelamentos pelos primeiros lugares, muito pelo contrário – e «ai daqueles que impedem os outros de caminhar na justiça»! (Lucas, 17, 1-3).

Um estudo internacional revelou, há tempos, um facto sugestivo: as aulas preferidas são as de moral – mas simultaneamente são as mais decepcionantes e inúteis! Por um lado, estão entre as mais interessantes e ligadas à vida – mas… quem quer ter sucesso na vida não lhes pode ligar muito!

Acontece que a maioria destas aulas – e até o seu planeamento geral – ainda não desenvolveu a «técnica publicitária» para pôr em primeiro lugar o perfume genuíno da sabedoria e amizade, a começar pela sabedoria e amizade de Deus. Há muita poluição a combater, na própria mensagem; e há falta de discernimento para os conflitos da vida, talvez porque falta coragem, nas próprias escolas religiosas, para os enfrentar sem medo e propor sem medo alternativas bem fundamentadas e cativantes para uma sociedade mais justa.

Mas estas aulas, lindas apesar de tudo, podem ao menos mostrar como há leis tão mal feitas que só favorecem a falta de respeito por tudo o que é lei, só contribuindo para desorganizar a sociedade; e que as próprias leis morais não são suficientemente reflectidas e dignificadas; e que a justiça é uma luta contínua.

Como diz a carta aos Hebreus, só vê estas coisas quem presta atenção às realidades acima do sensível – ou seja, quem não tem o olfacto poluído…

01-09-2013


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