Liturgia Pagã

 

A mulher que roubou Jesus

13º Domingo do tempo comum (ano B)

1ª leitura: Livro da Sabedoria, 1, 13-15; 2, 23-24

2ª leitura: 2ª Carta de S. Paulo aos Coríntios, 8, 7.9.13-15

Evangelho: S. Marcos, 5, 21-43

 

Seria caso para dizer que estava mesmo a pedi-las… No meio de tanta gente a acotovelar, aos empurrões, aos gritos… Até admira que Jesus tenha conseguido sentir que alguém lhe roubara alguma coisa!

Que faria essa gente toda à volta de Jesus? Que lhe passaria pela cabeça? Se fosse nos tempos de hoje, podíamos imaginar entre eles alguém como um actual senador republicano, católico reconhecido e concorrente a próximo presidente dos Estados Unidos: faria muito barulho e lançaria muitos «vivas» ao líder, mas nas entrevistas deixaria claro: «nem os meus bispos, nem cardiais nem o Papa me podem dar lições de economia». Com ligeiras alterações, foi o que disse há poucos dias e o nome dele é conhecido. É daqueles que acha que os «padres» só percebem de catequese… Bom, é de desejar que disso percebam mesmo! O que não impede que sejam especialistas em economia como em qualquer outro ramo do conhecimento – e até com vantagem: se tiverem uma formação séria e profunda e uma prática aberta ao mundo, podem adquirir uma visão muito mais englobante e portanto mais realista. Sobretudo porque estão – devem estar – atentos aos problemas e desejos mais prementes do género humano. E devem saber, como o Papa Francisco vem repetindo, que a economia não pode ser a arte sofisticada de roubar mas a descoberta da linha orientadora («nómos») da casa («óikos») em que queremos viver.

Temos que «roubar energia» nalgum lado: que seja no poder extraordinário que tinha Jesus para ajudar as pessoas «a estar em forma por dentro e por fora». É a força que excita as melhores potencialidades humanas para encontrar soluções, conseguindo integrar, no desejo de rentabilização do bem-estar pessoal, o prazer de investir no bem-estar social.

É o exemplo da 2ª leitura: S. Paulo incita os cristãos de Corinto a orgulharem-se e a sentirem prazer na partilha judiciosa de bens materiais com as comunidades mais pobres. Deixa bem explícito que não devemos ficar mal para ajudar os outros – ou acabaríamos por ficar incapazes de ajudar. A grande ajuda é ajudar os outros a saberem ajudar os demais.

Jesus revela um Deus amigo, para quem a «salvação» do ser humano não se reduz a «ir para o céu». Como sublinha a 1ª leitura, Deus só pode querer a vida para os seres humanos e que estes alcancem a melhor maneira de a viver. Saber acarinhar a vida é ganhar a nível material e espiritual e gerar uma civilização em que o sofrimento e a morte não sejam vistos como tragédia aniquiladora. A mensagem de Cristo não é um suspiro de resignação para com este mundo.

Para agir racionalmente, não nos podemos ficar pela visão estreita, como a de muitos dos que iam no meio do maralhal à volta de Jesus: sem saberem bem por onde vão e apenas curiosos por ver coisas extraordinárias como «ressuscitar» uma menina – a quem ele tomou «simplesmente» pela mão e mandou «pôr-se de pé», pronta para brincar e tornar-se uma mulher!

Uma mulher como aquela que irrompeu à cotovelada por meio do séquito de Jesus (lembrando a cananeia de Mateus 15,22), desesperada e arruinada pelo insucesso dos médicos, e que «roubou» a Jesus a energia para se curar do crónico fluxo de sangue. Já se imaginou esta mulher a transpor uma barreira de homens que protegia Jesus como se fosse propriedade deles, e ainda por cima fragilizada pelo sentimento de se encontrar no estado de impureza legal (devido ao fluxo de sangue)?

Jesus elogiou essa mulher que aprendeu «a arte de roubar» com o Deus que «gosta de ser roubado»: até ensina o melhor jeito de aproximação e o conhecimento perfeito do que vale mesmo a pena roubar…

2015-06-28


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