No carro vassoura: agarra-te à vida

Era o que parecia gritar a folha branca de papel que apanhei do chão. Comentava o evangelho do Domingo XIII do tempo comum – no Diálogo da paróquia de N.ª Sr.ª da Glória. Falava de como o nosso mais profundo desejo de vida parece arrasado volta e meia pelo sofrimento e morte. Mas que Jesus não se deixou desmoralizar pelo choro e alarido de dor à volta do corpo inerte de uma menina de 12 anos. Embora muito cansado, começou por uma palavra de esperança: «a menina ainda não morreu!» Aproximou-se dela, e com aquele seu jeito suave e a autoridade de quem dá a vida para que haja mais vida, ajudou-a a levantar-se.

É muito difícil «gerir a dor». E particularmente difícil quando se enfrenta uma multidão em clima de desvario, desespero e uma espécie de revolta. Ora «gerir» implica a sabedoria de tirar proveito. Neste caso, Jesus como que diz: Haja calma! Vamos ver o que se passa e o que é que podemos fazer para bem de todos!

Pus-me a pensar: e se a menina já não pudesse ser recuperada?

Creio que para Jesus (e para muitos e muitos «homens de Deus»  pelo mundo fora) a vida dela não acabaria e muito menos aquela Vida que alimenta a Humanidade inteira. No entanto, mais tarde ou mais cedo, de certeza que a menina não fugiu ao nosso velhíssimo «costume» de acabar por morrer. Mas então, não valia a pena fazer nada por ela?

Lembrei as vezes em que o meu carro-vassoura se recusava a andar; e de como nada valia desatar aos gritos e muito menos amaldiçoar alguém (mesmo se com alguma razão). Se não conseguia arranjar a avaria, não hesitava em pedir ajuda e muitas vezes uma boleia: assim podia voltar com os meios capazes de enfrentar o problema. De ideia em ideia, cheguei à catástrofe dos dias de hoje: será que a «boleia» dos migrantes os põe em contacto com «mecânicos» honestos, que ensinem a reparar os estragos no país que muitos outros vandalizaram?

A menina desse domingo bem que representa a nossa fragilidade e o desatino a que nos podemos entregar. Como dizia a folhinha, esquecemos a força que nos vem do «Deus forte», profundamente vivo nos prazeres e alegria, no sofrimento e na morte. «Deus está no mesmo barco e na mesma luta». «À sua imagem e semelhança», cabe-nos criar mundos novos, sempre atentos à melhor resposta perante os desafios da vida. E à semelhança de Jesus Cristo, cada um de nós «veio ao mundo para que haja mais vida».Também é boa ideia imitar a primeira coisa que certamente fez a menina adolescente: ensaiar uns passos de dança e celebrar a vida!

Até o carro-vassoura se pôs a andar com o seu gingar…

Aveiro, 04-07-2018

 

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