Liturgia Pagã

 

Devagar de vai ao longe

11º Domingo do Tempo Comum (ano B)

1ª leitura: Livro do profeta Ezequiel, 17, 22-24

2ª leitura: 2ª carta de S. Paulo aos Coríntios, 5, 6-10  

Evangelho: S. Marcos, 4, 26-34

 

Tanto o evangelho como Ezequiel falam do misterioso «reino de Deus», que pouco a pouco, com retrocessos, com angústias, sofrimentos, mas também com alegrias e com a força da vida que é a força da esperança, vai juntando a humanidade inteira, sem limites nem de tempo nem de espaço, sob o objectivo comum da justiça perfeita. Ezequiel sublinha que este projecto seria louco, se não houvesse dentro de nós o poder da força de Deus, que «humilha a árvore elevada e eleva a árvore modesta» (o «reino de Deus» não se faz com a luta pelo poder mas com a luta pelo bem-estar de toda a humanidade – só assim se defendendo o bem-estar de cada qual).

É um projecto que se estende muito para além da vida individual, quer no espaço quer no tempo. O nosso estreito ângulo de visão é que engana o juízo que fazemos de «como vai o mundo». As pedras majestosas do templo de Jerusalém podem ruir (Marcos, 13, 1-2); mas aquelas «pedras» com que cada ser humano marca presença no mundo, mesmo se parecem ignoradas, nunca mais serão destruídas. E devagarinho, com «pedrinhas» tão simples e fortes como breves palavras amigas, se vai solidificando a esperança da humanidade. Só quando o empreendimento tiver atingido a forma madura, é que ficará bem claro quem lutou pela vida ou pela morte (evangelho).

O templo admirável que é o corpo humano tanto pode abrigar uma força de vida como uma força de morte. Ao longo dos séculos, as leis humanas pretendem apoiar as forças de vida, apesar da força de morte de muitos poderosos envenenadores da humanidade. Põe-se continuamente o problema do bem e do mal, um problema que também ele vai evoluindo devagar, com retrocessos e sucessos, com mesquinhezes e com heroísmos.

S. Paulo preocupa-se muito com o discernimento do bem e do mal. Nesta carta, provavelmente um aglomerado de duas ou mais cartas originais, mostra-se particularmente inquieto pelo surgimento de falsos profetas, «envenenadores» da evoluída sociedade de Corinto. Quem não gostaria de ver perfeitamente realizada a justiça do «reino de Deus»? Mas se nos cerca a angústia perante o carácter transitório desta vida a que somos lançados e que muitas vezes nem parece vida… valerá a pena tanta esperança e tanto esforço? (1ª Coríntios, 15, 32).

Para S. Paulo, «caminhamos à luz da fé e não da visão clara» (2ª leitura). A nova vida, prometida por Cristo, será mesmo a plenitude do prazer de viver, sem sombras de angústias, com todas as pessoas que amamos – com o prazer de sentir o amor de todos os seres humanos e de tudo o que dá alegria à nossa vida? Dentro dos limites humanos, a resposta é a da força do optimismo perante a dolorosa passagem para o «novo mundo»: é impossível imaginar sequer a alegria sem sombras que nos espera (1ª Coríntios, 2, 9; Romanos, 8, 18ss). Não se trata, porém, de uma «alegria branca» mas de uma alegria cheia de cor. «Um novo céu e uma nova terra». O encontro com Deus em que vida, eternidade, beleza e alegria se confundem, em profundo contraste com a actual condição humana.

Porém, é já nesta vida que temos que ir ao encontro do que nos faz a todos felizes. O bem-estar da sociedade, assente no trabalho de cada qual para o bem comum, é uma prioridade bem visível noutra passagem desta carta: a comunidade de Corinto promoveu uma «colecta ecuménica», junto de todas as comunidades conhecidas, para socorrer as dificuldades materiais com que se debatia a comunidade de Jerusalém. Só que os coríntios eram bons, sobretudo, para dar ideias e ficar a ver os outros a trabalhar… (2ª Coríntios, 8, 10-15).

É verdade que o «reino de Deus» acaba sempre por ir crescendo, aproveitando o que é novo e o que é velho e servindo-se do «erro» como uma «aventura» de que se tira sabedoria. Por isso vai devagar – mas que não seja por ficarmos de braços cruzados a ver só os outros a trabalhar…

17-06-2012


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