De pequenino se torce o pepino?

Há quem «torça o nariz» perante este provérbio. Com alguma razão: Coitadito do pepinito que não o deixam crescer a seu gosto, virando ora para aqui ora para acolá sem resistir ao capricho, e só «se torcendo» de riso ou de raiva. Até que um dia dá por si a pensar pepinamente: ora esta, afinal não me consigo torcer com aquele jeito tão giro e apreciado, que tem o meu colega. Foi à internet, mas tudo lhe parecia uma pepineira. Valeu-lhe o colega «super-torcido»: aprendeu com ele que há uma «torcidela misteriosa» que nos torna capazes de super-jeitos artísticos e libertadores – e que valem mesmo a pena. Nem perdia nada do seu gosto original: bastava querer (ou caprichar?) e voltaria a torcer-se ao jeito antigo ou, quando muito, a inventar inúteis super-jeitos. Mas também aprendeu que há «pepinões» nadinha interessados na «arte de torcer»: fingem ser amigos e promotores da melhor cultura, mas torcem para o mal. Por isso, procurou boas companhias. Tornou-se «amigo da sabedoria» e não fugia às grandes questões. Só que uma inquietação não o largava: Será que esta minha super-torcidela faz mesmo com que eu seja «mais eu»? Ou vou ficar menos livre?

Desta parábola bem podia ter nascido o provérbio… Também nós, que somos «gente», descuidamos as companhias e temos preguiça para as grandes questões. E tanto os colegas como até os próprios «mestres» nos podem «torcer» para o pior. Porém, também há ambientes e culturas em que toda a gente se sente mais feliz – porque todos se ajudam na procura do «super-jeito» para viver.

Acontece que nem os animais irracionais nascem prontinhos para serem «eles próprios». Cabe aos adultos (e não só aos progenitores!) despertar-lhes e orientar o «instinto». Também eles precisam de conhecer a «super-torcidela» que os torna mais aptos a viver e a tirar partido do jeito próprio.

Nos seres humanos, «instintos» ou tendências – tudo se complica mais. E aparecem aqueles intermináveis «porquês» que deixam os adultos exaustos e inquietos: «porquê tanto porquê?» As perguntas não acabam, pois, a cada passo que damos, novas questões se levantam. Os adultos, se «torceram» bem, procurarão transmitir o «super-jeito» da vida. Mas o «pepino humano» tem perguntas cada vez mais difíceis sobre o que é bom ou mau. E não «torce» depressa (o que aliás seria mau). Coisas mais ou menos assim:

Ajuda ir à catequese? Ainda se for com amigos… Não será só para descanso dos pais? (reconhecem que os cansam…). Será divertido? Que me vão fazer? Os meus pais nem vão à missa… e se vão, não voltam com ar lá muito feliz… E que histórias e «super-heróis» tão estranhos!

O mesmo se diga das aulas de moral e religião: Que castigo! E quase tudo ao contrário do que aprendo na escola! Se é uma coisa importante, por que é assim tão aborrecida? Os adultos nem ligam nada… Querem que eu seja como se diz lá?

E «torcem-se» nas cadeiras.

Cabe a vez aos catequistas ou professores: Valerá a pena ensinar religião às crianças? Será possível ensinar uma coisa «transcendente»? Que poderemos fazer para que a criança não perca a noção da mais impressionante experiência da Humanidade? E qual o conteúdo que vale a pena "passar"? E como?

Também se debate se é absolutamente necessário que professores e mesmo catequistas sejam claramente «religiosos». O mais importante, de facto, não é serem adeptos de uma dada religião – e de modo algum deverão revelar fanatismo religioso ou ideológico. O princípio fundamental é que todos os membros vivos da Humanidade, enquanto educadores, sintam o dever (mas com verdadeiro prazer) de proporcionar a melhor herança possível às novas gerações. Portanto, se são gente séria, naturalmente tornam a criança consciente da riqueza da dimensão religiosa. Atentos a que o conceito de melhor herança possível é saber investi-la para uma qualidade de vida cada vez maior. Há sempre «super-jeitos» a inventar – o que implica novas «torcidelas» muito bem pensadas e discutidas. Descansar nas melhores ideias que herdámos é fazê-las apodrecer e deixar-se arrastar pela corrente da vida; por outro lado, se nos limitamos a improvisar, seremos um pepino que se torce inutilmente. Somos mais do que vegetais e mais do que animais: somos racionais.

Aveiro, 17-08-2019

 

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