Liturgia Pagã

 

Era mesmo a sério

Domingo de Ramos (ano B)

1ª leitura: Profeta Isaias, L, 4-7

2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Filipenses, II, 6-11

Evangelho: S. Marcos, XIV, 1 – XV, 47

 

Quando Jesus falou do final bem difícil que previa para a sua vida, S. Pedro nem quis acreditar no que ouvia: «Deus te livre de tal, Senhor. Isso nunca te acontecerá!» Ao que Jesus retorquiu: «Tu estás a ser como um demónio tentador a impedir a minha missão!» (Marcos, 8, 32-33). Palavras duras, mesmo se ao jeito do estilo do tempo.

Quantas vezes confidenciamos aos amigos: «Estou tão desanimado!» «Sinto-me tão mal!» E os nossos amigos: «Nada disso! Tens a vida toda pela frente!» – mesmo que lhes entre pelos olhos a gravidade da situação. Animar ajuda sempre – mas mentir, ou afastar superficialmente a constatação de um momento doloroso, só nos faz sentir mais incompreendidos, mais angustiados, mais sós perante a “missão” da vida, justamente quando mais precisamos, como perante a morte, de ouvir que a vida valeu a pena viver.

Não é fácil partilhar os grandes problemas. Mas não é sensato fechar os olhos e aproveitar a vida enquanto é agradável (Livro da Sabedoria, 2,1-9). Não seria mais saudável, mais gratificante, darmo-nos as mãos para bem apreciar a vida, cuidando para que não falte a alegria «apesar de tudo», mesmo quando parece chegar o fim?

No Monte das Oliveiras, ficou bem gravada nos apóstolos a angústia de Jesus, a solidão, a falta de coragem para ser até ao fim fiel à razão de ser da sua vida. Antes, porém, os apóstolos não o levaram suficientemente a sério. O «querido mestre» ainda era novo, tinha a vida pela frente… Além disso, a sua sabedoria, «autoridade» e um estranho «poder» a todos inspiravam confiança!

Hoje, lembramo-lo a entrar na grande festa de Jerusalém montado num jumentinho, símbolo de humildade e de paz. A muitos dos seus discípulos teria agradado mais vê-lo num carro de triunfo, à moda romana… Mesmo assim, e sem dúvida porque condizia com antigas imagens da Bíblia, a população entusiasmou-se, como se entusiasma sempre que lhe apresentam alguém como excepcional. Porém, como acontece nos fenómenos de massa, a mesma população, poucos dias depois, deixou-se influenciar pelos «príncipes dos sacerdotes» e gritou diante de Pilatos contra Jesus: «Crucifica-o!».

Quando S. Pedro viu que era mesmo a sério o que Jesus tinha dito, até negou que era seu amigo…

A Paixão, contada ao modo de cada evangelista, ocupa o maior lugar nos evangelhos: o que os marcou, foram esses momentos finais, em que o sofrimento, a vulgaridade, a mentira, a ganância de poder, o ódio e a morte destruíram muito poucos anos de um convívio cheio de esperanças.

O que os discípulos de Jesus, em que nos podemos incluir, só compreenderam depois da «ressurreição», é que o seu mestre levava a vida mesmo a sério. Momentos de alegria, momentos de dor e o momento da morte foram vividos para nos dizerem que somos chamados por Deus a sermos seus companheiros no projecto de criação. A força das nossas mãos é a força de Deus. A bondade das nossas mãos é a bondade de Deus. A  beleza da criação, onde a justiça deve resplandecer particularmente na organização social, está assim nas nossas mãos.

É mesmo a sério.   

01-4-2012


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